O programa do PCF: como é e como deveria ser

- O compromisso da direcção do PCF com a manutenção do capitalismo

por Greg Oxley [*]

A direcção do PCF publicou, sob a forma de uma pequena brochura, um "Caderno do cidadão" (Cahier Citoyen) que foi amplamente difundido pelos militantes do partido. Intitula-se "O que a esquerda deveria fazer". O conjunto das propostas que figuram nas diferentes secções desta brochura constitui uma apresentação geral do programa actual do partido. Ao mesmo tempo, este Caderno do cidadão apresenta-se como uma tentativa de recolher as ideias e as opiniões do grande público, que poderiam assim contribuir para enriquecer e "construir" este programa.

A obra é aberta com um ataque à política de Sarkozy e do MEDEF [confederação patronal]. Ela atem-se ao governo, que despreza as expectativas populares, trata a juventude como inimigo e "não tem senão um objectivo, servir as potências do dinheiro". A experiência do governo Sarkozy, desde 2007, prova a verdade desta afirmação. A mobilização contra a reforma das pensões – e o apoio maciço a esta mobilização, na opinião pública – mostra que existe no país um profundo sentimento de injustiça. Não só junto aos militantes sindicais, mas também na massa até então politicamente inerte da população, há uma tomada de consciência da regressão social que o capitalismo impõe, em todos os domínios.

O texto proclama a necessidade de abrir uma "nova era", que define como "democrática e ecológica", e convida os cidadãos a pronunciarem-se sobre o conteúdo de um programa "popular e participado" que permitiria à esquerda romper realmente com as lógicas liberais louvadas pelo MEDEF, pela Comissão Europeia e pelo FMI. Segue-se uma série de pontos programáticos, retomando as reivindicações e objectivos que formam o esqueleto do programa da direcção nacional do PCF.

O programa e os cidadãos

A diligência consistente em criar a impressão de que são "os cidadãos" que elaboram o programa do partido não é nova. Dizemos "criar a impressão" pois, nos factos reais, o programa do nosso partido não é não será nunca determinado pelo grande público. Ele reflecte as ideias das instâncias dirigentes do PCF, se bem que nunca tenham sido formalmente adoptadas pelo partido no seu conjunto. De acordo com a experiência, os militantes comunistas dificilmente podem impor modificações do programa às quis a direcção do partido se oponha. É portanto pouco provável que "cidadãos", fora das estruturas do partido, cheguem a fazê-lo.

Mesmo se a direcção do partido se empenhasse seriamente nesta diligência de "co-elaboração" do programa com "os cidadãos", esta não seria menos errada. Evidentemente o partido deve procurar estabelecer um diálogo com os jovens e os trabalhadores. Deve interessar-se por suas ideias e humores políticos. Contudo, não se pode fundamentar um programa sobre a opinião pública. Não é porque uma ideia esteja muito difundida, na opinião pública, que ela é correcta. Nosso programa não deve ser determinado pelo que as pessoas pensem ser medidas viáveis e eficazes. Ele deve ser fundamentado numa análise séria das causas reais dos problemas sociais e económicos e apresentar verdadeiras soluções para estes problemas. E se os comunistas devem interessar-se pelas correntes de pensamento que atravessam a sociedade, isto é nomeadamente para melhor combater as ilusões reformistas e as ideias confusas – mesmo reaccionárias – que constituem "a opinião pública", para melhor convencer os trabalhadores do nosso programa comunista. Um mau programa, por mais "popular e participado" que ele seja, não serve para nada. Examinemos portanto mais detidamente o conteúdo do programa que a direcção do PCF diz "colocar em debate" através do Caderno do Cidadão.

