A notícia da revista
Spiegel
de que
"Atenas considera retirar-se da eurozona"
não é exactamente falsa apenas económica com a
verdade.
Sim, poucas semanas ou meses atrás o governo grego encomendou (como
devia) vários estudos secretos das repercussões de vários
cenários envolvendo diferentes formas de reestruturação da
dívida, incluindo um cenário desesperado com a hipótese de
uma improvável saída da eurozona. A questão real é:
por que a
Der Spiegel
optou por isolar este cenário e centrar-se sobre ele muito embora os
seus jornalistas soubessem muito bem que a Grécia nunca proporá
uma saída real do euro?
É minha opinião meditada que a
Der Spiegel,
após consulta prévia com certos círculos dentro do
governo alemão (em particular o Ministério das Finanças),
estava a tentar enviar uma mensagem não à chanceler
alemã como também ao primeiro-ministro grego. Qual é esta
mensagem? Que há coisas muito piores do que uma
reestruturação da dívida, sendo a pior um desmantelamento
passo-a-passo do euro que principiará quando um país como a
Grécia é forçado a uma situação
impossível. E que continuar a viver em negação, e espalhar
mentiras flagrantes acerca da sustentabilidade do rumo actual, não
será mais tolerado.
Negação
Vamos começar com a citação do dia da versão
Internet da
Der Spiegel:
Os problemas económicos da Grécia são maciços, com
protestos contra o governo efectuados quase diariamente. Agora o
primeiro-ministro George Papandreu aparentemente sente que não tem outra
opção: SPIEGEL ONLINE obteve informação de fontes
do governo alemão conhecedoras da situação em Atenas
indicando que o governo Papandreu está a considerar o abandono do euro e
a reintrodução da sua própria divisa.
Alarmada pelas intenções de Atenas, a Comissão Europeia
convocou uma reunião de crise no Luxemburgo na sexta-feira à
noite. A reunião está a ter lugar no Château de Senningen,
um local utilizado pelo governo do Luxemburgo para reuniões oficiais.
Além da possível saída da Grécia da união
monetária, uma reestruturação rápida da
dívida do país também faz parte da agenda.
Que o governo grego esteja a considera uma saída heróica da
eurozona é falso: se bem que a saída é um dos muitos
cenários que estudou, ele nunca foi um dos que contemplasse seguir.
Contudo, o governo grego pode negar a notícia da
Spiegel
até o dia de são nunca mas ninguém o acreditará.
É o preço que se pagar por não ter prestado
atenção à moral da [fábula]
O rapaz que gritava lobo.
Pior ainda, ao acusar, bastante implausivelmente, a Der Spiegel de passar
manteiga no pão dos especuladores, o grego está a sacrificar, em
vão, os últimos restos de credibilidade que tem. Triste, muito
triste. Pois toda a gente sabe que a
Der Spiegel
tem peixes muito maiores para fritar do que prestar-se aos jogos dos
especuladores. Na verdade, a
Der Spiegel
faz parte da rede institucional da autoridade e poder político da
Alemanha. Assim, porque haveria uma tal instituição de ser
económica com a verdade desta maneira e neste momento?
A mensagem
O artigo da Spiegel foi pretendido como um disparo que disparasse campainhas de
alarme muito retardadas. Tencionava criar uma pequena tempestade de
pânico como meio de recordar à sra. Merkel que a crise até
agora é semelhante a um chá da tarde em comparação
com o que se seguirá se ela continuar a viver em mentiras.
Quem enviou esta mensagem? A
Der Spiegel
nunca actuaria por si mesma, sem coordenação com poderosos
círculos políticos alemães. Minhas fontes contam-me que
estes círculos estão localizados principalmente dentro do
Ministério das Finanças e, em menor medida, em um ou dois dos
maiores bancos da Alemanha. Em associação com a Der Spiegel eles
têm estado a enviar mensagens enfadonhas com linhas semelhantes desde
há algum tempo, nomeadamente que a dívida grega não
é sustentável sob a presente composição
política (ver relato do
FT Alphaville
daquela série de mensagens
enviadas utilizando a
Der Spiegel
como seu principal transmissor).
