Factos que os media corporativos escondem
Enfim (um dia de) greve geral!
por Rémy Herrera
Quarta-feira, 5 de fevereiro de 2019 foi, em França, uma jornada de
greve geral e de manifestações. O apelo foi lançado a
nível nacional pela CGT (Confederação Geral do Trabalho) e
por numerosas secções de outros sindicatos (Solidários,
Força Operária, sindicatos liceais
) e ainda pelos
líderes dos coletes amarelos. Um deles, Maxime Nicolle, declarou: "
É necessário que todas as pessoas que apoiam este movimento
[dos coletes amarelos]
façam greve, porque a única coisa que fará ceder o
governo, sem violência, é tocar no aparelho económico
". Vários dirigentes de partidos políticos (do Novo Partido
Anticapitalista, da França Insubmissa, do Partido Comunista
Francês
) também já aderiram à greve. Travada
pelos trabalhadores dos setores privados e públicos, com
reivindicações de aumento dos salários e dos
mínimos sociais, para uma profunda reforma da fiscalidade face à
urgência social e pela defesa das liberdades públicas, esta greve
intersindical e interprofissional foi um êxito. Reuniu, segundo a
estimativa da CGT, perto de 300 mil manifestantes em cerca de 200 cidades do
país. Além disso, concretizou pela primeira vez,
"oficialmente", por fim! uma convergência das lutas
sindicais e das dos coletes amarelos. Mas os
media
dominantes fizeram o necessário têm os meios para isso
para que este êxito passasse quase despercebido do grande
público.
No sábado seguinte, a 9 de fevereiro, realizou-se o "Ato 13"
dos coletes amarelos: 51 400 pessoas (segundo afirma a polícia)
ou
mais do dobro (de acordo com os organizadores) desfilaram um pouco por
toda a França. Embora a grande maioria dos participantes nesta nova
mobilização se tenha manifestado pacificamente reclamando,
de passagem, a demissão do presidente Emmanuel Macron , algumas
concentrações degeneraram, nomeadamente em diversos pontos da
capital: recontros com as forças da ordem, montras de lojas e vitrinas
de bancos partidas, mobiliário urbano e carros incendiados
No
entanto, no dia 9, à noite, nenhuma resposta política ou social a
esta crise foi considerada pelo poder. A "estratégia" deste?
Sempre a mesma, como desde o início da mobilização dos
coletes amarelos em meados de novembro, ou seja, a deterioração:
reprimir brutalmente os coletes amarelos, deixá-los esgotarem-se,
dividi-los ao máximo, desacreditá-los, acusá-los de todos
os males, insultá-los, atiçar o medo e o ódio, esperar uma
reviravolta da opinião pública. Mas, sobretudo, não ceder
em nada aos contestatários e fingir não compreender que a ordem
instituída desta sociedade de desigualdades e de injustiças
provoca náuseas e é insustentável.
Porque a mensagem disseminada pelos
media
é que esta mobilização apodrece. De há três
meses a esta parte, uns 60 parlamentares da maioria presidencial mencionaram
ter recebido ameaças anónimas, de diversa natureza, e por
diversos meios, e foram registados mais de 80 estragos em
instalações políticas ou em domicílios pessoais de
eleitos de
A República em Marcha.
Por exemplo, as portas de entrada ou da garagem de casas de eleitos foram
muradas à pressa, durante a noite; insultos pintados nas fachadas
No decurso dos últimos anos, já tinham sido observadas uma serie
de ações de incivilidade deste género, visando outros
responsáveis políticos (de maiorias anteriores). Há cinco
anos, aquando duma manifestação de agricultores em Champagne, uma
máquina agrícola arremessou estrume no meio da risota
geral contra o frontão duma prefeitura (que atingiu o interior
dos gabinetes); lançaram-se ratazanas como forma de protesto nos
edifícios oficiais em Haute-Garonne; na região Pays de la Loire,
tratores despejaram estrume em quantidades abundantes nos jardins
da residência de um ministro (socialista) da Agricultura, etc. Mas,
atualmente, a tensão parece aumentar de nível. Há uns
dias, indivíduos tentaram incendiar um dos domicílios de Richard
Ferrand, presidente da Assembleia Nacional e antigo membro da ala
esquerda do Partido Socialista, e depois secretário-geral do partido do
presidente Emmanuel Macron,
A República em Marcha
É neste contexto pernicioso que, no próprio dia da greve geral de
5 de fevereiro, foi aprovada na Assembleia Nacional uma "lei anti
vândalos". Um facto novo desde há 18 meses uns
50 deputados do grupo de Macron recusaram-se a votar essa proposta de lei
desejada pelo governo. Isso não chegou para rejeitar o texto, mas revela
o mal-estar que percorre as fileiras da maioria presidencial tanto mais
que o aviso prévio emitido pelo Conselho de Estado, em
oposição a uma lei que (segundo ele) contém um atentado
às liberdades públicas, foi ignorado pelo Parlamento. Este novo
dispositivo jurídico que será examinado pelo Senado a 12
de março próximo constitui, obviamente, mais uma viragem
na espiral da repressão. A partir de agora, no bem-aventurado reino da
França, uma pessoa poderá ser proibida de se manifestar
não por ser condenada pela justiça (isto é, depois de ter
praticado um delito), mas de forma antecipada, por via de uma
interdição administrativa decidida por um prefeito, por outras
palavras, pelo representante do poder político nas comunidades
territoriais. Isto, com base na simples suspeita (documentada pelas fichas dos
serviços de informações gerais). Institui-se assim um
"foco individual" dos manifestantes supostamente perigosos!
