Ficar ou sair da zona euro?
por Vaz de Carvalho
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Apareceram como cogumelos neste Outono (do nosso descontentamento)
comentadores a fazerem críticas à UE e (veja-se lá!)
até mesmo à Alemanha. Ainda há pouco lacrimejavam pelos
contribuintes alemães que se "sacrificavam" pelos despesistas
países periféricos. São os mesmos que incensavam os
tratados da UE como portadores de futuros radiosos e apostrofavam como
sacrílegos os que se atreviam a criticar sua eminência Trichet ou
punham em dúvida a "bondade" dos mercados.
E no entanto, houve quem avisasse que a entrada na UE traria problemas
insolúveis ao país e que a adesão ao euro seria um
desastre. Era fácil ver que em todas as actividades básicas e
estratégicas para o desenvolvimento nacional (na indústria, na
agricultura, nas pescas) já então os países da UE eram
excedentários. Para silenciar as críticas proclamava-se que
teríamos 500 milhões de consumidores, à nossa
disposição! Omitiam que havia centenas de milhões de
produtores com produtividades muito superiores à nossa.
Pelos habituais "30 dinheiros", fecharam-se empresas, desmantelou-se
a produção agrícola, abateram-se
embarcações. Os responsáveis por esta
situação para mostrarem preocupação
agora vão falando das potencialidades do país naquelas
áreas.
CRÍTICAS INÓCUAS
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Tais críticas são inócuas e circunstanciais. As pseudo
soluções desses comentadores passam sempre pelo que lá de
fora façam por nós, isto é, por eles. Dizem que o BCE deve
garantir as dívidas soberanas ameaçadas pela desconfiança
dos mercados, que deve ser reforçada a coordenação fiscal,
que devem ser lançados eurobonds. Além disto, a Alemanha deve
congelar a sua ortodoxia em relação ao controlo da
inflação e funcionar como motor da economia europeia.
Não passam de votos piedosos sobre a reforma da UE que não saem
dos critérios neoliberais, nem atacam os problemas de fundo: tenta-se
"mudar alguma coisa para ficar tudo na mesma".
Vejamos, o BCE não está em condições de garantir
nada quanto ao descrédito do euro. Foi graças às suas
políticas que a economia europeia entrou em estagnação,
sob ataque do dólar e de agências de notificação, os
países com elevadíssimos défices, os bancos em crise de
financiamento vivendo de capital fictício e continuando
inconscientemente na senda da especulação, tolerada e incentivada
pelo BCE/UE.
Os eurobonds seriam pouco mais que lixo, mesmo que a Alemanha não os
tivesse já recusado vezes sem conta. Os BRIC já demonstraram que
ignoram os problemas do euro. A Europa não tem aliados. Os EUA
transformaram-na num satélite: ao mesmo tempo que se servem dela para a
sua política imperial, movem-lhe guerra pelo dólar contra o euro.
A China e a Rússia não têm qualquer interesse
estratégico em fortalecer à sua custa os que estão
incondicionalmente do lado dos seus adversários reais (os EUA).
OS ILUSIONISTAS AUTÓCTONES
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A Alemanha não pode, por muito que custe aos ilusionistas da
política nacional, ajudar ninguém. Aliás a
condição que apresenta para alterar o funcionamento do BCE
é passar a ter controlo sobre os orçamentos dos demais
países. Ou seja: sem qualquer garantia sobre coisa alguma, concretizar o
velho sonho imperial alemão de tornar os demais países suas
colónias. Nem o Governo Federal dos EUA tem este poder sobre os Estados.
Claro que para os que apoiam o governo tal como os que se
abstêm
e que pretendem acabar com o feriado do 1º de
Dezembro, a questão da independência nacional pouco ou nada deve
dizer. O seu reaccionarismo pseudo nacionalista resume-se a atacar os
imigrantes pobres ao mesmo tempo que aconselham os jovens a irem-se
embora do país
A Alemanha não pode ajudar ninguém e dificilmente a ela
própria, sob pena de perder a sua posição competitiva na
primeira linha das tecnologias avançadas as
key enabling tecnologies:
biotecnologia industrial, micro e nanoelectrónica, novos materiais,
fotónica, tecnologias avançadas de fabrico. A Alemanha faz parte
do reduzidíssimo grupo de países líderes nestas
áreas com os EUA e Japão. Além destes com
participação bastante inferior vêm a França, o Reino
Unido, a Coreia do Sul, a Holanda, a que se junta, procurando recuperar
atrasos, a China.