Tendo perdido a paciência, uma vez que os seus sinais foram amplamente
ignorados, pessoas do Ministério das Finanças alemão
decidiram recorrer às armas grandes do sinal de ontem. Eles tomaram uma
verdade parcial (de que o primeiro-ministro grego examinou os custos potenciais
de uma saída grega do euro), ampliaram-na ao omitir a
menção a todos os outros cenários que foram considerados
e, pronto, foi desencadeada uma pequena tempestade sobre a liderança da
Europa. Todo o que fizeram então foi observar o pânico efectuar o
seu milagre. Qual milagre? Concentrar as mentes da sra. Merkel, do sr.
Papandreu e de ministros variados na importância de viver, pelo menos
dessa vez, com verdade.
Mais precisamente, a mensagem enviada pelo artigo incendiário da
Der Spiegel
era que a política de novos empréstimos caros a estados
insolventes, combinada com austeridade selvagem num tempo de recessão
profunda, não funciona e não funcionará. Que chegou o
tempo da reestruturação da dívida para periferia sob
tensão da eurozona, assim como o tempo para uma resolução
racional da crise bancária da Europa. Para conduzir ao seu argumento, os
círculos dentro da Alemanha que perceberam que a Spiegel publicou este
artigo vivamente esclarecedor, em benefício da sra. Merkel e do sr.
Papandreu, perceberam também que há algo muito, muito pior do que
uma reestruturação da dívida: o começo de uma
eliminação sucessiva de países da eurozona que
provocará níveis impressionantes de especulação nos
mercados monetários quanto ao que vem a seguir e quando.
Ao causar um moderado pânico prematuro nesta linha, eles enviaram a
mensagem rematada de que o tempo das mentiras está ultrapassado, de que
mais liquidez para estados insolventes e bancos em bancarrota tornarão
as coisas piores, de que é tempo de ter na Europa o debate que
devíamos ter tido há mais de um ano atrás.
A ideia central
Um ano atrás a Grécia estava falida e foi induzida a um programa
estilo FMI cujo rigor foi agravado pela condição do país
como membro de uma união monetária que efectivamente
excluía, por definição, a desvalorização (e
todos os efeitos estabilizadores automáticos decorrentes). As
múltiplas crises que se verificaram dentro do sector estatal, da
economia real e do sector bancário foram "obstruídas"
com o lançamento de mais empréstimos caros dentro destes sectores
insolventes. O artigo da
Spiegel
marca um ponto de viragem: Alguns poderosos decisores políticos
alemães parecem não mais estarem dispostos a continuar nesse beco
sem saída. Sem dúvida escolheram um meio estranho de declarar a
sua decisão. Contudo, apesar da maneira covarde como tornaram
pública a sua nova convicção, um novo capítulo
está a começar para a Europa. Ele não será
necessariamente bem escrito ou nos fará felizes ao lê-lo. Mas pelo
menos abre a perspectiva de uma fuga a uma mentira sombria que proporcionou
miséria em massa e que é a garantia de submergir a ideia de uma
Europa Unida num mar de discórdia, xenofobia e rancor generalizado.
[*]
Professor de Teoria Económica e Director do Departamento de
Política Económica da Faculdade de Ciências
Económicas da Universidade de Atenas. Seus livros incluem:
The Global Minotaur: The True Origins of the Financial Crisis and the Future of
the World Economy
(Zed Books, 2011); (com S. Hargreaves-Heap)
Game Theory: A Critical Text
(Routledge, 2004);
Foundations of Economics: A Beginner's Companion
(Routledge, 1998); e
Rational Conflict
(Blackwell Publishers, 1991).
O original encontra-se em
http://mrzine.monthlyreview.org/2011/varoufakis070511.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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