As verdadeiras causas da catastrófica crise na Grécia e a
"esquerda"
Atenção: Onde se lê "Grécia"
também se pode ler "Portugal"; onde se lê
"Syriza" também se pode ler "BE"
1. A integração da Grécia na União Europeia
é a verdadeira causa da sua crise catastrófica
A quase total destruição das classes mais baixas na Grécia
não se deve às causas que lhe são atribuídas
habitualmente pela "esquerda".
[1]
Na realidade, contrariamente às "explicações"
mistificadoras apresentadas por essa esquerda e também pela direita, a
verdadeira causa é a plena integração da economia grega na
globalização neoliberal, através da sua entrada na UE. Foi
isso que determinou a total transformação da Grécia num
protectorado económico e político da Elite Transnacional.
[2]
O catalisador para esta crise foi o incumprimento não oficial da
Grécia que, no entanto, foi apenas a consequência da
destruição da sua estrutura de produção, em
resultado da abertura e da liberalização de mercados impostas
pela UE, decorrente da entrada da Grécia em 1981. Portanto, não
é de admirar que tanto a esquerda (com exclusão da esquerda
comunista) como a direita na realidade, todo o
establishment
grego estejam plenamente unidas em não contestar a principal
causa da actual destruição económica: o facto de a
Grécia ser membro da UE.
Por outras palavras, contrariamente às mistificadoras promessas
pré-eleitorais do SYRIZA (que é uma parte orgânica da
euro-esquerda que acaba de escolher o seu líder, A. Tsipras, como
candidato para presidente da Comissão da UE), não é
possível que um estado-membro da UE/UEM possa recusar-se a aplicar as
políticas impostas pela globalização neoliberal, como a
História confirma com Mitterrand, Lafontaine, Hollande e outros.
É igualmente enganador afirmar, como faz o SYRIZA, que, se for eleito
para o poder, inverterá a legislação catastrófica
imposta pela famosa 'Troika' (que representa o FMI, a UE e o BCE) nos
últimos três anos.
As promessas mistificadoras acima referidas baseiam-se no mito de que o
neoliberalismo é uma espécie de ideologia errada ou de doutrina
[3]
defendida por "maus" políticos como Thatcher, Merkel, Blair,
etc. No entanto, a globalização neoliberal é, na verdade,
um fenómeno sistémico que significa também que o
crescimento económico dos membros da UE já não assenta
principalmente no mercado interno mas no mercado internacional (dentro e fora
da UE) e que são as Corporações Transnacionais (CTN) que
controlam a produção e o comércio mundiais, e
através da Elite Transnacional
[4]
as instituições políticas, militares e culturais
internacionais.
Assim, só se os governos da UE fossem conquistados pela euro-esquerda e
depois forçassem as CTN com sede na UE a funcionar apenas no interior da
área da UE impondo nesse processo estritos controlos sociais
sobre o movimento de capitais e de mercadorias de outros blocos
económicos (i.e. Extremo Oriente e América) só
então a economia europeia podia ser indiferente ao seu nível de
competitividade e viver no nirvana da euro-esquerda, feliz para sempre. Mas, na
verdade, a UE está a avançar exactamente na
direcção oposta para uma maior integração na Nova
Ordem Mundial definida pela globalização neoliberal! Isso
é claramente visível nas actuais negociações entre
a UE e os EUA para uma Área Transatlântica de Comércio
Livre.
2. A globalização capitalista só pode ser neoliberal
As euro-elites, pura e simplesmente, não podem dar-se ao luxo de perder
mais competitividade. Na verdade, a verdadeira razão para a
criação da UE e, posteriormente, da Zona Euro não teve
nada a ver com os ideais de liberdade, democracia, valores humanos e o resto da
sua ideologia, como demonstra claramente a história da UE. Foi o fosso
crescente na competitividade (em termos de quota da UE nas
exportações mundiais) durante os anos 80, que levou as
euro-elites a acelerar os processos de integração, que na sua
maioria estavam adormecidos até aí. O fracasso económico
da UE ficou a dever-se claramente ao facto de que a competitividade das suas
mercadorias estava a crescer a ritmos muito mais lentos do que a dos seus
competidores, em especial nos países de baixos custos do Extremo
Oriente.
