A situação das mulheres e das crianças no Iraque ocupado
1. O processo político em curso no Iraque. Situação intolerável dos direitos humanos
2. Igualdade e não discriminação. Retrocesso na condição das mulheres e das crianças
3. Liberdade e segurança da pessoa. Punições colectivas e detenções arbitrárias
4. Tortura e violência sexual. Rotina e total impunidade
5. Sentenças capitais e morte de civis
6. Privação de direitos básicos
6.1. Ruptura do sistema de Educação
6.2. Sistemas de saúde e saneamento em estado catastrófico
7. Deslocados. Nenhum apoio
8. Órfãos, crianças da rua e crianças não registadas
9. Mulheres e crianças de grupos étnicos e religiosos minoritários
10. Conclusões e recomendações
Referências
Decisão final
Sumário
De acordo com uma decisão tomada pela Autoridade Provisória da
Coligação (APC), dirigida pelos ocupantes, foi nomeado um
ministério de Direitos Humanos para o Iraque em 3 de Setembro 2003.
Contudo, o papel e o âmbito deste órgão governamental
parecem ser meramente consultivos e reactivos. Este ministério foi
dirigido por diversas figuras mas, até agora, não teve nenhuma
acção crível na defesa dos direitos humanos.
O ministério dos Direitos Humanos não teve qualquer
posição de defesa dos direitos humanos, por exemplo, durante
operações militares conduzidas pelo governo, muitas vezes
acompanhadas de campanhas de prisões em massa por todo o país. O
ministro terá expressado, ocasionalmente, preocupação
sobre abusos dos direitos humanos cometidos nas detenções feitas
pelos EUA e pelos iraquianos, mas sempre numa linguagem contida e não
comprometida.
Após as eleições de 2005, foi criada uma comissão
para os Direitos Humanos no parlamento iraquiano. O vice-presidente desta
comissão, o Dr. Harith Al Ubaidi, foi assassinado em 13 de Junho 2009,
depois de ter acusado os ministros do Interior e da Defesa iraquianos de
violações brutais dos direitos humanos nos centros de
detenção sob as suas alçadas.
[2]
Há também uma "Comissão para a Maternidade, a
Infância e a Família" no parlamento. Todavia, esta
comissão parece não ter nenhuns planos ou estratégias para
melhorar a terrível situação das mulheres e das
crianças no Iraque de hoje.
Para além disso, há um ministério para os Assuntos das
Mulheres (que parece ter sido abolido desde Fevereiro de 2009). Este
ministério não era mais do que uma fachada de loja subfinanciada,
nos termos da própria ministra
[3]
.
Até hoje, estas instituições de direitos humanos nunca
agiram no sentido de pôr fim à tortura que é praticada, com
a maior impunidade, pelas forças de segurança e de defesa; nem
no sentido de identificar os responsáveis por esta prática,
mesmo quando os nomes dos torturadores e o seu paradeiro são bem
conhecidos do público. Pelo contrário, é proporcionado a
estes torturadores todo o tipo de medidas para sua segurança e defesa
pessoais
[4]
.
O Iraque é signatário da Convenção para a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Contra as Mulheres (CEDAW, ratificada em 1986) e da Convenção
dos Direitos da Criança (ratificada em 1994). O governo Iraquiano
deveria agir no sentido de cumprir as obrigações legais
relativamente a estas convenções.
Neste relatório, temos por objectivo destacar a extensão dos
abusos dos direitos humanos e o fracasso do governo em proteger os iraquianos
em geral, com uma atenção especial à
situação das mulheres e das crianças. No final,
esboçamos as nossas recomendações.
A palavra 'refugiado' aparece entre comas ao longo deste relatório para
indicar que aos iraquianos deslocados não é aplicado o estatuto
internacionalmente reconhecido para as pessoas deslocadas.
1. O processo político em curso no Iraque. Situação
intolerável dos direitos humanos
Um poder de base sectária e confessional
A ascensão da política confessional que se observa no Iraque
é promovida pelas facções políticas que subiram ao
poder em resultado da guerra de 2003. A política confessional é
um fenómeno sem antecedentes na história moderna de Iraque. O
processo político concebido pela Autoridade Provisória da
Coligação dá prioridade e peso esmagador a identidades
estreitas em detrimento dos interesses de toda a nação.
Existe um clima de permanente e, muitas vezes, violenta luta pelo poder entre
os partidos políticos que estão por trás dos muros de
betão da chamada Zona Verde, enquanto os iraquianos sobrevivem de dia
para dia privados dos direitos humanos mais básicos
[5]
.
Isto é, na nossa opinião, o cerne da política de
dissensão e da discórdia civil.
Observamos a ascensão de uma classe política sem verdadeiro
conhecimento ou experiência acerca da boa governação e da
sua ética, apenas preocupada com interesses de curto prazo e ganhos
pessoais. Esses políticos não têm preocupação
ou motivação para fazer avançar os direitos humanos ou os
interesses da nação a longo prazo.
Milícias e forças de segurança partidarizadas
Cada um dos partidos que contribuem para o processo político actual
(calendarizado pela Ocupação), tem uma milícia
semi-oficial e/ou uma força de segurança que coloca à
frente de tudo a sua agenda restrita protegendo os seus interesses,
assediando e aterrorizando, com impunidade, os cidadãos comuns.
Além disso, cada ministério tem a sua própria força
de segurança que não respeita as forças nacionais e muitas
vezes age fora da lei.
O gabinete do próprio primeiro-ministro tem uma força de
operações especiais que responde directamente e apenas perante
ele mesmo.
Mais ainda, as forças de ocupação (50 mil soldados dos
EUA, presentemente) e os cerca de 65 mil membros das milícias armadas e
dos grupos de segurança privados, não só são imunes
às leis iraquianas como também estão para além da
autoridade do governo "soberano" do Iraque
[6]
.
Uma tal fragmentação das forças de segurança
incentiva ao caos e à desordem; promove uma cultura de "senhores da
guerra"; e, em nossa opinião, está no centro do descalabro
da lei e da ordem no Iraque de hoje
[7]
.
Direitos humanos sem melhoria à vista
Fala-se da criação de uma Comissão para os Direitos
Humanos no Iraque. Todas as instituições oficiais de Direitos
Humanos mencionadas acima são apenas um cenário para uso dos
meios de comunicação. Elas não têm desempenhado, e
afirmamos que nunca desempenharão, qualquer papel na melhoria dos
direitos humanos no Iraque, especialmente quando o primado da lei é
frequentemente ignorado pelos membros dos próprios órgãos
legislativo e executivo do Iraque. Há uma generalizada
inconsequência e irresponsabilidade dentro do próprio governo
iraquiano.
Dois exemplos
Um bom exemplo é o do actual ministro das Finanças, que foi
ministro do Interior durante o governo de Ibrahim Jaafari [2005-2006].
Alegações credíveis citadas pela
Amnistia Internacional
e a
Human Rights Watch
referiam-se à existência de esquadrões da morte a operar no
âmbito do ministério do Interior questão que o
próprio ministro não desmentiu. Mas bastou ao sr. Bayan
Jebr-Soulag negar qualquer conhecimento de tortura de prisioneiros (praticada
dentro do edifício principal do Ministério do Interior em Bagdad,
incluindo o caso de uma mulher) para não ter de enfrentar qualquer
investigação sobre o assunto.
[8]
Outro exemplo é o do ministro da Saúde e seus adjuntos. Sob a sua
alçada, os hospitais de Bagdad e a morgue central tornaram-se o recreio
das milícias do partido político que detém o
ministério no âmbito das quotas étnicas e sectárias
introduzidas pela APC
[9]
.
Em qualquer democracia, tais políticos, no mínimo, cairiam em
desgraça e acabariam por ser punidos por não cumprirem as suas
obrigações. Ao invés, Soulag é hoje ministro das
Finanças e, sob sua acção, o Iraque tornou-se o terceiro
governo mais corrupto do mundo, segundo a
Transparency International.
2. Igualdade e não discriminação. Retrocesso na
condição das mulheres e das crianças
Num passado ainda recente, as mulheres iraquianas eram das mais emancipadas da
região, com um elevado nível de educação e
presentes em todas as esferas da vida profissional, onde desempenharam um papel
activo e contribuíram para o progresso da sociedade.
Hoje, estão empurradas para um canto, apertadas entre o esforço
de sobreviver à destruição provocada pela guerra e as
políticas feudais e sectárias (em nome da religião)
promovidas pela classe política instalada no poder desde 2003.
