Das dívidas de Estado à moeda de Estado
Bruxelas pretende deter as chaves dos cofres estatais dos 17 países do
euro. Só isso pode salvar o euro, dizem eles. O
Tratado do MEE
já foi assinado. Se os parlamentos nacionais o ratificarem isto
será o fim das
nossas democracias soberanas. Será isso o que desejamos? Haverá
alternativa?
Para aqueles que sabem como funciona o sistema do dinheiro, a
solução lógica dos problemas actuais é
relativamente simples (na televisão, pelo menos nos Países
Baixos, o assunto ainda é tabu). Mas se quiser saber como é, eis
aqui uma explicação (e
aqueles que já sabem tudo isso podem passar de imediato para a
parte 2
, A reforma bancária).
1. O sistema actual de dinheiro
Os banqueiros agora têm, em todo o mundo, um sistema de dinheiro que
está baseado na criação do dinheiro a partir do nada
(ex nihilo).
Quase todo o dinheiro nas contas bancárias é vento. Não
há senão uma quantidade muito pequena de dinheiro verdadeiro em
circulação. Como funciona isso?
O banqueiro é um contabilista
Cada vez que um banqueiro concede um empréstimo ele não
está a fornecer dinheiro e sim um haver. O empréstimo não
consiste em nada mais do que números na contabilidade do banqueiro.
Suponhamos que queiras contrair um empréstimo junto ao teu banco, Banco
A.Seco. De um lado o banqueiro inscreve que tu lhe deves 250.000 euros e do
outro lado que ele te deve 250.000 euros. Tu os vês aparecerem na tua
conta. Tu podes gastá-los. Comprar uma pequena casa? Sim, compremos uma
pequena casa.
Suponhamos que entregues um cheque ao vendedor da casa. Este leva este cheque
ao seu banco, o Banco Rougeschild. O banco quer então trocar este cheque
no teu banco, contra dinheiro de verdade é claro. O Rougeschild sabe
como o seu colega tirou os números do chapéu e não se
contenta com vento.
Portanto, agora, o Banco A.Sec deve desembolsar dinheiro de verdade. Contudo,
na prática, a maior parte do tempo isso não é
necessário. É que o Banco Rougeschild também concede
empréstimos continuamente. E uma parte destes empréstimos
são gastos junto a clientes do Banco A.Seco. Portanto, o que se passa
é que o Banco Rougeschild troca o seu crédito de 250.000 sobre o
Banco A.Sec contra um crédito do Banco A.Sec sobre o Rougeschild.
Juros sobre o ar
Deste modo os banqueiros podem colocar sempre mais empréstimos em
circulação. Uma caixa de vento é trocada contra uma outra
e os clientes não notam como são enganados. Pois para estas
caixas de vento é preciso ainda pagar juros.
Apenas para diversão, um exemplo de como os banqueiros criam
milhões sem que haja necessidade de um único cêntimo de
dinheiro verdadeiro. Na realidade é um pouco mais complexo, mas
avancemos assim.
Digamos que haja três bancos, que servem respectivamente 20%, 30% e 50%
da população. Suponhamos que todos os três têm o
mesmo tipo de clientes, que têm as mesmas necessidades em
empréstimos e em despesas. Será demonstrado que todos os
pagamentos que estes bancos deverão fazer no momento em que o tomador
gasta o seu empréstimo serão compensados pelas receitas destas
despesas.
Os tomadores dos empréstimos dos primeiro banco gastam 20% dos seus
empréstimos junto a clientes do seu próprio banco, 30% junto a
clientes do Banco 30% e 50% junto a clientes do Banco 50%. Etc. Se adicionarmos
todas as receitas de todos os empréstimos, cada banco recebeu tanto
quanto criou. Eis que surgem 100 milhões em haveres sobre contas
bancárias sem que um único cêntimo de dinheiro verdadeiro
tenha sido gasto.
Quando se pergunta a banqueiros se eles criam dinheiro do nada, eles geralmente
respondem que não fornecem empréstimos senão quando
têm haveres diante de si. Contudo, estes haveres aumentam apenas pelos
empréstimos que eles concedem.
Tráfego dos pagamentos
Todo o tráfego dos pagamentos passa-se do mesmo modo. Se tu fazes um
pagamento a alguém junto a um outro banco, é o teu banco que deve
pagá-lo ao outro banco. Mas ainda no mesmo dia haverá pagamentos
por clientes do outro banco a clientes do teu banco. Todos estes pagamentos
interbancários são muito simplesmente compensados uns pelos
outros.