São tecnologias que necessitam de elevadíssimo nível de
capitais para investigação e investimentos, com taxas de retorno
muito reduzidas por ora. A Alemanha atrasar-se neste domínio seria
perder o seu estatuto tecnológico. O que a Alemanha precisa é que
os seus bancos transformem em capital real o capital fictício de que
estão atulhados e de mão-de-obra barata de países seus
satélites na UE.
A Alemanha precisa do euro suficientemente alto para a sua finança e
suficientemente baixo em relação à sua produtividade para
a sua indústria. Por isto, a Alemanha precisa do euro, e precisa de
países europeus que mantenham a sua Balança de
Transacções altamente excedente (131 mil milhões de euros,
previstos para este ano).
Trata-se no entanto de uma contradição maior uma
antinomia, em termos da filosofia: para salvar a economia destrói a
finança; para salvar a finança destrói a economia. Em
qualquer dos casos, destrói os demais países europeus. O que
é de salientar é que todos aqueles comentadores a que nos
referimos consideram que se a UE não se empenhar em resolver os
problemas de Portugal, estaremos condenados a seguir o caminho da
Grécia! Mas é o que já está a acontecer. De forma
que são totalmente ridículas em termos da
matemática ou da física dir-se-ia, desprezáveis
aquelas criticas à D. Merkel.
O CAMINHO DA SERVIDÃO
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A questão permanece: ficar ou sair da zona euro. Recentemente
uma sondagem dava conta que mais de 73,8% dos inquiridos
não queria que Portugal saísse do euro. O que é curioso
é que com a desinformação e propaganda a favor do euro
mais de 26% não o aprovem. Ora ninguém disse que saindo do euro
acabavam as dificuldades: o problema é que ficando no euro o caminho
é a servidão, a redução de Portugal a país
colonizado pelos tais "países amigos".
Dizia o gen. De Gaulle ao que parece repetindo Richelieu que em
política externa não há ideologias, só interesses.
Desenganem-se, pois, os que vão nos cantos de sereia de "mais
Europa". Aliás quanto "mais Europa", pior os seus
países têm ficado. A Alemanha e os mais fortes hão de
defender os seus interesses à custa dos mais fracos. Todos os tratados
da UE mostram isto mesmo. D. Merkel diz que salva o euro tendo controlo sobre
os OE dos outros países. É espantoso que isto seja dito e
tolerado, mas além do mais é uma mentira: a Alemanha não
tem capacidade para salvar o euro. O que pretende é colocar os outros
países na sua órbita, reduzi-los à condição
de mão de obra barata e sem direitos.
Nenhum problema do país vai ser resolvido, por este caminho. Vamos ficar
com mais dívida, mais desemprego, mais falências, mais
recessão, mais exploração interna e externa. Só em
2010 foram transferidos para fora
do país, 17 700 milhões de euros de rendimentos. Um país
pobre?!
Conforme dissemos anteriormente: "Com o euro estão anunciados 10
anos de sacrifícios, isto é, "ad aeterno ceteris
paribus" (até à eternidade em iguais
circunstâncias
). Sair do euro: 6 meses de sacrifícios e
esforços, recompensados".
[1]
Isto é, os custos da nossa saída da zona euro seriam
temporários ao passo que os custos de permanecermos serão
inultrapassáveis, pois apenas aprofundaremos a situação a
que chegamos, de meros servos da dívida, a versão actual dos
servos da gleba medievais, submetidos ao capital financeiro do "eixo
franco-alemão"
[2]
FALSAS ALEGAÇÕES
Referimos também em como eram falsas as alegações
catastrofistas de, abandonando o euro, aumentar a dívida e não
haver dinheiro para pagar salários e pensões, além de
outros aspectos. Vejamos agora outras alegações que parecem
pertinentes: desvalorização, inflação, perda de
valor dos depósitos, perda de poder de compra.
Desvalorização
claro que o "novo escudo" seria desvalorizado, o que seria
benéfico para a economia nacional, reduzindo o défice externo,
aumentando exportações, reduzindo importações,
fomentando a produção nacional e o emprego.
Uma das regras da economia clássica mais comummente aceite é que
o valor da moeda de um país deve reflectir o equilíbrio das suas
contas externas. Temos uma moeda sobrevalorizada em relação
à produtividade e estrutura produtiva nacionais
situação de desastre, cuja bancarrota da Argentina no
início do século serve de exemplo. A actual cotação
do euro apenas serve a Balança Comercial da Alemanha e países
próximos a ela intimamente associados como a Holanda e a Áustria.
