O programa do PCF: como é e como deveria ser
- O compromisso da direcção do PCF com a manutenção
do capitalismo
A direcção do PCF publicou, sob a forma de uma pequena brochura,
um "Caderno do cidadão"
(Cahier Citoyen)
que foi amplamente difundido pelos militantes do partido. Intitula-se
"O que a esquerda deveria fazer". O conjunto das propostas que
figuram nas diferentes secções desta brochura constitui uma
apresentação geral do programa actual do partido. Ao mesmo tempo,
este Caderno do cidadão apresenta-se como uma tentativa de recolher as
ideias e as opiniões do grande público, que poderiam assim
contribuir para enriquecer e "construir" este programa.
A obra é aberta com um ataque à política de Sarkozy e do
MEDEF [confederação patronal]. Ela atem-se ao governo, que
despreza as expectativas populares, trata a
juventude como inimigo e "não tem senão um objectivo, servir
as potências do dinheiro". A experiência do governo Sarkozy,
desde 2007, prova a verdade desta afirmação. A
mobilização contra a reforma das pensões e o apoio
maciço a esta mobilização, na opinião
pública mostra que existe no país um profundo sentimento
de injustiça. Não só junto aos militantes sindicais, mas
também na massa até então politicamente inerte da
população, há uma tomada de consciência da
regressão social que o capitalismo impõe, em todos os
domínios.
O texto proclama a necessidade de abrir uma "nova era", que define
como "democrática e ecológica", e convida os
cidadãos a pronunciarem-se sobre o conteúdo de um programa
"popular e participado" que permitiria à esquerda romper
realmente com as lógicas liberais louvadas pelo MEDEF, pela
Comissão Europeia e pelo FMI. Segue-se uma série de pontos
programáticos, retomando as reivindicações e objectivos
que formam o esqueleto do programa da direcção nacional do PCF.
O programa e os cidadãos
A diligência consistente em criar a impressão de que são
"os cidadãos" que elaboram o programa do partido não
é nova. Dizemos "criar a impressão" pois, nos factos
reais, o programa do nosso partido não é não será
nunca determinado pelo grande público. Ele reflecte as ideias das
instâncias dirigentes do PCF, se bem que nunca tenham sido formalmente
adoptadas pelo partido no seu conjunto. De acordo com a experiência, os
militantes comunistas dificilmente podem impor modificações do
programa às quis a direcção do partido se oponha. É
portanto pouco provável que "cidadãos", fora das
estruturas do partido, cheguem a fazê-lo.
Mesmo se a direcção do partido se empenhasse seriamente nesta
diligência de "co-elaboração" do programa com
"os cidadãos", esta não seria menos errada.
Evidentemente o partido deve procurar estabelecer um diálogo com os
jovens e os trabalhadores. Deve interessar-se por suas ideias e humores
políticos. Contudo, não se pode fundamentar um programa sobre a
opinião pública. Não é porque uma ideia esteja
muito difundida, na opinião pública, que ela é correcta.
Nosso programa não deve ser determinado pelo que as pessoas pensem ser
medidas viáveis e eficazes. Ele deve ser fundamentado numa
análise séria das causas reais dos problemas sociais e
económicos e apresentar verdadeiras soluções para estes
problemas. E se os comunistas devem interessar-se pelas correntes de pensamento
que atravessam a sociedade, isto é nomeadamente para melhor combater as
ilusões reformistas e as ideias confusas mesmo
reaccionárias que constituem "a opinião
pública", para melhor convencer os trabalhadores do nosso programa
comunista. Um mau programa, por mais "popular e participado" que ele
seja, não serve para nada. Examinemos portanto mais detidamente o
conteúdo do programa que a direcção do PCF diz
"colocar em debate" através do Caderno do Cidadão.