Os capitalistas e o interesse geral

A primeira parte do Caderno, consagrada aos direitos sociais, denuncia a precariedade do emprego e do desemprego em massa. Recorda que o governo pretende não haver dinheiro, mas encontrou 300 mil milhões de euros para salvar os bancos. Constata que as empresas do CAC 40 fazem enormes lucros. Tudo isto é verdadeiro e o PCF tem razão em dizê-lo alto e forte. O programa afirma a seguir que "o interesse geral deve primar sobre a vontade dos accionistas". Praticamente todo o mundo – fora dos meios capitalistas – estaria de acordo com esta ideia. Mas o que o partido deve explicar não só que a "vontade dos capitalistas" passe à frente do interesse geral, mas sobretudo que jamais deixará de ser assim enquanto os capitalistas tiverem o controle da economia. Enquanto a propriedade privada dos meios de produção não tiver sido abolida, a ideia de que um dia o interesse geral poderia primar sobre os interesses dos capitalistas não é senão um voto piedoso. Ora, o programa actual do partido não contém nenhuma medida que implique ataque à propriedade capitalista. Não se propõe praticamente nenhum medida de expropriação (ou de nacionalização, se se preferir), quer no sector bancário, quer no sector industrial ou no sector comercial. De uma ponta à outra, o programa do partido constitui uma tentativa de resolver os problemas engendrados pelo capitalismo sem tocar nos fundamentos deste sistema, a saber, a propriedade capitalista. Em consequência, o interesse geral é sacrificado à "vontade dos accionistas", não só pelo capitalismo, mas também no nosso próprio programa!

O Caderno diz que é preciso favorecer a criação de empregos, aumentar os salários e melhorar a protecção social. Ele exige a revalorização das pensões e dos salários, nomeadamente elevando o salário mínimo a 1600 euros. Estas reivindicações são evidentemente muito justas. Partindo da ideia – correcta, no caso – de que os despedimentos têm como objectivo aumentar os lucros dos capitalistas e os valores bursáteis, o Caderno reclama a interdição dos "despedimentos bursáteis". Esta reivindicação coloca um certo número de problemas. Primeiramente, ela parece fazer uma distinção entre despedimentos "bursáteis" e "não bursáteis". Ora, quer estejam ou não cotadas em bolsa, as empresas despedem geralmente pelo mesmo motivo: aumentar a sua rentabilidade. Não há portanto nenhuma razão para fazer uma distinção entre os dois casos. Em segundo lugar, na hipótese em que um futuro governo impor a proibição dos despedimentos motivados por considerações de rentabilidade (isto é, praticamente todos os despedimentos), o que se passaria? Privados da possibilidade de melhorar a rentabilidade por despedimentos, os capitalistas terão sempre a possibilidade de fechar a empresa. Iremos nós proibir também os encerramentos? O programa do partido não propõe isso. Mas mesmo se fosse este o caso, seria preciso ter em conta realidades do capitalismo. Os capitalistas constituem uma classe muito fraca, numericamente, mas economicamente muito poderosa. Eles se serviriam do seu poder para se defenderem e diriam que esta legislação é demasiado constrangedora, que ela prejudica seus negócios. Lançar-se-iam numa "greve do investimento", como o fizeram em 1981, face às leis Auroux e outras reformas do governo Mauroy. Tais são as realidades do sistema capitalista. E o único modo de desarmar os capitalistas, de privá-los da possibilidade de afundar a economia desta maneira, seria expropriá-los. Mas trata-se de uma linha que a direcção actual do PCF se proíbe de atravessar. Eis o cerne do problema. Um programa que se limita a medidas que prejudicam a rentabilidade do capital, mas sem tocar no sistema no qual esta rentabilidade constitui a única e exclusiva justificação para a existência de uma empresa – um tal programa não é viável.

A "securização" do emprego e da formação

Outra reivindicação que figura nesta secção do Caderno evoca a aplicação de uma "securização do emprego e da formação". Este projecto há muito na plataforma política do partido. Trata-se de instaurar um programa maciço de formação contínua destinado a todos os sem-emprego, com "manutenção do salário" ou, no mínimo, pago pelo salário mínimo. Nos termos deste projecto, os quatro a cinco milhões de trabalhadores que o sistema capitalista priva de emprego seriam tomados pela mão, a expensas do Estado, e beneficiariam de uma formação ou de uma série de formações de qualidade, ate que encontrassem um trabalho. O desemprego seria assim abolido e isto, mais uma vez, sem tocar na propriedade capitalista. Ora, naturalmente, a primeira questão que todo o mundo se coloca, a propósito deste projecto, é quanto custaria e como seria financiado.