De acordo com o mais recente relatório do Comité Internacional da
Cruz Vermelha sobre as mulheres iraquianas, existem hoje "três
milhões de mulheres chefes de família". O governo não
apoia nem sequer tem uma estratégia para apoiar estes agregados
familiares.
Direito civil não é cumprido
O Iraque é conhecido por ter um dos mais avançados regimes de
direito da família da região, desenvolvido ao longo dos
últimos cinquenta anos. As tentativas de substituir esta
legislação, com a introdução de uma versão
deformada e sectária da lei islâmica Sharia, por políticos
poderosos, foram frustradas em 2004. No entanto, dadas as realidades presentes
de um país onde o governo só existe por trás de muros de
betão e sob a protecção das empresas de segurança
privada, onde a lei não é cumprida nem respeitada o
direito civil iraquiano também não é cumprido.
Casamento "a termo"
Temos um fenómeno novo no Iraque chamado
Mut'ah,
o casamento temporário, que significa que um homem se casa com uma
mulher na presença de uma figura religiosa e especifica por quanto tempo
vai durar o casamento, podendo ir desde algumas horas até muitos anos.
É um contrato a termo, onde um homem paga a uma mulher um pequeno dote (
mehr
).
Os casamentos temporários e os casamentos não registados
são abundantes. Tais casamentos não têm nenhuma
protecção ou garantias para as mulheres e/ou para os seus
descendentes. Somente um homem tem o direito de renová-lo quando o prazo
expirar, por outro
mehr,
ou terminá-lo quando lhe interessar.
A maioria das mulheres que aceitam casamentos temporários fazem-no
apenas por necessidades materiais. Esta prática é vista por
muitos como uma forma de prostituição religiosa.
Poligamia
Outro fenómeno que não é a norma no Iraque é a
poligamia. No entanto, foi agora promovida por alguns funcionários e
políticos. Em Anbar, uma província que testemunhou duros combates
entre as forças de resistência e de ocupação, por
exemplo, o partido islâmico e algumas autoridades estão a oferecer
dinheiro a homens dispostos a ter mais do que uma esposa (750 dólares
para ter uma segunda mulher e até 2 000 dólares para casarem com
mulheres que já tinham sido casadas) como forma de resolver o problema
do crescente número de mulheres viúvas e solteiras.
A população da província de Anbar é de 1,7
milhão de pessoas, entre as quais se calcula haver mais de 130 mil
viúvas ou mulheres solteiras sem nenhum parente masculino para
apoiá-las. Estima-se que em todo o Iraque o número de tais
mulheres é cerca de um milhão, de acordo com o Comité
Internacional da Cruz Vermelha.
A instituição da poligamia tem sido vista por muitas mulheres e
organizações de defesa dos direitos humanos como uma manobra
política para encobrir a situação das mulheres mais
vulneráveis no Iraque.
Passos atrás
Viúvas e mulheres atingidas pela pobreza precisam de emprego,
serviços básicos, apoio social mensal (como costumava ser),
programas de formação e capacitação e projectos de
micro-financiamento que as ajudariam a tornar- -se auto-suficientes. Os efeitos
da poligamia generalizada (não importa como ela é promovida)
prejudicarão toda a longa luta levada a cabo pelas mulheres iraquianas e
farão recuar todas as conquistas e tudo aquilo de que se livraram,
durante mais de um século.
Juntamente com o casamento temporário, a poligamia é um enorme e
degradante passo atrás.
As questões relativas ao divórcio, à custódia, ao
direito da criança escolher a custódia, aos termos de contacto
com os pais e da pensão de alimentos para as mulheres divorciadas
são deixados ao cuidado de figuras religiosas irresponsáveis,
empossadas nessas funções pelo governo iraquiano. Também
estão em perigo as conquistas das mulheres iraquianas nos últimos
setenta anos relativamente a condições de emprego, doença
e licença de maternidade, etc.
Crimes "de honra" e estupros
As forças de segurança são suspeitas de cumplicidade na
morte por lapidação de Yazidi Duaa Khalil Asswad, de 17 anos de
idade, em Ba'shiqua, a noroeste da cidade de Mossul, em 7 de Abril de 2007. Os
membros da força policial local podem ser vistos no vídeo do
apedrejamento, divulgado pela CNN, parados e a ver Duaa, semi-nua, a ser
empurrada para o chão sempre que tenta fugir.
Este horrível assassinato é inédito na história
moderna do Iraque antes de 2003. Os polícias em questão
não foram processados.
[10]
Nenhuma investigação minuciosa foi realizada pelo governo nos
numerosos casos de assassinatos "de honra" que vitimaram mulheres,
especialmente nas três províncias do norte: Sulaimaniya, Erbil e
Dehouk.
Além disso, um membro do parlamento iraquiano, Mohamed al Dainy,
declarou em 2007 que houve 190 queixas feitas por mulheres iraquianas contra as
forças de segurança e de defesa iraquianas por agressões
sexuais. Nenhum procedimento adequado foi seguido para punir os agressores e
evitar que tais crimes sejam repetidos. Acreditamos que este número
é apenas a ponta de um iceberg.
3. Liberdade e segurança da pessoa. Punições colectivas e
detenções arbitrárias
Em 2006/2007 o governo iraquiano não conseguiu proteger comunidades
inteiras dos esquadrões da morte e das máfias do crime
organizado. O governo parecia estar demasiado ocupado em encontrar desculpas
para os seus fracassos.
A confiança da população na vontade do governo em
pôr termo aos actos terroristas é em geral inexistente. A
reacção do governo a tais actos é perseguir os seus
próprios adversários políticos, através de
campanhas de detenções arbitrárias em nome da luta contra
o terrorismo.
Mulheres e crianças, as primeiras vítimas
É um facto bem conhecido que, em qualquer situação de
conflito, as primeiras vítimas são as mulheres e as
crianças indefesas. As forças de defesa e de segurança
iraquianas violam sistematicamente o direito internacional humanitário
sempre que impõem actos de punição colectiva ao levarem a
cabo "operações de segurança".
As forças dos EUA e iraquianas instalam "um anel de
aço" em torno de cidades e aldeias inteiras, não deixando
entrar suprimentos médicos e ajuda humanitária, cortando a
electricidade e a água e não permitindo a
deslocação de ambulâncias. Tal situação foi
relatada na CNN, referindo zonas de Baquba em Julho de 2007.
Áreas densamente povoadas são então submetidas a um
bombardeio pesado e implacável, como no caso de Arab Jebour
[11]
, onde 50 000 quilos de explosivos foram lançados sobre a
povoação durante 10 dias, no mês de Janeiro 2008,
destruindo bairros por completo e exterminando famílias inteiras. Os
habitantes locais tiveram então que desenterrar os corpos dos escombros
com as próprias mãos. Não foi feito qualquer
inquérito sobre tais acontecimentos pelo governo iraquiano.
"Força excessiva"
Há queixas regulares e insistentes de civis iraquianos de graves
violações dos direitos humanos que ocorrem durante
operações policiais realizadas pelas forças de
ocupação dos EUA e/ou por forças de segurança
iraquianas denominando-as como "força excessiva".
Esta "força excessiva" pode manifestar-se em agressões
físicas e verbais a membros de uma determinada família cuja casa
foi invadida, havendo espancamentos, ameaças e até mesmo
execuções extra judiciais
[12]
.
Tal tipo de tratamento humilhante é geralmente reservado aos membros
masculinos da família como forma de subjugar os membros femininos,
aterrorizando-os. No entanto, existem muitos casos documentados de
crianças e mulheres grávidas que foram violentamente espancadas
em ataques realizados pelas forças norte-americanas e iraquianas.
Pilhagens
Além disso, as famílias queixam-se muitas vezes de que lhes
são, por rotina, roubadas jóias, objectos de valor, dinheiro,
documentos de identidade durante ataques desse tipo. Tais
violações dos direitos humanos são geralmente perpetradas
por raides das forças iraquianas, muitas vezes sob a supervisão
e/ou protecção das forças de ocupação dos
EUA.
Detenções
in lieu
Muitas organizações iraquianas de direitos humanos assinalam a
prática de detenções e prisões de mulheres
in lieu,
isto é, no lugar dos seus homens, identificados como suspeitos. Uma
medida de punição colectiva é, assim, imposta a
famílias inteiras, só porque um membro está sob suspeita.