[5]
Como os defensores da UE e da sua integração andavam a afirmar
nessa altura, apenas um mercado de dimensões continentais podia
proporcionar a segurança e as economias de escala que eram
necessárias para a sobrevivência do capital europeu no mercado
global híper-competitivo que estava a surgir na época.
No entanto, apesar do alto grau de integração conseguido pelo
'Acto Único Europeu' nos anos 90, e mesmo apesar da
criação da Zona Euro, o seu declínio na competitividade
continuou. Assim, enquanto a quota das euro-exportações no total
mundial foi de 35,8% em 1990, dez anos depois, tinha caído para 29,7% e
em 2010 ainda tinha caído mais para 26,3%!
[6]
Por outras palavras, em duas décadas, os países da Zona Euro
perderam mais de um quarto da sua competitividade, medida em termos da sua
quota nas exportações mundiais. Embora as euro-elites estejam bem
conscientes de que uma parte significativa da sua 'perda' de
exportações seja na verdade devida à sua
desindustrialização visto que as CTN (muitas delas com
sede nos países metropolitanos incluindo os da Zona Euro) transferiram o
capital industrial para os paraísos de baixos custos da China, da
Índia e outros obviamente isso não serve de consolo aos
seus trabalhadores (e eleitorados), que beneficiam muito pouco (se é que
beneficiam alguma coisa!) com a globalização!
Assim, as actuais políticas da UE não são o resultado de
uma conspiração ou de uma conjura satânica para explorar
ainda mais os trabalhadores europeus mas resultam simplesmente do facto de que
a abertura e a liberalização de mercados exigidas pela
globalização, para que as CTN possam expandir mais as suas
actividades, levaram inevitavelmente às actuais políticas
neoliberais implementadas por todos os países plenamente integrados na
Nova Ordem Mundial. Para falar de modo simples, a globalização
num mundo capitalista só pode ser neoliberal e o resto é
mitologia adoptada pela "esquerda" mundial actualmente falida
com excepção da genuína (mas em contracção)
esquerda anti-sistémica.
3. A competitividade é a regra
Portanto, se aceitarmos a premissa de que as euro-elites não têm
alternativa senão melhorar a sua competitividade dentro da economia
globalizada, a questão que se segue é como melhorar a
competitividade. Há duas maneiras principais para melhorar a
competitividade de um país: ou mudando os preços relativos, i.e.
esmagando os preços das mercadorias produzidas localmente em
relação às produzidas no exterior através do
esmagamento dos ordenados e dos salários, ou melhorando a produtividade
das mercadorias produzidas localmente, o que pode levar a um custo mais baixo
de produção sem reduzir os ordenados e salários reais ou a
melhor qualidade dos produtos, etc.
Mudar os preços relativos segundo a primeira forma é a
solução fácil, porque pode ser implementada, quase duma
só penada, no caso de um país que controla a sua divisa e a
Grécia recorreu repetidas vezes a políticas de
desvalorização no período pós-guerra para melhorar,
temporariamente, a sua competitividade. Mas, no caso em que um país
não controla a sua divisa, como é o caso da Grécia na Zona
Euro, dado o baixo nível histórico da sua produtividade da
mão-de-obra devido à falta de investimento na
investigação e desenvolvimento, a única alternativa
é a política actualmente implementada de esmagar ordenados e
salários na esperança de que o custo de produção
baixe em conformidade. Na verdade, o nível da produtividade da
mão-de-obra grega, por exemplo, tem sido sempre historicamente muito
mais baixo do que a da Zona Euro (em 2006 era apenas 77% da média da
Zona Euro
[7]
), uma coisa que não é assim tão estranha se tivermos em
conta que a proporção de investimentos produtivos em
relação ao PIB é muito mais alta no 'Norte' da Europa do
que no 'Sul' em geral e na Grécia em particular.