O apelo da base de Emmanuel Macron às franjas mais direitistas e
reacionárias do seu eleitorado, ansiosas por verem restabelecida a ordem
pública o mais depressa possível, é grosseiro.
Subitamente, regressámos a uma época anterior a 1968, quando o
regime do general de Gaulle suspendeu o direito de manifestação
durante a guerra da Argélia (a partir de 1958 e até ao 1.º
de maio de 1968). Claro, a lei anti vândalos ainda não está
em vigor e tem de esperar que o Senado se pronuncie. Mas, para já,
levantaram-se vozes cada vez mais fortes, nas redes sociais, indignadas por
não terem sido imediatamente acusados os indivíduos que fizeram
estragos, identificados e seguidos pelas forças da ordem, durante todo o
dia (como o que incendiou vários veículos a 9 de fevereiro, um
deles do plano Vigipirate). Observadores fazem notar aquilo que toda a
gente já sabe há décadas que bastava que policias
se infiltrassem ocasionalmente nos desfiles, para "ajudar" os
vândalos a cumprir a sua tarefa e desacreditar assim os movimentos
sociais
Aliás, Daniel Cohn-Bendit, especialista nesta área
do vandalismo (em maio de 1968) e da colaboração com o
poder (desde essa altura) já o reconheceu, sorridente
Enquanto espera, a repressão policial vai de vento em popa. Como todos
os sábados, desde há 14 semanas. Uma sessão de arremesso
manual de granadas de dispersão até foi transmitida em direto nos
canais de (des)informação, em contínuo, a 9 de fevereiro.
Enquanto um grupo de coletes amarelos tentava visivelmente furar a
paliçada instalada em frente da Assembleia Nacional, um fotógrafo
ficou sem um braço perante o olhar horrorizado de milhões de
telespetadores! Os quais viram, em horário nobre, como recompensa pela
sua fidelidade, um oficial superior, de serviço diante da câmara
dos deputados, receber um pontapé na cara de um dos manifestantes
empoleirado nas grades do edifício
Um choque para os
partidários da mudança e para os partidários da ordem! Uns
dias depois, saiu o veredito para o boxeur do CRS, Christophe Dettinger: um ano
de prisão! A 15 de fevereiro, Éric Drouet, figura popular dos
coletes amarelos, compareceu também perante um tribunal para responder
à acusação de "organização de
manifestação não declarada"
O problema
é que a maior parte dos líderes dos coletes amarelos já
não querem declarar na prefeitura estas manifestações,
exatamente por causa dos excessos (espontâneos ou, mais frequentemente,
causados ou provocados pelas forças da ordem) que os fazem incorrer no
risco de processos judiciais. Outro líder dos coletes amarelos,
Jérôme Rodrigues, divulgou que tinha perdido um olho, depois de
ter sido atingido por uma bala de Flash-Ball na cabeça. Entretanto, os
membros da direção do partido França Insubmissa (entre
outros) foram sujeitos a buscas em casa, uns atrás dos outros.
No entanto, a violência não é só na rua. Longe
disso. Está em todos os canais de televisão, na boca de
especialistas de segurança ou melhor, de denúncia!
apoiados por alguns universitários guedelhudos, com ar de 68, que
vêm esclarecer os telespetadores e, com eles, as
informações gerais, dedicando-se a um exercício de
denúncia em direto de diversos manifestantes:
"reparem, há ali uma bandeira com a foice e o martelo!"
ou
"ali, é a CGT, há bocado vi os sinais de reconhecimento
deles!"
ou
"aqueles são maoístas, de acordo com os
estandartes!"
Sim, isto começa realmente a cheirar muito mal na
macronia
A violência está nas propostas cheias de ódio de um
Luc Ferry, professor de filosofia e ex-ministro da Educação
nacional (de Jacques Chirac), vomitando numa emissão de rádio (na
Radio Classique,
a 7 de janeiro) que as forças da ordem deviam ser autorizadas a usar
armas (as letais!) contra os rebeldes contestatários. E de repetir isso,
um pouco mais calmamente, uns dias depois, sem recear qualquer
sanção, numa outra emissão, desta vez televisiva (no LCI a
3 de fevereiro), queixando-se de que, nos belos bairros de Paris (entre os
quais o dele),
"é pavoroso o que se passa!".
Porque, a partir de agora, é preciso dizer:
"atacar Macron, é atacar a França!".
Sem comentários dos jornalistas!
A violência, encontramo-la oculta no comportamento de um presidente da
República que continua a afirmar que não recuará, que
"não mexerá um dedo",
que
"não mudará de rumo",
no preciso momento em que lança o seu "Grande Debate".