Os capitalistas e o interesse geral
A primeira parte do Caderno, consagrada aos direitos sociais, denuncia a
precariedade do emprego e do desemprego em massa. Recorda que o governo
pretende não haver dinheiro, mas encontrou 300 mil milhões de
euros para salvar os bancos. Constata que as empresas do
CAC 40
fazem enormes
lucros. Tudo isto é verdadeiro e o PCF tem razão em dizê-lo
alto e forte. O programa afirma a seguir que "o interesse geral deve
primar sobre a vontade dos accionistas". Praticamente todo o mundo
fora dos meios capitalistas estaria de acordo com esta ideia. Mas o que
o partido deve explicar não só que a "vontade dos
capitalistas" passe à frente do interesse geral, mas sobretudo que
jamais deixará de ser assim enquanto os capitalistas tiverem o controle
da economia. Enquanto a propriedade privada dos meios de produção
não tiver sido abolida, a ideia de que um dia o interesse geral poderia
primar sobre os interesses dos capitalistas não é senão um
voto piedoso. Ora, o programa actual do partido não contém
nenhuma medida que implique ataque à propriedade capitalista. Não
se propõe praticamente nenhum medida de expropriação (ou
de nacionalização, se se preferir), quer no sector
bancário, quer no sector industrial ou no sector comercial. De uma ponta
à outra, o programa do partido constitui uma tentativa de resolver os
problemas engendrados pelo capitalismo sem tocar nos fundamentos deste sistema,
a saber, a propriedade capitalista. Em consequência, o interesse geral
é sacrificado à "vontade dos accionistas", não
só pelo capitalismo, mas também no nosso próprio programa!
O Caderno diz que é preciso favorecer a criação de
empregos, aumentar os salários e melhorar a protecção
social. Ele exige a revalorização das pensões e dos
salários, nomeadamente elevando o salário mínimo a 1600
euros. Estas reivindicações são evidentemente muito
justas. Partindo da ideia correcta, no caso de que os
despedimentos têm como objectivo aumentar os lucros dos capitalistas e os
valores bursáteis, o Caderno reclama a interdição dos
"despedimentos bursáteis". Esta reivindicação
coloca um certo número de problemas. Primeiramente, ela parece fazer uma
distinção entre despedimentos "bursáteis" e
"não bursáteis". Ora, quer estejam ou não
cotadas em bolsa, as empresas despedem geralmente pelo mesmo motivo: aumentar a
sua rentabilidade. Não há portanto nenhuma razão para
fazer uma distinção entre os dois casos. Em segundo lugar, na
hipótese em que um futuro governo impor a proibição dos
despedimentos motivados por considerações de rentabilidade (isto
é, praticamente todos os despedimentos), o que se passaria? Privados da
possibilidade de melhorar a rentabilidade por despedimentos, os capitalistas
terão sempre a possibilidade de fechar a empresa. Iremos nós
proibir também os encerramentos? O programa do partido não
propõe isso. Mas mesmo se fosse este o caso, seria preciso ter em conta
realidades do capitalismo. Os capitalistas constituem uma classe muito fraca,
numericamente, mas economicamente muito poderosa. Eles se serviriam do seu
poder para se defenderem e diriam que esta legislação é
demasiado constrangedora, que ela prejudica seus negócios.
Lançar-se-iam numa "greve do investimento", como o fizeram em
1981, face às
leis Auroux
e outras reformas do governo Mauroy. Tais
são as realidades do sistema capitalista. E o único modo de
desarmar os capitalistas, de privá-los da possibilidade de afundar a
economia desta maneira, seria expropriá-los. Mas trata-se de uma linha
que a direcção actual do PCF se proíbe de atravessar. Eis
o cerne do problema. Um programa que se limita a medidas que prejudicam a
rentabilidade do capital, mas sem tocar no sistema no qual esta rentabilidade
constitui a única e exclusiva justificação para a
existência de uma empresa um tal programa não é
viável.
A "securização" do emprego e da formação
Outra reivindicação que figura nesta secção do
Caderno evoca a aplicação de uma "securização
do emprego e da formação". Este projecto há muito na
plataforma política do partido. Trata-se de instaurar um programa
maciço de formação contínua destinado a todos os
sem-emprego, com "manutenção do salário" ou, no
mínimo, pago pelo salário mínimo. Nos termos deste
projecto, os quatro a cinco milhões de trabalhadores que o sistema
capitalista priva de emprego seriam tomados pela mão, a expensas do
Estado, e beneficiariam de uma formação ou de uma série de
formações de qualidade, ate que encontrassem um trabalho. O
desemprego seria assim abolido e isto, mais uma vez, sem tocar na propriedade
capitalista. Ora, naturalmente, a primeira questão que todo o mundo se
coloca, a propósito deste projecto, é quanto custaria e como
seria financiado.