Portanto, se partirmos da premissa de que os níveis desiguais de
competitividade e produtividade são inevitáveis numa união
económica como a UE, que é formada por países de
níveis de desenvolvimento muito diferentes (dado que se formaram
historicamente num processo de desenvolvimento muito desigual tal como é
o capitalista), então podemos perceber facilmente as causas da crise em
países como a Grécia. O facto de um país da Zona Euro como
a Grécia, que enfrenta um problema de baixa competitividade, não
poder desvalorizar a sua divisa (i.e. mudar os preços relativos sem a
necessidade de reduzir salários e receitas internas) não é
a causa da crise. Pode ser a causa de uma crise de competitividade semelhante
num país capitalista avançado como a Alemanha mas não num
país como a Grécia em que a baixa competitividade é um
problema de desenvolvimento.
Tanto mais quanto a entrada da Grécia para a UE e posteriormente para a
Zona Euro exacerbou significativamente o problema do desenvolvimento ao
desmantelar efectivamente a estrutura produtiva do país, quando a sua
indústria e agricultura incipientes não foram capazes de competir
com as mercadorias importadas, na sequência da abertura e
liberalização de mercados impostas pelo Mercado Único.
Nestas condições, mesmo a saída da Grécia do Euro e
uma desvalorização do dracma que seria depois reintroduzido,
apenas podiam ter efeitos temporários na competitividade grega, a
não ser que simultaneamente se fizessem maciços investimentos na
sua estrutura produtiva, o que está longe de ser garantido numa economia
de mercado internacionalizada.
4. A UE enquanto mecanismo para transferir excedentes do 'Sul' para o 'Norte'
Por outras palavras, a competitividade no núcleo dos países do
Euro, que se caracterizam por níveis mais altos de produtividade de
mão-de-obra do que no Sul, depende sobretudo de manter sob controlo os
salários e os preços, para que as mercadorias alemãs
continuem a ser competitivas (por causa da sua qualidade mais alta, etc) em
comparação com mercadorias semelhantes produzidas na Ásia
oriental e noutros locais. Por outro lado, a competitividade na periferia
europeia, que engloba países de níveis mais baixos de
produtividade de mão-de-obra, como a Grécia, depende sobretudo da
melhoria da produtividade através de novos investimentos em
Investigação e Desenvolvimento. Assim, o problema da
competitividade no Sul é sobretudo um problema de desenvolvimento e
prende-se com a necessidade de criar uma forte base produtiva, que não
pode ser formada dentro do processo de desenvolvimento capitalista desigual
(tal como hoje), mas dentro de um processo de controlo social da economia para
criar uma economia de auto-suficiência.
No entanto, apesar da diferença fundamental relacionada com as causas de
baixa competitividade entre o 'Norte' e o 'Sul' da UE, no enquadramento da
Europa pós-Maastricht, foi adoptada uma política comum para todos
os países membros uma política que foi determinada pelas
necessidades e pelos interesses do Norte. Assim, o Mercado Único
não significou a unificação de povos, como a propaganda da
UE o apresentou, nem sequer a unificação de estados, mas apenas a
unificação de mercados livres. No entanto, 'mercados livres'
não significavam apenas mercados abertos (i.e. o movimento sem
inibições de mercadorias, capitais e mão-de-obra) mas
também mercados flexíveis (i.e. a eliminação de
quaisquer obstáculos na livre formação de preços e
salários), assim como a restrição do papel do estado no
controlo da actividade económica, o que implica a drástica
restrição do elemento da 'economia nacional'.
Foi esta a essência da globalização neoliberal que
caracterizou o novo enquadramento institucional da UE, i.e. que o controlo
estatal do mercado interno de cada estado membro (que ficou drasticamente
restrito no seio do Mercado Único de 1992) não fosse
substituído por um correspondente controlo da UE, para além de
alguns regulamentos (na sua maioria prejudiciais) sobre a uniformidade, etc.
Por outras palavras, as novas instituições tinham em vista a
maximização da liberdade do capital organizado, cuja
concentração foi facilitada por todas as maneiras
possíveis, e a minimização da liberdade do trabalho
organizado, cuja coordenação foi restringida de todas as maneiras
possíveis e em especial através da ameaça do desemprego.
