Oito propostas urgentes para uma outra Europa
1.
Realisar uma auditoria da dívida pública, a fim de anular a parte ilegítima.
2.
Parar os planos de austeridade. São injustos e aprofundam a crise.
3.
3. Estabelecer uma verdadeira justiça fiscal europeia e uma redistribuição justa da riqueza. Proibir as transacções com paraísos fiscais e legais. Lutar contra a fraude fiscal maciça das grandes empresas e dos mais ricos.
4.
Refrear os mercados financeiros, principalmente através da criação de um cadastro de titulares de valores mobiliários, da proibição de vendas a descoberto e da especulação numa série de domínios. Criar uma agência pública europeia de notação.
5.
Transferência, sob controlo dos cidadãos, dos bancos para o sector público.
6.
Socializar as numerosas empresas e serviços privatizados desde 1980.
7.
Reduzir drasticamente o tempo de trabalho para criar empregos, aumentando salários e pensões.
8.
Repensar democraticamente outra União Europeia com base na solidariedade.
A crise abalou a União Europeia até aos seus alicerces. Para
vários países, o laço da dívida fechou-se sobre
eles e estão presos pelo pescoço pelos mercados financeiros. Com
a cumplicidade activa dos governos em presença, a Comissão
Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI, as instituições
financeiras por detrás da crise enriquecem, especulando sobre
dívidas dos Estados. Os empregadores usam a situação para
lançar uma ofensiva brutal contra uma série de direitos sociais e
económicos da maioria da população.
A redução do défice público deve fazer-se,
não para reduzir os gastos sociais públicos, mas para obter
maiores receitas fiscais, lutando contra a grande evasão fiscal e
tributar mais o capital, as operações financeiras, os bens e
rendimentos dos agregados familiares ricos. Para reduzir o défice,
é necessária também uma redução
drástica dos gastos de armamento e outras despesas socialmente
inúteis e perigosas para o ambiente. Pelo contrário, é
vital aumentar os gastos sociais, em especial para compensar os efeitos da
depressão económica. Mas, além disso, é preciso
considerar esta crise como uma oportunidade para romper com a lógica
capitalista e para fazer uma mudança radical na sociedade. A nova
lógica a criar deve romper com o produtivismo, integrar a questão
ecológica, erradicar as diversas formas de opressão (racial,
patriarcal, etc.) e promover o bem comum.
Para isso, devemos construir uma frente anti-crise, tanto a nível
europeu como local, para reunir energias de forma a criar uma
relação de forças favorável á prática
de soluções radicais centradas na justiça social e
climática. Em Agosto de 2010, o CADTM formulou oito propostas para a
actual crise na Europa
[1]
. O elemento central é a necessidade de proceder á
anulação da parte ilegítima da dívida
pública. Para isso, o CADTM recomenda uma auditoria da dívida
pública feita sob controle dos cidadãos. Esta auditoria deve, em
certas circunstâncias, ser combinada com uma suspensão unilateral
e soberana do reembolso do serviço da dívida. O objectivo da
auditoria é conseguir um cancelamento/repúdio da parte
ilegítima da dívida pública e reduzir drasticamente a
dívida remanescente.
A redução radical da dívida pública é uma
condição necessária mas não suficiente para tirar
da crise os países da União Europeia. Deve ser complementada por
uma série de medidas de grande alcance em vários domínios.
1.Realisar uma auditoria da dívida pública, a fim de anular a
parte ilegítima.
