Sair da UE, proclamar a superioridade das leis nacionais sobre as diretivas
europeias
Medida nº 1 das 30 medidas de urgência do PRCF
Situação: A submissão crescente à ordem
jurídica europeísta
1) O impressionante arsenal jurídico da União Europeia é
um facto indiscutível: durante anos, muitas leis fundamentais e
decisões judiciais adotadas na França apenas transcreveram
decisões jurídicas da União Europeia (UE). Se o
número de 80% das leis nacionais resultaram da aplicação
do direito europeu está exagerado isto trata-se de um prognóstico
formulado pelo "pai da Europa" Jacques Delors. A verdade é que
as decisões tomadas a nível da UE têm um grande impacto
negativo sobre os cidadãos e trabalhadores em França.
A UE possui um enorme arsenal jurídico que lhe permite impor as suas
posições:
1. De forma juridicamente vinculativa: diretivas, decisões e
regulamentos, muitas vezes propostos pela Comissão e quase
automaticamente adotados pelo "Parlamento" Europeu e pelos
ministros dos Estados-Membros;
2. "Recomendações" e "pareceres": sem
obrigação legal, mas com forte peso político, são
muitas vezes formulados pela Comissão, com incitação para
serem aplicados pelos Estados-Membros, em nome de "se colocarem em
conformidade" com as políticas da UE.
3. Jurisprudência: resultado da interpretação de
decisões jurídicas do Tribunal de Justiça da União
Europeia (TJEU), que valem como decisão obrigatória para os
Estados-Membros da UE, mesmo que estes a isso se oponham.
4. Enfim, os Tratados enquanto tais, que devem ser executados e que consagram a
"total liberdade de circulação" de bens,
serviços, capitais e pessoas, e o princípio de uma "economia
de mercado aberta onde a concorrência é livre e não
falseada".
2) Um euro-desmantelamento dos Serviços Públicos
As consequências são desastrosas para os trabalhadores, sobretudo
para os operários, pequenos agricultores, funcionários
públicos e trabalhadores precários: triunfa assim o capitalismo
selvagem, com o desaparecimento de toda proteção e a
"abertura à concorrência" dos Serviços
Públicos, chamados "serviços de interesse geral
"(portanto podendo ser geridos por empresas privadas). Vários
exemplos demonstram isso nos últimos anos:
1.
O código do trabalho.
O ex-presidente da Comissão Europeia
Jean-Claude Juncker afirmou na primavera de 2016 que "a reforma do direito
do trabalho desejada e imposta pelo governo de Manuel Vals
é o mínimo do que deve ser feito". Refletia os objetivos
definidos pela "Política económica,
orientações gerais"(OGPE) formuladas pela Comissão e
que os Estados-Membros se apressam a aplicar.
2.
SNCF (Caminhos de Ferro Franceses).
Em 1991, foi adotada uma diretiva visando a
"liberalização" dos transportes ferroviários:
conduziu à adoção de quatro pacotes ferroviários de
2001 a 2016, tendo o último pacote sido transposto na primavera de 2018
em França. Daqui resultou a concorrência e a
privatização de facto das linhas nacionais, cuja rentabilidade
passou a ser um critério central para as empresas que tomam a seu cargo
linhas ferroviárias. Além disso, o estatuto da
função pública é destruído a favor de
empregos precários.
3.
EDF (Eletricidade de França).
A transformação da EDF em sociedade anónima em 2004,
embora correspondendo ao projeto político da ex-UMP
(Union pour um Movement Populaire,
partido de direita)
, respondeu ao pedido de "abertura à concorrência" da
Comissão Europeia. Desde então a EDF tem de fazer face à
concorrência de grupos privados na propriedade e gestão de
barragens hidroelétricas, cujas concessões são agora
atribuíveis ao setor privado. De forma mais geral, o projeto Hercules
lançou o movimento de desmantelamento do serviço público
de eletricidade.
4.
Pensões de reforma.
Em 2019, a Comissão Europeia
"recomenda que a França, se empenhe em 2019 e 2020: 1. [...]
"reformar o sistema de pensões para uniformizar gradualmente as
regras dos vários sistemas de pensões, com vista a
reforçar a equidade e sustentabilidade destes regimes". Esses
são exatamente os elementos da linguagem do projeto de lei adotado pelo
governo, interrompendo as pensões por repartição.