Não foi por acaso nem devido a uma má concepção da
Zona Euro, conforme argumentam os pós-keneysianos e outros reformistas
(incluindo a euro-esquerda!) que a Alemanha é de facto o país que
estava no lado receptor dos maiores benefícios da adesão à
UE e à Zona Euro, enquanto os países do Sul da Europa
beneficiavam minimamente dela. Quando foi institucionalizada a Zona Euro no
início do novo milénio, a Alemanha já gozava de
níveis relativamente altos de produtividade de mão-de-obra e de
competitividade e a nova divisa 'congelou' essencialmente os desvios relativos
entre o Norte avançado e o Sul muito menos avançado (que tinha
partes que realmente eram subdesenvolvidas).
Assim, o Mercado Único, nas condições de uma divisa comum,
provocou uma relativa igualização de preços de mercadorias
e um certo aumento nos salários no Sul, quando os trabalhadores lutaram
para manter o valor real dos salários e simultaneamente para estreitar o
fosso de salários com os trabalhadores do Norte. Por outro lado, os
empregadores alemães estavam em muito melhor posição para
suprimir o aumento de salários dada a diferença na produtividade
de mão-de-obra de que tinham beneficiado devido à tecnologia
avançada e ao investimento em Investigação e
Desenvolvimento, mas também devido aos melhores preços relativos.
Como exprimiu Wolfgang Münchau, "a Alemanha entrou na Zona Euro com
uma taxa de câmbio sem competição e embarcou num longo
período de moderação de salários".
Os macroeconomistas diriam que "a Alemanha beneficiou de uma verdadeira
desvalorização em relação aos outros membros".
[8]
Se a isso acrescentarmos que os países no Sul deixaram de ter o poder de
desvalorizar as suas divisas, enquanto a Alemanha não tinha necessidade
nenhuma de desvalorizar a sua divisa enquanto pudesse manter a subida dos
salários ao ritmo dos aumentos da produtividade de mão-de-obra,
então podemos perceber porquê (e como) a Zona Euro funciona
essencialmente como um mecanismo económico para transferir os excedentes
económicos dos países do Sul da Europa para os do Norte e em
especial para a Alemanha.
5. O papel desorientador da "esquerda"
A conclusão óbvia é que
é impossível tomar quaisquer medidas radicais para sair do actual
desastre económico (e não só!), sem uma saída
unilateral da UE juntamente com o cancelamento da dívida (para a qual,
de resto, o povo nunca foi consultado), assim como sem abandonar toda a
legislação imposta pela Troika e a adopção
simultânea das necessárias mudanças geoestratégicas.
[NR]
Só deste modo pode a Grécia recuperar a soberania
económica e nacional minimamente requerida para uma estratégia de
auto-suficiência económica, que é necessária para a
saída permanente da crise, através da criação de
uma nova estrutura produtiva para satisfazer as suas necessidades.
Isto significa que a opinião de que podemos implementar outra
política mesmo dentro da Zona Euro, como sugere o SYRIZA, ou que
bastará sair do Euro (sem a saída paralela directa e unilateral
da UE) para implementar uma estratégia económica radicalmente
diferente (conforme sugerem outras organizações de esquerda),
são totalmente mistificadoras. Isto porque, conforme tentei demonstrar
acima, a causa da presente catástrofe económica na Grécia
não são as políticas de austeridade da Troika, como
afirmam os apoiantes da primeira perspectiva, nem a fraca
concepção do Euro (e a sua implementação) que
contribuíram para os défices e para a dívida
maciça, conforme argumentam os apoiantes desta ultima perspectiva.
[9]
Assim, os apoiantes da primeira perspectiva (Laskos e Tsakalotos), reproduzem
na realidade os mitos de um internacionalismo obsoleto segundo o qual a luta do
proletariado europeu no interior da UE deitará abaixo as
políticas de austeridade, apesar de, depois de quase cinco anos de
esmagamento económico dos estratos populares, não ter havido uma
única luta europeia ("oficial" ou não oficial) contra
essas políticas! Por outro lado, os apoiantes da última
perspectiva (Flassbeck e Lapavitsas), agindo como o "Plano B" da
Euro-elite no caso de esta ser forçada a expulsar a Grécia
(temporária ou permanentemente) da Zona Euro defendem a
saída da Grécia do Euro, mas não da UE. No entanto, em
ambos os casos, pode considerar-se como certo o fracasso das políticas
propostas, embora as consequências não sejam idênticas.