Façamos abstracção da "manutenção do
salário". Suponhamos que haja hoje, em França, 4
milhões de desempregados e que fossem todos remunerados ao
salário mínimo. Isto implicaria, em salários e
quotizações sociais, uma massa salarial de cerca de 6 mil
milhões de euros por mês, no mínimo (se o salário
mínimo fosse elevado a 1600 euros, como pede o nosso programa, a massa
salarial passaria a 8 mil milhões). A este orçamento de 72 mil
milhões por ano ainda seria preciso acrescentar 25 mil milhões,
pois seria preciso não só pagar um salário a 4
milhões de pessoas como também fornecer-lhes uma
formação de qualidade. Tendo em conta que os subsídios
dados aos desempregados (35 mil milhões em 2008) e o
RSA
contribuiriam
para financiar os salários, pode-se portanto razoavelmente situar o
orçamento necessário para este projecto em torno dos 70 mil
milhões de euros por ano. Ora, se o Estado dispusesse de uma tal soma,
seria realmente preciso gastá-la desta maneira? Karl Marx dizia que a
massa dos desempregados constitui "um exército de reserva" de
mão-de-obra para os capitalistas. Será que se deve propor
fornecer-lhes o exército de reserva mais qualificado do mundo? Ao
invés de pagar salários aos milhões de pessoas para as
quais os capitalistas não encontram nenhuma utilidade rentável e
fornecer-lhes formações a uma escala tão maciça,
não seria melhor utilizar este dinheiro para contratá-los
directamente, para lhes dar verdadeiros empregos combinado com
formações, se necessário no sector público?
Mas mesmo que se se aceitasse ser preciso gastar 70 mil milhões por ano
para "ocupar" os desempregados ao invés de os contratar, o
dinheiro necessário não poderia vir senão de duas fontes:
quer de um aumento maciço da fiscalidade, que de um aumento
também maciço da dívida pública. Actualmente, a
dívida pública francesa eleva-se a mais de 1600 mil
milhões de euros, ou seja, 84% do PIB. Só o pagamento dos juros
sobre esta dívida terá custado, em 2010, cerca de 45 mil
milhões de euros. O défice anual das despesas públicas
é da ordem dos 180 mil milhões por ano. Sarkozy pôs em
acção uma política de restrições
orçamentais draconianas, que estão em vias de estrangular a
educação nacional, a saúde pública e o conjunto dos
serviços públicos e as administrações. Estas
"economias", feitas sobre as costas da população, visam
reduzir o défice anual da ordem dos 40 mil milhões, o que faz com
que a dívida pública continue na mesma a agravar-se
maciçamente de ano para ano. Isto não pode continuar
indefinidamente. A Grécia e a Irlanda já estão nas garras
do Fundo Monetário Internacional. A Espanha e a Itália
estão à beira do abismo. Em França, as
restrições orçamentais traduzem-se por um empobrecimento
do conjunto da população com excepção dos
capitalistas. Mas estas restrições não impedirão a
França, a prazo, de se encontrar na mesma situação
financeira da Grécia e da Irlanda.
O impasse do capitalismo
Retornemos pois aos 70 mil milhões que temos de encontrar para financiar
a formação remunerada de todos os desempregados. Claramente, sem
uma contribuição maciça de novas receitas fiscais, ou sem
um agravamento sério do endividamento público, o projecto da
"segurança do emprego e da formação" não
poderia ser financiado. Ora, sobrecarregar a este ponto o endividamento do
Estado iria aproximá-lo rapidamente da falência. Seria preciso
portanto aumentar a fiscalidade mas em detrimento de quem? O Caderno
propõe impor uma quotização sobre "as receitas
financeiras das empresas e dos bancos", num montante de 30 mil
milhões. Propõe também suprimir as isenções
das "quotizações sociais patronais", o que
proporcionaria 55 mil milhões. Estas medidas seriam positivas em si
mesmas, mas os capitalistas revidariam imediatamente e do modo mais
implacável, tal como para a "proibição dos
despedimentos". Nós estamos numa situação em que os
capitalistas não querem pagar mais impostos. Por um lado, tributar mais
os trabalhadores equivaleria a reduzir a procura e agravar a crise
económica. Em consequência, sobre a base do capitalismo, nenhuma
reforma fiscal poderá resolver este problema. O endividamento
progressivo do Estado é o preço da incapacidade dos capitalistas
para desenvolver a economia e da sua recusa em contribuir para as
finanças públicas. São os capitalistas que têm o
poder. São eles que comandam. Eles levam o país à
ruína, mas ainda assim são eles que comandam tudo. Eis o que
é preciso mudar, se quisermos utilizar os recursos dos capitalistas para
satisfazer as necessidades sociais. É preciso atacar a fonte do
problema: a propriedade capitalista.