[13]
Isto é considerado, segundo o direito internacional, um crime de guerra.
Na sequência dos horrores desenterrados da prisão de Abu Ghraib, o
facto de prender mulheres é visto como uma tentativa de envergonhar toda
a família na sua própria comunidade.
Apesar da ratificação do Acordo sobre Estatuto de Forças
[41]
, continuam os relatos de que persistem as prisões realizadas pelas
forças de ocupação dos EUA
[14]
.
Represálias e chantagens
Notou-se que, nos 12 meses que antecederam as eleições
provinciais de Janeiro de 2009, houve uma campanha organizada de
detenções arbitrárias em comunidades identificadas como
"não eleitorado natural" do ponto de vista dos actores
inseridos no processo político.
As detenções não excluíam as crianças que,
tal como os seus familiares adultos, foram submetidas a torturas
horríveis e viram negados os seus direitos legais.
As mães dessas crianças, as esposas e ou as irmãs dos
presos que, em seguida, se dirigem às esquadras de polícia ou aos
centros de detenção para perguntar pelos seus filhos ou maridos
são então submetidas a humilhação através de
sugestões de prestação favores sexuais, ou, em outros
casos, do pagamento de resgates que podem ir de 2 000 a 20 000 dólares
norte-americanos em troca da liberdade da sua filha, filho, marido,
irmão ou em troca da redução dos maus tratos que eles
sofrem na prisão.
[4]
Detenção de crianças
Um relatório da UNICEF datado de Abril 2008 indicou que 1 500
crianças estavam sob custódia das forças oficiais
iraquianas e dos EUA.
Em alguns casos, as crianças são mantidas presas no mesmo
espaço dos adultos, expondo-as a mais riscos de agressão e abuso.
Relatórios dos meios de comunicação sobre a prisão
para crianças de Al Karkh revelam uma longa lista de maus tratos, abusos
e violações.
[15]
Em Agosto de 2008, o ministro de Direitos Humanos Wijdan Micha'el admitiu
não haver nenhuma lista completa dos nomes dos presos, quer estivessem
detidos pelo governo quer pelas forças de ocupação. Ora,
este é um requisito básico para o acompanhamento da
situação dos direitos humanos nas prisões.
4. Tortura e violência sexual. Rotina e total impunidade
Maus tratos e tortura às mãos das forças iraquianas
dependentes dos ministérios do Interior e da Defesa, seguindo as pisadas
das forças de ocupação, são actos de rotina
praticados em completa impunidade. Relatórios da Amnistia Internacional
e da
Human Rights Watch
manifestaram preocupações acerca desta matéria.
Denúncias da
Human Rights Watch
Documentos governamentais classificados obtidos pela
Human Rights Watch
revelaram que a 56.ª Brigada do Exército, também conhecida
pela Brigada Bagdad, e o Serviço de Contra-terrorismo, ambos sob a
alçada do gabinete do primeiro-ministro, controlam um local secreto
dentro do
Camp Justice,
uma vasta base militar a noroeste de Bagdad em que a tortura é
sistemática e em que os detidos não têm acesso a advogados
ou a serem visitados por familiares.
"Entrevistas recentes feitas pela
Human Rights Watch
a mais de uma dúzia de antigos detidos de
Camp Honor
[transferidos para
Camp Justice
] documentaram como os presos são mantidos incomunicáveis e em
condições inumanas, muitas vezes por meses seguidos. Os detidos
descreveram em detalhe o amplo conjunto de abusos que sofreram durante as
sessões de interrogatório nas instalações,
normalmente para extrair falsas confissões.
Dizem que os interrogadores os espancam, penduram-nos de cabeça para
baixo por horas seguidas, dão-lhes choque eléctricos em
várias partes do corpo, incluindo os órgãos genitais, e os
asfixiam repetidamente com sacos de plástico enfiados na cabeça
até desmaiarem."
[16]
Denúncias da Amnistia Internacional
No seu relatório
Broken Bodies, Tortured Minds: Abuse and Neglect of Detainees in Iraq,
publicado em Janeiro de 2011, a Amnistia Internacional "reuniu numerosos
testemunhos, acerca de tortura e outros abusos, prestados por presos, antigos
presos e familiares de detidos. Testemunhos de tortura relatados pela AI ao
longo de anos incluem violação e ameaça de
violação, espancamentos com cordas e mangueiras, choques
eléctricos, suspensão pelos membros, perfuração do
corpo com berbequins, asfixia com sacos e plástico, e quebra de
membros".
O relatório destaca também a humilhação que a
tortura causa, tanto em homens como em mulheres. Hoje, no Iraque, a
violação de homens, mulheres e crianças tornou-se um
fenómeno e um assunto de humor negro em relação às
promessas feitas pelos anglo-norte-americanos acerca da igualdade de
género.
Vale a pena citar, com mais detalhe, o relatório da Amnistia
Internacional:
"A agressão sexual tem em comum com outras formas de tortura o
objectivo de infligir sofrimento, humilhação e
degradação. É também usada para forçar
'confissões', obter informações ou punir presos.
Um membro do parlamento iraquiano que se encontrou com quatro detidos
masculinos na prisão de al-Rusafa, em Bagdad, em Junho de 2009, disse
que eles lhe contaram terem sido violados e torturados por outros meios, e que
tinha visto marcas nos seus corpos que confirmavam as suas queixas...
Outros membros do parlamento iraquiano levantaram sérias
preocupações acerca de violência sexual nas prisões.
Em meados de Junho de 2009, por exemplo, um deles disse que as forças de
segurança tinham agredido sexualmente pelo menos 21 homens presos nas
prisões de al-Rusafa e al-Diwanya no sul do Iraque desde o começo
do ano.
Em Maio de 2009, uma delegação do Conselho de Representantes do
Comité dos Direitos Humanos, de visita à prisão para
mulheres de al-Kadhimiya, em Bagdad, ouviu testemunhos de duas mulheres presas
de que tinham sido violadas repetidamente depois da detenção.
Ramze Shihab Ahmed, um homem de 68 anos com dupla cidadania
iraquiana-britânica, foi mantido incomunicável e torturado,
incluindo violação com um pau, depois de ter viajado para o
Iraque para garantir a libertação do seu filho Omar. Ambos os
homens foram espancados, sufocados, sofreram choques eléctricos nos
órgãos genitais e foram suspensos pelos tornozelos. Os
interrogadores ameaçaram também violar a primeira mulher de
Ramze, que vive em Mossul, à frente dele, e ameaçaram Omar de o
forçarem a violar o pai se não confessasse as mortes de que era
acusado. Ambos os homens assinaram 'confissões'
Tais abusos têm um impacto devastador nas vítimas não
só quando estão a ser torturadas ou mal tratadas, mas
frequentemente durante os anos seguintes ou mesmo para o resto das suas
vidas".
[17]
Sob o olhar do governo
Outros métodos usados nas mulheres detidas incluem o de as obrigar a
ouvir os gritos dos homens presos a serem torturados.
[18]
O governo iraquiano não tratou de proteger os civis e permitiu que as
milícias, muitas vezes entrosadas com as forças de
segurança, levassem a cabo violações horríficas dos
direitos humanos.
[19]
No norte do Iraque, a
Assyish,
uma milícia curda, tem os seus próprios centros de
detenção que estão fora da alçada do governo
iraquiano, das organizações internacionais e das
organizações de direitos humanos. Existem grandes
preocupações acerca da capacidade desta milícia para
actuar fora da lei, sob o olhar do governo regional curdo.
[20]
5. Sentenças capitais e morte de civis
Desde 2004, o governo iraquiano condenou à morte 1000 iraquianos, homens
e mulheres. As organizações de direitos humanos têm apelado
para uma moratória imediata sobre a pena de morte no Iraque,
especialmente tendo em vista a falta de julgamentos com um padrão
mínimo de justiça
[21]
.
As organizações de direitos humanos manifestaram sérias
preocupações acerca dos presos que são mantidos sem
acusação ou julgamento por largos períodos de tempo em
locais superlotados, sem condições de higiene nem adequado
tratamento médico, e sem acesso a representantes legais. Esta
situação causou motins em muitas prisões do Iraque
[22]
.
Quando homens nestas condições são mantidos em
detenção prolongada, as suas mulheres e filhos são
deixados ao desamparo.