Assim, no primeiro cenário de um governo com base no SYRIZA (que parece
provável na sequência das Euro-eleições e que
poderá funcionar como catalisador para as eleições gerais),
é uma questão de tempo até o seu fracasso se tornar
evidente, se insistir na sua política pró-UE e pró-Euro.
Apesar da sua actual retórica, terá simplesmente que seguir as
mesmas políticas económicas que o actual governo, talvez com um
menor relaxamento das políticas de austeridade (partindo do
princípio de que as Euro-elites encontrarão forma de cancelar
parte da Dívida para conseguir tornar pagável a parte restante).
Enquanto os mercados se mantiverem abertos e liberalizados sob um governo do
SYRIZA (o partido nunca contestou este princípio fundamental da
globalização neoliberal), os mercados de trabalho também
continuarão a ser flexíveis. No entanto, mercados abertos e
liberalizados significam que:
-
os ordenados e salários serão mantidos em torno dos seus
níveis mínimos actuais ou, pelo menos, esses níveis
serão a base para quaisquer futuros aumentos estritamente ligados aos
aumentos de produtividade;
-
a Saúde Pública e a Educação nunca
recuperarão do seu actual desmantelamento, visto que o governo vai ter
que continuar a implementar as actuais políticas fiscais restritivas da
Zona Euro para manter os défices orçamentais sob estrito controle;
-
o desbarato da riqueza social da Grécia, na sequência das
privatizações de serviços essenciais como a electricidade,
a água, os transportes, os portos e aeroportos, as
comunicações (e agora até mesmo as ilhas gregas!)
não será invertido, tornando impossível a
implementação de qualquer política social eficaz para
proteger as vítimas da globalização;
-
o desemprego pode cair marginalmente dos actuais quase 30% da
população trabalhadora (e 60% dos jovens) mas apenas na medida em
que os investidores estrangeiros sejam atraídos pelos
ordenados/salários extremamente baixos e pela 'estabilidade
política' que o SYRIZA possa assegurar. No entanto, dada a forte
competição nesta frente com outros países de
salários baixos nos Balcãs e noutros locais (Ásia
oriental), o desemprego está condenado a estabilizar em níveis
muito altos durante o próximo futuro, e os jovens gregos terão
que trabalhar na "indústria pesada" da Grécia (como o
establishment
chama ao turismo) ou terão que emigrar.
Nitidamente, esta latino-americanização (ou
balcanização) da economia grega tornar-se-á permanente com
a política pró-UE do SYRIZA e, nas eleições que se
seguirem a um período (provavelmente curto) do SYRIZA no poder, o
partido provavelmente terá o destino do partido social-democrata PASOK,
que na realidade ficou desfeito. Com efeito, isso será apenas adiar o
fim da Euro-esquerda na Grécia, acompanhando o mesmo fim deste tipo de
"esquerda" no resto da Europa, na era da globalização.
Contudo, a "esquerda" internacional é incapaz de ver tudo isto
e estará pronta para festejar a possível vitória do SYRIZA
nas próximas eleições,
[10]
enquanto Leo Panitch está tão entusiasmado com o novo tipo de
reforma 'progressista' que o SYRIZA representa que se tornou quase
lírico quando leu que Tsipras "falou em termos da 'oportunidade
histórica' que agora existe para uma alternativa de esquerda ao actual
'modelo europeu' capitalista.
[11]
Isto, precisamente no momento em que o mesmo Tsipras também é
elogiado indirectamente pelo
New York Times,
o principal órgão da Elite Transnacional, presumivelmente como
um político de esquerda 'sério', digno da sua confiança,
em comparação com a 'esquerda lunática' que eles tanto
desprezam:
Mr. Tsipras
afastou-se da retórica do passado quanto a abandonar o
Euro e disse que não pretende que a Grécia saia da zona dos 18
países que usam essa divisa. Mas pretende uma reformulação
fundamental das condições dos fundos de salvação da
Grécia, no valor de 240 mil milhões de euros. "A nossa
intenção é alterar o enquadramento, não é
esmagar o Euro", disse ele.