Na secção intitulada "Dinheiro", o Caderno afirma que
"os grandes accionistas não têm senão uma única
obsessão: a rentabilidade máxima". Isto é
inteiramente exacto. E não será jamais de outra forma, enquanto a
Bolsa e os grandes accionistas existirem. Os autores do Caderno denunciam
igualmente o facto de que os despedimentos proporcionam mais lucros aos
capitalistas, ou ainda as prendas fiscais de que estes últimos
beneficiam. Eles declaram igualmente que "no nosso país, o dinheiro
existe. Sarkozy soube encontrar 300 mil milhões para salvar os
bancos". É verdade, mas ainda assim isso exige algumas
precisões. O dinheiro existe: é indiscutível. O problema
é que está sob o controle dos capitalistas, que fazem o que
querem, em função dos seus próprios interesses
egoístas. Mas no que se refere aos recursos do Estado, são, de um
ponto de vista contabilístico, inexistentes. Para sanar
deficiências do capitalismo, enriquecer mais os ricos, sustentar
artificialmente a procura nos diferentes sectores da economia, pagar
subsídios de desemprego, etc, o Estado gasta mais do que ganha. Para
colmatar este défice, ele toma emprestado, endivida-se, até ao
ponto em que apenas os juros sobre a dívida pública ultrapassam a
totalidade da receita do imposto sobre o rendimento. Em consequência,
quando se diz que Sarkozy "soube encontrar 300 mil milhões",
não se deve entender por isso que ele os encontrou nos cofres do Estado.
Este dinheiro foi "achado" ao preço de um endividamento
suplementar (e maciço) do Estado.
Estas precisões colocam sob outra luz a reivindicação de
"uma outra utilização do dinheiro". Uma coisa é
dar uma "outra utilização" ao dinheiro que se encontra
nos cofres do Tesouro Público. Outra é quando o Estado
está tecnicamente falido. Quando, na mesma secção,
lê-se que os bancos deveriam contribuir para desenvolvimento
económico e para o emprego, isso não tem muito sentido. Para
retomar o que o Caderno diz dos accionistas, os bancos capitalista, tal como as
empresas capitalistas, "não têm senão uma única
obsessão: a rentabilidade máxima". O objectivo dos bancos,
como o das empresas, não é criar empregos. Em todos os seus
investimentos, o objectivo dos capitalistas é contratar o mínimo
de pessoal possível. Dizer que não deveriam agir assim, que
deveriam agir contra os seus próprios interesses, é totalmente
irrealista.
Dentre as reivindicações que figuram nesta secção
encontra-se a da restrição à liberdade de
circulação dos capitais, a supressão do escudo fiscal
(bouclier fiscal)
e a colocação em causa dos paraquedas dourados e das
opções-acções. Todos os comunistas estão de
acordo com estas medidas. Contudo, tal como com a tributação das
receitas financeiras e a supressão da isenções de
encargos, não se pode perder de vista que medidas deste género
tenderão a tornar a França menos atraente para os capitalistas,
menos interessante para todos aqueles que "não têm
senão uma única obsessão" e que, em
consequência, se se deixar intacto o poder económico dos
capitalistas, poderão defender-se por meio de uma política de
sabotagem económica.
"Pólo bancário público" e "créditos
selectivos"
Os autores do Caderno perguntam-nos: "Bastará apelar à
moralização do capitalismo? Bastará, mesmo, tributar as
transacções financeiras?". O que é preciso,
explica-nos o texto, é um "verdadeiro controle cidadão sobre
os bancos" e "mudar os critérios de utilização
do dinheiro". Ora, o primeiríssimo passo para efectuar um
"controle cidadão" dos bancos seria a sua
nacionalização. Marie-George Buffet pronunciou-se várias
vezes a favor desdta medida. Mas ela praticamente não foi seguida pelo
resto da direcção do partido. A nacionalização dos
bancos não figura no programa do partido. Portanto, a ideia de um
"verdadeiro controle cidadão" dos bancos é enganadora e
ilusória.