Frequentemente, os ocupantes culpam os "insurgentes" da morte de
civis, especialmente mulheres e crianças. Contudo, um estudo recente
feito por investigadores britânicos e suíços, usando dados
fornecidos pelo grupo de direitos humanos
Iraq Body Count,
analisou as mortes de civis no Iraque desde Março de 2003 a
Março de 2008 e descobriu que a maior parte das mortes de mulheres e de
crianças, entre os civis mortos por certos tipos de armas, foi
provocada pelas "forças da coligação", em
particular por ataques aéreos das forças de
ocupação.
[23]
6. Privação de direitos básicos
As mulheres e as crianças são as primeiras vítimas da
falência tanto do governo iraquiano como da Ocupação.
Qualquer das partes tende a apontar o dedo à outra e, noutras
ocasiões, ambas atiram a culpas para cima dos "terroristas",
ignorando por completo as suas próprias obrigações morais
e legais para com o povo iraquiano.
Os iraquianos estão a ser privados das suas garantias e dos seus
direitos humanos básicos.
[5]
O governo iraquiano, estropiado por uma corrupção sem
precedentes, continua a negligenciar o povo iraquiano.
A despeito de proclamações acerca de grandes melhoramentos na
situação da segurança no Iraque, esses melhoramentos
não se traduziram numa melhor prestação de serviços
básicos para os iraquianos comuns.
O governo iraquiano não é tido como imparcial quando se trata de
prestar serviços básicos e serviços humanitários.
Muitos iraquianos são deliberadamente privados das suas garantias ou
sentem-se demasiado receosos para se dirigirem aos departamentos governamentais
para reclamarem os seus direitos.
[5]
Os iraquianos que vivem em comunidades que são vistas como não
pertencentes ao eleitorado natural dos partidos políticos governamentais
são os alvos preferenciais da deliberada negligência do governo.
6.1. Ruptura do sistema de Educação
92% das crianças iraquianas são alvo de obstruções
à aprendizagem devidas à violência e à instabilidade
criadas no Iraque, de acordo com a Oxfam
(Oxford Committee for Famine Relief).
Esta é uma questão urgente e muito importante que não
tem tido suficiente atenção dos responsáveis iraquianos.
Em vez disso, os seguranças pessoais do ministro da
Educação chegaram a disparar sobre estudantes do ensino
secundário que faziam os exames finais em 2008
[24]
.
Em 2006/7 crianças de Bagdad e dos arredores tinham de passar sobre
cadáveres no caminho para a escola. Viram esses corpos serem comidos por
cães vadios
[25]
. Recolheres obrigatórios repentinos e explosões de
violência também afectam as crianças e interrompem a sua
educação. Têm de viver passando de um grande trauma para o
seguinte. Muitas crianças têm de suportar o abandono da casa, a
separação dos seus amigos e do meio que lhes é familiar
para enfrentarem um futuro incerto como 'refugiados' sem rendimentos ou apoio
adequado.
Ameaças diárias
"Cerca de dois milhões de crianças iraquianas enfrentam
ameaças diárias de má nutrição,
doença e falta de escola", de acordo com a UNICEF. Há
encerramentos de escolas por força de recolheres obrigatórios ou
por falta de segurança. As escolas são muitas vezes usadas como
abrigo para populações deslocadas dentro do país ou como
bases durante operações militares, causando assim rupturas na
educação das crianças.
Bombardeamentos aéreos pelas forças de ocupação
causaram danos estruturais profundos a escolas situadas em áreas onde
ocorrem operações militares. Todos estes factores significam que
o sistema de educação, já de si à beira do abismo,
sofreu ainda mais rupturas.
Trabalho, em vez de escola
Calcula-se que 43% dos iraquianos vivem numa pobreza abjecta. As
crianças são nestes casos postas a trabalhar em vez de irem
à escola, outras tornam-se pedintes nos locais públicos e nos
mercados. Estas crianças trabalham longas horas e não têm
nenhuma protecção contra a exploração e os abusos.
Nenhuma protecção contra a exposição a
doenças sociais como a prostituição infantil e o uso de
drogas. Este problema particular é especialmente agudo para as
crianças 'refugiadas' nos países vizinhos do Iraque.
A educação dos deslocados
Apesar dos melhoramentos verificados no acesso à educação
na Síria e na Jordânia para as crianças iraquianas, o
número das que não frequentam a escola é ainda
significativo uma vez que as crianças que trabalham ilegalmente
na Síria e na Jordânia têm menos probabilidade de serem
apanhadas, presas e deportadas do que os adultos. Outro factor é que as
despesas com vestuário e material escolar estão para além
dos magros recursos das famílias.
As crianças deficientes deslocadas e as que têm necessidades
especiais de educação nem sequer estão registadas na
escala de preocupações do governo iraquiano.
Organizações não-governamentais com orçamentos
limitados têm tomado a seu cargo esta tarefa. A
Women Will Association,
uma ONG iraquiana legalizada, abriu, em cooperação com
organizações locais, dois centros na Síria, um para
treinar professores iraquianos (eles próprios 'refugiados') para
educação de crianças com necessidades especiais, e outro
para educação de crianças deslocadas.
Professores deixam de exercer
Os relatórios das ONG e dos meios de comunicação falam
também de um número significativo de professores que deixam de
exercer por falta de segurança ou por se terem tornado pessoas
deslocadas como é relatado pela IRIN
(Integrated Regional Information Networks
Redes de Informação Regionais Integradas).
O governo iraquiano não providenciou a substituição
temporária dos professores ausentes. A nomeação de pessoal
educativo foi oficialmente congelada, excepto para os que têm boas
ligações com o governo ou com um dos partidos políticos do
governo, o que é, em geral, um pré-requisito para obter um
emprego no Estado.
Isto afectou também a qualidade e a continuidade da
educação das crianças. Apenas 50% das crianças
iraquianas em idade escolar frequentam a escola.
[26]
Iliteracia crescente
Há um crescimento importante da iliteracia entre as mulheres, a qual se
situava em apenas 5% no final dos anos setenta do século passado. Existe
um número crescente, nunca antes atingido, de raparigas que são
retiradas da escola por falta de segurança ou por incapacidade das
famílias em fazer face às despesas decorrentes da sua
escolarização. Presentemente, temos nas áreas urbanas uma
geração de raparigas que são menos instruídas que
as suas mães e avós.
Falta de segurança e de pessoal
Apesar dos alegados melhoramentos na situação da
segurança, a maior parte das escolas públicas que funcionam
têm falta de um número adequado de pessoal educativo, equipamento
básico, água potável e condições
sanitárias.
Crianças deficientes sem qualquer apoio oficial
Não existem adequadas condições de educação
para as crianças com necessidades especiais de educação.
Não existem serviços educativos para crianças com
deficiências físicas. As escolas com crianças nessas
condições têm de enfrentar a situação sem
qualquer apoio.
O governo não cumpre o seu dever de fazer das escolas lugares seguros
para as crianças, já para não falar de equipá-las e
dotá-las de pessoal adequadamente. Não cumpre o dever de proteger
os educadores, não cumpre o dever de proteger as escolas da
dominação das milícias que as usam como locais de
doutrinação e como bases de recrutamento.
6.2. Sistemas de saúde e saneamento em estado catastrófico
Os relatórios humanitários descrevem o estado do sistema de
Saúde no Iraque como "catastrófico".
O Governo iraquiano não tratou de manter os hospitais como zonas
neutrais e seguras para a população ferida e doente. Não
protegeu os profissionais da Saúde: 75% deles deixaram os seus postos de
trabalho e muitos abandonaram o país.
[27]
Os hospitais foram alvos de bombardeamentos aéreos ou foram
deliberadamente danificados, como foi o caso do arrasamento do serviço
de maternidade do hospital Al Qaim, em 2006
[28]
.
Relatos da comunicação social sobre campanhas militares
conduzidas por forças dos EUA e iraquianas em Bassorá,
Nassíria e em Medina Sadr (Bagdad) em 2008, supervisionadas pelo
próprio primeiro-ministro, evidenciaram um ostensivo desprezo pelos
direitos humanos e pelas leis humanitárias internacionais.
Ataques militares a hospitais
Esses relatos mostraram o alvejamento de ambulâncias, o bombardeamento de
instalações médicas e a directa ocupação de
hospitais impedindo o pessoal médico de levar a cabo os seus deveres de
tratar os iraquianos doentes e feridos.
Em Maio de 2008, o hospital Al Hakim no distrito Shu'la de Bagdad foi atacado
por forças iraquianas. Essas forças evacuaram os doentes e os
feridos e ocuparam as instalações impedindo o pessoal de levar a
cabo os seus deveres, de acordo com o director do hospital, o dr. Yaseen Abdul
Hasan Al Rikabbi.