Aquilo que os bancos finalmente pagam uns aos outros são as pequenas
diferenças entre os pacotes de pagamentos que entram e que saem. Para
facilitar estas transferências todos os bancos têm uma conta junto
ao banco central. Os montantes nestas contas são considerados como
dinheiro verdadeiro (pois, se quisessem, os bancos poderiam exigir a totalidade
da soma em papel-moeda, uma vez que o banco central está autorizado a
imprimi-lo).
No banco central há uma regra de que a cada noite todos os bancos devem
ter um haver positivo na sua conta. Se um banqueiro está curto (porque
pagou mais do que recebeu nesse dia), ele toma emprestado para essa noite junto
a um colega (que então recebeu um pouco mais do que pagou). E quando os
colegas não têm confiança entre si, como foi o caso aquando
da crise bancária de 2008 e como é novamente o caso desde
há alguns meses, então o banco pode tomar emprestado ao banco
central por um quarto de percentagem a mais.
Banqueiros entre si
Entres eles, os banqueiros acordaram regras sobre o capital mínimo
requerido face aos riscos calculados, como os dos empréstimos em curso.
Este capital é ínfimo comparado aos riscos, mas deste modo a
criação de "dinheiro" a partir do nada é travada
um pouco e os bancos ficam mais alinhados uns com os outros quanto à
concessão de empréstimos. Isto aumenta a confiança
mútua para emprestarem uns aos outros e permite-lhes optimizar as suas
possibilidades de lucro.
Os banqueiros são, antes de mais nada, banqueiros entre si. Quando
clientes dos grandes bancos holandeses, descontentes com pagamentos de
bónus excessivos, transferiam maciçamente o seu dinheiro para o
Triodos (um banco conhecido por investir em projectos que dão boa
consciência), este dinheiro faltava aos grandes bancos. Felizmente o
Triodos não era desagradável e muito simplesmente emprestava o
dinheiro a estes mesmos grandes bancos. (Infelizmente não existem bancos
éticos, quando muito bancos com ares simpáticos. Mas com um tal
sistema de dinheiro não se pode esperar algo melhor, não
é?)
Mas desde que nuvens ameaçadoras se apresentem no horizonte e que haja
riscos de grandes perdas para os bancos, a confiança mútua
desaparece imediatamente. Então, cada banqueiro tenta safar-se por si
mesmo. Cada um deles tenta então aumentar as suas reservas de caixa e
minimizar os riscos. Resultado: durante meses as empresas já não
recebem mais créditos e as vagas de despedimentos e falências
recomeçam a devastar o país. E se a borrasca permanecer, isso
pode até durar anos. Maravilhoso sistema bancário!
Os montantes movem-se de uma conta para outra
Retornemos à nossa casa vendida. Portanto, o vendedor agora
dispõe de 250.000 tirados do ar, que ele por sua vez dispende. Deste
modo este chamado dinheiro vai de uma conta para a seguinte. Portanto, mesmo
que nunca tenha contratado crédito, na sua conta há apenas o ar
que recebeu pelo seu trabalho ou por bens que vendeu. Se, por exemplo, estiver
no banco ING, o maior banco dos Países Baixos, este dispõe apenas
de 3 cêntimos de dinheiro verdadeiro por cada euro de haver na sua conta.
Cada vez menos dinheiro no bolso
De facto, apenas com o ar eles incharam estes três cêntimos e
multiplicaram-nos por 33. Quando você deposita uma nota de 100 euros no
ING para creditar a sua conta, ele concede empréstimos de até
3300 euros. Dito por outras palavras, para cada euro que mantemos no nosso
bolso, os bancos ganham um múltiplo em juros.
Talvez compreenda agora porque os bancos nos induzem a pagar cada vez mais
coisas electronicamente. Os cartões de crédito, os cartões
de débito, os cartões de combustíveis, os cartões
de pré-pagamento, os cartões para transportes públicos, os
cartões para pagar parqueamentos, eles não servem senão
para uma coisa: assegurar que tenhamos a mínima necessidade
possível de cash.
Entretanto, há um reverso da medalha. As reservas de caixa (a notas de
banco e o saldo permutável no banco central) não servem
senão para fornecer cash aos clientes e para acertar as pequenas
diferenças entre pagamentos que entram e que saem. Elas são as
primeiras reservas para absorver perdas. Mas, como as receitas crescem
desproporcionalmente baixando a percentagem de reservas de caixa, a
tentação de assumir mais riscos é grande. Assim, nosso
dinheiro de plástico moderno contribui para o comportamento
temerário dos nossos banqueiros na concessão de
empréstimos.
