Um Estado gangster
Max Weber definiu como atributo fundamental do Estado o monopólio do
exercício legítimo da violência no interior de um dado
território. Para qualquer outro que não o Estado, utilizar
força física substantiva contra si ou aprisioná-lo
é considerado um crime extremamente grave. O próprio Estado pode,
no entanto, constrange-lo, espancá-lo, aprisioná-lo e até
matá-lo
. Isto liga-se às mortes sob custódia policial. Também
posso mencionar o
assassinato pelo Estado
de Jojo Jones, criança britânica de 12 anos, executado
deliberadamente pelos EUA por meio de ataque de drones com a
aprovação prévia do governo britânico.
Isto é apenas um exemplo da diminuição das
reticências do estado britânico quanto ao uso de violência
extrema. A desavergonhada promoção de Cressida Dick para chefiar
a Polícia Metropolitana como recompensa por orquestrar o assassinato a
sangue-frio de um inocente e não resistente Jean Charles de Menezes
é outro exemplo. O mesmo se passa quanto ao
encorajamento
aos EUA feito por
Savid Javid [secretário do Interior britânico] para aplicar a
pena de morte contra britânicos despojados de cidadania.
Há uma classe de estados onde o governo central não tem
suficiente controle sobre os seus territórios para preservar o seu
monopólio da violência. Isso pode incluir violência em
oposição ao estado. Mas outro aspecto disso é a
violência sancionada pelo Estado em prol de objectivos estatais por parte
de actores não estatais, feita com um aceno e uma piscadela de olho do
governo esquadrões da morte e milícias privadas, muitas
vezes promovidas pela CIA. Na América do Sul frequentemente actuaram
desse modo e assim o faz ocasionalmente o estado britânico, como por
exemplo no assassinato de Pat Finucane. Em alguns casos, um estado pode ser
descrito apropriadamente como estado gangster, onde grupos violentos agindo
para ganho pessoal agem em conjunto com autoridades estatais, com
motivações de lucro financeiro pessoal em ambos os lados.
Parece-me, neste sentido, que é justo chamar a Grã-Bretanha de
estado gangster. Contratou o exercício da violência do estado
em alguns casos até o
ponto de morte
contra prisioneiros e imigrantes detidos a empresas como a
G4S
, que exercem essa violência apenas para obter lucro. É uma
abominação moral que a violência deva ser exercida contra
seres humanos para obter lucro e deve ficar claro que, mesmo nas
condições mais "humanitárias", a
privação da liberdade física de qualquer pessoa é
um exercício extremo e crónico de violência. Não
nego a necessidade de tal acção ocasionalmente para proteger
terceiros, mas que o Estado compartilhe seu monopólio da
violência, de modo a que interesses comerciais aos quais a classe
política está intimamente associada possam gerar lucro, provoca
extrema repugnância moral.
Rory Stewart apareceu no Sky News esta manhã e o primeiro ponto que
considerou adequado fazer foi uma apaixonada defesa encoberta da G4S. Que esta
tenha sido a primeira reacção do ministro das Prisões a
uma pergunta sobre o colapso da ordem na Prisão de Birmingham devido ao
comportamento abjecto da G4S, mostra tanto o compromisso ideológico dos
Conservadores com a privatização em quaisquer
circunstâncias, especialmente onde ela comprovadamente fracassou, como
também o quanto estão dependentes de interesses financeiros
e nem minimamente preocupados com o interesse público.
Deveria acrescentar a isto que os Tories incluem também os Blairistas.
Blair e Brown ficaram entusiasmados com a privatização das
prisões, e até mesmo desejosos de estender a
contratação da violência estatal com motivos de lucro ao
sector militar com a utilização de soldados mercenários,
que o New Labour conscientemente rebaptizou como "empresas militares
privadas". O Iraque foi um grande exercício disto, com
mercenários contratados pelo governo britânico muitas vezes em
maior número do que as tropas britânicas.
A razão para o Estado ter o monopólio da violência em
qualquer sociedade é supostamente garantir que a mesma seja exercida
só com cautela, com comedimento e proporcionalmente, unicamente em
circunstâncias inevitáveis. É o dever mais profundo de um
Estado assegurar que assim seja. A contratação externa de
violência estatal para o lucro privado deveria ser impensável para
qualquer pessoa decente.
22/Agosto/2018
[*]
Foi embaixador britânico no Uzbequistão de Agosto/2002 a
Outubro/2004 e reitor da Universidade de Dundee de 2007 a 2010.
O original encontra-se em
www.craigmurray.org.uk
e em
www.informationclearinghouse.info/50104.htm
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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