[1]
5.
Hospitais.
Entre 2011 e 2018, a Comissão Europeia apelou aos Estados
membros 63 vezes para "reduzir os gastos com saúde" e
privatizar certos setores da saúde através de
"recomendações". Estamos a pagar as
consequências: os hospitais estão superlotados e com pessoal
insuficiente para lidar com o coronavírus e todas as outras
doenças graves.
3) Fim da soberania nacional e popular
A outra grande consequência é o fim da soberania nacional e
popular a todos os níveis, inclusive simbolicamente com a
tendência crescente da bandeira da UE suplantar o tricolor herdado da
Revolução Francesa - enquanto bandeira vermelha, é objeto
da "caça às bruxas" euro-macartista que se abate sobre
o continente. Entre as evoluções desastrosas pode ser assinalado:
1.
O fim do "produzir em França":
o caso Bridgestone
é apenas mais um símbolo da euro-destruição da
produção agrícola e industrial. Aproveitando a "total
liberdade de circulação" e a complacência dos
euro-governos que concedem ajudas públicas, a Bridgestone anunciou o
encerramento da sua unidade em Béthune, resultando na
eliminação de 863 postos de trabalho, de forma a deslocalizar a
produção para a Polónia destino já tomado
pela Whirlpool em 2017 e a Hungria, onde a exploração se
processa sem entraves.
2.A dissolução da República, una e indivisível
(ver medida de emergência n ° 2), social (numerosos itens
voltarão a este tema) e laica: com efeito, o Tratado de Lisboa estipula
que "a União mantém um diálogo aberto, transparente e
regular com essas Igrejas e organizações", minando o
princípio da separação entre Igrejas e Estado e, em
consequência, a escolha soberana da França a medida de
emergência n° 23 irá desenvolver especificamente a
questão da laicidade.
Explicação: A primazia da ordem jurídica europeísta
1) O primado jurídico do direito comunitário
Esta situação decorre do facto de o direito comunitário
ser juridicamente superior ao direito de qualquer Estado-Membro da UE, tal como
afirmado no acórdão Costa contra ENEL de julho de 1964. Nessa
altura, um acionista italiano protestou contra a perda dos seus dividendos na
sequência da nacionalização da produção e
distribuição de energia. Oposto a esta operação,
Costa pediu ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (CJEC),
cuja interpretação deste caso se traduz pela
liquidação da soberania jurídica nacional de qualquer
Estado-Membro. Com efeito:
1. Existe uma ordem jurídica europeia específica que deve ser
integrada no conjunto dos direitos jurídicos dos Estados-Membros:
"diferentemente dos tratados internacionais ordinários, o Tratado
CEE [Tratado de Roma] instituiu uma ordem jurídica própria
integrada no sistema jurídico dos Estados-Membros (...) e que se
impõe à sua jurisdição".
2. A ordem
jurídica europeia domina a ordem jurídica nacional: "Ao
instituir uma Comunidade de duração ilimitada, dotada de
instituições próprias, personalidade, capacidade
jurídica, capacidade de representação internacional e,
mais particularmente, poderes reais resultantes de uma limitação
de competências ou de uma transferência de
atribuições dos Estados para a Comunidade, estes limitaram os
seus direitos soberanos e criaram, assim, um corpo de direito aplicável
aos seus cidadãos e aos próprios Estados."
3. Consequentemente, qualquer texto nacional não pode contradizer o
direito europeu: "o direito do Tratado não poderia, portanto,
devido à sua natureza específica original, ver-se oposto
juridicamente a um texto interno, fosse ele qual fosse, sem perder o seu
carácter comunitário e sem que fosse posta em causa a base
jurídica da própria Comunidade."
4. Enfim, qualquer texto nacional deve respeitar as normas e tratados europeus,
o que limita a sua soberania porque: "a transferência operada pelos
Estados, da sua ordem jurídica interna em benefício da ordem
jurídica comunitária, dos direitos e obrigações
correspondentes às disposições do Tratado, implica,
portanto, uma limitação definitiva dos seus direitos soberanos,
contra a qual não pode prevalecer um subsequente ato unilateral
incompatível com o conceito de Comunidade".