Observemos o que se passa quando se leva uma nota de 100 euros ao banco par
creditar na nossa conta. Como se disse, a 3% de reserva de caixa o banco
não dispõe senão de 3 cêntimos para cada euro na sua
conta.
Depósito
|
Reserva de caixa
|
Emprestar
|
Criação de dinheiro
|
A 5% de juros
|
100
|
10%
|
90%
|
900
|
45
|
100
|
9%
|
91%
|
1001
|
51
|
100
|
8%
|
92%
|
1150
|
58
|
100
|
7%
|
93%
|
1330
|
67
|
100
|
6%
|
94%
|
1560
|
78
|
100
|
5%
|
95%
|
1900
|
95
|
100
|
4%
|
96%
|
2400
|
120
|
100
|
3%
|
97%
|
3200
|
160
|
100
|
2%
|
98%
|
4900
|
245
|
100
|
1%
|
99%
|
9900
|
495
|
Na coluna da direita vê-se que as receitas aumentam desproporcionalmente
à medida que a reserva de caixa diminui. E inversamente se
com um mesmo montante de reserva de caixa o banco quisesse retornar de 3% a 4%,
ele deveria reduzir os empréstimos em curso em um quarto...
Todos os montantes são temporários
Em momentos acordados você deverá reembolsar o haver que recebeu
do banqueiro A.Seco. De todo o dinheiro em curso, você deve tentar obter
bastante para pagar estes reembolsos. O banqueiro A.Seco escreverá
então na sua contabilidade que o montante que você lhe deve
diminuiu e diminui o montante que você lhe deve. Você vê o
montante desaparecer da sua conta. Os haveres criados desaparecem assim da
circulação. Isso portanto provoca uma diminuição da
quantidade de "dinheiro" no país.
Os juros
Os juros que você paga não desaparecem da
circulação. É com eles que o banqueiro paga todas as
despesas (tais como juros, seguros, pessoal, manutenção, facturas
de sub-contratados que tratam dos pagamentos via internet, etc) e o capital
é o capital é elevado novamente de modo a que ele possa emprestar
ainda mais da próxima vez.
A "massa de dinheiro" deve crescer
O risco clássico para o banqueiro é que os tomadores de
empréstimos não reembolsem senão parcialmente, ou
não reembolsem de todo. E quando a hipoteca é insuficiente,
é ele que fica com aborrecimentos na sua contabilidade, ou seja, com
montantes que deverá cedo ou tarde registar como perdas.
Para diminuir o risco de incumprimentos de pagamentos os bancos fazem com que
haja cada vez mais empréstimos em curso. Pois quanto mais
"dinheiro" chega à circulação, menos ele vale.
É a bem conhecida inflação. O montante que o tomador do
empréstimo deve reembolsar está fixado. E como este montante
diminui em valor durante o período do crédito, o tomador pode
ganhá-lo mais facilmente. Se ele tem de pagar juros de 6% e a
inflação é de 2%, o encargo dos juros é 1/3 menor
[v. gráfico na parte 3 de
"Segredos do dinheiro, dos juros e da inflação"
]. Assim, o número de incumprimentos de pagamentos é reduzido
consideravelmente.
A propósito: esta vantagem para os tomadores dos empréstimos
corresponde exactamente à diminuição do valor do dinheiro
para os utilizadores. De facto, como utilizadores eles também pagam uma
parte dos juros.
Trabalhar sempre mais
É esta mesma inflação que faz com que tenhamos de
trabalhar sempre mais. Cada vez que mais "dinheiro" chega à
circulação temos de tentar ganhar mais, se não quisermos
empobrecer.
Naturalmente, um banco central nunca dirá que o crescimento do dinheiro
é uma necessidade para os banqueiros. O pretexto oficial é que a
inflação contribui para mais actividade económica.
E isso, por sua vez, está na origem da crença amplamente
generalizada de uma economia deve crescer para ser saudável. Um conto de
fadas muito perigosa. O crescimento eterno é impossível numa
Terra finita. E quanto mais continuarmos, mais destruiremos. O que se pode
dizer é que um sistema de dinheiro que tem necessidade de uma massa de
monetária crescente para poder funcionar não é adequado a
uma sociedade durável.