Façamos abstracção da "manutenção do salário". Suponhamos que haja hoje, em França, 4 milhões de desempregados e que fossem todos remunerados ao salário mínimo. Isto implicaria, em salários e quotizações sociais, uma massa salarial de cerca de 6 mil milhões de euros por mês, no mínimo (se o salário mínimo fosse elevado a 1600 euros, como pede o nosso programa, a massa salarial passaria a 8 mil milhões). A este orçamento de 72 mil milhões por ano ainda seria preciso acrescentar 25 mil milhões, pois seria preciso não só pagar um salário a 4 milhões de pessoas como também fornecer-lhes uma formação de qualidade. Tendo em conta que os subsídios dados aos desempregados (35 mil milhões em 2008) e o RSA contribuiriam para financiar os salários, pode-se portanto razoavelmente situar o orçamento necessário para este projecto em torno dos 70 mil milhões de euros por ano. Ora, se o Estado dispusesse de uma tal soma, seria realmente preciso gastá-la desta maneira? Karl Marx dizia que a massa dos desempregados constitui "um exército de reserva" de mão-de-obra para os capitalistas. Será que se deve propor fornecer-lhes o exército de reserva mais qualificado do mundo? Ao invés de pagar salários aos milhões de pessoas para as quais os capitalistas não encontram nenhuma utilidade rentável e fornecer-lhes formações a uma escala tão maciça, não seria melhor utilizar este dinheiro para contratá-los directamente, para lhes dar verdadeiros empregos – combinado com formações, se necessário – no sector público?

Mas mesmo que se se aceitasse ser preciso gastar 70 mil milhões por ano para "ocupar" os desempregados ao invés de os contratar, o dinheiro necessário não poderia vir senão de duas fontes: quer de um aumento maciço da fiscalidade, que de um aumento também maciço da dívida pública. Actualmente, a dívida pública francesa eleva-se a mais de 1600 mil milhões de euros, ou seja, 84% do PIB. Só o pagamento dos juros sobre esta dívida terá custado, em 2010, cerca de 45 mil milhões de euros. O défice anual das despesas públicas é da ordem dos 180 mil milhões por ano. Sarkozy pôs em acção uma política de restrições orçamentais draconianas, que estão em vias de estrangular a educação nacional, a saúde pública e o conjunto dos serviços públicos e as administrações. Estas "economias", feitas sobre as costas da população, visam reduzir o défice anual da ordem dos 40 mil milhões, o que faz com que a dívida pública continue na mesma a agravar-se maciçamente de ano para ano. Isto não pode continuar indefinidamente. A Grécia e a Irlanda já estão nas garras do Fundo Monetário Internacional. A Espanha e a Itália estão à beira do abismo. Em França, as restrições orçamentais traduzem-se por um empobrecimento do conjunto da população – com excepção dos capitalistas. Mas estas restrições não impedirão a França, a prazo, de se encontrar na mesma situação financeira da Grécia e da Irlanda.

O impasse do capitalismo

Retornemos pois aos 70 mil milhões que temos de encontrar para financiar a formação remunerada de todos os desempregados. Claramente, sem uma contribuição maciça de novas receitas fiscais, ou sem um agravamento sério do endividamento público, o projecto da "segurança do emprego e da formação" não poderia ser financiado. Ora, sobrecarregar a este ponto o endividamento do Estado iria aproximá-lo rapidamente da falência. Seria preciso portanto aumentar a fiscalidade – mas em detrimento de quem? O Caderno propõe impor uma quotização sobre "as receitas financeiras das empresas e dos bancos", num montante de 30 mil milhões. Propõe também suprimir as isenções das "quotizações sociais patronais", o que proporcionaria 55 mil milhões. Estas medidas seriam positivas em si mesmas, mas os capitalistas revidariam imediatamente e do modo mais implacável, tal como para a "proibição dos despedimentos". Nós estamos numa situação em que os capitalistas não querem pagar mais impostos. Por um lado, tributar mais os trabalhadores equivaleria a reduzir a procura e agravar a crise económica. Em consequência, sobre a base do capitalismo, nenhuma reforma fiscal poderá resolver este problema. O endividamento progressivo do Estado é o preço da incapacidade dos capitalistas para desenvolver a economia e da sua recusa em contribuir para as finanças públicas. São os capitalistas que têm o poder. São eles que comandam. Eles levam o país à ruína, mas ainda assim são eles que comandam tudo. Eis o que é preciso mudar, se quisermos utilizar os recursos dos capitalistas para satisfazer as necessidades sociais. É preciso atacar a fonte do problema: a propriedade capitalista.