5. Acrescentemos, para concluir, que, ao fazer do inglês a única
língua de trabalho nos organismos europeus, a UE consagra a hegemonia
dos padrões anglo-saxónicos - cuja filosofia difere
fundamentalmente da do direito romano do qual deriva a tradição
jurídica francesa e consagra o
globish
[2]
como uma "linguagem dos negócios", como exigia em 2004 o
barão Seillière, então presidente da MEDEF
(confederação patronal francesa)
2) O "governo de juízes" europeísta
Posteriormente, outros acórdãos proferidos pelo TJUE consagram o
primado da ordem capitalista europeia:
1. Em 1979, o acórdão Cassis de Dijon afirmou que "a livre
circulação de mercadorias constitui uma das regras fundamentais
da comunidade", tornando praticamente impossível qualquer
restrição regulamentar à importação; apenas
os chamados requisitos "imperativos" (sanitários) são
tolerados para regular o comércio. O caminho está, portanto,
aberto à competição absoluta de produtos agrícolas
e industriais. Este princípio afeta até mesmo o campo desportivo
com o julgamento Bosman de 1995.
2. Em 2007, os acórdãos Viking e
Laval consagraram a primazia das liberdades económicas sobre o direito
de organização. De facto, no primeiro caso, a empresa finlandesa
Viking Line, ao adoptar a bandeira da Estónia para um dos seus barcos em
vez da bandeira da Finlândia permitindo-lhe empregar
"mão-de-obra" da Estónia a "custos mais
baixos" aplica o princípio da "liberdade de
estabelecimento" promovida pela UE e denuncia o direito à greve dos
sindicatos finlandeses como um "obstáculo" económico...
3) Euro-governos subordinando a soberania a "Tratados desiguais"
A UE é, portanto, uma camisa-de-forças que destrói a
própria essência de qualquer democracia: esta só existe
porque cidadãos totalmente soberanos decidem livremente as suas leis e
os seus orçamentos a nível nacional. Este princípio
fundamental é um dos pilares da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789, conforme afirma o artigo 3:
"O princípio de toda soberania reside essencialmente na
nação. Nenhum corpo, nenhum indivíduo pode exercer
autoridade que não emane expressamente dele."
Notemos, no entanto, o zelo com que os euro-governos "franceses"
aplicam esta hierarquia de normas jurídicas: com efeito, o Conselho
Constitucional afirmou que "a transposição para o direito
interno de uma diretiva comunitária resulta de uma exigência
constitucional", verificando de passagem que as leis de
transposição estão em conformidade com os textos adotados
pela UE; por outro lado, na Alemanha, o tribunal constitucional de Karlsruhe
estabeleceu o princípio do primado da sua constituição
federal através dos acórdãos de Maastricht (1993) e Lisboa
(2009).
Verifica-se portanto que estes Tratados europeus são na verdade
"Tratados desiguais" que refletem as relações de
força e o claro domínio da Alemanha, que impõe o seu
ordo-liberalismo económico e a sua hegemonia
político-jurídica aos países membros da UE.
Soluções: Sair da UE, um pré-requisito para a plena
soberania nacional e popular
1) As traições dos euro-governos
Em 29 de maio de 2005, 55% dos franceses rejeitaram em referendo o Tratado que
instituía uma Constituição para a Europa (TECE), mesmo o
Tratado de Maastricht, foi ratificado por apenas 51% dos votos em 1992. No
entanto, Nicolas Sarkozy e François Fillon, com o endosso tácito
dos "socialistas", fizeram passar à força o mesmo texto
sob o nome de "Tratado de Lisboa" em fevereiro de 2008; quanto a
François Hollande, fez ratificar por via parlamentar o "pacto
orçamental" (assinado por Sarkozy em 2011), destruindo assim um
outro elemento central da soberania nacional, a saber o domínio do
orçamento do Estado.
Destes Tratados resulta a transposição de "diretrizes"
e a aplicação de "recomendações"
decretadas pela mortífera UE, como as relativas ao código do
trabalho, à SNCF ou mesmo às pensões de reforma, cuja
destruição condiciona o pseudo "plano de
recuperação" alardeado por Macron.