As dívidas de Estado
Nosso governo dispõe de "dinheiro" pela
tributação. Com isso ele financia coisas que são
importantes para todos nós, como diques, estradas, pontes, escolas,
hospitais, polícia, exército, etc. Acontece regularmente que o
governo faz despesas antes de ter arrecadado os impostos correspondentes. No
sistema actual o governo deverá então tomar dinheiro emprestado e
pagar juros por eles. É bem conhecida a dívida de Estado
(também chamada dívida pública). Podemos estar habituados,
mas isso é de facto alguma coisa de estranho. Pessoas na comunidade
executam tarefas para a comunidade, toda a gente é paga pela sua
contribuição e a seguir resta uma dívida. E sobre esta
todos nós através dos impostos suplementares pagamos
juros.
Criação de dinheiro por bancos privados
Isso é causado exclusivamente pelo facto de que no passado os
representantes do povo cederam a criação de dinheiro a banqueiros
privados. Isso aconteceu no tempo em que ainda se dava muito valor ao conto de
fadas de que só banqueiros podiam manter em ordem a gestão
monetária. Se o governo pusesse o dinheiro em circulação,
isso levaria certamente a um desastre!
Uma democracia sem dinheiro próprio
O resultado é que continuamos a afirmar que vivemos numa democracia,
quando um dos atributos importantes da nossa sociedade, a criação
de dinheiro, caiu nas mãos de banqueiros privados. Mesmo que os
administradores do Banco de Portugal (banco central) sejam nomeados pelo
governo, estes administradores não recebem ordens. O Banco é
independente do governo. Outrora ele determinava igualmente a taxa de juro de
modo autónomo, como se dizia "no interesse da economia". Agora
isso é feito pelo Banco Central Europeu (BCE), de que os 17 bancos
centrais da zona euro são proprietários e administradores.
Uma taxa de juros para todos
O BCE comprometeu-se com o desafio impossível de determinar uma taxa de
juros para os 17 países diferentes, com economias completamente
diferentes e que têm possibilidades de produtividade muito diferentes.
Naturalmente, é quase impossível fixar uma taxa de juro que tenha
um efeito óptimo para todos os países. Uma mudança da taxa
não pode trazer efeitos benéficos senão para um ou alguns
países. E os outros países aguentam as consequências.
O euro, a experimentação monetária mais cara da
história
O euro provavelmente entrará na história como a
experimentação mais cara já alguma vez existiu. Desde o
começo do projecto, em 1970, já se sabia que ele estava votado ao
fracasso, mas banqueiros e políticos obstinados avançaram apesar
de tudo. O problema é que uma moeda única só pode
funcionar numa zona económica homogénea.
[1] [2] [3]
Eis a razão:
Quando consumidores, nos países com possibilidades de produtividade mais
reduzidas, preferem comprar produtos de importação menos caros e
melhores, a dívida externa aumenta. Ao mesmo tempo, a produtividade no
país diminui. Um país que dispõe da sua própria
moeda pode então desvalorizá-la. Isso torna os produtos de
importação mais caros para a sua própria
população e os produtos de exportação menos caros
para os compradores estrangeiros. Assim a dívida diminui e a
produtividade aumenta. As desvalorizações eram muito habituais
antes da introdução do euro. Hoje os países menos
produtivos são como ratos numa armadilha. Eles jamais poderão
sair das dívidas. É por isso que o método que se lhes
aplica, de cumular estes países com dívidas ainda mais elevadas,
é estranho e malsão.
O euro acoplado à adesão à União Europeia
Os banqueiros conseguiram fazer com que os países não possam sair
do euro sem sair da União Europeia. Pois bem, serão "duas
moscas com um só golpe".
A UE
Cada vez mais pessoas compreendem que a União Europeia é muito
menos democrática e social do que desejam os cidadãos da Europa.
Se bem que isso fosse o caso desde o início, muitos não viram
senão há pouco que o Parlamento Europeu não passa de um
simulacro e não um parlamento com um poder democrático. As
pessoas percebem cada vez mais que a Comissão Europeia (CE) e o Banco
Central Europeu puxam todo o poder para si. Da mesma forma, para a CE e o BCE,
o novo tratado europeu do MEE
[4]
será o aríete para marginalizar todos os parlamentos nacionais.
Para eles, a ratificação deste tratado parece estar no bolso pois
a maior parte dos deputados ainda dormem e não podem acreditar nisso (ou
será que são cúmplices?).
A União Europeia tem como princípio assente a economia de mercado
livre. Quase todo o mundo compreendeu entretanto que a
desregulamentação dos bancos, a privatização das
infraestruturas e a abolição das tarefas governamentais conduzem
a uma sociedade dura e devastada por crises. Estes princípios
estão ultrapassados. Os defensores destes princípios não
poderão impô-los senão com a violência. A
Grécia não será a última vítima.