A nacionalização não estando aparentemente em fase com o
comunismo "moderno", o essencial do sector bancário é
deixado nas mãos dos capitalistas. O programa dos dirigentes do partido
limita-se à aplicação do que chamam um "pólo
bancário público". A substância desta proposta
não é muito clara. Aparentemente tratar-se-ia de uma forma de
aliança entre a Caisse des Dépôts, a Caisse d'Epargne, Oseo
(um organismo de apoio financeiro às PME) e o Banque Postale. O
objectivo desta aliança seria promover "o emprego e o investimento
útil" por meio de uma solução política de
créditos selectivos. Pretende-se que este dispositivo permitiria
"penalizar fortemente" operações capitalista
socialmente retrógradas, como por exemplo aquelas visando reduzir o
emprego. O mecanismo não é muito explícito, no Caderno,
mas os leitores regulares de
L'Humanité
conhecem os contornos. Os juros sobre os empréstimos contratados pelos
capitalistas seriam tomados a cargo parcialmente ou totalmente
pelo Estado, na condição de que estes empréstimos sirvam
para investimentos julgados úteis, para a formação, para a
investigação ou a criação de empregos. Taxas
preferenciais, chegando até a 0%, seriam portanto concedidas aos
capitalistas que têm necessidade de contratar pessoal. Sublinhemos que os
juros seriam efectivamente pagos, mas seriam pagos pela colectividade.
Inversamente, as taxas de juro propostas aos capitalistas seriam mais elevadas
para empréstimos que não respondem a estes critérios.
Conforme este dispositivo de "bonus-malus", os capitalistas que
estão (como todos os outros) à procura do "lucro
máximo", mas cujas circunstâncias momentâneas obrigam a
contratar pessoal, serão assim recompensados. O facto de serem isentos
de juros vai certamente no sentido do "lucro máximo". Eles
portanto serão satisfeitos. Os contribuintes, em contrapartida,
arriscam-se a ficarem menos satisfeitos, uma vez que são eles que
pagarão a nota em lugar dos capitalistas, a menos que se trate de
afundar o Estado ainda mais profundamente na dívida. Nos artigos de
L'Humanité
consagrados a este projecto, o orçamento previsto para financiar tais
subvenções seria da ordem dos 27 mil milhões de euros.
Quanto aos capitalistas cuja busca de "lucro máximo" os leva a
reestruturar suas empresas em detrimento do emprego, serão informados
que o "pólo público" prevê
"penalizá-los fortemente" propondo-lhes taxas punitivas. Mas
uma vez que o essencial do sistema bancário estará directamente
sob o controle dos capitalistas, a punição jamais terá
lugar. Os capitalistas em causa irão ver alhures, muito simplesmente!
Eles tomarão emprestado em outros bancos. O que é que se tornam,
nestas condições, as "pesadas sanções"
contra os especuladores? Isto não passa de areia lançada aos
olhos.
É preciso perguntar igualmente porque os trabalhadores, como
contribuintes, deveriam pagar os juros sobre os empréstimos dos
capitalistas. Será isto "justiça social"? Este
dispositivo não contribuirá para a luta contra o desemprego ou
para o relançamento da economia. Subvenções deste tipo
existem desde há muito, sob diferentes formas, e nunca deram qualquer
resultado tangível. Os capitalistas contratam [pessoal] sempre o menos
possível. Se forem propostas subvenções, eles as
aproveitarão. Mas quaisquer que sejam as subvenções
oferecidas, os capitalistas não contratam assalariados de que não
tenham necessidade. Eles os contratam para o lucro, e nada mais.
"Dominar o mercado" ou expropriar os capitalistas?
O Caderno pronuncia-se por um "domínio democrático e social
do mercado". Esta frase resume a realidade do programa geral do PCF, hoje.
Os dirigentes do partido acreditam ou fazem cara de acreditar que
é possível satisfazer as necessidades sociais, realizar "a
igualdade real em todos os domínios" e desenvolver a economia
deixando os bancos, os organismos de crédito, a indústria e a
distribuição nas mãos dos capitalistas. O seu alinhamento
à "economia de mercado" encontrou a sua expressão mais
límpida quando, sob o governo Jospin, não só os ministros
comunistas como também o conjunto da direcção do partido
caucionou privatizações maciças. A
privatização destes activos igualmente contribuiu muito para
acelerar a descida do Estado ao abismo deficitário em que se encontra
actualmente.