Uma parte importante da dívida pública dos Estados da
União Europeia é ilegítima porque resulta de uma
política deliberada dos governos que decidiram privilegiar
sistematicamente uma classe social, a classe capitalista, e com outras camadas
favorecidas em detrimento do resto da sociedade. A descida dos impostos sobre
os rendimentos altos das pessoas físicas, sobre o seu património,
sobre os lucros das empresas privadas têm levado as autoridades a
aumentar a dívida pública para preencher o buraco deixado por
esta baixa. Têm também aumentado fortemente a carga fiscal sobre
as famílias de baixo rendimento que constituem a maioria da
população. A isso tem-se adicionado desde 2007-2008, o resgate de
instituições financeiras privadas, responsáveis pela
crise, que custou muito caro ás finanças públicas e fez
explodir a dívida pública. A diminuição da receita
provocada pela crise causada pelas instituições financeiras
privadas teve de ser novamente preenchida por meio de empréstimos
maciços. Este quadro geral fere claramente de ilegitimidade uma parte
importante da dívida pública. A isso juntam-se, num certo
número de países sujeitos á chantagem dos mercados
financeiros, outras fontes evidentes de ilegitimidade. As novas dívidas
efectuadas a partir de 2008 foram-no num contexto onde os banqueiros (e outras
instituições financeiras privadas) utilizam o dinheiro fornecido
a baixas taxas de juros pelos bancos centrais para especular e forçar os
poderes públicos a aumentar as taxas que pagam. Além disso, em
países como a Grécia, Hungria, Letónia, Roménia e
Irlanda, a condições dos empréstimos do FMI constituem uma
violação dos direitos sociais e económicos das
populações. Para piorar a situação, estas
condições favorecem mais uma vez os banqueiros e outras
instituições financeiras. Por estas razões, eles
também são marcados pela ilegitimidade. Finalmente, em alguns
casos, a vontade das pessoas tem sido violada: por exemplo, enquanto em
Fevereiro de 2011, os irlandeses votaram por larga maioria, contra os partidos
que fizeram doações aos banqueiros e aceitaram as
condições impostas pela Comissão Europeia e o FMI, o novo
governo de coligação prossegue aproximadamente a mesma
política dos seus predecessores. Mais genericamente, assiste-se em
alguns países a uma marginalização do poder legislativo em
favor de uma política de facto consumado imposta pelos executivos que
fazem acordos à parte com a Comissão Europeia e do FMI. O poder
executivo, em seguida, apresenta ao Parlamento este acordo em termos de pegar
ou largar. Às vezes é até mesmo com debates sem
votação sobre temas de importância primordial. A
tendência dos executivos para transformar os legislativos num
serviço de registos vem aumentando.
Neste contexto extremamente preocupante, sabendo que um punhado de estados,
mais cedo ou mais tarde, enfrentará um verdadeiro risco de incumprimento
por falta de liquidez e que o reembolso de uma dívida ilegítima
é, por princípio, inaceitável, é conveniente um
claro pronunciamento, pela anulação das dívidas
ilegítimas. Anulação, cujos custos devem ser suportados
pelos autores da crise, a saber a instituições financeiras
privadas.
Para países como a Grécia, Irlanda, Portugal e países do
Leste da Europa (e fora da UE, países como a Islândia), isto
é, os países que são chantageados por especuladores, pelo
FMI e outros organismos como a Comissão Europeia, devem recorrer a uma
moratória unilateral sobre o pagamento da dívida. Esta proposta
tornou-se popular nos países mais afectados pela crise. Em Dublin no
final de Novembro de 2010, numa pesquisa de opinião conduzida por
telefone entre 500 pessoas, 57% dos irlandeses estavam a favor de uma
suspensão de pagamentos da dívida (
default,
em Inglês), ao invés de uma ajuda de Emergência do FMI e de
Bruxelas.
"Default! Say the people
(Suspensão do pagamento! diz o povo), era título do
Sunday Independent,
o principal jornal da Ilha. Segundo o CADTM, uma tal moratória
unilateral deve ser combinada com a realização de uma auditoria
dos empréstimos públicos (com a participação do
cidadão). A auditoria deverá permitir trazer ao governo e ao
público as provas e argumentos necessários para o cancelamento ou
o repúdio da dívida identificada como ilegítima. O direito
internacional e o direito interno dos países proporciona uma base legal
para essa decisão soberana unilateral de cancelamento/ repúdio.