O qual se resume, no fundo, a uma sobre-exposição
mediática da sua divina pessoa para começar, de modo indireto (e
às custas dos contribuintes), a campanha das eleições
europeias em maio próximo. Está no encorajamento dos seus
partidários que proclamam alto e bom som que
"o presidente ainda não fez nada",
que
"as grandes reformas do quinquénio ainda estão para
vir".
Está nas zonas do não-direito no topo do Estado,
reveladas pelos meandros do caso Benalla segundo o nome daquela antiga
guarda de segurança do presidente que se julgava acima das leis (por
estar coberto pelo seu poderoso protetor) e que a justiça demorou cerca
de 10 meses para o deter e nos seus múltiplos efeitos: a
demissão do conselheiro especial mais próximo de Emmanuel Macron,
Ismaël Emelien, citado no mesmo caso (por ter sido possivelmente o
beneficiário de documentos ilegais); a mutação da chefe do
grupo de segurança do primeiro-ministro (para proteger o cônjuge,
possivelmente envolvido num contrato feito entre relações de
negócios de Benalla e um oligarca russo); mais um recente
relatório esmagador do Senado sobre as anomalias dos serviços do
Eliseu; e muitas outras zonas de sombra (um cofre-forte desaparecido
misteriosamente no domicílio de Benalla, passaportes diplomáticos
que este não restituiu, comissões suculentas recebidas por
contratos de proteção privada
). Estejam tranquilos: os dois
pobres cristãos espezinhados por Alexandre Benalla, no 1.º de maio
de 2018 na praça da Contrescarpe em Paris, foram julgados e condenados
(em 500 euros de multa!) por terem atirado contra polícias,
respetivamente, um cinzeiro e um cântaro
A violência
está neste espetáculo duma justiça a duas velocidades,
imposta por um poder desastroso e por todo um regime em decadência
Para quando a verdadeira democracia em França?
A violência ainda, na continuação da
destruição da França que está a ser implementada
lentamente: um Parlamento que autoriza a aceleração da
privatização dos setores da energia (quando camaradas ocupam
centrais ou reabrem agências de acolhimento fechadas ao público);
um ministro da Educação na iniciativa duma lei que exige
às comunas que financiem ainda mais o ensino privado a partir do
pré-escolar, ou de um texto que aumenta os custos de
inscrição dos estudantes estrangeiros na universidade (e os
professores fazem greve)
Felizmente, a França ainda mantém
a venda de armas! Por azar, os submarinos que lhe acaba de comprar a
Austrália (cujo orçamento militar está contabilisticamente
integrado no dispositivo global de defesa dos Estados Unidos) não
serão fabricados em França, mas
a 16 mil km de
distância: em Adelaide, na Austrália Meridional! Para
que serve então o material militar francês adquirido pela
Arábia Saudita e pelos emirados do Golfo, senão para esmagar as
populações vietnamitas! Mas, quanto ao respeito pelos direitos do
Homem, nem pensar. É esta a moral da
macronia!
"O Grande Debate é na rua!",
dizia um cartaz da manifestação de 16 de fevereiro
passado. A convergência das lutas dos sindicatos e dos coletes amarelos
é necessária, mais do que nunca. Desde o mês de novembro,
estão ao lado dos coletes amarelos grandes faixas das bases sindicais,
nas mobilizações de sábado, nas rotundas nos dias de
semana, ou nas empresas. Os dirigentes sindicais, reticentes durante muito
tempo, juntaram-se-lhes finalmente. Ou foram obrigados a fazê-lo, a
partir de 5 de fevereiro passado, precisamente por pressão das bases
militantes. Isso demorou tempo. Este esforço de convergência
é louvável, evidentemente, mas ainda é insuficiente. A
próxima greve geral e nacional, uma ocasião para uma nova
mobilização conjunta de sindicatos e coletes amarelos,
está anunciada pela CGT para 19 de março. É demasiado
longe, quando tantos camaradas lutam diariamente, por todo o lado. Tanto mais
que os expurgos estão a acelerar (porque não dizê-lo?) na
pirâmide do poder no seio dos sindicatos, para afastar os elementos mais
contestatários, mais rebeldes e mais motivados para alargar e aprofundar
as lutas. Será necessário apressar o passo, redobrar de energia,
convencer sempre mais camaradas a entrar na batalha. Será
necessário fazer vencer a lógica da greve. E fazer recuar a
arrogância desta direita que se diverte dizendo que
"em França, a revolução é ao sábado e
suspende-se no domingo de manhã".
Os coletes amarelos mostram o caminho: apelam à
manifestação também ao domingo! Neste momento
histórico tão especial, devemos medir a importância do que
se passa nesta hora em França no arsenal repressivo sem precedentes que
ali está instalado para tentar deter a revolta popular que aumenta. A
repressão brutal, com efeito, é o reflexo, não tanto duma
contra-ofensiva da burguesia, mas de um medo que a invade e de uma
interrupção do seu projeto destruidor sob o impulso dum povo em
luta.
23/Fevereiro/2019
Tradução de Margarida Ferreira.
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