Na secção intitulada "Dinheiro", o Caderno afirma que "os grandes accionistas não têm senão uma única obsessão: a rentabilidade máxima". Isto é inteiramente exacto. E não será jamais de outra forma, enquanto a Bolsa e os grandes accionistas existirem. Os autores do Caderno denunciam igualmente o facto de que os despedimentos proporcionam mais lucros aos capitalistas, ou ainda as prendas fiscais de que estes últimos beneficiam. Eles declaram igualmente que "no nosso país, o dinheiro existe. Sarkozy soube encontrar 300 mil milhões para salvar os bancos". É verdade, mas ainda assim isso exige algumas precisões. O dinheiro existe: é indiscutível. O problema é que está sob o controle dos capitalistas, que fazem o que querem, em função dos seus próprios interesses egoístas. Mas no que se refere aos recursos do Estado, são, de um ponto de vista contabilístico, inexistentes. Para sanar deficiências do capitalismo, enriquecer mais os ricos, sustentar artificialmente a procura nos diferentes sectores da economia, pagar subsídios de desemprego, etc, o Estado gasta mais do que ganha. Para colmatar este défice, ele toma emprestado, endivida-se, até ao ponto em que apenas os juros sobre a dívida pública ultrapassam a totalidade da receita do imposto sobre o rendimento. Em consequência, quando se diz que Sarkozy "soube encontrar 300 mil milhões", não se deve entender por isso que ele os encontrou nos cofres do Estado. Este dinheiro foi "achado" ao preço de um endividamento suplementar (e maciço) do Estado.

Estas precisões colocam sob outra luz a reivindicação de "uma outra utilização do dinheiro". Uma coisa é dar uma "outra utilização" ao dinheiro que se encontra nos cofres do Tesouro Público. Outra é quando o Estado está tecnicamente falido. Quando, na mesma secção, lê-se que os bancos deveriam contribuir para desenvolvimento económico e para o emprego, isso não tem muito sentido. Para retomar o que o Caderno diz dos accionistas, os bancos capitalista, tal como as empresas capitalistas, "não têm senão uma única obsessão: a rentabilidade máxima". O objectivo dos bancos, como o das empresas, não é criar empregos. Em todos os seus investimentos, o objectivo dos capitalistas é contratar o mínimo de pessoal possível. Dizer que não deveriam agir assim, que deveriam agir contra os seus próprios interesses, é totalmente irrealista.

Dentre as reivindicações que figuram nesta secção encontra-se a da restrição à liberdade de circulação dos capitais, a supressão do escudo fiscal (bouclier fiscal) e a colocação em causa dos paraquedas dourados e das opções-acções. Todos os comunistas estão de acordo com estas medidas. Contudo, tal como com a tributação das receitas financeiras e a supressão da isenções de encargos, não se pode perder de vista que medidas deste género tenderão a tornar a França menos atraente para os capitalistas, menos interessante para todos aqueles que "não têm senão uma única obsessão" – e que, em consequência, se se deixar intacto o poder económico dos capitalistas, poderão defender-se por meio de uma política de sabotagem económica.

"Pólo bancário público" e "créditos selectivos"

Os autores do Caderno perguntam-nos: "Bastará apelar à moralização do capitalismo? Bastará, mesmo, tributar as transacções financeiras?". O que é preciso, explica-nos o texto, é um "verdadeiro controle cidadão sobre os bancos" e "mudar os critérios de utilização do dinheiro". Ora, o primeiríssimo passo para efectuar um "controle cidadão" dos bancos seria a sua nacionalização. Marie-George Buffet pronunciou-se várias vezes a favor desdta medida. Mas ela praticamente não foi seguida pelo resto da direcção do partido. A nacionalização dos bancos não figura no programa do partido. Portanto, a ideia de um "verdadeiro controle cidadão" dos bancos é enganadora e ilusória.