Para os países que recorrem à suspensão do pagamento, com
a sua experiência sobre a questão da dívida dos
países em desenvolvimento, o CADTM adverte contra uma medida incompleta,
como uma mera suspensão de pagamentos, que pode ser contra-producente.
É preciso uma moratória sem adição de juros sobre
os montantes da dívida em atraso.
Em outros países como França, Grã-Bretanha ou a Alemanha,
não é necessariamente imperativo declarar uma moratória
unilateral durante a realização da auditoria. Isso deve ser
realizado no fim, também, para se determinar a extensão do
cancelamento / repúdio ao qual se deve proceder. Em caso de
deterioração da situação internacional, uma
suspensão do pagamento pode tornar-se relevante, mesmo para os
países que se pensavam ao abrigo da chantagem dos credores privados.
A participação dos cidadãos é um requisito
essencial para assegurar a objectividade e transparência da auditoria. A
comissão de auditoria deve ser composta principalmente por diversos
órgãos do Estado relacionados, bem como por peritos de auditoria
das finanças públicas, economistas, juristas, especialistas
constitucionalistas, representantes de movimentos sociais... Tal permitiria
identificar as diferentes responsabilidades no processo da dívida e
exigir que os responsáveis, nacionais e internacionais prestem contas
à justiça. Em caso de atitude hostil do governo em
relação à auditoria, é necessário
estabelecer uma comissão de auditoria cidadã sem a
participação do governo.
Em qualquer caso, é legítimo que as instituições
privadas e pessoas físicas de altos rendimentos, que detêm os
títulos dessas dividas suportem o ónus do cancelamento da
dívida soberana ilegítima, porque eles são em grande parte
responsáveis pela crise, da qual, além disso, beneficiaram
enormemente. O facto de que eles devem arcar com o peso da
anulação não é mais que uma justa
reposição da justiça social. É importante criar um
registo de detentores de títulos para, de entre eles, compensar os
cidadãos com rendimentos baixos e médios.
Se a auditoria demonstrar a existência de delitos relacionados com a
dívida ilegítima, os autores deverão ser severamente
condenados a pagar indemnizações e não devem escapar a
penas de prisão, dependendo da gravidade de suas acções.
Temos que pedir contas na Justiça às autoridades que tenham
lançado empréstimos ilegítimos.
No que diz respeito às dívidas que não são feridas
de ilegitimidade, convirá impor um esforço aos credores, em
termos de redução dos valores, das taxas de juros e pelo
alongamento do período de reembolso. Convirá realizar uma
descriminação positiva em favor dos pequenos detentores de
títulos da dívida que convirá reembolsar normalmente.
Além disso, o montante do orçamento do Estado para o pagamento da
dívida deverá ser limitado em função do estado da
economia, a capacidade dos governos para pagar e a natureza não
redutível dos gastos sociais. Temos de aprender com o que foi feito para
a Alemanha após a Segunda Guerra Mundial. O Acordo de Londres de 1953
sobre a dívida alemã que consistia na redução de
62% no valor da dívida, estipulava que a relação entre o
serviço da dívida e as receitas de exportação
não devia exceder 5%
[2]
. Pode-se definir uma relação deste tipo: a soma atribuída
à amortização da dívida não pode ultrapassar
5% da receita do Estado. É preciso também adoptar um quadro
jurídico para impedir a repetição da crise que
começou em 2007-2008: a interdição de
socialização de dívidas privadas, a
obrigação de realizar uma auditoria permanente da política
da dívida pública com a participação dos
cidadãos, a não prescrição dos crimes relacionados
com o endividamento ilegítimo, a nulidade das dívidas
ilegítimas...
