É tempo de demitir-se sr. Papandreu
por Yanis Varoufakis
Na semana passada, o Conselho Europeu acordou um conjunto de políticas
para tratar da crise do euro. Esperava-se que o novo acordo (daqui em diante
mencionado como o Acordo de Outubro) fosse um passo decisivo rumo à
resolução de uma crise em fogo lento que ameaçava
descarrilar o euro, mergulhar a própria UE num processo de
desintegração explícita e, consequentemente, arrastar a
economia global para uma nova recessão.
Os leitores destas páginas saberão que considerei que o Acordo de
Outubro foi feito com o material errado (clique aqui, aqui e aqui). Outros
(incluindo o presidente Obama) louvaram a Europa por mover-se na
direcção certa, reservando suas dúvidas e crítica
para o ritmo da Europa ao longo deste "virtuoso" caminho. Peço
licença para discordar. O Acordo de Outubro foi catastroficamente mau
quanto à direcção que a Europa está a tomar,
não apenas devido ao seu ritmo anémico. (Na minha próxima
mensagem pretendo resumir todas as razões pelas quais o Acordo de
Outubro é ainda pior para a Europa do que para a Grécia). Se eu
estiver certo, era o dever dos nossos líderes políticos dizerem
em Bruxelas NÃO a este acordo. Cada um deles, o sr. Papandreu inclusive,
teve a oportunidade para evitar a sua assinatura, levando portanto a
liderança da UE a manter-se em debate até que uma
solução decente e factível fosse encontrada; uma
solução que resolvesse realmente a crise sistémica do euro.
O primeiro-ministro grego não utilizou a sua prerrogativa de dizer
Não ao Acordo de Outubro dentro do Conselho Europeu. Na verdade, ele
retornou à Grécia elogiando-o e apelando ao povo grego a que
abraçasse tanto o Acordo como o seu governo, pedindo alvíssaras
por uma tarefa difícil bem executada. Logo após, contudo, ele
descobriu que o público era hostil e os seus próprios deputados
relutantes em permitir-lhe um outro tempo de vida política. Com uma
maioria muito magra no Parlamento, ele enfrentava duas opções:
demissão ou uma nova eleição. Assim, ele optou pela...
terceira opção: Um referendo sobre o Acordo de Outubro a ser
convocado depois de os últimos pormenores do mesmo terem sido
finalizados.
Qual foi a lógica para um tal referendo? O primeiro-ministro grego disse
que voltar-se para o povo assinala um respeito fundamental pela democracia e
uma determinação de tornar o povo participante activo na
modelação do futuro da Grécia. Tal sublime idealismo seria
maravilhoso em si mesmo. Na verdade, também penso que o referendo pode
ser parte de toda democracia que funcione bem. Mas, infelizmente, este
referendo está tão distante de tais ideais quanto os estratagemas
políticos possam estar. O que realmente aconteceu foi que, após o
seu retorno de Bruxelas (onde, repito, co-assinou o Acordo de Outubro), ele
percebeu que os seus deputados não estavam impressionados. Dispondo de
uma magra maioria no Parlamento (uma maioria de 3, a qual ele próprio
reconheceu ser insuficiente durante estes tempos turbulentos), decidiu que era
necessário algum movimento pró activo para dar ao seu governo um
novo sopro de vida. Em Junho último ele tentara atrair a
oposição para o governo. Isto fracassou então e
fracassaria outra vez. A alternativa óbvia seria apelar a uma
eleição intercalar. Contudo, Papandreu sabe que os eleitores
puniriam o seu partido brutalmente, dada a mínima oportunidade. Assim,
com uma grande coligação e uma vitória eleitoral
excluídas, que alternativa tinha ele? No mínimo, ele queria outro
voto de confiança, assegurando uma maioria de pelo menos 4 ou 5
deputados no Parlamento. Quando as suas sondagens mostraram-lhe ser mais
provável perder, ao invés de ganhar, o apoio em qualquer novo
confronto para um voto de confiança, emergiu a ideia do referendo como
uma solução possível: Propondo o referendo aos deputados,
eles já se sentiriam mais livres para conceder a Papandreu seu voto de
confiança na base de que os deputados já não precisariam
mais exprimir a ira do eleitorado no Parlamento uma vez que o próprio
povo terá uma oportunidade de fazê-lo directamente!