O cenário do FMI
A CE e o BCE agora cooperam com o FMI para esmagar países demasiado
endividados sob dívidas ainda mais pesadas. O cenário para tomar
o poder foi aplicado muitas vezes pelo FMI durante estes últimos
cinquenta anos. Isso desenrola-se assim: começa-se por manobrar um
país para dificuldades e, desde que ele se encontre endividado, é
esmagado sob dívidas suplementares tais que este não podem nem
mesmo pagar mais os juros
[NR]
. Em seguida mantém-se o país sob tutela e toma-se o cuidado de
enfraquecer o governo tanto quanto possível impondo-lhe cortes
orçamentais cada vez maiores. Com medidas de austeridade, fazem sangrar
a população como quiserem. E uma vez que as coisas estejam bem
desregulamentadas, vender-se-ão as riquezas do país a
investidores estrangeiros e será introduzida uma economia de mercado
totalmente livre.
Nós tambem
Quem reflectir um pouco vê que com o cenário dos fundos de socorro
todos os países da zona euro se encontram endividados. Isso
também está previsto no cenário criminoso. Os
empréstimos maciços servem primeiro para poder colocar um
país sob tutela. Uma vez que isso é feito, eles podem declarar
que o país jamais poderá reembolsar as suas dívidas.
Prosseguindo, eles podem manobrar as vítimas seguintes para as
dívidas. Estas são os governos que garantiram os
empréstimos. Eles deverão cortar suas despesas para pagar as
perdas. E para todos os países a mesma receita será repetida, que
os governos deverão reduzir, reduzir, reduzir suas despesas. Até
que quase nada reste do papel e da função do governo nacional e
que Bruxelas possa tomar o poder. Naturalmente, isso será acompanhado de
enormes perturbações sociais. Vocês podem ler o resto no
livro de Naomi Klein,
A estratégia de choque (The Shock Doctrine).
2. A reforma bancária
A moeda de Estado
A solução é simples. Ao invés de gastar milhares de
milhões de euros suplementares para cada euro que está destinado
a desaparecer cedo ou tarde e ao invés de aceitarmos receitas de medidas
de austeridade por parte da Comissão Europeia e do Banco Central
Europeu, organismos não democráticos, podemos introduzir uma
moeda de Estado.
Tecnicamente isso é relativamente simples de realizar. No lugar do banco
central actual haverá um novo banco central do Estado. Este
ficará sob a responsabilidade do Ministério das Finanças e
será controlado pelo Parlamento. Uma comissão de pessoas bem
formadas velará pelos interesses a longo prazo do sistema de dinheiro.
O banco do Estado será o único habilitado a criar dinheiro. Todos
os empréstimos serão fornecidos em dinheiro de Estado, quer seja
sob forma electrónica ou em espécie. Será proibido aos
bancos comerciais e às instituições financeiras criar
haveres a partir do nada. Todos os novos haveres deverão ser cobertos a
100% por dinheiro do Estado. Quanto aos empréstimos em curso no momento
da reforma, os bancos que os emitiram permanecerão responsáveis
até o seu reembolso pelos tomadores. Desde que queiram, os bancos
comerciais poderão tornar-se intermediários entre o banco do
Estado e o público para o fornecimento de crédito e
poderão gerir as contas dos clientes em nome do banco do Estado. Neste
caso, para o público, nada muda nas suas contas existentes. Os haveres
em euros serão transformados à razão 1:1 em moeda de
Estado. Como intermediários, os bancos não receberão
juros, mas uma comissão pelos seus serviços.
Emissão da moeda de Estado
A emissão de moeda de Estado proporciona uma quantidade
comparável de euros. Estas poderão ser guardas pelo banco de
Estado para o pagamento de dívidas e igualmente como reserva
estratégica gigante. Não me parece impensável que num
momento ou outro a nova moeda de Estado possa ser atacado nos mercados de
câmbio. Seremos praticamente o único país do mundo que
terá o seu próprio dinheiro de Estado e os poderosos banqueiros
privados não ficarão muito satisfeitos connosco.
Não à austeridade
As causas das medidas de austeridade são os empréstimos
gigantescos com que o FMI, a CE e o BCE carregaram deliberadamente a
Grécia, quando o país já afundava sob demasiadas
dívidas. Era previsível que após a tomada de poder estes
empréstimos seriam declarados irrecuperáveis a qualquer momento e
que as perdas cairiam sobre as costas dos cidadãos dos outros
países da zona euro.