Isto é uma ostensiva violação da lei humanitária
internacional.
Um incidente idêntico foi registado em 25 de Abril de 2008 quando
forças dos EUA e iraquianas entraram no hospital Rashad para doentes
mentais e o ocuparam, de acordo com o relato de Qassim Abdul Hadi,
responsável para a comunicação da Autoridade de
Saúde de Bagdad.
Em 2006/7, os hospitais e a morgue de Bagdad foram ocupados por milícias
fieis ao então ministro da Saúde, e os doentes e feridos
mantiveram-se fora do hospital com medo de serem presos ou mortos no local
pelas milícias sectárias. As mulheres encarregaram-se de reclamar
os corpos dos seus familiares mortos uma vez que os homens da família
temiam ser mortos pela milícia que controlava a morgue.
A acusação dos funcionários governamentais considerados
responsáveis por estes crimes horríveis não deu em nada
porque todos eles estavam ou protegidos pelo próprio primeiro-ministro,
pelo seu gabinete, ou pela milícia de um partido político ou
mesmo pela falta de protecção das testemunhas.
Cada vez menos cuidados maternos
Os cuidados maternos para as mulheres são esporádicos e em muitas
áreas não existem. As mulheres têm de viajar longas
distâncias a partir de casa para terem tais serviços.
Encerramentos de estradas, recolheres obrigatórios, postos de controlo e
muros de segregação (existem 1400 postos de controlo só em
Bagdad e Bagdad está dividida em 50 zonas separadas por muros de
betão com 3,60 metros de altura semelhantes ao muro do
apartheid
na palestina) significam um caminho ainda mais difícil para chegar
às instalações médicas. E, uma vez mais, são
os sectores mais pobres da sociedade iraquiana que mais sofrem.
[29]
Retrocesso generalizado
Vale a pena assinalar que, sob o anterior regime, o Iraque tinha 180 hospitais,
1394 centros de saúde públicos e 402 clínicas
públicas locais. Apesar das sanções impostas pelas
Nações Unidas [desde 1990] todos esses centros estavam em
funcionamento, mesmo inadequadamente, e prestavam um muito melhor
serviço do que presta hoje o serviço público de
saúde.
Hoje, 90% dos hospitais do Iraque "têm falta de recursos, incluindo
equipamento médico e cirúrgico", de acordo com a Oxfam.
Não há desculpa para a falta de equipamento básico de
saúde nos hospitais iraquianos, especialmente quando os hospitais
privados (um fenómeno recente) estão adequadamente equipados.
Os iraquianos deslocados dentro ou fora do país são os mais
afectados em resultado da falta de acesso aos serviços públicos
de saúde, sendo as mulheres e as crianças os mais
vulneráveis. Não existe iniciativa do governo iraquiano para
aliviar o sofrimento daqueles que tiveram de fugir sem aviso prévio e em
condições traumáticas. O trauma de ter de fugir, com toda
a probabilidade, causou ou agravou as suas condições de
saúde.
Contaminação radioactiva
O governo iraquiano adopta a postura de uma ONG quando se trata de abordar as
questões sérias que afectam a saúde pública. Narmin
Othman, o ministro iraquiano do Ambiente, reconhece que 350 locais do Iraque
estão contaminados em resultado dos bombardeamentos da guerra e que 140
mil iraquianos contraíram cancro em consequência de
exposição ao Urânio Empobrecido (
DU Depleted Uranium
)
[30]
.
No entanto, nenhuma acção foi até agora promovida para
neutralizar ou limpar esse locais. O DU
é uma arma que provoca cancros, cancros em crianças e que
origina malformações de nascença muito depois da data de
impacto e é, por isso mesmo, uma arma ilegal.
Corajosos e incansáveis médicos iraquianos, sem ajuda e sem
apoio, estão a documentar estes casos de deficiências de
nascença e a monitorizar as taxas de cancro. O dr. Jawad Al Ali, um
especialista em oncologia, afirmou que em 70% dos casos de cancro os pacientes
morrem, mesmo quando os prognósticos são favoráveis,
devido à falta dos necessários meios médicos.
[31]
O caso dramático de Faluja
Reportagens de TV emitidas em Maio de 2008 a respeito das
deformações de nascença verificadas na cidade de Faluja,
na sequência da devastação da cidade em Novembro de 2004,
mostraram que bebés deformados nascem à razão de 4 a 5 por
semana.
[32]
Um estudo epidemiológico publicado pelo
International Journal of Environmental Studies and Public Health
(IJERPH) relatou que "a população de Faluja está a
sofrer
mais altas taxas de cancro, leucemia, mortalidade infantil e
mutações sexuais do que as que foram registadas entre os
sobreviventes de Hiroxima e de Nagasáqui nos anos seguintes à
incineração destas cidades japonesas pelos ataques
atómicos dos EUA em 1945".
[33]
Um segundo estudo publicado pelo IJERPH
"mostra um maior crescimento de defeitos de nascença
crónicos e devastadores da variedade neural, cardíaca e
esqueletal a uma taxa cerca de 11 vezes mais elevada do que a inicialmente
estimada. Um total de 547 nascimentos no Hospital Geral de Faluja mostraram que
15% dos bebés nascidos em Maio tinham defeitos de nascença
massivos, comparados com a média mundial de 2-3%, de acordo com o
estudo, e as taxas cresceram intensamente na primeira metade de 2010."
[34]
O estudo apelava a um urgente exame dos metais na cidade. Fósforo
branco, uma arma proibida conhecida por causar ferimentos horríveis, foi
igualmente usada em Faluja.
Munições e minas terrestres
Além de tudo isto, as crianças no Iraque continuam a estar
expostas aos perigos de munições de artilharia que não
explodiram e a minas terrestres.
Água e saneamento
A situação a respeito do acesso a água potável e a
saneamento adequado piora de ano para ano.
Presentemente, 70% dos iraquianos não têm acesso adequado a
água potável e 80% não dispõem de
condições sanitárias adequadas (Oxfam). Por isso, a
diarreia e as doenças com origem na água
são as que mais crianças matam.
7. Deslocados. Nenhum apoio
Calcula-se que 70% dos 2,9 milhões de iraquianos deslocados dentro do
país são mulheres e crianças, de acordo com a Oxfam. Tendo
em conta o colapso na lei e na ordem, estas mulheres e crianças
constituem a população mais vulnerável à
exploração, ao rapto, ao tráfico (35), à
prostituição forçada e aos maus tratos.
Alem do mais, 50% dos iraquianos deslocados fora do país são
crianças, de acordo com o Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Refugiados, e um terço dos agregados familiares de
'refugiados' são encabeçados por mulheres um grupo, uma
vez mais, particularmente vulnerável à exploração.
Os ocupantes e o governo iraquiano, cujos incumprimentos são largamente
responsáveis pela deslocação destas pessoas, também
não cumprem os seus deveres para com os 'refugiados' iraquianos.
Não existem sinais de nenhum programa de apoio dirigido pelo Governo
iraquiano na Síria, na Jordânia, no Líbano ou no Egipto,
países para onde os 'refugiados' mais vulneráveis fugiram.
8. Órfãos, crianças da rua e crianças não
registadas
Números do governo iraquiano dizem que o Iraque tem hoje 5
milhões de órfãos.
Não existem sinais de uma estratégia ou de um esforço
concertado para prestar uma assistência especial às
crianças órfãs que vivem com os familiares sobreviventes.
Não existe informação da parte do governo a respeito da
protecção das crianças sem familiares que cuidem delas.
[36]
Na medida em que contam cada vez menos com a prestação de
cuidados médicos, as mulheres regridem para os dias do começo do
século passado, dando à luz em casa. Isto vem associado ao medo
das mulheres de certos sectores da sociedade iraquiana de abordarem qualquer
departamento governamental. Estas mulheres vêem o governo como uma fonte
de perigo para as suas comunidades e as suas famílias.
9. Mulheres e crianças de grupos étnicos e religiosos
minoritários
As mulheres e as crianças deste grupo representam a mais
vulnerável parcela da sociedade iraquiana, em que a regra da lei
não é respeitada ou não é adoptada.
As instituições governamentais que protegiam os direitos destas
minorias deixaram de existir. Existem máfias criminosas que dominam as
ruas, e as próprias forças de segurança são
corruptíveis e ou cúmplices de crimes de rapto e de
extorsão de resgates.
