Poderá a Europa escapar à armadilha da dívida? Sim
e eis como
por Costas Lapavitsas e Andy Storey
[*]
Os mercados financeiros tiveram êxito ao pedirem a
imposição de austeridade severa na periferia da eurozona
Grécia, Irlanda e Portugal para tratar da dívida
pública. Os mercados também manifestaram
preocupações acerca disso nos Estados Unidos, Grã-Bretanha
e Japão, clamando por austeridade. A dívida pública parece
operar como uma máscara por trás da qual jaz um sombrio mundo de
credores para cuja manutenção economias inteiras são
hipotecadas.
Poderá esta máscara ser levantada? Ela o foi em outros
países, através do mecanismo de uma
auditoria da dívida
.
Iniciativas como esta aconteceram no Brasil, Equador e alhures a fim de
desembaraçar a teia de segredo em torno da dívida e verificar
quem emprestou a quem, quando e para que propósito. Tipicamente,
há uma expectativa de que
pelo menos uma parte da dívida
venha a
ser considerada "ilegítima" e portanto possa ser repudiada.
O Equador proporciona um exemplo gritante. Em 2007
o presidente Correa constituiu uma comissão de auditoria da dívida
, a qual em 2008
informou que uma parte da dívida do país era na verdade
ilegítima e havia feito "dano incalculável" ao povo e
ao ambiente do Equador. O preço da dívida ilegítima a
seguir entrou em colapso nos mercados abertos e o Equador livrou-se dela
facilmente.
Apesar das previsões de desastre económico o país registou
crescimento económico de 3,7% em 2010 e a previsão é de um
crescimento de mais de 5% em 2011. A importância do exemplo equatoriano
para os debates actuais na Europa é óbvia.
Eis porque foi lançada em Março uma
campanha para uma comissão grega de auditoria
com apoio de organizações
civis, sindicais e partidos políticos. Um dos seus maiores êxitos
foi o documentário
Debtocracy
, o qual foi assistindo por um milhão de pessoas. Num país que se
sente humilhado e deprimido,
a campanha
apresentou um pouco de
esperança. Tamanho foi o seu apelo popular que, numa
observação singularmente mal considerada, um ministro denunciou-o
por considerar a Grécia como equivalente a "repúblicas de
bananas da América Latina".
Num exemplo de solidariedade europeia, várias entidades incluindo
Action from Ireland
, a
Irish Debt and Development Coalition
e o sindicato
Unite
,
estão, no dia 4 de Maio, a lançar uma auditoria da dívida
na Irlanda. Académicos com experiência e ciências
económicas, finanças, direitos e disciplinas relacionadas
estão a ser designados para vasculhar as contas públicas a fim de
enfrentar várias questões. A quem é a dívida da
banca? Quando foi contratada? Especificamente, foi antes ou depois de ter sido
emitida a garantia bancária do governo de Setembro de 2008? Quando
são os reembolsos da dívida? Quanto já foi reembolsado e a
quem?
Enquanto isso a campanha grega está a dar passos para arrancar com as
suas próprias investigações. Qual é o estatuto
legal da dívida contraída com os bons serviços da
Goldman Sachs
que apresentou a contratação do empréstimo
público como uma transacção de derivativos? Quão
legal é a dívida financiar novas compras de armas num dos
países mais militarizados do mundo? Acima de tudo, quão
legítimo é o empréstimo extraordinário de 110
mil milhões da União Europeia e do Fundo Monetário
Internacional que se afirma ser necessário para "salvar" o
país ao preço de feroz austeridade nas despesas
públicas? O empréstimo não seguiu o procedimento normal
para a contracção de dívida pública, incluindo a
aprovação do parlamento da Grécia.
Estas investigações preliminares estabelecerão factos para
promover o pedido de uma auditoria democrática plena e de uma resposta
soberana à dívida. O que é necessário em
última análise é o pleno acesso aos dados da
dívida, o poder de examinar testemunhas e mesmo a capacidade de examinar
contas bancárias. Sobre esta base, comissões de auditoria
constituídas adequadamente poderiam fazer recomendações
críveis sobre a dívida que é ilegítima ou
simplesmente insustentável. O estado soberano poderia então
efectuar as acções apropriadas, incluindo o repúdio da
dívida e a cessação de pagamentos.
A campanha por auditorias da dívida também terá uma
importante função educacional a desempenhar através da
Europa. Povos nos países centrais, incluindo a Alemanha, parecem ainda
não ter percebido que os empréstimos proporcionados pela UE e o
FMI não estão a salvar mediterrâneos e celtas
irresponsáveis. Eles estão de facto a
salvar bancos
que se
empenharam em empréstimos lucrativos e irresponsáveis no decorrer
dos anos 2000. E este será o tema de uma
reunião de activistas em Atenas
de 6 a 8 de Maio. Participantes de todo o mundo trocarão ideias
sobre como enfrentar a dívida pública europeia. Após mais
de três anos de crise, movimentos da base estão pelo menos a
emergir para se oporem à dominação da dívida, da
austeridade e do neoliberalismo por toda a Europa.
04/Maio/2011
O original encontra-se em
www.allvoices.com/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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