Não há muito tempo, o fundo de socorro elevava-se a 440 mil
milhões de euros. Equivalia em média a 1320 euros por
cidadão euro. Em 27 de Outubro de 2011 não restavam senão
250 mil milhões, quando os chefes de governo da zona euro decidiram
passá-lo a 1000 mil milhões de euros graças a um truque de
contabilidade (sim, a fórmula do ar). Naturalmente, agora somos fiadores
destes 1000 mil milhões ou, para dizer de outro modo, uma média
de 3300 euros para cada euro cidadão. Quando o próximo fundo de
socorro, o MEE, for ratificado pelos Parlamentos nacionais,
acrescentar-se-á uma obrigação de 700 mil milhões
(2100 euros em média por cidadão euro). Em seguida, este fundo
MEE poderá ser elevado até o infinito sem necessidade de
aprovação dos parlamentos nacionais.
Portanto, a causa das medidas de austeridade não está ligada
à situação de cada país da zona euro. É
claro que cada um deles tem seus problemas particulares que requerem medidas
apropriadas, mas isso não significa necessariamente que devamos
renunciar ao nosso governo, às nossas conquistas sociais, culturais e
outras.
Acabar com o euro, acabar com a UE e acabar com as medidas de austeridade
Caixas de aposentação
Você pode poupar dinheiro durante a sua vida para a sua reforma, mas
aquilo que poderá fazer dependerá em grande medida da
situação que houver quando chegar esse momento. Já antes
de 1980 era claro que cerca de 2015 devia chegar uma enorme vaga grisalha com
pessoas de 65 anos e mais, face à qual haveria uma
população activa cada vez mais reduzida. As caixas de
aposentação deram a entender aos seus contribuintes a falsa ideia
de que disporiam de uma pensão com valor garantido, algo que nunca
deveriam ter prometido diante desta situação previsível.
Para as gerações anteriores de reformados a
situação era muito diferente. Graças a uma
relação muito favorável entre poucos reformados e uma
grande população activa, as reformas podiam, por assim dizer, ser
pagas directamente pelas contribuições da população
activa. Estes tempos estão ultrapassados.
As caixas de aposentação complementar geralmente investiram uma
parte das contribuições pagas em obrigações de
Estado. Consequentemente, de facto, uma parte das reformas já é
paga neste momento por nossos impostos. Uma outra parte provém dos
investimentos no estrangeiro. Dito de outra forma, dos lucros de empresas no
estrangeiro. Dito ainda de outro modo, do facto de que trabalhadores alhures no
globo executam uma parte do seu trabalho para pagar as nossas reformas.
Portanto, uma espécie de colonialismo financeiro.
Pessoalmente, eu preferiria que tomássemos cuidado de nós mesmos
e cuidássemos nós próprios das nossas pessoas idosas. Na
minha opinião, há muitas possibilidades para isso, se dirigirmos
rumo à sustentabilidade e cooperação, ao invés da
competição e dos ganhos financeiros.
Sistema de dinheiro menos caro
O sistema de dinheiro de Estado pode funcionar de modo bem mais barato que o
sistema de dinheiro privado que temos hoje. Em primeiro lugar, todos os juros
para a caixa do Estado e beneficiam assim a colectividade. Os juros
poderão permanecer mais baixos, uma vez que o banco de Estado não
tem necessidade de ganhar lucro (nada de grandes salários para os
financial boys,
nada de bónus, nada de construção onerosa de capitais).
O banco de Estado não tem necessidade de um capital próprio, uma
vez que o dinheiro pertence à colectividade. De facto, somos todos
nós que garantimos o valor do nosso dinheiro. Os incumprimentos de
pagamento poderão ser tratados da mesma maneira que as dívidas
fiscais.
Dinheiro permanente
Actualmente todo o dinheiro em circulação consiste de
empréstimos em curso, que deverão ser substituídos o tempo
todo. Entretanto, para diminuir as necessidades de empréstimos, o banco
de Estado poderá deixar permanentemente em circulação uma
parte do dinheiro total (isto deveria ser acompanhado por medidas fiscais
apropriadas). No novo sistema o governo pode muito facilmente realizar este
fundo de dinheiro permanente fazendo despesas numerosas (= por dinheiro em
circulação) sem cobrar os impostos correspondentes.
Inflação
E si mesmo, o sistema de dinheiro de Estado não experimenta necessidade
de inflação. Ele pode continuar a funcionar perfeitamente mesmo
em períodos de deflação. Os tomadores de
empréstimos não terão mais a vantagem relativa da
diminuição de valor dos seus reembolsos. Em contrapartida, as
despesas com juros poderão ser mais baixas e para investimentos
democraticamente desejados elas poderão ser suprimidas na totalidade (e
se as taxas de juro baixas causassem problemas no contexto internacional, o
encargo dos juros poderia ser compensado fiscalmente, totalmente ou
parcialmente).
