Para onde vamos?
Grécia rejeita a Troika
No domingo, pouco após as 19h00 (horas de Atenas), disseram-me que o
voto "Não" estava a vencer por cerca de 60/40. As
"pesquisas de opinião" mostrando um jogo empatado
evidentemente estavam erradas. Diz-se que jogadores por toda a Europa
estão a perder suas cuecas por apostarem que a direita financeira podia
enganar a maior parte dos gregos levando-os a votar contra o seu
auto-interesse. A margem da vitória mostra que os gregos foram imunes
à desinformação dos media ao longo da semana anterior
assim como a aceitar a exigência da troika de austeridade conduzida em
termos anti-trabalho.
[1]
Isto não deveria ter sido uma surpresa tão grande. A idade de
voto para o referendo foi reduzida para 18 anos e incluía membros das
forças armadas. Confrontada com uma taxa de desemprego de 50 por cento,
a juventude grega compreensivelmente não queria mais euro-austeridade.
A exigência da Troika era por austeridade a ser aprofundada unicamente
pela tributação do trabalho e redução das
pensões. Seus decisores políticos vetaram impostos sobre a
riqueza propostos pelo Syriza e passos para evitar sua evasão. O FMI por
sua parte vetou cortes em gastos militares gregos (bem acima dos 2% do PIB
exigidos pela NATO), apesar de mesmo o Banco Central Europeu (BCE) e a
chanceler alemã concordarem com isto.
O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, ameaçou
expulsar a Grécia da Europa, apesar de nenhuma lei permitir que isto
aconteça. Vamos ver agora se ele ainda tenta executar o seu bluff, o
qual tem sido reflectivo por líderes de direita de toda a Europa.
As acções retaliatórias de um responsável
ostensivamente não-politico e não-eleito não são
isoladas. A guerra de classe na eurozona em apoio da finança contra o
trabalho e a indústria agora está aberta e a sério. Ao
invés de fazer o que se supõe que faça um banco central
proporcionar liquidez (e papel moeda) a bancos, o BCE encabeçado
por Mario "Seja como for" Draghi forçou-os mesmo a fechar suas
máquinas ATM por falta de dinheiro. Evidentemente a
intenção disto era amedrontar eleitores gregos levando-os a
pensar que este seria o futuro do seu país se votassem Não.
É uma velha estratégia. Andrew Jackson exprimiu seu
espírito vingativo em relação ao Second Bank of the United
States fechando-o. Quando este recusou-se a nomear seus corruptos compadres
políticos, ele depositou a moeda do U.S. Treasury nos seus "bancos
mascote". A drenagem de moeda mergulhou a economia na depressão. Os
estados escravocratas do Sul saudaram a deflação, porque
procuravam preços baixos para suas exportações de
algodão e opunham-se também à indústria nortistas
com suas políticas proteccionistas e anti-escravocratas.
O que a Grécia precisa é de um banco central interno ou na
falta dele, de um Tesouro nacional com poderes para criar a moeda a fim
de monetizar o gasto do governo com a recuperação
económica. O sr. Draghi mostrou que o BCE não é
"tecnocrático" mas sim uma cabala de operadores de direita a
trabalhar para deitar abaixo o governo Syriza, de certo modo bastante desejoso
de colocar no poder o partido de extrema-direita Aurora Dourada. Á luz
da sua recusa em executar os deveres de um banco central e actuar como
prestamista de último recurso quando bancos gregos esgotam o cash, o sr.
Varoufakis disse: "Se necessário, emitiremos liquidez paralela e no
estilo IOUs da Califórnia, numa forma electrónica.
Deveríamos ter feito isto uma semana atrás".
[2]
Os media populares dos EUA reflectiram a direita europeia ao tentarem assustar
os gregos e seus simpatizantes, levando-os a acreditar que o voto era se sim ou
não permanecer parte da União Europeia. Contudo, a
votação pôs em causa exactamente o que significa ser aquilo
que os advogados da austeridade chamam "comprometido com o projecto
europeu". Responsáveis da Eurozona são unânimes em que
isto significa um compromisso com a guerra financeira contra o trabalho
para com a austeridade e ainda nova contracção económica,
para liquidações privatizadoras mais rápidas (mas
não para russos se eles oferecerem preços mais altos, como fez a
Gazprom) e portanto preços mais altos até agora para empresas de
serviços públicos (utilities); para a não
rejeição de negócios passados de iniciados com maiores
impostos de valor acrescentado sobre os consumidores; e para reduzir
pensões para trabalhadores.
Estava perspectiva estava no centro de uma reunião no Parlamento Europeu
em Bruxelas em 2 de Julho.
[3]
Havia naturalmente apoio unânime a um voto "Não"
às exigências anti-trabalho e pró credores por parte do
FMI, BCE e Conselho Europeu. Mas também havia a
preocupação de que líderes do Syriza não
começassem imediatamente após a sua vitória eleitoral de
Janeiro a educar os eleitores sobre o que realmente estava em causa: porque
permanecer sujeito à teoria económica lixo ditada pelo FMI e BCE
tornará a economia sujeita à deflação
crónica da dívida. Ao invés de passar os últimos
seis meses a educar o público sobre o que estava em causa com a Troika,
o Syriza centrou-se em lutar um combate contra as cordas para demonstrar
quão firmemente o BCE e a CE estavam comprometidos com a austeridade.