2. Parar os planos de austeridade. São injustos e aprofundam a crise.
De acordo com as exigências do FMI, os governos europeus optaram por
impor a sua rígida política de austeridade, com cortes nos gastos
públicos: com os despedimentos da função pública,
congelando salários dos funcionários, reduzindo o acesso a alguns
serviços públicos essenciais e à protecção
social, atrasando a idade de acesso à reforma. Em contrapartida, as
empresas públicas reclamam e obtêm um aumento de
tarifas, enquanto o custo do acesso à saúde e
educação também é revisto para cima. O recurso
à utilização de impostos indirectos particularmente
injustos, especialmente o IVA, está crescendo. As empresas
públicas no sector competitivo são maciçamente
privatizadas. As políticas de austeridade implementadas são
elevadas a um nível nunca visto desde a Segunda Guerra Mundial. Os
efeitos da crise são assim ampliados pelo chamados remédios, que
visam principalmente proteger os interesses dos donos do capital. Em suma, os
banqueiros bebem, os povos brindam!
Mas as pessoas suportam cada vez menos a injustiça dessas reformas
marcadas por uma regressão social de grande amplitude. Em termos
relativos, são os trabalhadores, os desempregados e as famílias
de baixo rendimento que são mais levados a contribuir para garantir que
os Estados continuem a engordar os credores. E entre os mais afectados, as
mulheres ocupam o primeiro lugar, porque a organização actual da
economia e da sociedade patriarcal, lhes impõe os efeitos desastrosos da
precariedade no trabalho, do trabalho parcial e mal pago. Directamente
afectados pela deterioração dos serviços públicos
sociais, elas pagam um alto preço. A luta para impor uma outra
lógica é inseparável da luta pelo respeito absoluto dos
direitos das mulheres.
3. Estabelecer uma verdadeira justiça fiscal europeia e uma
redistribuição justa da riqueza. Proibir as
transacções com paraísos fiscais e legais. Lutar contra a
fraude fiscal maciça das grandes empresas e dos mais ricos.
Desde 1980, que têm vindo a baixar os impostos directos sobre os
rendimentos mais altos e das grandes empresas. Assim, na União Europeia,
de 2000 a 2008, as taxas mais elevadas de imposto de rendimento e imposto sobre
as sociedades caíram 7 e 8,5 pontos. Essas centenas de milhões de
euros em incentivos fiscais têm sido largamente orientadas para a
especulação e a acumulação de riqueza por parte dos
mais ricos.
É preciso combinar uma profunda reforma da tributação num
sentido de justiça social (reduzir o rendimento e a riqueza dos mais
ricos para aumentar a da maioria da população) com a sua
harmonização a nível europeu para evitar o dumping fiscal
[3]
. O objectivo é aumentar as receitas, nomeadamente através do
imposto progressivo sobre o rendimento das pessoas físicas mais ricas (a
taxa marginal sobre a maior fatia de rendimento deve ser aumentada para 90%
[4]
, do imposto sobre o património a partir de uma certa quantia e do
imposto sobre as sociedades. Este aumento da receita deve ser acompanhado por
um rápido declínio no preço dos bens e serviços de
primeira necessidade (alimentos básicos, água, electricidade,
aquecimento, transportes públicos, material escolar...), nomeadamente
pela redução drástica e direccionada do IVA sobre esses
bens e serviços essenciais. Trata-se também de adoptar uma
política fiscal que promova a protecção do ambiente
tributando de maneira dissuasiva as indústrias poluentes.
A UE deve adoptar um imposto sobre transacções financeiras,
nomeadamente sobre os mercados de câmbio, para aumentar as receitas
públicas.
Os G20, apesar de suas declarações de intenções,
recusaram atacar eficazmente os paraísos judiciários e fiscais.
Uma medida simples para lutar contra os paraísos fiscais (que fazem
perder cada ano, nos países do Norte, mas também os do Sul,
recursos vitais para o desenvolvimento das populações) consiste
em o Parlamento proibir a todos os indivíduos e todas as empresas
presentes no seu território realizar transacções,
quaisquer que sejam, passando através de paraísos fiscais, sob
pena de multa de valor equivalente. Além disso, é preciso
erradicar esses buracos negros das finanças, o tráfico criminoso,
a corrupção e o crime de colarinho branco.
