Após as legislativas francesas
por
Ruptures
Um parlamento violeta
[1]
, se não mesmo ultra-violeta. Uma participação em queda
livre (43%), constituindo mesmo um recorde absoluto neste tipo de
escrutínio. Um partido socialista laminado, uma direita clássica
derrotada e estilhaçada. Uma França Insubmissa finalmente
estimulada pois, já que não senta no Eliseu, uma ligeira
esperança que havia acariciado, disporá de um grupo no
Palais-Bourbon
[2]
. E uma Frente Nacional que adia os prognósticos dos seus detractores
fazendo eleger, só contra todos, uma pequena dezena de representantes.
Mas para além deste quadro amplamente comentado, a segunda volta das
legislativas confirma e até amplifica o que os escrutínios
anteriores assinalaram: um fosso social cada vez mais profundo.
MAIS DO QUE DE COSTUME, FORAM AS CLASSES POPULARES QUE FIZERAM A GREVE ÀS
CABINAS ELEITORAIS
Isto é caricaturalmente visível na abstenção: mais
do que de costume, foram as classes populares que fizeram uma greve
maciça às cabinas eleitorais. Estas mesmas categorias que haviam,
em
grande medida, colocado Marine Le Pen na segunda volta das presidenciais e
permitiram a Jean-Luc Mélenchon criar a supresa na primeira volta da
mesma (ainda que este último tenha igualmente congregado muitos tolos
das cidades do centro, seduzidos por um discurso ecológico
pós-moderno e igualmente mortífero em relação a
qualquer esperança de transformação social).
Ideologicamente: uma França aberta... ao ultraliberalismo e à
mundialização; contra uma França "escorada"...
na sua protecção social e na sua soberania.
SETENTA POR CENTO DOS CANDIDATOS MACRONISTAS SAÍRAM DAS CLASSES
SUPERIORES E DIRIGENTES
Esta clivagem de classe reflecte-se na sociologia dos novos eleitos. Setenta
por cento dos candidatos macronistas saíram das classes superiores e
dirigentes. De repente,
En Marche!
está realmente em vias de "renovar" a classe política.
Mas a questão é: em que sentido? Certamente o Palácio
Bourbon não brilhava pela abundância de operários, de
técnicos, de caixeiras de supermercado ou de desempregados.
Mas os novos marchadores recrutam-se essencialmente entre os
"empreendedores", os patrões de start-ups, os conselhos de
administração ou os directores de recursos humanos. Aqueles que a
linguagem de Bruxelas nomeia com ternura como "a sociedade civil".
Durante a noite eleitoral, encontravam-se entre os convidados para saudar a
entrada em força de
"homens e mulheres que conhecem a empresa"
(privada, de preferência). Como nobres representantes do povo,
não duvidemos, defenderão com unhas e dentes um século de
conquistas operárias...
ESTA LEI EL KHOMRY À DÉCIMA POTÊNCIA RESPONDE AO PÉ
DA LETRA ÀS RECOMENDAÇÕES DE BRUXELAS
A ordem do dia macroniana é conhecida. Além da lei dita
"de confiança na vida democrática"
(um título adequadamente orwelliano...), está a lei de
habilitação que permite ao futuro governo desmontar por decretos
o código do trabalho e que tem a máxima prioridade. Esta lei El
Khomry
[3]
à décima potência responde ao pé das letras
ás recomendações de Bruxelas. Emmanuel Macron não
ocultou que estas "reformas" em cadência acelerada satisfariam
os desejos de Berlim (Angela Merkel não esperou nem uma hora após
o encerramento dos gabinetes de voto para enviar uma mensagem de
felicitações aos Marchadores...) e posicionariam a França
como bom aluno europeu.
Não que o novo mestre do Eliseu seja um dócil ajudante-chefe
executando fielmente as ordens da UE. Ele na realidade aspira ser, com a
chanceler, um dos decisores no seio de um directório europeu. Pois a
União Europeia não é uma abstracção mas sim
a ferramenta indispensável para tentar impor aos povos o que estes
teriam tido força para recusar ao nível nacional.
O próximo encontro está próximo: o Conselho Europeu
reúne-se dias 22 e 23 de Junho. O presidente francês, em concerto
com a sua colega alemã, pretende ali pressionar a
integração militar da UE. Um "aprofundamento" da
governação da moeda única está igualmente no
horizonte (relato e análise desta cimeira na
edição de
Ruptures
a publicar em 27 de Junho).
Em Bruxelas e nos cenáculos político-mediáticos
inspirados, já é de bom-tom, após a vitória de
Emmanuel Macron, festejar o declínio do "populismo". Deve-se
entender por isso as resistências aos projectos económicos,
sociais e societais da oligarquia.
Os mais lúcidos, contudo, esperam um pouco antes de desarrolhar o
champanhe. Pois, após o código do trabalho, é a
transferência da protecção social para a CSG
(Contribuição Social Geral) que se perfila, assim como 60 mil
milhões de cortes nas despesas públicas igualmente um
imperativo europeu.
Não é certo que o novo chefe do Estado tenha diante de si uma
Marcha tranquila.
19/Junho/2017
[1] Violeta é a cor do partido de Macron, "En Marche"
[2] Palais-Bourbon: Edifício da Assembleia Nacional Francesa
[3]
Lei El Khomri
: Lei aprovada em 2016 que destrói conquistas dos trabalhadores
franceses.
O original encontra-se em
ruptures-presse.fr/actu/legislatives-resultats-macron-bruxelles/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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