Se eu estiver certo, nesta sexta-feira o sr. Papandreu obterá o seu voto
de confiança no Parlamento. E então? Como é que ele
planeia ultrapassar o fardo do referendo? A sua ideia é de que,
até então, a Europa lhe terá dado umas poucas migalhas a
mais com as quais dirá aos eleitores gregos: "Aqui está o
melhor negócio que pude conseguir da Europa, depois de ter jogado uma
mão arriscada. Agora, ou vocês votam "sim" ou
saímos juntos da Europa".
Em suma, ao invés de ser um exercício de democracia
participativa, o referendo é uma trama falsificada, estrategicamente
condenada ao fracasso, moralmente corrupta e politicamente danosa. Ao
contrário do que é sugerido pelos assessores do primeiro-ministro
grego, o referendo nunca foi concebido como um meio de fortalecer o poder
negocial do sr. Papandreu sobre os seus colegas europeus e o FMI. Tivesse ele
desejado opor-se ao Acordo de Outubro, poderia tê-lo feito em Bruxelas.
Não, o referendo é um meio de extrair, primeiro, um voto de
confiança dos maltratados deputados do seu partido e, em segundo lugar,
impor sobre o povo grego um dilema odiosa que identifica consentimento ao
terrível Acordo de Outubro com um compromisso contínuo de
permanecer na Europa. Ao invés de ser um gesto de concessão
à voz dos gregos, este referendo é uma tentativa de
amordaçar o eleitorado.
Minha mensagem para o sr. Papandreu é simples:
-
Você errou sistematicamente sobre todas as grandes questões,
desde o momento em que se tornou primeiro-ministro e descobriu o
lamentável estado das finanças públicas gregas.
-
Você procurou tratar uma crise de dívida por meio de
empréstimos, propondo efectivamente tratar uma bancarrota como se fosse
um problema de liquidez.
-
Você nunca teve êxito em defender uma solução
sistémica para um problema sistémico, aceitando a
noção calamitosa de que isto é uma crise da dívida
grega a partir do qual o resto da Europa pode ser, de alguma forma, delimitado
por instituições tóxicas como o EFSF.
-
Você aceitou os termos e condições absurdos da nossa
troika de prestamistas nenhum presidente de empresa, muito menos um
líder político decente, teria contemplado por mais do que uns
poucos segundos.
-
Você continuou a mendigar por tais empréstimos e a celebrar
todas as vezes que eles eram concedidos ou ligeiramente modificados sob a
pressão esmagadora das circunstâncias.
-
Você cercou-se de
yes-men
cuja maior utilidade para si era serem...
yes-men.
-
Você repetidamente anunciou, a um público faminto de boas
notícias, que a crise estava "finalmente" resolvida (em Maio
de 2010, em Março de 2011, em Julho último, na verdade em toda
semana).
-
Agora, num lance desesperado para agarrar-se ao poder, você está
a tentar amordaçar o seu povo impondo-lhe uma falsa opção
entre (a) um acordo que é mau para a Europa como um todo e (b)
permanecer na Europa.
-
Talvez o mais danoso de todos os aspectos da sua ideia de referendo é
que isto consolidará na mente colectiva do resto da Europa a falsa
impressão que o problema é a Grécia; levando nossos
parceiros a permanecerem na negação acerca das raízes na
concepção da eurozona dos nossos problemas colectivos.
Sr. Papandreu, você causou bastantes danos à nação
grega; na verdade, à Europa. Já é tempo de desmantelar a
sua tenda, empacotá-la e desaparecer graciosamente dentro da noite.
02/Novembro/2011
O original encontra-se em
http://yanisvaroufakis.eu/2011/11/02/time-to-resign-mr-papandreou/#more-1261
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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