A sociedade iraquiana sempre se orgulhou de ser um cadinho de diferentes grupos
étnicos e religiosos vivendo em harmonia. Hoje, há uma hemorragia
de grupos minoritários iraquianos à medida que eles abandonam o
Iraque em multidões. Isto vai alterar o tecido da sociedade iraquiana e
privá-la do valioso papel desses grupos e da sua
contribuição cultural.
10. Conclusões e recomendações
I.
O desrespeito do governo iraquiano pela lei e a sua negligência pelo
bem-estar e pelos direitos do povo torna-o responsável, juntamente com a
Ocupação, da criação da intolerável
situação dos direitos humanos no Iraque de hoje.
As violações dos direitos humanos, a
desconsideração pelos interesses da nação, a
corrupção e o nepotismo têm lugar quando o governo
iraquiano está efectivamente sob a protecção do mais
poderoso exército do mundo.
II.
Não existe demonstração prática de que o treino das
forças de segurança iraquianas levado a efeito pelo Reino Unido e
pelos EUA tenha, até agora, incluído o respeito pelos direitos
humanos.
III.
Não existe um poder judicial iraquiano forte e independente uma
instituição importante para a justiça, a regra da lei e a
protecção dos direitos humanos.
IV.
O governo iraquiano não é visto como uma
instituição que tente proteger os iraquianos comuns e o seu
bem-estar.
V.
O parlamento é uma instituição dominada pelo sectarismo e
por quotas étnicas. Os membros desta 'nova instituição'
têm-se preocupado sobretudo com o seu próprio bem estar e
segurança.
As mulheres no parlamento foram eleitas propondo uma plataforma de melhoramento
dos direitos das mulheres. Não desempenharam nenhum papel nesse sentido.
Nem uma só mulher deputada protestou contra a prática de prender
mulheres no lugar dos seus homens. "Uma das maiores fraquezas das mulheres
que exercem cargos públicos é o seu malogro em representar as
preocupações da vida real das mulheres iraquianas. Por causa do
seu compromisso com os políticos dos partidos e com a agenda
política dos EUA para o Iraque, elas foram altamente selectivas na sua
resposta à situação das mulheres iraquianas"
[37]
.
VI.
O governo iraquiano não responde à terrível
situação humanitária existente no país.
Ignorou recomendações feitas pela Oxfam , por exemplo, para
atenuar a crise humanitária que continua sem
melhorias.
Ignorou igualmente sugestões avançadas por ONG como a
Women Will Association
(WWA), com o objectivo de travar a separação das mulheres
iraquianas
das suas famílias. Muitas reportagens dos meios de
comunicação, recentes e passadas, mostraram que as mulheres
iraquianas estavam a ser detidas com base em acusações sem
fundamentos. A WWA redigiu, por isso, uma proposta de procedimento que
permitiria ao governo
investigar as acusações de modo adequado sem traumatizar as
mulheres e as suas famílias. A sugestão inclui o
interrogatório das mulheres na suas próprias casas, na
presença do autarca local e de um representante legal não
detendo a mulher acusada sem que ela esteja formalmente acusada.
VII.
O governo tem de agir de modo imparcial, como responsável pelo bem
estar de todos os iraquianos
[38]
.
De acordo com números do governo iraquiano, existem hoje 1 a 2
milhões de viúvas (este número era de 300 mil antes de
2003); no entanto, estima-se que apenas 120 mil delas recebem ajuda do Estado.
O governo iraquiano deixou também de pagar subsídios aos homens
feridos ou incapacitados e às viúvas da guerra
Iraque-Irão, deixando desamparadas as suas famílias.
VIII.
O governo iraquiano deve desenvolver uma estratégia, bem fundamentada e
global, para os cuidados de saúde e a educação das
crianças.
Um programa de construção e de expansão de escolas de modo
a reduzir a dimensão das turmas é imperativo.
Sobre a questão da saúde, a infraestrutura de um adequado
serviço de saúde já existe o governo tem de
protegê-lo, equipá-lo e mantê-lo.
IX.
A falta de recursos não é desculpa aceitável para o
desrespeito e para a contínua deterioração da
situação humanitária e dos direitos humanos.
Os rendimentos, para o Iraque, das exportações de
petróleo, só entre 2005 e 2007, situaram-se nos 96 mil
milhões de dólares. O que se vê, por parte de todos os
partidos, é uma desenfreada corrupção e uma crescente
falta de interesse e de vontade política para responder aos problemas do
país.
X.
As quotas étnicas e sectárias que atravessam até
ao nível mais baixo os cargos governamentais, à custa dos
tecnocratas e do
know-how
iraquianos são um factor determinante da
deterioração da situação no Iraque no que respeita
à prestação de serviços básicos.
O Iraque tem o seu próprio corpo de tecnocratas e de profissionais,
tanto homens como mulheres, que constituem uma das muitas riquezas do
país. As suas capacidades são hoje absolutamente
necessárias. Muitos deles deixaram o Iraque ou os seus empregos por
força da inoperância do governo quando eles são
ameaçados, assassinados e aterrorizados pelo país fora
[39]
.
XII.
O governo tem de cumprir as suas obrigações em
relação aos iraquianos deslocados dentro e fora do país.
Existem propostas para destinar uma parte dos rendimentos do petróleo a
programas de assistência e de protecção, a um plano
expedito para facilitar o seu retorno a casa e para responder às suas
necessidades e direitos enquanto estão deslocados
[40]
.
XII.
Para tratar efectivamente das questões de violência
doméstica, o governo tem, antes de mais, de responder à cultura
prevalecente de desrespeito pela lei e de violação dos direitos
humanos com impunidade, do topo à base.
XIII.
Os ocupantes, o governo iraquiano, o parlamento, o sistema judiciário,
todas as forças de segurança e de defesa não protegem a
população e não lhe asseguram as garantias básicas.
Os relatórios da Missão de Assistência das
Nações Unidas para o Iraque (MANUI) tiveram até agora
poucas consequências.
É por isso imperativo reunir um organismo internacional que actue como o
advogado dos direitos humanos do povo iraquiano.
Este organismo deveria ser constituído por países que não
tomaram parte, apoiaram ou beneficiaram da guerra no Iraque em qualquer forma
que seja.
Apelamos ainda à nomeação de um Relator das
Nações Unidas para os direitos humanos no Iraque o mais depressa
possível.
A inexistência de um tal relator tem igualmente agido em detrimento da
promoção e do respeito pelos direitos humanos no Iraque.
Os iraquianos sofrem presentemente os efeitos de um regime brutal, degradante e
ameaçador para as suas vidas, instalado e patrocinado pelos EUA. O
governo de Al-Maliki está isolado da população e é
incapaz de garantir o que qualquer governo tem de assegurar: segurança,
serviços básicos e dignidade à vida diária das
pessoas.
O governo é corroído internamente pelo sectarismo, pela
divisão étnica e, acima de tudo, pela corrupção e
pela acção das milícias e dos esquadrões da morte.
E, enquanto os EUA, o Reino Unido e outros governos europeus, incluindo o
português, desviam a cara das sistemáticas violações
dos direitos humanos e dos assassinatos cometidos pelos seus clientes no
Iraque, as forças de ocupação, as firmas de
segurança, os mercenários gozam de imunidade face à lei
iraquiana.
A paz não é concebível no Iraque sem a total retirada das
tropas estrangeiras, sem o fim de todos os planos de permanência de
tropas e sem que acabe a interferência na indústria do
petróleo nacional.
Importa reiterar o que já foi acordado entre vários grupos e
facções da Resistência
[42]
:
-
A completa retirada das forças dos EUA, incluindo conselheiros,
consultores, forças de segurança privadas e mercenários;
-
A responsabilização legal e moral dos que lançaram esta
guerra ilegal;
-
O pagamento de indemnizações pela destruição e por
todos os prejuízos causados ao Iraque;
-
A aplicação do direito internacional para processar os que
são culpados de assassinatos, de crimes de guerra, de
violação de direitos humanos, de tortura e do roubo dos recursos
iraquianos.
Nada disto pode ser alcançado sem a contínua solidariedade e sem
o apoio do movimento internacional contra a guerra aos movimentos iraquianos.
Incluindo o Tribunal português sobre o Iraque que tem sido activo no
apontar da responsabilidade do governo português na
preparação da invasão e tem denunciado o seu
silêncio a respeito dos crimes que são a ocupação de
um país e a violação dos direitos humanos.