2) As falsas soluções "euro-socialistas" e
"euro-esquerdistas"
A solução não reside, portanto, nas vãs promessas
de harmonização fiscal e social "a partir de cima", que
dariam origem a uma "Europa social": esta utopia, prometida pelos
"socialistas" em 1992 com o seu slogan "E agora, a Europa
social!" a fim de obter a ratificação do Tratado de
Maastricht, resultou numa destruição cada vez maior dos direitos
e conquistas sociais e democráticas, arrancados em duras lutas pelo
sindicalismo combatente. Nem é sequer com o chamado "diálogo
social", tão alardeado pela direções das
confederações a começar por Laurent Berger, chefe
da Confederação Sindical Europeia (CES) e da
Confederação Democrática Francesa do Trabalho (CFDT)
colaborando com o patronato (o que também diz respeito a Philippe
Martinez, da CGT ) que os trabalhadores obterão direitos, dado que a
ordem
jurídica europeísta é francamente anti-social e
anti-sindical.
Quanto às ilusões euro-esquerdistas de uma "outra
Europa", consistindo em explicar que é preciso "sair dos
tratados mas não da UE" para os renegociar, não faz sentido:
por um lado, obter a assinatura de novos dos Tratados requer o acordo
unânime dos Chefes de Estado e/ou de Governo, bem como dos
cidadãos dos países membros da UE (por referendo ou por
votação parlamentar), ou seja, 54 acordos: o mesmo é
capitular em campo aberto! Por outro lado, os tratados fundadores são a
própria essência da UE, que Pierre_Mendés France
já denunciava ao rejeitar o Tratado de Roma em 18 de janeiro de 1957,
anunciando profeticamente:
"A abdicação de uma democracia pode assumir duas formas, ou
o recurso a uma ditadura interna, entregando todos os poderes a um homem
providencial, ou a delegação desses poderes a uma autoridade
externa, que, em nome da tecnologia, irá na realidade exercer poder
político, porque em nome de uma economia saudável chega-se
facilmente a ditar uma política monetária, orçamental,
social, enfim "uma política", no sentido mais amplo da
palavra, nacional e internacional.
3) A indispensável saída da UE para restaurar a soberania
nacional e popular
A ÚNICA solução reside na saída unilateral e
definitiva da UE, não por "negociações"
através do artigo 50 cujo único propósito é
desencorajar e dificultar ao máximo qualquer processo de saída em
boas condições, mas pelo desrespeito de todos os textos
jurídicos europeus que atacam os interesses dos trabalhadores e dos
cidadãos, em particular os direitos sociais e democráticos. Isso
envolverá designadamente:
-
O desrespeito de todos os textos que promovam a "liberdade total de
circulação" e uma "economia de mercado aberto onde a
concorrência é livre e não falseada";
-
A revogação dos textos nacionais que transpõem diretivas
europeias regressivas;
-
O restabelecimento de barreiras alfandegárias tarifárias e
não tarifárias, a fim de controlar o fluxo de mercadorias,
serviços e (principalmente) capitais;
-
A saída do espaço Schengen para restabelecer o controlo de
fronteiras;
-
Nacionalização de todos os grandes sectores produtivos da
economia nacional com uma planificação democraticamente
controlada pelos trabalhadores: bancos (prioritariamente) e seguros, energia,
transportes, comunicações;
-
Reconstituição de um grande serviço público sob o
controlo democrático dos trabalhadores: hospitais,
educação nacional, Segurança Social e pensões de
reforma, etc.
-
Reafirmação da República una e indivisível: fim
das "euro-regiões" e "euro-departamentos", bem como
todas as medidas de "descentralização" que levam
à submissão dos municípios e departamentos, e
consagração do princípio de uma lei única para
todos os departamentos da França (fim do "salto federal
europeu" promovido por Macron).
-
Interdição da bandeira europeia em todos os lugares e
espaços públicos.
NT
[1]
Retraites par répartition
, reformas por repartição, são baseadas num contrato
entre gerações: os trabalhadores pagam as pensões dos
aposentados de hoje e os trabalhadores de amanhã financiarão as
pensões dos trabalhadores de hoje. Este sistema coloca os reformados ao
abrigo de incertezas financeiras, ao contrário de um regime de
capitalização onde a evolução das pensões
depende do desempenho dos mercados.
[2] Globish é um termo cada vez mais em uso que advém da simples
junção das palavras "Global" e "English".
Refere-se à base do vocabulário e gramática que as pessoas
que não têm o inglês como língua natal usam quando
têm que comunicar entre si pelo mundo afora.
[*]
Pôle de Renaissance Communiste en France
O original encontra-se em
www.initiative-communiste.fr/...
Este documento encontra-se em
https://resistir.info/
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