A fraude fiscal priva a comunidade de meios consideráveis e joga contra
o emprego. Devem ser atribuídos recursos públicos consequentes
para financiar serviços de finanças para lutar eficazmente contra
esta fraude. Os resultados devem ser tornados públicos e os culpados
fortemente punidos.
4. Refrear os mercados financeiros, principalmente através da
criação de um cadastro de titulares de valores
mobiliários, da proibição de vendas a descoberto e da
especulação numa série de domínios. Criar uma
agência pública europeia de notação.
A especulação à escala mundial representa várias
vezes a riqueza produzida no planeta. A montagem sofisticada da mecânica
financeira torna-a totalmente incontrolável. As engrenagens que ela
suscita desestruturam a economia real. A opacidade das operações
financeiras é a regra. Para tributar os credores na fonte eles devem ser
identificados. A ditadura dos mercados financeiros deve cessar. A
especulação deve ser proibida em vários domínios.
Deve ser interdita a especulação em títulos da
dívida pública, sobre as moedas, sobre os alimentos
[5]
. As vendas a descoberto também devem ser totalmente proibidas
[6]
e os Credit Default Swaps devem ser estritamente regulamentados. É
preciso fechar os mercados de derivativos que são de verdadeiros buracos
negros, escapando a toda a regulamentação e supervisão.
O sector das agências de classificação
(rating)
também deve ser estritamente reformado e enquadrado. Longe de serem
instrumento de avaliação científica objectiva, elas
são estruturalmente partes interessadas da globalização
neoliberal e têm provocado repetidamente catástrofes sociais. Com
efeito, a degradação da pontuação do país
implica uma subida da taxa de juro sobre os empréstimos concedidos. Como
resultado, a situação económica deteriora-se ainda mais. O
comportamento de rebanho dos especuladores multiplica as dificuldades que
vão pesar ainda mais fortemente sobre as pessoas. A forte
submissão das agências de notação financeira
norte-americanas faz destas agências de notação um actor
chave a nível internacional, cuja responsabilidade na
iniciação e evolução da crise não é
suficientemente destacada pela média. A estabilidade económica
dos países europeus foi colocada nas mãos das agências de
classificação, sem garantias, sem meios de controle sérios
por parte dos poderes públicos. A criação de uma
agência pública de notação é essencial para
romper esse impasse.
5. Transferência, sob controlo dos cidadãos, dos bancos para o
sector público.
Depois de décadas de abusos financeiros e privatizações,
é hora de colocar o sector bancário no domínio
público. Os Estados devem recuperar a sua capacidade de controle e
direcção da actividade económica e financeira. Eles devem
também ter instrumentos de investimento e de financiamento da despesa
pública, minimizando os empréstimos de instituições
privadas e / ou estrangeiras. É preciso expropriar, sem
indemnizações, os bancos para os transferir para o sector
público sob o controle dos cidadãos.
Em alguns casos, a expropriação dos bancos privados pode
representar um custo para o estado por causa das dívidas que acumularam.
O custo em causa deve ser recuperado a partir do património dos grandes
accionistas. Na verdade, as empresas privadas que são accionistas de
bancos e que os levaram ao abismo enquanto faziam lucros suculentos,
detêm uma porção dos seus activos em outros sectores da
economia. É preciso fazer uma punção
geral sobre a riqueza dos accionistas. Trata-se de evitar ao máximo
socializar as perdas. O exemplo irlandês é emblemático de
como é inaceitável a forma como nacionalização do
Irish Allied Bank foi efectuada. Temos de aprender com eles.
6. Socializar as numerosas empresas e serviços privatizados desde 1980.
Uma característica dos últimos 30 anos tem sido a
privatização de muitas empresas e serviços
públicos. De bancos ao sector industrial, passando pelos correios,
às telecomunicações, energia e transporte, os governos
têm entregue grande parte da economia aos privados, perdendo de passagem
qualquer possibilidade o controle da economia. Esses bens públicos,
devidos ao trabalho colectivo, devem voltar para o domínio
público. Isto irá criar novas empresas e serviços
públicos para se adaptar às necessidades da
população, para responder, em particular, ao problema das
alterações climáticas, por exemplo com a
criação de um serviço público de isolamento das
habitações.