Acreditamos que, para construir uma relação durável entre
os povos iraquiano e português, temos de nos basear na igualdade, na
justiça e no reconhecimento do direito à resistência por
parte de um povo submetido a ocupação.
O silêncio, tanto dos governos como dos indivíduos, é
cumplicidade. Derrubar os muros do silêncio é um acto de
solidariedade. É uma responsabilidade moral.
Referências
(1) Esta é uma versão actualizada do relatório escrito
pela Women Solidarity for an Independent and Unified Iraq (WSIUI)
http://solidarityiraq.blogspot.com/ e por Iraq Occupation Focus (IOF)
www.iraqoccupationfocus.org.uk .
Foi apresentado ao Comité dos Direitos Humanos das Nações
Unidas, em Genebra, em Setembro de 2009.
(2) http://www amnesty org/en/library/info/MDE14/016/2009/en
(3) http://www alnoor se/article asp?id=37543
(4) http://brusselstribunal org/pdf/Torture_in_Iraqi_Prisons pdf http://
zennobia blogspot com/2009/04/blog-post html http://www timesonline co
uk/tol/news/world/iraq/article6157590 ece?print=yes&randnu m=1240662887968#
http://www haqnews net/news aspx?id=21108
(5) Direito de assistência, página 8. Rising to the Humanitarian
Challenge in Iraq, Oxfam
(6) http://news antiwar
com/2009/09/02/state-department-asks-blackwater-to-continue-iniraq/
(7) Página 8: "A violência não pode ser
atribuída exclusivamente ao conflito sectário: ela é
também o resultado da luta pelo poder a todos os níveis da
sociedade". Rising to the Humanitarian Challenge in Iraq, Oxfam.
(8) Esquadrões da Morte, documentário do Channel 4: "Aida
Ussayran, uma ministra dos Direitos Humanos, chiita e secular, no último
governo revela a Dispatches como ela e o seu staff descobriram que dezenas de
prisioneiros estavam a ser torturados e abusados dentro do ministério do
Interior, entre eles uma mulher que tinha sido repetidamente violada. A
ministra dos Direitos Humanos pediu explicações a [o ministro]
Jabr mas ele disse que, apesar de isso ter acontecido dentro do seu
próprio ministério, ele não tinha conhecimento do caso.
Debora Davies pergunta a Ussayran: "Acredita nele?". Ussayran
respondeu: "Não".
http://www channel4 com/programmes/dispatches/articles/iraqs-death-squads
(9) http://www independent co
uk/opinion/commentators/patrick-cockburn-hospitals-now-abattleground-
in-the-bloody-civil-war-420821 html
(10) http://www youtube com/watch?v=y_BGYKqnAKY
(11) http://www thenation com/doc/20080225/engelhardt
(12) Al Shaqiya TV, Testemunhos de violações de direitos humanos,
emitido em 6 de Junho de 2009
http://yaqen net/news hp?action=view&id=307&cfc023fef05e97035c24dceececc2d40
(13) http://www iraq4allnews dk/new/PrintNews php?id=1782&cat
http://iraqiwomenswill blogspot com/search/label/...
(14) http://www iraqirabita org/index php?do=article&id=18384
http://yaqen.net/news.php?action=view&id=332&38a33294557e747ae0adab5dbbf1e220
(15) http://www guardian co uk/world/2008/sep/08/iraq humanrights
(16) HRW, Iraq: Secret Jail Uncovered in Baghdad Detainees Describe Torture at
Another Facility Also Run by Elite Security Forces (Iraque: Prisão
secreta descoberta em Bagdad, detidos descrevem tortura em outra
instalação também dirigida por forças de
segurança de elite), 1 Fevereiro 2011.
(17) Broken Bodies, Tortured Minds: Abuse and Neglect of Detainees in Iraq
(Corpos Quebrados, Mentes Torturadas: Abuso e Desprezo dos Detidos no Iraque),
Amnistia Internacional. Janeiro 2011.
(18) http://iraqiwomenswill blogspot com/2009/07/blog-post_29 html
(29) http://www albasrah net/ar_articles_2008/0908/hanaa_140908 htm
(20)
http://amnesty org/en/news-and-updates/report/
security-forces-above-law-iraqikurdistan-20090414
(21) http://www amnesty org uk/news_details asp?NewsID=18348
(22) http://yaqen net/news php?action=view&id=1459&04b78a8a674825b0dac82b3e88
30c584
(23) Civilian death study rates "dirty war" in Iraq (Estudo sobre
mortos civis avalia a "guerra suja " no Iraque), 15 Fevereiro 2011,
22:00, Fonte: Reuters.
(24) http://tinyurl com/lqo3fe http://ipsnews net/news asp?idnews=39266
(25) http://news bbc co uk/1/hi/world/middle_east/6543377 stm
http://www.usatoday com/news/world/iraq/2007-04-15-cover-war-children_N
htm http://www.irinnews org/Report aspx?ReportId=72168
(26) http://www unicef org/infobycountry/files/IRAQ_HAU_17_February_2009 pdf
http://www un org/apps/news/story asp?NewsID=26520&Cr=iraq&Cr1=
(27) http://medact org/content/violence/MedactIraq08final pdf
(28) Documentário do Channel 4, A História das Mulheres
http://www informationclearinghouse info/article13419 htm
(29) http://www irinnews org/Report aspx?ReportId=73719
(30) http://www zhenga net/arabic/envirNews php?id=1982
(31) http://www aawsat com/details asp?section=4&article=446384&issueno=10584
(32) (30) http://brusselstribunal org/pdf/FallujahHealthReport091207 pdf
http://tinyurl com/md934k
(33) Num estudo de 711 lares e 4.843 indivíduos realizado em
Janeiro e Fevereiro de 2010.
Cancro, mortalidade infantil e rácio de sexo à nascença em
Faluja, Iraque 2005-2009", Chris Busby, Malak Hamdan and Entesar Ariabi,
International Journal of Environmental Research and Public Health, ISSN
1660-4601, www.mdpi.com/journal/ijerph
(34) Uma equipa de quatro investigadores conduziu o estudo: o toxicologista
ambiental Mozhgan Savabieasfahani de Ann Arbor, Samira Alaani do Hospital Geral
de Faluja, Mohammad Tafash da Universidade Al-Anbar de Faluja, e a geneticista
Paola Manduca da Universidade de Génova em Itália.
http://www.arabamericannews.com/news/index.php?mod=article&cat=Iraq&article=3793
(35) http://www guardian co uk/world/2009/apr/06/child-trafficking-iraq
(36) http://www irinnews org/Report aspx?ReportId=72683
(37) Haifa Zangana, City of Widows, Seven Stories NY, 2008, P 129
(38) http://www nytimes
com/2009/02/23/world/middleeast/23widows.html?_r=1&th&emc=th
(39) http://brusselstribunal org/Academics htm
(40) http://3iii org/
(41) The U.S.-Iraq Status of Forces Agreement (nome oficial: "Acordo entre
os EUA e a República do Iraque sobre a retirada das forças dos
EUA do Iraque e a organização das suas actividades durante a sua
presença temporária no Iraque").
(42) Em 1 de Junho de 2009, treze grupos iraquianos da Resistência
elegeram o dr. Harith al-Dari, secretário-geral da
Associação dos Académicos Muçulmanos, seu
representante político para quaisquer futuras negociações
com os ocupantes. Interrogado acerca do plano que a Resistência
levará por diante, numa entrevista conduzida pelo jornal tunisino
Al-Shuruq,
em Junho de 2009, disse: "O nosso plano é continuar a resistir
à ocupação por quaisquer meios legítimos ditados
pelas religiões divinas e pelas leis humanas até libertarmos o
nosso país. A Resistência levantou-se para libertar o Iraque, para
garantir a unidade e a integridade do Iraque, como pátria e como povo,
para proteger a identidade do Iraque, os seus recursos naturais e as suas
fronteiras internacionais que a ocupação desprezou e pôs em
perigo. O Iraque pertence a todos os seus cidadãos, a todas as suas
componentes e a todas as suas seitas." (em arábico)
[*]
Haifa Zangana, nascida em 1950 em Bagdad, é escritora, artista e
activista política iraquiana. Cresceu em Bagdad e licenciou-se em 1974
na Faculdade de Farmácia da Universidade de Bagdad.