[12]
Por outro lado, no caso do segundo cenário, i.e. de um governo de
esquerda que decida a saída da Grécia do Euro (mas se mantenha na
UE), a imagem seria muito mais turva, porque a reintrodução e a
significativa desvalorização do dracma reintroduzido traria
inicialmente alguns resultados positivos. Mas estes seriam totalmente
temporários, a não ser que fossem acompanhados de uma radical
estruturação paralela da estrutura produtiva, baseada em
decisões sociais e que não fosse deixada às forças
do mercado, conforme os dois cenários implícita ou explicitamente
assumem. E isso leva-nos de volta à necessidade de uma estratégia
de auto-suficiência que pressupõe uma saída da
Grécia tanto do Euro como da UE.
A principal razão por que ambas as abordagens não só
são erradas, mas também totalmente mistificadoras, é que
elas não se baseiam no facto de a actual crise devastadora ser devida a
razões estruturais que têm tudo a ver com o processo desigual de
desenvolvimento capitalista, e que ainda é mais exacerbado na era da
globalização neoliberal e das políticas consequentes
implementadas pela UE, e muito pouco a ver com a crise financeira mais lata
[13]
, com as políticas de austeridade ou com a própria dívida
e com as formas de a gerir.
Assim, no que se refere às políticas de austeridade, é
óbvio que elas são uma consequência e não a causa da
crise devastadora. Portanto, a solução para o
"problema" não é apenas a redistribuição
de rendimento à custa dos lucros e a favor dos salários (como
supostamente será a conclusão tirada por um certo tipo de
análise "marxista"), porque esta desigualdade não
é nada de novo mas uma característica inerente do sistema
capitalista. Não admira que, apesar da crescente desigualdade mundial
durante a era da globalização neoliberal, o sistema tenha
desfrutado de um período sustentado de expansão durante este
período, com o PIB mundial a crescer a uma média de 2,9% nos anos
90 e 3,2% no período até ao início da última crise
financeira (2000-2008).
[14]
Além disso, o único caso em que ocorreu uma
redistribuição sistemática de rendimento contra os ricos
num sistema capitalista foi quando a carga fiscal foi transferida para os ricos
durante o período social-democrata (aprox. 1945-1975). No entanto, este
tipo de redistribuição já deixou de ser possível na
Nova Ordem Mundial da Globalização Neoliberal, visto que as
Corporações Transnacionais podem mudar-se facilmente para
paraísos fiscais como a Irlanda, a Índia, etc., deixando
atrás de si desemprego maciço e pobreza.
No entanto, nem os défices e as consequentes dívidas foram
criados por políticas fiscais imprudentes nem, como afirmam as variantes
mais refinadas sobre o mesmo tema, pelo facto de a elite alemã ter
estado a reprimir aumentos de salários numa altura em que as outras
elites na Zona Euro, e em especial as elites na periferia do Euro, estavam a
fazer exactamente o oposto. Esta política, segundo o mesmo argumento,
terá criado uma vantagem competitiva artificial e consequentes
excedentes na Balança de Pagamentos (BP) na Alemanha e, vice-versa, no
Sul da Europa, i.e., baixa competitividade e défices da BP. Isto, por
sua vez, levou a um endividamento excessivo dos países
periféricos (facilitado pelo facto de estar sustentado por uma divisa
forte, o Euro) até ao momento em que rebentou a "bolha"
fiscal, quando a consequente escassez de liquidez tornou muito mais
difíceis os empréstimos a esses países, levando às
bem conhecidas crises da dívida em países como a Grécia.
Não é de admirar que a Euro-elite tenha acabado por decidir
adoptar um controlo económico ainda mais apertado dos membros do Euro,
através da União Bancária.
[15]
6. Observações finais
Portanto, a questão fundamental que se coloca é a seguinte: pode
um pequeno país periférico do Euro, como a Grécia, deixar
hoje de implementar as políticas da globalização
neoliberal? Ou os milhões de desempregados e de pobres devem esperar
(como sugere a actual "esquerda") uma mudança radical no
equilíbrio de forças na UE e na Zona do Euro, a fim de que no
novo governo pan-europeu de esquerda avance com as reformas 'progressistas'
sugeridas pelos seus apoiantes? Alternativamente, será melhor esperarem
por uma nova revolução socialista a fim de avançar com
genuínas políticas socialistas, conforme sugerido pela esquerda
anti-capitalista cada vez mais reduzida? As minhas simpatias, claro, seriam
(como sempre foram) a favor de uma esquerda anti-sistémica, porque
é a única que luta contra a sua plena integração no
sistema e na Nova Ordem Mundial. Contudo, é óbvio para mim que,
actualmente, esta esquerda não é menos messiânica do que a
integrada no sistema "esquerda" e como tal igualmente inútil
para as vítimas da globalização que todos os dias perdem
um pouco mais a esperança num futuro melhor, muitas delas recorrendo
cada vez mais ao suicídio.