7. Reduzir drasticamente o tempo de trabalho para criar empregos, aumentando
salários e pensões.
Distribuir de outra forma a riqueza é a melhor resposta para a crise. A
quota da riqueza gerada destinada aos assalariados caiu significativamente ao
longo de várias décadas, enquanto os credores e as empresas
têm aumentado os seus lucros para os consagrar á
especulação. Aumentando os salários não só
se permite às pessoas viverem com dignidade, mas também se
reforçam os meios utilizados para financiar a protecção
social e os regimes de pensões.
Ao reduzir o tempo de trabalho sem redução de salários e
criando empregos, melhora-se a qualidade de vida dos trabalhadores,
dá-se emprego aqueles que o procuram. A redução radical do
tempo de trabalho também oferece a oportunidade de praticar um ritmo de
vida diferente, uma maneira diferente de viver em sociedade longe do
consumismo. O tempo poupado para a recreação deve permitir uma
maior participação do povo na vida política,
reforçar a solidariedade, actividades voluntárias e criatividade
cultural.
8. Repensar democraticamente outra União Europeia com base na
solidariedade.
Muitas disposições dos tratados que regem a União
Europeia, a Zona Euro e o BCE devem ser revogadas. Por exemplo, excluir as
secções 63 e 125 do Tratado de Lisboa que proíbe qualquer
controle sobre os movimentos de capitais e toda a ajuda a um Estado em
dificuldades. É também necessário abandonar o Pacto de
Estabilidade e Crescimento. Além disso, é preciso substituir os
tratados actuais por novos, no âmbito de um processo constituinte
democrático genuíno para chegar a um pacto de solidariedade dos
povos para o emprego e a ecologia.
Deve-se rever completamente a política monetária assim como o
estatuto e a prática do Banco Central Europeu. A incapacidade do poder
político para impor ao BCE a criação de dinheiro é
um obstáculo muito pesado. Com a criação deste BCE por
cima dos governos e portanto dos povos, a UE fez uma escolha desastrosa, aquela
que submete o humano à finança e não o contrário.
Desde que muitos dos movimentos sociais denunciaram os artigos demasiado
rígidos e profundamente inadequados, o BCE foi obrigado a mudar a mira
no auge da crise, alterando de emergência o papel que lhe foi
atribuído. Infelizmente, concordou em fazê-lo pelas razões
erradas: não de modo a que os interesses das pessoas fossem tidos em
conta, mas para que os dos credores fossem protegidos. Isto é bem a
prova de que as cartas devem ser baralhadas e redistribuídas: o BCE deve
ser capaz de financiar directamente os Estados em causa para atingir os
objectivos sociais e ambientais que integram perfeitamente a necessidades
básicas das populações.
Hoje, actividades económicas muito diferentes, tais como o investimento
na construção de um hospital ou um projecto especulativo,
são financiados de forma semelhante. O poder político deve, pelo
menos, reflectir sobre a imposição de custos muito diferentes
entre si: as taxas baixas devem ser reservadas para os investimentos
socialmente justos e ambientalmente sustentáveis, e taxas muito
elevadas, mesmo proibitivas quando a situação o pedir, para
operações de tipo especulativo, que também é
desejável interditar pura e simplesmente em certos domínios (ver
acima).