No início da década de 1970, enquanto membro do Partido Comunista
Iraquiano, foi presa pelo regime dirigido pelo Partido Baas. Depois de
libertada permaneceu no Iraque e terminou os estudos.
Integrou-se na Organização de Libertação da
Palestina, tendo sido responsável pela equipa farmacêutica,
deslocando-se então entre a Síria e o Líbano em 1975.
Foi para o Reino Unido em 1976.
Como escritora e como pintora, colaborou, nos anos 1980, em várias
publicações europeias e norte-americanas e participou em
exposições colectivas e individuais em Londres e na
Islândia. Publicou as seguinte obras:
-City of Widows, An Iraqi Woman's Account of War and Resistance (2008), Seven
Stories Press NY
-War With No End (2007), Verso
-Not One More Death (2006), Verso
-Women on a Journey: Between Baghdad and London (2001)
-Keys to a City (2000)
-The Presence of Others (1999)
-Beyond What the Eye Sees (1997)
-Through the vast halls of memory (1991)
Colabora regularmente em publicações europeias e árabes
como
The Guardian, Red Pepper, Al Ahram
e
Al Quds
(onde publica comentários semanais).
É membro fundador da Associação Internacional de Estudos
Iraquianos Contemporâneos.
Faz parte do conselho consultivo do Tribunal de Bruxelas sobre o Iraque
(Brussel's Tribunal on Iraq).
Integra a organização Women Solidarity for an Independent and
Unified Iraq (WSIUI).
Em nome desta organização e da Iraq Occupation Focus (IOF),
apresentou, em Setembro de 2009, perante o Comité dos Direitos Humanos
das Nações Unidas, em Genebra, o documento A report on the
situation of women and children in occupied Iraq (Um Relatório sobre a
Situação das Mulheres e das Crianças no Iraque Ocupado).
O presente depoimento foi prestado à 3.ª Audiência
Portuguesa do
Tribunal Mundial sobre o Iraque
, realizada em Lisboa, a 26 de Março de 2011.
Decisão final
TRIBUNAL-IRAQUE
A Situação das Mulheres e das Crianças no Iraque Ocupado
3.ª Audiência Portuguesa do Tribunal Mundial sobre o Iraque
Lisboa, 26 de Março de 2011
Associação 25 de Abril
A 3ª Audiência Portuguesa do Tribunal Mundial sobre o Iraque,
reunida em
Lisboa em 26 de Março de 2011, ouvido o testemunho presencial da
Dr.ª Haifa Zangana e considerando ainda os resultados de
investigações realizadas por organizações
credíveis de âmbito mundial e os contributos de
organizações iraquianas actuando no terreno, aprova a seguinte
declaração:
A actual situação no Iraque, oito anos depois da invasão
conduzida pelas forças dos Estados Unidos e seus aliados, baseada em
mentira sobre existência de armas de destruição
maciça, mostra que está por criar o regime democrático
prometido pelos invasores. Apesar da realização de alguns actos
eleitorais, a soberania plena do país continua por restituir. Não
obstante a transferência formal de poderes para o governo de Bagdad, as
instituições criadas e mantidas à sombra da
ocupação não representam o povo iraquiano. Se é
verdade que o regime anterior não era democrático, assiste-se
hoje a uma grave regressão no respeitante aos direitos das pessoas.
O processo político conduzido pela Autoridade Provisória da
Coligação é marcado por divisões sectárias e
por uma partilha de poder, muitas vezes brutal, feita segundo critérios
confessionais que não apenas torna os órgãos do Estado
inaptos para defenderem os interesses colectivos e nacionais da
população sem discriminações, como ainda faz deles
instrumentos de violência sobre os grupos sociais tidos por
adversários.
Neste quadro, é preocupante a situação das mulheres,
nomeadamente no que respeita aos 'crimes de honra' e à
introdução e incentivo de práticas de casamento a termo e
de poligamia. A esmagadora maioria das crianças está
impossibilitada de aceder à educação e sujeita a todo o
tipo de abusos.
A continuada utilização de armas químicas e radioactivas,
nesta ocupação, e cujas horríveis consequências se
vão prolongar por várias gerações, configura um
crime contra a humanidade.
Em face desta situação, a Audiência Portuguesa
Reitera as decisões das anteriores audiências, realizadas em 2005
e em 2008, de condenar a invasão e a ocupação do Iraque,
bem como o apoio prestado pelos sucessivos governos de Portugal aos agressores,
e de reconhecer o direito do povo iraquiano à resistência, sob
todas as formas, contra os ocupantes e seus cúmplices e o seu direito a
escolher as soluções políticas adequadas à
recuperação da sua soberania, com imediata retirada das tropas de
ocupação, e à institucionalização de um
regime legitimado pelo povo;
Responsabiliza a coligação invasora pelo pagamento de
indemnização de guerra ao povo iraquiano;
Apoia a reclamação, aliás repetida nas
manifestações recentes que decorreram por todo o Iraque, de
constituição de um parlamento, de um governo e de um sistema
judiciário efectivamente representativos que respondam às
exigências prementes da população, designadamente,
-
medidas de ataque ao desastre humanitário, bem reflectido na
privação generalizada de meios de vida, de cuidados de
saúde e de instrução, na desprotecção dos
órfãos e das viúvas e no abandono dos refugiados
-
fim da partilha sectária e confessional dos órgãos do poder
-
fim do arbítrio e o respeito pelos direitos dos cidadãos
-
fim das violências exercidas sobre a população,
nomeadamente sobre mulheres e crianças, pelas forças militares e
de segurança ou com a sua cumplicidade: detenções
arbitrárias, tortura, submissão a práticas
retrógradas e humilhantes, assassinatos impunes, linchamentos e
violações
-
utilização justa dos rendimentos do petróleo para
benefício da população;
Apoia a proposta, feita por organizações iraquianas junto do
Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, de
constituição de um órgão independente de defesa dos
direitos humanos do povo iraquiano e de um/a relator/a das Nações
Unidas para os direitos humanos no Iraque;
Alerta os órgãos representativos do Estado Português para a
catastrófica situação humanitária e para a
sistemática violação dos direitos humanos que se vive no
Iraque, e sublinha ser incumbência incontornável do Governo o
desenvolvimento de todos os esforços políticos e
diplomáticos para que sejam respeitados os direitos básicos da
população iraquiana e assegurado condigno acolhimento dos
refugiados/as iraquianos/as;
Recorda à Representante Especial do Secretariado das
Nações Unidas para a Crianças e os Conflitos, à
Representante Especial do Secretariado das Nações Unidas para as
Violações Sexuais e a Violência Sexual, à
Representante da ONU Mulheres, ao Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Refugiados, e particularmente ao Alto Comissário
António Guterres, a sua responsabilidade pela adopção de
medidas adequadas para defender, respectivamente, as crianças, as
mulheres e os refugiados iraquianos, dentro e fora do país;
Apela à Comunicação Social que não esqueça a
situação no Iraque, nomeadamente os graves crimes cometidos
contra mulheres e crianças;
Apela às organizações portuguesas, partidárias,
sindicais, cívicas, de defesa dos direitos humanos, designadamente
às organizações de mulheres, para que denunciem a
intolerável situação em que vive a população
iraquiana, as suas mulheres e as suas crianças e se solidarizem por
todos os meios possíveis com o povo iraquiano que luta por reverter o
desastre em que o Iraque está mergulhado.
Os Jurados,
Alípio de Freitas (professor)
Ana Benavente (professora, investigadora, ex-SE Educação e ex-deputada do PS)
Diana Andringa (jornalista)
Eduarda Dionísio (professora)
Fernanda Mestrinho (jurista, jornalista, Associação Portuguesa de Mulheres
Juristas)
Helena Carrilho (advogada, Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses)
Isabel Lourenço (tradutora)
João Loff Barreto (advogado)
Jorge Figueiredo (economista)
José Charters Monteiro (arquitecto)
José Gonçalves da Costa (juiz-conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de
Justiça)
Judite Almeida (professora, Sindicato dos Professores do Norte)
Luanda Cozetti (cantora)
Margarida Vieira (funcionária pública, Associação Abril)
Natacha Amaro (Movimento Democrático de Mulheres)
Paula Santos (deputada do PCP)
Regina Marques (Movimento Democrático de Mulheres)
Sandra Silvestre (activista do BE, dirigente da Acção para a Justiça e Paz.)
Susana Sousa Dias (cineasta)
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Este depoimento e sentença encontram-se em
http://resistir.info/
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