Nestas condições, para mim é claro que só se um
país romper com a economia de mercado internacionalizada e prosseguir
uma política de auto-suficiência, poderá recuperar o
necessário grau de soberania económica, e portanto nacional, de
modo a que seja o povo que determine o processo económico, i.e. quais as
necessidades económicas e sociais que devem ser satisfeitas e de que
modo, em vez de deixarem esta questão de vida ou morte para as
'forças de mercado' e para o social darwinismo que elas inevitavelmente
implicam. Isto, para um país como a Grécia, implicaria a
necessidade da criação 'pela base' de uma Frente Popular para a
Libertação Social e Nacional
[16]
(em vez de se centrar em políticos profissionais da
"esquerda" ou da direita), que formularão um programa das
mudanças radicais necessárias para conseguir o objectivo a curto
prazo de restaurar o pleno controlo social sobre todos os mercados, cancelando
unilateralmente a Dívida e toda a legislação com ela
relacionada, imposta pela Troika, assim como uma saída unilateral da UE.
Embora seja necessária, mesmo nesta fase inicial, a
socialização do sistema bancário e das indústrias
reprivatizadas, em especial das que cobrem necessidades básicas
(energia, água, transportes, comunicações, etc.), o
objectivo a médio prazo terá que ser a auto-suficiência
económica, de modo que as necessidades básicas de todos os
cidadãos sejam satisfeitas através da reconstrução
da estrutura económica segundo as necessidades sociais em vez de segundo
a procura do mercado. Por outro lado, a questão da mudança
sistémica, i.e. se a Grécia será no futuro uma sociedade
de um estado socialista, uma democracia inclusiva
[17]
ou um tipo radical de social-democracia, será determinado pelo
próprio povo numa fase posterior depois de resolvidos os actuais
problemas cruciais ligados à sua sobrevivência.
Com efeito, a Grécia não estará sozinha nesta luta contra
a Nova Ordem Mundial e a globalização neoliberal. Os povos de
outros países na periferia europeia e noutros locais seguirão o
seu exemplo quando perceberem que há uma saída da
catástrofe actual, AQUI e AGORA, mas também os povos que
já estão a lutar contra a globalização neoliberal
se juntarão à luta comum contra a Nova Ordem Mundial da
globalização neoliberal. De facto, esta luta já
está a intensificar-se a partir da América Latina (Venezuela,
Bolívia, Cuba, etc.) até aos povos da Eurásia da ex-URSS,
e aos povos nos países árabes (claro que não estou a
referir-me às pseudo-revoluções na Tunísia e no
Egipto ou às insurreições engendradas na Líbia e na
Síria)
[18]
que derramam sangue diariamente na luta pela sua libertação
nacional e social.
Notas
[1] Ver e.g. o recente livro de dois membros da direcção do
SYRIZA (um deles membro do Parlamento representando o partido), Christos
Laskos e Euclid Tsakalotos, Crucible of Resistance: Greece, the Eurozone and
the World Economic Crisis, (Pluto Press, Sept. 2013).
[2] Takis Fotopoulos, "Greece: The implosion of the systemic crisis",
The International Journal of INCLUSIVE DEMOCRACY, Vol. 6, No. 1 (Winter 2010);
ver, também, Greece as a protectorate of the transnational
elite,(Athens: Gordios, November 2010),
www.inclusivedemocracy.org/...
[3] Ver e.g. Naomi Klein, The Shock Doctrine: The Rise of Disaster Capitalism,
(London: Penguin, 2008).
[4] Ver, para o sentido e significado da Elite Transnacional na
administração da Nova Ordem Mundial, Takis Fotopoulos,
Subjugating the Middle East: Integration into the New World Order Vol.
