O euro não é um "escudo" contra a
especulação: ele a atrai!
Um espectro assombra a Europa: a saída do euro!
Uma operação de enlouquecimento da população
está em curso em relação ao euro. Ela é conduzida
por aqueles que foram a favor do "sim" nos referendos de 1992 e de
2005. Eles utilizam os mesmos argumentos falaciosos daquela época. Em
1992, diziam que seria a "catástrofe" não votar pelo
Tratado de Maastricht e a moeda única. Em 2005, afirmavam que seria a
"explosão da Europa" se não se votasse pelo projecto de
constituição europeia. Hoje, sustentam que seria o
"caos" se um ou vários países deixassem a zona euro.
O jornal
Le Monde
(15/12/2010) titula: "O euro vai matar a Europa?".
Subtítulos: "Quem estaria pronto a renunciar à moeda
única? Quais são os cenários do seu desaparecimento? Quais
seriam os efeitos de um rebentamento? Ele cita
The Economist,
ícone do pensamento único ultraliberal, o qual afirma que
"Desmantelar o euro não é impensável, apenas muito
custoso". É o inverso! É o euro que é custoso! Para
as classes populares e médias! Pois diz-se que é para
"salvá-lo" que foi decretada a austeridade em toda a Europa!
Le Monde
explica que a saída da Grécia e da Irlanda do euro e o retorno
às suas moedas nacionais permitiria desvalorizá-las. Estes
países poderiam assim desenvolver suas exportações,
relançar sua actividade económica e reduzir seus défices
públicos.
Le Monde
acrescenta entretanto que "esta estratégia comporta graves
perigos".
O primeiro seria um "pânico bancário", os depositantes
gregos e irlandeses retirariam seus euros dos bancos. Mas o que fariam?
Pô-los sob o colchão? Numa máquina de lavar roupa? Num
banco estrangeiro? Sejamos sérios! Um país que sair do euro
deverá tornar a sua moeda não convertível com as outras,
inclusive o euro, e restaurar o controle dos câmbios. Aqueles que tiverem
retirado seus euros deverão obrigatoriamente convertê-los em
dracmas, libras irlandesas, francos franceses, etc, após
autorização, se quiserem continuar a exercer uma actividade no
seu país de origem...
Le Monde
imagina um segundo risco: o "esmagamento das famílias, das
empresas e dos Estados grego e irlandês" sob o peso dos seus
créditos denominados em euros. Não! O retorno às moedas
nacionais será feito nas mesmas condições da passagem
destas últimas para o euro, mas em sentido inverso. Aqueles que tinham
créditos ou títulos (acções,
obrigações...) denominados em libras irlandesas, em dracmas, em
francos franceses, etc viram estes créditos e títulos muito
simplesmente convertidos em euros. Por um simples lançamento
contabilístico e numa única noite!
Terceiro risco que
Le Monde
destaca: os bancos europeus "possuindo obrigações gregas ou
irlandesas registariam perdas pesadas". Sim, isso é verdadeiro! Mas
digamos claramente: tanto melhor se os bancos que especularam sobre a
dívida dos Estados da zona euro tiverem "perdas pesadas". O
preço das suas acções baixará, este será o
momento para os Estados comprarem-nos (nacionalizá-los). Os accionistas
dos bancos centrais dos países afectados (não o Banco Central
Europeu!) darão os fundos ao Estado, por criação
monetária, como o faz o Banco Central americano.
Le Monde
vê um quarto risco: "um país que sai do euro arrisca-se a
perder enormemente em credibilidade em relação a
investidores". O infeliz jornalistas não compreendeu que é
preciso por um fim ao financiamento dos Estados pelos mercados financeiros.
Como fazer? Fechando o mercado obrigacionista! Os Estados não mais se
financiarão no mercado obrigacionista, mas sim de três maneiras
simultâneas: recorrendo à sua poupança nacional; impondo
quotas de compras de títulos do Estado aos bancos e companhias de
seguros; vendendo títulos do Estado ao banco central de cada país
considerado, sem juros a reembolsar. O mercado secundário das
obrigações será também fechado: as famílias
ou os bancos que quiserem revender suas obrigações antes do termo
poderão fazê-lo, em certas condições, mas só
ao Estado. A especulação será assim total e
definitivamente erradicada.
Cessada a necessidade de "tranquilizar" os mercados financeiros pela
baixa dos salários, das pensões e da protecção
social em geral, não haverá mais mercado financeiro
obrigacionista em euros! Adeus, agências de classificação,
não haverá mais nada para classificar! Bye-bye para os traders e
seus bónus, não haverá mais nada para comerciar! Adeus CDS
(Credit Default Swaps), estes produtos financeiros hiper-refinados que servem
para especular com a falência dos Estados!
Le Monde
citava Nicolas Sarkozy (19 e 20 de Dezembro): "Quem pode pensar que a
França, só no mundo de hoje, ficaria mais forte?" Vamos
devolver-lhe a pergunta: quem pode acreditar que a França "ficaria
mais forte" no quadro da mundialização neoliberal? Quem pode
acreditar que um mundo novo, muito simplesmente humano, acontecerá pela
actuação dos pilares da ordem neoliberal mundial que são a
NATO, o FMI, o Banco Mundial, a OMC, a OCDE e a União Europeia? É
saindo destas instituições, guardiãs do "mundo de
hoje" no qual Sarkozy nos quer encerrar e não desejando
ilusoriamente transformá-las a partir do interior que poderemos
ir em frente. É preciso agir para a construção de um novo
internacionalismo. A França, pela sua história, deve nele
desempenhar um grande papel.