Dívidas de Estado
A dívida de Estado (dívida pública) actual foi causada por
despesas do governo para as quais os impostos não haviam sido
arrecadados previamente. A dívida de Estado pode ser suprimida
tão logo quanto possível com a moeda de Estado recém
criada. Isso trava os pagamentos dos juros. Em seguida, o conceito de
dívida de Estado poderá lançado no caixote de lixo uma vez
que o Estado, em caso de necessidade, poderá dirigir-se ao seu
próprio banco. Para as ultrapassagens do orçamento os casos
permitidos e os limites poderão ser descritos, assim como as
condições para excepções, para o que podemos pensar
numa maioria parlamentar necessária de dois terços. As regras
poderão ser ancoradas na constituição.
Influência democrática
A menor influência dos banqueiros sobre a forma da nossa sociedade
dará lugar a mais influência democrática. Isso
proporcionará a possibilidade de encetar a transição para
uma sociedade duradoura. O esclarecimento, o interesse e a
concertação da população serão de grande
importância para realizá-la. Para isso, melhorias das estruturas
democráticas poderão ser necessárias.
Europa
A União Europeia oferece a cada dia mais facilidade para o
comércio internacional. Mas será que agora o preço
não se torna demasiado elevado? Será que queremos trocar nossas
democracias soberanas pela governação ditatorial da
Comissão Europeia, que quer cortar até o osso todas as nossas
conquistas e transformar a nossa sociedade em terrenos de jogos financeiros?
Pessoalmente, penso que tais facilidades são pagas demasiado caro.
Por outro lado, a cooperação com nossos parceiros europeus
não será travada quando deixarmos a UE. A
cooperação verdadeira é baseada no comércio, na
industria e sobretudo o que serve interesses mútuos.
Notas e referências:
[1] Nos estudos científicos sobre as "optimum currency areas"
(regiões óptimas para uma moeda) podemos distinguir estudos
centrados sobre as condições necessárias e aqueles
posteriores a 1970 (quando políticos haviam decidido que queriam uma
moeda única), que são mais centrados sobre os custos e
benefícios.
Roman Horvath e Lubos Komarek em "OPTIMUM CURRENCY AREA THEORY: AN
APPROACH FOR THINKING ABOUT MONETARY INTEGRATION" (2002) (ver abaixo
tradução em português)
"It is possible to distinguish two major streams of the optimum currency
area literature. The first stream tries to find the crucial economic
characteristics to determine where the (illusionary) borders for exchange rates
should be drawn (1960s-1970s). The second stream (1970s-till now) assumes that
any single country fulfills completely the requirements to make it an optimal
member of a monetary union. As a result, the second approach does not continue
in the search for characteristics, identified as important for choosing the
participants in an optimum currency area. This literature focuses on studying
the costs and the benefits to a country intending to participate in a currency
area."
"É possível distinguir duas correntes principais na
literatura sobre as regiões óptimas para uma moeda. A primeira
corrente tenta encontrar as características económicas cruciais
para determinar onde as (ilusórias) fronteiras para taxas de
câmbio deveriam ser estabelecidas (1960s-1970s). A segunda (1970s
até agora) assume que qualquer país único preenche
totalmente as exigências para torná-lo um membro óptimo de
uma união monetária. Em consequência, a segunda abordagem
não continua a pesquisa por características, identificadas como
importantes para escolher os participantes numa região óptima
para uma moeda. Esta literatura centra-se no estudo dos custos e
benefícios para um país que pretende participar numa união
monetária".
http://wrap.warwick.ac.uk/1539/1/WRAP_Horvath_twerp647.pdf
, page 7.
Friedman descreve as vantagens dos câmbios flexíveis como se
segue: "Como se constata habitualmente, os preços e os
salários num país são relativamente rígidos e
[estes] factores são imóveis entre países. Em
consequência, por ocasião de uma procura negativa ou de um choque
no abastecimento, o único instrumento para evitar uma maior
inflação ou desemprego é uma mudança na taxa de
câmbio flexível (o que quer dizer revalorizar ou desvalorizar a
moeda). Isso trará a economia de volta ao equilíbrio interno e
externo inicial. (...) Sob o regime de taxas de câmbio fixas, haveria
sempre o impacto desagradável do desemprego ou da
inflação".
http://wrap.warwick.ac.uk/1539/1/WRAP_Horvath_twerp647.pdf
, page 8.