Uma Europa baseada na solidariedade e cooperação deve permitir
virar as costas à competição e à
concorrência, que puxam "para baixo". A lógica
neoliberal levou à crise e revelou o fracasso. Ela empurrou para baixo
os indicadores sociais: menos bem-estar, menos empregos, menos serviços
públicos. Os poucos que têm lucrado com esta crise tem-no feito
por atropelamento dos direitos da maioria. Os culpados ganham, as
vítimas pagam! Essa lógica, que subjaz a todos os textos
fundadores do Pacto de Estabilidade e Crescimento da UE na liderança,
deve ser posta em causa: ela não é mais sustentável. Uma
outra Europa baseada na cooperação entre os Estados e na
solidariedade entre os povos, deve tornar-se prioridade. Para isso, a
política orçamental e fiscal deve não ser uniforme, porque
as economias europeias têm grandes diferenças, mas coordenada,
para que finalmente surja uma solução "para cima".
Políticas abrangentes a nível europeu, incluindo investimento
público maciço para a criação de empregos
públicos em áreas essenciais (dos serviços
comunitários às energias renováveis, da luta contra as
alterações climáticas
[NR]
aos sectores sociais básicos) deve-se impor.
Esta outra Europa democratizada deve, para o CADTM, trabalhar para impor
princípios não negociáveis: o reforço da
justiça social e fiscal, escolhas voltadas para elevar o nível e
a qualidade de vida dos seus habitantes, desarmamento e redução
radical das despesas militares (incluindo a retirada das tropas europeias do
Afeganistão e saída da NATO), as opções de energia
sustentável, sem recorrer à energia nuclear, a
rejeição dos organismos geneticamente modificados (OGM). Deve
também, resolutamente, pôr termo à sua política de
fortaleza sitiada contra os candidatos à imigração, para
se tornar um parceiro igual de uma justa e verdadeira solidariedade para com os
povos do Sul do planeta.
04/Abril/2011
Notas
[1]
http://www.cadtm.org/IMG/pdf/Tract_CADTM_Europe_DEF_27aout2010.pdf
Retomamos aqui estas oito propostas actualizando-as e desenvolvendo-as.
[2] Ver Eric Toussaint, Banco Mundial: o Golpe de Estado permanente
CADTM-Syllepse-Cetim, 2006, Capítulo 4.
[3] Pensemos na Irlanda que pratica uma taxa de apenas 12,5% sobre os lucros
corporativos.
[4] Note-se que a taxa de 90% foi imposta aos ricos da presidência de
Franklin Roosevelt nos Estados Unidos na década de 1930.
[5] Ver Damien Millet e Eric Toussaint, A Crise, que crise?,
Aden-CADTM-Cetim, 2010, capítulo.
[6] As vendas a descoberto permitem especular sobre a queda de um
título vendendo a prazo esse título mesmo sem o ter. As
autoridades alemãs proibiram a venda a descoberto ao passo que as
autoridades francesas e de outros países se opõem a esta medida.
[NR] Falso problema, como se denuncia
aqui
.
[*]
Eric Toussaint, doutor em Ciência Política da Universidade de
Liège e Paris VIII, presidente da CADTM Belga, membro do Conselho
Internacional do Fórum Social Mundial e da Comissão presidencial
de auditoria da dívida (CAIC) do Equador, membro do Conselho
Científico da ATTAC França, autor dos livros: Um olhar no espelho
retrovisor. A ideologia neoliberal das origens até hoje (Cherry, 2010),
O Banco do Sul e a nova crise internacional (CADTM-Syllepse, 2008), Banco
Mundial: o golpe de Estado permanente (CADTM-Syllepse-Cetim, 2006 ),
Finança contra o povo (CADTM-Syllepse-Cetim, 2004). Co-autor com Damien
Millet de livros: Crise, que crise? (Aden-CADTM-Cetim, 2010), 60 perguntas 60
respostas sobre a dívida, o FMI e o Banco Mundial (CADTM-Syllepse, 2008)
e O tsunami de dívida (CADTM-Syllepse, 2005). Próximo livro a
ser publicado em Junho de 2011: Vida ou Dívida, Aden-CADTM, 2011 (obra
coletiva coordenada por Damien Millet e Eric Toussaint).
O original encontra-se em
http://www.cadtm.org/Huit-propositions-urgentes-pour
. Tradução de Guilherme Coelho.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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