Os membros da esquerda do Syriza com quem me encontrei nas últimas duas
semanas em Atenas,
Delphi
e Bruxelas sentiam que deveria ter sido feito mais para educar o
público grego de quão impossível é para a
Grécia pagar as dívidas com que a Troika a sobrecarregou, com
abjecta rendição da coligação pró-bancos
Pasok/Nova Democracia que governou a Grécia durante uma
geração. (Samaras, o líder da Nova Democracia, demitiu-se
após o resultado da votação na noite passada)
Um factor que pode ter gregos indignados a votarem "Não" foi a
revelação de que uma análise interna de sustentabilidade
de dívida do FMI
(IMF Debt Sustainability Analysis)
a qual Lagarde procurou ocultar endossou o que o líder do
Syriza, Alexis Tsipras, tinha estado a dizer o tempo todo: a Grécia
precisa de um cancelamento parcial
(writedown).
Sua dívida oficial é impagável e em primeiro lugar nunca
deveria ter sido imposta sobre ela sob condições em que a
Troika removeu o primeiro-ministro eleito do gabinete para colocar ali o seu
próprio tecnocrata (Lucas Papademos, que havia trabalhado com a Goldman
Sachs para falsificar o balanço de 2001 do governo a fim de permitir
cumprir as condições de entrada na eurozona).
Foi revelado na semana passada que a chefe do FMI, Christine Lagarde, havia
desautorizado sua equipe e directores a fim de defender especificamente
interesses franceses. Tal como em 2010-11 sob Dominique Strauss-Kahn, quando
bancos franceses eram os principais detentores de títulos gregos
(inclusive através da sua propriedade de bancos gregos). Strauss-Kahn
desautorizou sua equipe quando ela instou o FMI a não capitular
às exigências do BCE para pagar detentores de títulos
franceses, alemães e outros privados com empréstimos de
salvamento da Troika pelos quais tornavam os contribuintes gregos
responsáveis.
Duas semanas atrás o Parlamento grego divulgou um relatório da
sua Comissão da Verdade da Dívida explicando porque a
dívida da Grécia ao FMI, BCE e Conselho Europeu era legalmente
"odiosa". Foi imposto à Grécia por exigência da
sra. Merkel e de outros líderes favoráveis aos bancos que a
Grécia
não
efectuasse o referendo que o primeiro-ministro do Pasok, Papandreu, havia
proposta acerca do salvamento de bancos franceses e alemães a expensas
dos gregos.
Aquilo foi a raiz dos problemas de hoje. Foi também o momento no qual a
finança e a democracia europeia tornaram-se incompatíveis,
levando o falecido editor do
Frankfurt Allgemeine Zeitung
, Frank Schirrmacher, a escrever o seu famoso editorial "Democracia
é lixo".
[4]
A Troika recusou-se a cancelar um único euro da dívida
impagavelmente alta. Eles pretendiam que o alívio da dívida
é
uma questão para depois
. Foi o que permitiu a Tsipras descrever o seu país como vítima
da viciosa guerra de classe da eurozona. A posição do Syriza tem
sido "Queremos pagar. Mas simplesmente não há dinheiro
como os próprios cálculos do FMI mostraram clara e
explicitamente".
Terça-feira passada, Tsipras explicou aos eleitores gregos que a Troika
não havia dito
nada
por escrito acerca de cancelamentos de dívida. Isto perfurou o
labirinto do pânico induzido pelos media. O seu aparente desejo de
render-se simplesmente
desafiou
a Troika a por as suas promessas por escrito. Ele certamente não estava
em vias de cometer o trágico erro feito pelo líder russo
Gorbachev quando acreditou nas promessas verbais da NATO de que não se
moveria para os países pós soviéticos da Europa Central e
do Báltico.
A posição da Troika era e é: "Imponha austeridade
agora. Falaremos acerca de cancelamentos de dívida mais tarde. Mas
primeiro você deve liquidar o que resta do seu sector público.
Você deve reduzir salários em mais 20% e forçar mais 20% da
sua população a emigrar. Só então, quando
estivermos certos de que não podemos arrancar mais qualquer euro de si,
então
podemos querer
conversar
acerca do cancelamento de
algo
da sua dívida. Mas não até que o tenhamos despojado de
qualquer coisa que reste para pagar em qualquer caso!"
Tsipras e o ministro das Finanças Varoufakis têm sido amplamente
criticados nos media dos EUA por aparentemente capitular à
exigência da Troika. A realidade é que eles têm sido
civilizados e polidos, tomando mesmo posição conciliatória
ainda que só para mostrar quão totalitária e
inflexível tem sido a Troika.
Este contraste entre a razão e a austeridade do "mercado
livre" totalitário foi o que convenceu os gregos a votarem
Não.
06/Julho/2015
[1]James Galbraith resume a desinformação em
"9 Myths About the Greek Crisis"
Politico
[2] Ambrose Evans-Pritchard, "Defiant Greeks reject demands as Syriza
readies IOU currency,"
The Telegraph
, July 5, 2015. Ele deveria ser encarado como uma fonte de "fugas
certificadas" dos negociadores do Syriza.
[3] "Peripheral debts: Causes, consequences and solutions,"
patrocinado pela European United Left/Nordic Green Left, GUE/NGL (
www.guengl.eu
). O video pode ser visto
aqui
. (Meu discurso começa a cerca do minuto 27.)
[4[ www.voxeurop.eu/en/content/article/1128541-democracy-has-junk-status
Ver também:
Syriza envisage d'utiliser le Traité de Lisbonne contre la BCE
[*]
Autor de
The Bubble and Beyond
e
Finance Capitalism and Its Discontents
. Colaborou em
Hopeless: Barack Obama and the Politics of Illusion
.
mh@michael-hudson.com
O original encontra-se em
www.counterpunch.org/2015/07/06/greece-rejects-the-troika/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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