[2] Yrd. Doç. Dr. Hüseyin Mualla YÜCEOL, Mersin
Üniversitesi Ýktisadi ve Ýdari Bilimler Fakültesi,
Maliye Bölümü, dans "WHY THE EUROPEAN UNION IS NOT AN
OPTIMAL CURRENCY AREA: THE LIMITS OF INTEGRATION" (« POURQUOI L'UNION
EUROPÉENNE N'EST PAS UNE REGION DE MONNAIE OPTIMALE : LES LIMITES D'UNE
INTÉGRATION »)
"A Europa não é uma região de moeda óptima.
Contudo, e 1 de Janeiro de 1999 onze países da UE arrancaram com uma
União Monetária Europeia adoptado uma moeda partilhada, o euro,
apesar de a UE não responder a todos os critérios para uma
região monetária óptima. Além disso, aderir
à UE não é a mesma coisa que aderir ao euro, tanto para os
antigos como para os novos membros".
http://eab.ege.edu.tr/pdf/6_2/C6-S2-M6.pdf , page 66
[3] Paul de Grauwe, partes de um discurso (ver abaixo tradução em
português):
"With up to twenty-seven members instead of the present twelve, the
challenge for ensuring a smooth functioning of the enlarged Eurozone will be
daunting. The reason is that in such a large group the probability of what
economists call 'asymmetric shocks' will increase significantly. This means
that some countries may experience a boom and inflationary pressures while
others experience deflationary forces. If too many asymmetric shocks occur, the
ECB will be paralyzed, not knowing whether to increase or to reduce the
interest rates. As a result, member countries will often feel frustrated with
the ECB policies that do not (and cannot) take into account the different
economic conditions of the individual member countries. This leads us to the
question whether the enlarged EMU will, in fact, be an optimal currency
area." (...)
"If a country is hit by negative shocks brought about by agglomeration
effects, the wage cuts necessary to deal with these shocks will inevitably be
very large. To give an example: If Ford Motor were to close down a plant in
Belgium and to invest in Poland instead, the wage cut of Belgian workers that
would convince Ford Motor not to make this move would have to be 50% or more
given that the wage not feasible, then flexibility dictates that the Belgian
workers be willing to move."
"Com 27 membros ao invés dos 12 actuais, o desafio de assegurar um
funcionamento suave da Eurozona ampliada será assombroso. A razão
é que num grupo tão vasto a probabilidade do que os economistas
chamam de "choques assimétricos" aumentará
significativamente. Isto significa que alguns países podem experimentar
um boom e pressões inflacionárias ao passo que outros
experimentam forças deflacionárias. Se ocorrerem demasiados
choques assimétricos, o BCE será paralisado, não sabendo
se deve aumentar ou reduzir as taxas de juro. Em consequência,
países membros muitas vezes sentir-se-ão frustrados com
políticas do BCE que não levam (e não podem) em
consideração as diferentes condições
económicas dos países membros individuais. Isto leva-nos à
questão de se a UME ampliada será, de facto, uma região
monetária óptima". (...)
"Se um país for atingido por choques negativos provocados pela
aglomeração de efeitos, os cortes salariais necessários
para tratar estes choques serão inevitavelmente muito amplos. Para dar
um exemplo: Se a Ford Motor fosse encerrar uma fábrica na Bélgica
e investir na Polónia em substituição, o corte salarial de
trabalhadores belgas que convenceria a Ford Motor a não fazer este
movimento teria de ser 50% ou mais. Como isto não é
factível, então a flexibilidade determina que os trabalhadores
belgas estariam dispostos a mudar-se".
mostlyeconomics.wordpress.com/...
[4]
MEE, o novo ditador europeu (artigo):
http://resistir.info/europa/novo_ditador_europeu.html
MEE, o novo ditador europeu (vídeo legendado em português):
http://www.youtube.com/watch?v=EIHC34exwZ4&feature=player_embedded
MEE, um golpe de estado em 17 países:
http://resistir.info/europa/17_golpes_de_estado.html
[NR]
Só de juros Portugal terá de pagar 34,3 mil milhões de euros pelos 78 mil milhões de euros do empréstimo do FMI-BCE-UE
. Ou seja, terá de pagar um total de 112,4 mil milhões
(juros+principal).
[*]
Investigador independente.
A reprodução deste artigo é livre, de preferência
com link para o original. O autor pode ser contactado via
www.courtfool.info/fr_contact.htm
O original encontra-se em
http://www.courtfool.info/fr_Des_dettes_d_Etat_au_franc_d_Etat.htm
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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