por
Strategic Culture Foundation
A decisão do presidente Donald Trump de romper o acordo nuclear
internacional com o Irão foi destinada a isolar Teerão.
Mas de uma só tacada ele fez o oposto. Os Estados Unidos são
vistos como uma potência global em que não se pode confiar, que
não pode ser tolerada mais tempo. Na verdade, uma tirania
desestabilizadora que dispõe o mundo para a guerra. Em suma, um bandido
global.
Ironicamente, a retirada de Trump do acordo está a fazer dos EUA uma
autoridade isolada e diminuída. Uma fraude cujas pretensões de
liderança global nada são excepto uma vigarice para adiar a
inevitável emergência de um mundo multipolar. Quanto mais cedo
emergir uma ordem mundial mais democrática da tirania hegemónica
dos EUA mais cedo virá a paz mundial.
Houve repúdio quase unânime à decisão de Trump de
explodir o acordo de 2015 negociado internacionalmente. O Irão, a
União Europeia, a Rússia, a China e as Nações
Unidas clamaram todos para que o Joint Comprehensive Plan of Action fosse
honrado.
A caricatura de Trump do JCPOS como um fracasso está em contraste
gritante com o resto do mundo. O acordo nuclear com o Irão é
encarado como um grande feito do multilateralismo e da diplomacia.
Em troca da restrição ao seu programa de armas nucleares, o mundo
concordou em levantar décadas de sanções impostas ao
Irão. Todos os relatórios do observador nuclear da ONU, a
Agência Internacional de Energia Atómica, indicam que o
Irão está a cumprir plenamente a sua parte do acordo para
restringir o armamento nuclear.
As bombásticas e ridículos afirmações de Trump de
que o Irão está secretamente a violar o JCPOA não resistem
ao escrutínio. Só Israel, a qual é um estado pária
com armas nucleares, e a Arábia Saudita, parecem concordar com a
administração Trump. Todas as outras partes do acordo contestam
categoricamente aquela afirmação. O JCPOA estava a funcionar
perfeitamente bem em termos de o Irão aderir às
restrições sobre o desenvolvimento de armas nucleares.
A parte do JCPOA que não estava a funcionar era devida ao facto de os
EUA continuarem a impor sanções sobre o Irão e, à
força de ameaças tácitas, entravar as outras
potências mundiais na implementação de
sanções de alívio ao Irão. A Rússia e a
China estenderam relações comerciais com o Irão desde a
assinatura do JCPOA, em Julho de 2015, mas os pretendidos laços
comerciais da União Europeia com o Irão foram até agora
entravados pelas ambíguas e pérfidas relações dos
EUA com Teerão.
O resultado líquido é que o acordo internacional até agora
falhou em provocar a plena normalização de relações
com o Irão devido às ameaças latentes dos EUA de impor
outra vez sanções a Teerão e a qualquer outra
nação que faça negócios com aquele país.
Trump agora trouxe à superfície aquelas ameaças latentes.
A retirada esta semana do acordo nuclear foi acompanhada por advertências
de Washington de que serão impostas sanções
secundárias a nações europeias e outras se estas
continuarem a realizar acordos legítimos de investimento com o
Irão.
Os sinais intimidatórios da administração Trump abalaram
em particular os supostos aliados europeus. Advertências de Washington de
que companhias europeias devem por fim a planos de investimento com o
Irão são encaradas como intimidação
inaceitável.
As repercussões da violação unilateral por Trump de um
tratado acordado internacionalmente são altamente perigosas no curto
prazo. Agora mesmo, após a decisão de sair do acordo viu-se uma
intensificação de ataques aéreos israelenses à
Síria e a forças aliadas iranianas naquele país. Trump
está a pressionar o volátil Médio Oriente a uma guerra
total.
Mas um resultado indirecto positivo é que potências europeias
estão a ser confrontadas com uma escolha crucial. Seguirão elas o
impetuoso presidente dos EUA e o seu antagonismo irracional e temerário
em relação ao Irão, ou decidirão que já
basta?
A chamada política do
America First
de Trump mostrou que os aliados europeus e os seus interesses são,
francamente, nulidades nos seus cálculos. Quer nas suas decisões
sobre comércio, sobre acordo climático de Paris ou a
política do Médio Oriente, o presidente americano mostra apenas
desprezo pelo multilateralismo.
Os líderes europeus estão a dizer que o acordo nuclear do
Irão deve ser obedecido. Naturalmente, eles têm enormes interesses
comerciais em que o acordo seja mantido.
Trump não está a isolar o Irão. Através do seu
temerário e ignorante desrespeito pelo multilateralismo, Trump
está a minar a posição americana no mundo.
A ironia é que Trump rasga um acordo nuclear em funcionamento com o
Irão enquanto também mostra buscar um acordo de
desnuclearização com a Coreia do Norte. Ninguém pode tomar
a palavra de Washington como tendo algum valor depois disso. O vandalismo de
Trump do acordo do Irão é irracional.
A arrogante rejeição de Washington dos parceiros europeus em
relação ao JCPOA pode ter um benefício inesperado.
Já é tempo de a União Europeia questionar toda a assim
chamada "parceria trans-Atlântica" com os EUA. Este
relacionamento não trouxe nada excepto perturbações
económicas e de segurança para a Europa com as guerras conduzidas
pelos EUA no Médio Oriente e a hostilidade em relação ao
parceiro natural da Europa, a Rússia.
O mundo está fundamentalmente a comutar da ordem conduzida pelos EUA que
vigorava desde a Segunda Guerra Mundial. A mudança para um mundo
multipolar está a caminho com a ascensão da China, Rússia
e Eurásia e fontes alternativas de poder económico,
político e cultural.
O comportamento temerário e repreensível dos EUA quanto ao
direito internacional, ao multilateralismo e à diplomacia todos
os quais projectam-se na Rússia, China e outros é, ou
deveria ser, um momento divisor de águas para o mundo todo reconhecer
que tal conduta perigosa é intolerável e inaceitável.
Ou há um acordo multilateral ou não há. Ou há um
mundo multilateral tal como imaginado por nações
democráticas, ou há uma brutal hegemonia de
ambições unipolares. Esta última alternativa não
é a do cumprimento de leis. Ela está baseada no princípio
brutal da "lei do mais forte". O mundo não pode permitir uma
tal hegemonia pelo bem da paz e da sobrevivência.
O comportamento banditesco de Trump em relação ao acordo nuclear
multilateral, tal como com muitos outros acordos internacionais, é um
momento da verdade para outras nações. Aceitarão estas em
última análise a atitude belicista ou erguer-se-ão para
abraçar o mundo multipolar que acena, o único caminho correcto
para o mundo evoluir?
As potências europeias em particular enfrentam um momento da verdade.
11/Maio/2018
O original encontra-se em
www.strategic-culture.org/...
Este editorial encontra-se em
http://resistir.info/
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