Em 21 de Dezembro,
Le Figaro
acrescentava num enorme título na primeira página: "O que
custaria à França um abandono do euro". Subtítulo:
"Este cenário qualificado de "irresponsável" por
Nicolas Sarkozy seria catastrófico para o país". Diabo! Para
o jornal oficial da direita, a saída do euro teria como "resultado
inelutável um alinhamento por baixo dos rendimentos e do poder de
compra..." Incrível! Eis que a direita defende o poder de compra!
Mas o alinhamento por baixo dos salários, hoje, é com o euro!
Precisamente por esta razão o euro foi inventado pelas classes
dirigentes europeias.
Um dos pressupostos "teóricos" que conduziram à
criação do euro e à sua gestão por um banco central
europeu "independente" encontra-se no artigo 120 do Tratado de
Lisboa: "Os Estados membros e a União agem no respeito do
princípio de uma economia de mercado aberto em que a concorrência
é livre, favorecendo uma alocação eficaz dos
recursos..." A expressão "alocação eficaz dos
recursos" retoma palavra a palavra a falsa teoria ultraliberal da
"eficiência dos mercados financeiros". Segundo ela, é
urgente desenvolver os mercados financeiros e fazê-los funcionar sem
"entraves", com o mínimo de regulamentação. A
razão? Eles seriam (ao contrário do Estado) o único
mecanismo de "alocação" eficaz do capital. Dito de
outro modo, eles seriam capazes de distinguir os "bons" projectos a
financiar evitando os desperdícios de recursos financeiros. Todas as
políticas conduzidas pela União Europeia repousam sobre este
mito. Eis porque a "liberalização" dos mercados de
capitais foi organizada no interior da UE, por directivas, a fim de construir
um mercado financeiro integrado mundialmente. Ao mesmo tempo, era preciso que o
euro concorresse com o dólar. A "construção"
europeia foi portanto subordinada a este objectivo: "atrair para os
mercados financeiros europeus os capitais livres que procuravam à escala
planetária uma rentabilidade máxima a muito curto prazo. É
este objectivo que explica a busca sistemática de uma política de
taxas de câmbio elevadas, apoiada sobre taxas de juro superiores
às dos Estados Unidos. O euro era o vector que permitia a livre
circulação dos capitais: ele não é um
"escudo" anti-especulação, ele atrai a
especulação!
Os oligarcas europeus portanto fizeram dos mercados obrigacionistas
(principalmente o da dívida dos Estados) os "supervisores" das
políticas públicas. O raciocínio é simples: os
mercados financeiros (sobretudo o mercado obrigacionista) não gostam dos
países muito endividados pois estas dívidas podem levá-los
a não mais poderem ou quererem reembolsá-los. Para continuar a
compra a dívida dos Estados, os investidores (especuladores) vão
portanto exigir taxas de juro mais elevadas a fim de remunerar o seu risco.
Consequência: se os Estados querem tomar emprestado a taxas de juro
razoáveis, deverão reduzir a sua dívida (reduzindo as
despesas públicas, principalmente as despesas sociais). A melhor
"disciplina" para controlar as despesas públicas (sociais)
é portanto o "mercado", com a condição de que
seja totalmente desregulamentado, que nenhuma intervenção externa
em particular dos Estados venha perturbar o seu
"equilíbrio espontâneo". Portanto, para compensar o
encarecimento dos produtos fabricados na zona euro face aos seus concorrentes
da zona dólar e dos países emergentes (devido ao euro
"forte"), as empresas da zona euro foram voluntariamente levadas a
exercer uma pressão sempre crescente sobre os custos salariais e sobre o
emprego. As deslocalizações não têm outra
explicação. Um governo de esquerda não poderá
efectuar uma política plenamente de esquerda se a política
monetária permanecer de direita. Sair do euro de maneira unilateral
é a condição absolutamente necessária,
indispensável, urgente para poder efectuar uma verdadeira
política de esquerda. Mas esta condição não
é suficiente. É preciso em cada país, conforme os ritmos
das mobilizações populares e das eleições, um
verdadeiro programa de esquerda e agir para uma moeda que já não
seja única, mas comum.
As sondagens mostram uma ascensão do descontentamento popular em
relação ao euro. Entre 29% e 39% dos franceses interrogados,
conforme as sondagens, querem deixar o euro. Entre 42% e 50% dos
operários, entre 38% e 48% dos empregados estão no mesmo caso. Em
Junho de 2010, uma sondagem realizada na Europa por um instituto americano
mostrava a resposta "não" à pergunta: "O euro
é uma coisa boa para a economia?": França (67%), Portugal
(60%), Espanha (56%), Alemanha (55%), Itália (53%)...
São os meios populares operários, empregados, pouco ou
não diplomados os mais numerosos na contestação ao
euro ou no desejo de sair. Este é o eleitorado tradicional da esquerda!
Atenção: que a esquerda não descole do seu eleitorado e
ofereça assim uma avenida para as forças de extrema-direita,
nacionalistas e xenófobas colmatarem este espaço!
Sair do euro é sair da ordem monetária neoliberal. É a
sequência lógica dos combates de 1992 contra a
criação do euro e de 2005 contra o projecto de
constituição europeia. É um projecto de esquerda!
25/Março/2003
[*]
Porta-voz do Mouvement politique d'éducation populaire (M'PEP),
ex-presidente do Attac, ex-adido financeiro em Nova York. Próxima obra
a publicar "Sortons de l'euro, vite!", Ed. Mille-et-une-nuits.
O original encontra-se em
http://www.legrandsoir.info/Un-spectre-hante-l-Europe-la-sortie-de-l-euro.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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