1: Pseudo-Democratization, (Progressive Press, 2014), Part I.
[5] Assim, enquanto a quota da UE das exportações mundiais esteve
estagnada entre 1979 e 1989, a quota dos EUA aumentou em 3,5% e a quota do
Extremo Oriente aumentou nuns enormes 48%, (Banco Mundial, Relatório do
Desenvolvimento Mundial 1991, Quadro 14).
[6] Banco Mundial, Indicadores de Desenvolvimento Mundial 2002, (Quadro 4.5) &
Indicadores de Desenvolvimento Mundial 2012, (Quadro 4.4).
[7] Banco Mundial, Indicadores de Desenvolvimento Mundial 2008, Quadro 2.4.
[8]Wolfgang Münchau, "Germany's rebound is no cause for cheer",
Financial Times,
29/8/2010.
[9] Heiner Flassbeck and Costas Lapavitsas, Left-Wing Strategies to Solve the
Euro Crisis, (Rosa Luxemburg Foundation: Berlin, May 2013,
www.rosalux.de/fileadmin/rls_uploads/pdfs/Studien/kurzfassung_flassbeck_en.pdf
e versão completa in "The systemic crisis of the euro true
causes and effective therapies",
www.rosalux.de/publication/39478
.
[10] Ver e.g. Andreas Bieler, "Crucible of Resistance: Class Struggle Over
Ways Out of the Crisis", Socialist Project E-Bulletin No. 926
January 10, 2014; Reproduced also in Global Research.
[11] Leo Panitch, "Europe's left has seen how capitalism can bite
back»",
The Guardian,
13/1/2014.
[12] Andrew Higgins, "Opposition Dissent Tempers Greek Attempts at
Optimism",
The New York Times,
12/1/2014.
[13] Takis Fotopoulos, "The myths about the economic crisis, the reformist
Left and economic democracy", The International Journal of INCLUSIVE
DEMOCRACY, Vol. 4, No. 4, (October 2008),
www.inclusivedemocracy.org/journal/vol4/vol4_no4_takis_economic_crisis.htm
[14] Banco Mundial, Indicadores de Desenvolvimento Mundial 2010, Quadro 4.1.
[15] 'Big step' reached in rescue plan for eurozone banks, BBC News,
12/12/2013 <http://www.bbc.co.uk/news/business-25348977>; Ver,
também, Maria Snytkova, "European countries lose bank
sovereignty", English Pravda, 2012/2013
english.pravda.ru/world/europe/20-12-2013/126445-bank_sovereignty-0/
[16] Ver Takis Fotopoulos, "Neoliberal Globalization and the need for
popular fronts for national and social liberation", The International
Journal of Inclusive Democracy, Vol. 9, No. 1/2 (2013), (under publication).
[17] Takis Fotopoulos, Towards An Inclusive Democracy, (London/NY: Cassell
/Continuum, 1997/1998).
[18] Takis Fotopoulos, Subjugating the Middle East: Integration into the New
World Order Vol. 2, Engineered Insurrections, (Progressive Press, 2014).
[NR] O sublinhado a vermelho é de resistir.info.
16/Janeiro/2014
[*]
Filósofo politico, editor de
Society & Nature/Democracy and Nature,
The International Journal of Inclusive Democracy
.
Também tem colaborado no
Athens Daily Eleftherotypia
desde 1990. É autor de inúmeros livros em grego sobre a
evolução; a Guerra do Golfo; o consenso neoliberal; a Nova Ordem
Mundial; a cultura das drogas; a Nova Ordem nos Balcãs; o novo
irracionalismo; a globalização e a esquerda; a guerra contra o
"terrorismo". O seu último livro é a 'Grécia
enquanto protectorado da elite transnacional: A necessidade para uma
saída imediata da UE e para uma economia auto-suficiente' (Athens:
Gordios, November 2010). Também é autor de mais de 1000 artigos
em jornais teóricos, revistas e periódicos britânicos,
americanos e gregos, alguns dos quais têm sido traduzidos em mais de
vinte línguas. O seu último livro é;
'Subjugação do Médio Oriente. Integração na
Nova Ordem Mundial' (Progressive Press, 2014).
O original encontra-se em
www.globalresearch.ca/...
. Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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