A nacionalização não estando aparentemente em fase com o comunismo "moderno", o essencial do sector bancário é deixado nas mãos dos capitalistas. O programa dos dirigentes do partido limita-se à aplicação do que chamam um "pólo bancário público". A substância desta proposta não é muito clara. Aparentemente tratar-se-ia de uma forma de aliança entre a Caisse des Dépôts, a Caisse d'Epargne, Oseo (um organismo de apoio financeiro às PME) e o Banque Postale. O objectivo desta aliança seria promover "o emprego e o investimento útil" por meio de uma solução política de créditos selectivos. Pretende-se que este dispositivo permitiria "penalizar fortemente" operações capitalista socialmente retrógradas, como por exemplo aquelas visando reduzir o emprego. O mecanismo não é muito explícito, no Caderno, mas os leitores regulares de L'Humanité conhecem os contornos. Os juros sobre os empréstimos contratados pelos capitalistas seriam tomados a cargo – parcialmente ou totalmente – pelo Estado, na condição de que estes empréstimos sirvam para investimentos julgados úteis, para a formação, para a investigação ou a criação de empregos. Taxas preferenciais, chegando até a 0%, seriam portanto concedidas aos capitalistas que têm necessidade de contratar pessoal. Sublinhemos que os juros seriam efectivamente pagos, mas seriam pagos pela colectividade. Inversamente, as taxas de juro propostas aos capitalistas seriam mais elevadas para empréstimos que não respondem a estes critérios.

Conforme este dispositivo de "bonus-malus", os capitalistas que estão (como todos os outros) à procura do "lucro máximo", mas cujas circunstâncias momentâneas obrigam a contratar pessoal, serão assim recompensados. O facto de serem isentos de juros vai certamente no sentido do "lucro máximo". Eles portanto serão satisfeitos. Os contribuintes, em contrapartida, arriscam-se a ficarem menos satisfeitos, uma vez que são eles que pagarão a nota em lugar dos capitalistas, a menos que se trate de afundar o Estado ainda mais profundamente na dívida. Nos artigos de L'Humanité consagrados a este projecto, o orçamento previsto para financiar tais subvenções seria da ordem dos 27 mil milhões de euros. Quanto aos capitalistas cuja busca de "lucro máximo" os leva a reestruturar suas empresas em detrimento do emprego, serão informados que o "pólo público" prevê "penalizá-los fortemente" propondo-lhes taxas punitivas. Mas uma vez que o essencial do sistema bancário estará directamente sob o controle dos capitalistas, a punição jamais terá lugar. Os capitalistas em causa irão ver alhures, muito simplesmente! Eles tomarão emprestado em outros bancos. O que é que se tornam, nestas condições, as "pesadas sanções" contra os especuladores? Isto não passa de areia lançada aos olhos.

É preciso perguntar igualmente porque os trabalhadores, como contribuintes, deveriam pagar os juros sobre os empréstimos dos capitalistas. Será isto "justiça social"? Este dispositivo não contribuirá para a luta contra o desemprego ou para o relançamento da economia. Subvenções deste tipo existem desde há muito, sob diferentes formas, e nunca deram qualquer resultado tangível. Os capitalistas contratam [pessoal] sempre o menos possível. Se forem propostas subvenções, eles as aproveitarão. Mas quaisquer que sejam as subvenções oferecidas, os capitalistas não contratam assalariados de que não tenham necessidade. Eles os contratam para o lucro, e nada mais.

"Dominar o mercado" – ou expropriar os capitalistas?

O Caderno pronuncia-se por um "domínio democrático e social do mercado". Esta frase resume a realidade do programa geral do PCF, hoje. Os dirigentes do partido acreditam – ou fazem cara de acreditar – que é possível satisfazer as necessidades sociais, realizar "a igualdade real em todos os domínios" e desenvolver a economia deixando os bancos, os organismos de crédito, a indústria e a distribuição nas mãos dos capitalistas. O seu alinhamento à "economia de mercado" encontrou a sua expressão mais límpida quando, sob o governo Jospin, não só os ministros comunistas como também o conjunto da direcção do partido caucionou privatizações maciças. A privatização destes activos igualmente contribuiu muito para acelerar a descida do Estado ao abismo deficitário em que se encontra actualmente.