Inflação dispara
num primeiro momento sim, mas este é justamente o
critério que Keynes assumiu e durante décadas posto em
prática para ultrapassar as crises capitalistas. Para Keynes o
problema económico não era a inflação, era o
desemprego, Entre uma coisa e outra mais valia prejudicar a finança, mas
salvar a economia e dar solução às pessoas. É
evidente que a inflação se reduziria à medida que a
produção nacional aumentasse e o desemprego diminuísse.
Os depósitos perderiam o seu valor
independentemente de com o euro estarem e continuarem a perde-lo,
é certo que com nova moeda perderiam pelo menos transitoriamente
em relação a moedas estrangeiras, o que importaria
fundamentalmente a quem exporta capital, mas isto do ponto de vista do
país seria benéfico. Internamente o seu valor seria o do poder de
compra da nova moeda. Aliás o poder de compra do euro já
não falando do dos portugueses é cada vez menor. A nova
moeda permitiria também nestas condições um aumento da
poupança nacional que bem necessária é, em vez de se
escoar para o estrangeiro como areia entre os dedos.
O poder de compra seria drasticamente reduzido
não parece fazer muito sentido esta alegação,
atendendo ao que acontece e às perspectivas futuras, quando já
nem os ministros nem os seus propagandistas conseguem garantir como e quando a
descida do poder de compra para. A única forma do poder de compra subir
é abandonar o euro, promover a produção nacional, reduzir
o desemprego, ter um sistema fiscal não determinado pelos interesses da
finança.
Dizer que passaríamos a viver com 25 ou 40% menos é errado.
É confundir o valor dos bens com a sua expressão
monetária. Os bens transaccionáveis manteriam o seu valor
expresso em euros ou noutra moeda. Põe-se o problema, sim, de como pagar
as importações, que se reduziriam. Mas como paga-las estando na
zona euro? Endividando-nos sem fim.
A questão é, pois, produzir bens transaccionáveis. Ora,
como o euro não o conseguimos, como está mais que provado, a
única forma de o fazer é de facto negociar a saída da zona
euro.
[3]
É evidente que problemas de ordem prática e técnica se
colocam numa substituição da moeda. São questões
técnicas, umas menores como a alteração das caixas
registadoras outras maiores cuja solução reside na
alteração do estatuto e funcionamento do Banco de Portugal
hoje uma espécie de barco encalhado ao sabor das marés da
finança internacional.
Sem dúvida que uma das medidas para defesa da riqueza nacional seria o
controlo e a temporária proibição de
exportação de rendimentos acima de determinados valores.
[4]
Se a UE tivesse soluções há muito que as teria tomado.
Dominada pela superstição neoliberal chegou a este impasse. A
Alemanha já perdeu mais esta guerra pelo domínio da Europa, mas
como dantes quer arrastar todos consigo. Não há que ter
ilusões, Srs. do "federalismo" europeu, para Portugal e outros
países o plano nem sequer passa por "região
autónoma": apenas a servidão neocolonial.
Portugal necessita recuperar urgentemente um desígnio de
independência nacional. A solução para a crise está
no projecto constitucional que traduziu os anseios do povo no tão
almejado 25 de Abril.
O caminho que este governo pretende seguir foi recentemente definido pela
personagem digna de figurar numa história do Tim Tim uma
espécie de Dupond, mas do lado do Rastapopoulos que é hoje
o sr. ministro das Finanças: Diz que a sujeição à
chantagem e à usura é "ganhar a confiança dos
mercados". Pelos vistos a confiança dos portugueses pouco lhe
importa. Quanto aos mercados, riram-se-lhe na cara, aplaudindo as medidas do OE
e aumentando os juros no mesmo dia. Entretanto o primeiro-ministro com
inusitado alheamento das consequências, promete mais austeridade
1 Ver
O Euro e as Escolhas
, 16/Nov/2011
2 O termo "eixo" foi aplicado à aliança das
potências fascistas na II Guerra Mundial.
3 Desde a entrada no euro o crescimento médio anual do PIB entre
2001
e 2010 foi de apenas 0,7%. Em resultado desta "década perdida"
agora teremos como média entre 2001 e 2012 (conforme previsões)
uns 0,15% de média anual. Um total descalabro para a economia nacional.
4 Medidas deste tipo foram comuns mesmo em países desenvolvidos.
Por exemplo, a Inglaterra assim procedeu nos anos 60 do século passado,
no governo do trabalhista MacMillan.
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