Não se pode ficar na etapas das frases vazias, seria preciso que nos
explicassem como se poderia dominar "socialmente e democraticamente"
o mercado capitalista. Tomemos a indústria do automóvel. Ela
está em estado de super-capacidade maciça, não só
em França como à escala mundial. Os capitalistas presentes neste
mercado procedem à destruição das capacidades produtivas:
fecham fábricas, reduzem os efectivos, abandonam completamente certas
produções. Quando a procura é demasiado restrita para
absorver a capacidade existente, os capitalistas não podem aumentar as
suas fatias de mercados senão tornando-se mais competitivos, o que quer
dizer reduzir os custos da produção, aumentar a produtividade de
cada hora trabalhada, reduzir a massa salarial e, de modo geral, aumentar a
taxa de exploração dos assalariados. Segundo os mecanismos da
economia capitalista, o fabricante de automóveis que não adoptar
este caminho colocará a sua empresa em perigo. E o que se diz para o
automóvel diz-se para todos os outros sectores da economia. O
"mercado" capitalista funciona assim. Ele nada tem de
"dominado", nem de "social". Ele nada tem de
democrático, tão pouco. É a lei do mais forte. Como esta
concorrência feroz e destruidora, que opera inevitavelmente em detrimento
dos assalariados, poderia ser dominada "democraticamente"? E como
poderia haver "igualdade real" entre capitalistas e assalariados,
entre exploradores e explorados?
O Caderno reclama uma VI República. Toda reforma que limitasse os
instrumentos institucionais à disposição da classe
dirigente seria naturalmente bem vinda. Por exemplo: a direcção
do partido deveria reclamar a supressão do Senado (o que ela não
faz). Dito isto, de nada serviria substituir a V República por uma VI
República na qual os capitalistas possuiriam sempre os bancos e a
indústria. Do que temos necessidade é de uma República
socialista. Apesar da grande diversidade das Constituições que
existem na Europa, todos os países sem excepção
experimentam a regressão social, o desemprego em massa, o
agravamento das condições de vida, a queda dos investimentos, a
desindustrialização, as deslocalizações e assim por
diante. Sob o capitalismo, mesmo as Constituições mais
"democráticas" não são e nunca podem ser outra
coisa senão a máscara da dominação do capital.
O capitalismo arruinou o Estado. Em nome do lucro, a produção e o
comércio estagnam. As empresas são abandonadas ou deslocalizadas.
Milhões de trabalhadores são condenados à indigência
e à miséria. Os serviços públicos são
ameaçados, minados, empobrecidos. As condições de trabalho
degradam-se por toda a parte. A precariedade do emprego torna-se a norma.
Certamente não é agora que é preciso por o Partido
Comunista e o programa comunista em segundo plano.
O que é necessário é um programa cuja
aplicação regulasse o problema fundamental, aquele de que
decorrem todos os outros, a saber o poder económico e portanto
político da classe capitalista. A tarefa principal do PCF
é convencer a massa da população, a começar pelos
elementos conscientes e combativos do movimento operário, da necessidade
imperiosa e incontornável da expropriação dos
capitalistas. Uma coisa é perguntar aos "cidadãos" o
que eles pensam, mas é preciso antes de tudo que eles saibam o que o PCF
quer e porque o quer. O partido deve batalhar, não para "sondar a
opinião", mas para convencer as vítimas do capitalismo da
pertinência das ideias do comunismo. Se quisermos uma economia
"dominada socialmente e democraticamente", então é
indispensável instaurar o controle e a gestão democrática
sem os capitalistas, sem a Bolsa de todos os ramos essenciais da
produção e da distribuição, assim como da
totalidade do sistema bancário. Só a partir daí a economia
poderá responder ao "interesse geral". Os recursos gigantescos
e as riquezas enormes que gera a economia não servirão mais para
saciar a avareza da minoria capitalista. Eles poderão finalmente servir
para elevar as condições materiais e culturais da massa da
população.
20/Dezembro/2010
[*]
Membro do PCF, Paris, 10º bairro
O original encontra-se em
http://www.lariposte.com/le-programme-du-pcf-ce-qu-il-est,1528.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|