Não se pode ficar na etapas das frases vazias, seria preciso que nos explicassem como se poderia dominar "socialmente e democraticamente" o mercado capitalista. Tomemos a indústria do automóvel. Ela está em estado de super-capacidade maciça, não só em França como à escala mundial. Os capitalistas presentes neste mercado procedem à destruição das capacidades produtivas: fecham fábricas, reduzem os efectivos, abandonam completamente certas produções. Quando a procura é demasiado restrita para absorver a capacidade existente, os capitalistas não podem aumentar as suas fatias de mercados senão tornando-se mais competitivos, o que quer dizer reduzir os custos da produção, aumentar a produtividade de cada hora trabalhada, reduzir a massa salarial e, de modo geral, aumentar a taxa de exploração dos assalariados. Segundo os mecanismos da economia capitalista, o fabricante de automóveis que não adoptar este caminho colocará a sua empresa em perigo. E o que se diz para o automóvel diz-se para todos os outros sectores da economia. O "mercado" capitalista funciona assim. Ele nada tem de "dominado", nem de "social". Ele nada tem de democrático, tão pouco. É a lei do mais forte. Como esta concorrência feroz e destruidora, que opera inevitavelmente em detrimento dos assalariados, poderia ser dominada "democraticamente"? E como poderia haver "igualdade real" entre capitalistas e assalariados, entre exploradores e explorados?

O Caderno reclama uma VI República. Toda reforma que limitasse os instrumentos institucionais à disposição da classe dirigente seria naturalmente bem vinda. Por exemplo: a direcção do partido deveria reclamar a supressão do Senado (o que ela não faz). Dito isto, de nada serviria substituir a V República por uma VI República na qual os capitalistas possuiriam sempre os bancos e a indústria. Do que temos necessidade é de uma República socialista. Apesar da grande diversidade das Constituições que existem na Europa, todos os países – sem excepção – experimentam a regressão social, o desemprego em massa, o agravamento das condições de vida, a queda dos investimentos, a desindustrialização, as deslocalizações e assim por diante. Sob o capitalismo, mesmo as Constituições mais "democráticas" não são e nunca podem ser outra coisa senão a máscara da dominação do capital.

O capitalismo arruinou o Estado. Em nome do lucro, a produção e o comércio estagnam. As empresas são abandonadas ou deslocalizadas. Milhões de trabalhadores são condenados à indigência e à miséria. Os serviços públicos são ameaçados, minados, empobrecidos. As condições de trabalho degradam-se por toda a parte. A precariedade do emprego torna-se a norma. Certamente não é agora que é preciso por o Partido Comunista e o programa comunista em segundo plano.

O que é necessário é um programa cuja aplicação regulasse o problema fundamental, aquele de que decorrem todos os outros, a saber o poder económico – e portanto político – da classe capitalista. A tarefa principal do PCF é convencer a massa da população, a começar pelos elementos conscientes e combativos do movimento operário, da necessidade imperiosa e incontornável da expropriação dos capitalistas. Uma coisa é perguntar aos "cidadãos" o que eles pensam, mas é preciso antes de tudo que eles saibam o que o PCF quer e porque o quer. O partido deve batalhar, não para "sondar a opinião", mas para convencer as vítimas do capitalismo da pertinência das ideias do comunismo. Se quisermos uma economia "dominada socialmente e democraticamente", então é indispensável instaurar o controle e a gestão democrática – sem os capitalistas, sem a Bolsa – de todos os ramos essenciais da produção e da distribuição, assim como da totalidade do sistema bancário. Só a partir daí a economia poderá responder ao "interesse geral". Os recursos gigantescos e as riquezas enormes que gera a economia não servirão mais para saciar a avareza da minoria capitalista. Eles poderão finalmente servir para elevar as condições materiais e culturais da massa da população.

20/Dezembro/2010
[*] Membro do PCF, Paris, 10º bairro

O original encontra-se em http://www.lariposte.com/le-programme-du-pcf-ce-qu-il-est,1528.html


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
26/Dez/10