Muito barulho para quase nada…

por Rémy Herrera

Estava previsto para 15 de Abril o discurso televisivo do presidente Macron destinado a responder às reivindicações dos coletes amarelos e apresentar as suas tão aguardadas medidas. Este perigoso exercício foi-lhe poupado in extremis pelo terrível incêndio de Notre-Dame – propriedade de um Estado que há décadas abandona os tesouros nacionais e obra-prima do património cultural da humanidade que um displicente chefe de Estado se mostrou incapaz de proteger.

Pouco após o dia 15, várias das propostas presidenciais foram discretamente divulgadas. Cumprindo instruções emanadas do Eliseu, os media fizeram suspense, à maneira das campanhas publicitárias: "haverá um antes e um depois", "nada será como dantes", "surpresa à vista"… Mas o que se poderia esperar de um Presidente da República que em meados de Janeiro, aquando do lançamento do seu "Grande Debate Nacional", anunciara que não mudaria de rumo?

Foi na tarde de 25 de Abril que a silhueta esguia de sua Majestade apresentou o seu espectáculo, diante de uma plateia de ministros e de coagidos, todo sorrisos, perante subservientes e mesureiros serviçais da alta finança. Quem anteriormente tenha sofrido o desagrado de ouvir um dos discursos do actual presidente francês já adquiriu o hábito: este, um ex-actor aprendiz que costuma usar frases de lirismo enfático e teatral, de expressões desusadas e abracadabrantes, de fórmulas vazias, ambíguas, pervertidas, de tal modo enganosas que no fundo já ninguém entende precisamente nem sobretudo acredita no palavreado que ele diz. Nisso estamos – e cansados.

Diante da emergência ecológica, o que propõe o Presidente da República Francesa? O respeito pelo Acordo de Paris 2015 sobre o clima? Financiamentos? Uma luta frontal contra os lobbies de industriais poluidores? Era bom! Foi mais oportuno: a criação de um "Conselho para a Defesa do Meio Ambiente"! Renúncia vergonhosa, criminal! Os ambientalistas, os "marchadores pelo clima" e todos os activistas do "L'Affaire du siècle" (campanha organizada por um colectivo de associações que reuniu mais de dois milhões de assinaturas e atacou o Estado em tribunal pela sua inacção na luta contra o aquecimento global) não acabaram de se manifestar!

Diante da exigência de democracia e de participação, qual foi a solução escolhida por Emmanuel Macron? O referendo de iniciativa cidadã, reivindicação dos coletes amarelos e disposição de democracia directa que permite aos cidadãos tomar o pulso da população através de referendo sem o acordo do executivo ou do legislativo? Não! Um referendo de iniciativa local (que já existe desde 2003), uma pequena dose de escrutínio proporcional para eleger os deputados e a supressão anunciada da Escola Nacional de Administração (que será substituída em breve por escolas de comércio [privadas!]) … Nenhum progresso nas empresas ou na função pública. A oligarquia tem medo do povo!

Haverá algo a favor do poder de compra? Não! Nenhum aumento no salário mínimo, dos abonos de família, nem de outros auxílios sociais. Nada então? Sim: um impulso para que as "mães solteiras", a criarem os seus filhos sozinhas, possam receber a pensão alimentar devida pelo seu ex-cônjuge. Macron esqueceu-se sem dúvida que já existe uma lei (votada em 2016, visivelmente não aplicada) sobre este assunto! E sobretudo não há nenhuma ajuda prevista para as mulheres solteiras que são mais necessitadas: aquelas a quem o pai dos seus filhos tem a elegância de não pagar pensão alimentar para criar a sua progenitura!

Pensões de reforma? O presidente as faz estagnar desde há cerca de dois anos, fazendo-as perder 6% de poder de compra. Ao anunciar a reindexação à inflação apenas das pensões inferiores a 2000 euros por mês (será isto constitucional? porque a aposentação é um direito universal resultante do pagamento de contribuições ao longo da carreira), Macron apenas devolve aos reformados uma magra parte do que lhes roubou. Ele clama que nenhum pensionista receberá menos de 1000 euros por mês. Como a pensão mínima de velhice actualmente é de 962 euros, esta generosidade corresponde a 38 euros extra por mês! No entanto, uma lei já existente estipula que o piso da reforma deve ultrapassar 85% do salário mínimo, ou seja 1.175 euros. Procurar o erro…

E quanto à fiscalidade? Iria ele restabelecer – como pretendem nove em cada dez franceses – o imposto sobre as grandes fortunas? Aumentar a carga tributária sobre os ultra-ricos, introduzindo, por exemplo, novos escalões de imposto sobre os rendimentos das pessoas físicas para os contribuintes mais ricos? Ou suprimir a taxa sobre o valor acrescentado em produtos de primeira necessidade? Ou ainda, rastrear finalmente a fraude fiscal? Que brincadeira! Então o que? O Presidente respondeu. Haverá um relatório encomendado (para o Outono) ao Tribunal de Contas sobre optimização fiscal sem que qualquer medida seja tomada antes disso. E a anulação de "alguns nichos fiscais para as empresas," mantendo o "Crédito fiscal para a competitividade e o emprego" – o maior nicho fiscal oferecido pelo Estado capitalista a grandes capitalistas franceses (20 mil milhões euros por ano, e outros tantos milhões em reduções das contribuições para a Previdência Social). Obrigado Macron!

Sejamos exaustivos. Haverá também uma redução no imposto sobre os rendimentos (IRPP) "para todos". Problema: menos de 50% dos franceses pagam este imposto – embora seja o mais justo de todos, porque em função das remunerações recebidas, relativamente progressivo e directo (ao contrário do IVA) e – caso efectivamente excepcional – comparativamente mais baixo em França (3,5% do PIB) do que em outros lugares da Europa ou da OCDE. Os 55% dos franceses que não pagam o IRPP são sobretudo os mais pobres… Os quais portanto não beneficiarão de uma baixa de impostos!

O movimento de coletes amarelos mobilizou-se inicialmente contra o aumento dos impostos sobre os combustíveis. Hoje, o preço da gasolina está mais alto em França; o automóvel é o consumidor mais tributado e, entre as despesas de manutenção, prémios de seguro e inspecções, a despesa por viatura aumentou mais de 10% nos últimos 12 meses.

Estes anúncios de Macron nada respondem às expectativas profundas dos coletes amarelos, nem do povo francês no seu conjunto. Eles pretendem ao invés consolidar o bloco eleitoral de direita e centro-direita sobre o qual se apoia actualmente o Presidente da República. Eles não extinguirão as cóleras. Tanto mais que o prosseguimento de "reformas" é reconfirmado: pensões, função pública, subsídios de desemprego… Alerta de tempestade para os próximos dias!

01/Maio/2019

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03/Mai/19