A eurozona entre a austeridade e o incumprimento
por Stephanie Jacquemont
[*]
RESUMO
Razões do endividamento dos países periféricos:
défices privados e UME
As turbulências financeiras na zona do euro são devidas:
- por um lado à crise financeira que eclodiu em 2007;
- e por outro, à natureza da União Económica e
Monetária (UEM). A pressão sistemática exercida sobre os
trabalhadores levou a um aumento das desigualdades em termos de competitividade
e à
emergência de um Centro e uma Periferia
dentro da zona euro.
Países da periferia: Espanha, Portugal e Grécia (+ Irlanda, mas
é necessária uma análise separada pelas
características deste país). Os países da periferia
não são tão competitivos e sofrem os constrangimentos de
uma política monetária uniforme e de uma disciplina
orçamental estrita.
Os défices da balança de pagamentos correntes mostrados pela
periferia são o reverso dos excedentes do centro, principalmente da
Alemanha. Estes défices, que podem corresponder a défices
financeiros do sector privado ou do sector público, podem ser
financiados por meios geradores de dívida (por exemplo,
empréstimos) ou não geradores de dívida (por exemplo,
Investimento Directo Estrangeiro). Mas
na periferia
, o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) não permitiu ao sector
público registar défices;
o défice da balança corrente é portanto devido
principalmente aos défices privados, financiados na maior parte por
empréstimos dos bancos do Centro.
Basicamente, a dívida dos países da periferia deve-se ao
comportamento do sector privado no quadro da UEM. Incapazes de competir com o
centro, os sectores privados endividaram-se junto aos bancos do centro, mas
também junto a agentes internos, ficando as economias destes
países amplamente financiarizadas desde a
adopção do euro. O consumo experimentou um boom nestes três
países e a Espanha viu crescer uma bolha imobiliária.
Dimensão da dívida
|
Dívida total
(pública e privada)
Milhões
|
Dívida total
(pública e privada)
% do PIB
|
Dívida privada /
Dívida pública
|
Dívida externa /
Dívida interna
|
Espanha
|
5315
|
506%
|
87% / 13%
|
33 / 67
|
Portugal
|
783
|
479%
|
85% / 15%
|
49 / 51
|
Grécia
|
703
|
296%
|
58% / 42%
|
51 / 49
|
Dívida multiplicada por 2 ou 3 desde o início da união
monetária europeia, principalmente devido ao crescimento da
dívida privada.
O Estado grego é, proporcionalmente, mais endividado por razões
históricas e sociais.
A parte externa aumentou desde a entrada na UEM.
Importância da parte externa da dívida da Grécia e de
Portugal, devido ao facto de os mercados financeiros terem sobrestimado a sua
solvabilidade e capacidade de contracção de empréstimos.
Fragilidade dos bancos
Bancos do centro, principalmente franceses e alemães, fortemente
expostos por terem emprestado maciçamente às economias
periféricas, têm financiado a compra de activos em dólares
por dívidas em euros.
Pacotes de intervenção de Maio de 2010 destinados aos
países periféricos, mas em última instância
destinados aos bancos. O BCE forneceu liquidez aos bancos e começou
também a comprar no mercado secundário dívidas
públicas dos países periféricos para aliviar a
pressão sobre estes bancos (NB: desde Maio de 2010, o BCE comprou 65 mil
milhões de euros títulos da dívida pública). Estas
intervenções acalmaram os mercados, mas não resolveram a
crise. Os bancos continuam expostos.
Austeridade
A austeridade vai comprimir as despesas públicas e o consumo das
famílias, ou seja, os dois sectores da procura global que resistiram
durante a crise de 2008-2009.
É pouco provável que a economia da zona do euro seja puxada pelas
exportações, dada a fraqueza da procura. A austeridade, que
provavelmente vai exercer uma pressão descendente sobre os
salários, vai aumentar a competitividade do centro, especialmente a
Alemanha.
A austeridade vai aumentar a desigualdade na distribuição de
rendimentos e a liberalização que a acompanha vai modificar ainda
mais a relação de força poder em favor do capital e em
detrimento do trabalho.
A eventualidade do incumprimento
Esta eventualidade para os países da periferia emerge devido ao aumento
do e endividamento e das consequências negativas da austeridade. Mas o
incumprimento pode ser por iniciativa dos credores ou dos devedores. Se
é por iniciativa dos credores, é pouco provável que
conduza a uma redução substancial da dívida e
gerará lucros para os bancos responsáveis pela
operação.
Em contrapartida, um incumprimento por iniciativa dos países devedores
poderia levar a uma redução das dívidas da periferia.
Para isso é preciso uma
cessação unilateral dos pagamentos e a realização
de uma auditoria com a participação de organizações
de trabalhadores e da sociedade civil.
Seguir-se-ia uma renegociação com os credores externos e
internos. Existe um risco de embargo por parte dos mercados de capitais, mas os
exemplos da Argentina (2001-2005) e Rússia (1998) mostram que um
incumprimento pode ter resultados positivos, desde que seja rápido e
conduzido com firmeza.
Um incumprimento por iniciativa dos devedores levanta a possibilidade de uma
saída da zona do euro.
Tal saída poderia aumentar a competitividade dos países em causa
pois
poderiam proceder uma desvalorização [da moeda] e estariam mais
livres nas suas políticas orçamentais e monetárias
. Mas um incumprimento assim constituiria uma ameaça para o sector
bancário e perturbaria a circulação monetária. Tais
riscos poderiam ser enfrentados, adoptando um amplo conjunto de medidas que
reverteriam a relação de forças em favor do trabalho.
Uma saída da zona do euro deveria ser acompanhada no mínimo por
uma nacionalização e pelo controle dos bancos e de outros
sectores da economia, pelo controle sobre os movimentos de capitais, por uma
reforma fiscal para tributar os ricos e o capital, pela
introdução de uma política industrial e por uma profunda
reforma e reestruturação do Estado.
Em resumo, uma saída da zona do euro poderia ser a oportunidade de ir
contra as políticas económicas neoliberais. Para isso, a
saída da área do euro requer alianças sociais e
políticas radicais.
Um incumprimento, uma renegociação de dívidas e uma
saída da zona euro teriam consequências graves, que devem ser
cotejadas com as igualmente graves consequências de uma recessão e
uma estagnação no longo prazo de várias dessas economias
da zona euro.
É indispensável que haja um debate público aberto sobre os
custos, os benefícios e as consequências sociais de uma
acção resoluta para quebrar o círculo vicioso da
dívida
(em comparação com os custos, benefícios e
consequências da estagnação a longo prazo).
|
1. INTRODUÇÃO
Crise na Europa devido a duas razões principais:
- crise financeira internacional que eclodiu nos EUA e depois propagou-se ao
conjunto da economia mundial;
- desequilíbrios estruturais na zona euro
[2]
. Divisão entre o centro e a periferia, tipicamente a Alemanha de um
lado e a Espanha, a Grécia e Portugal do outro
Mas a crise na área do euro é sobretudo uma crise da
dívida.
Dívida (externa e interna, privada e pública) aumentou:
- por causa destes
desequilíbrios estruturais na zona euro
e da perda de competitividade da periferia;
- devido à
financiarização
das economias, o que levou ao
aumento da dívida privada (famílias e empresas);
- A dívida pública aumentou com a crise de 2008-2009.
Seja qual for a sua origem, a dívida tem a sua própria
lógica. A acumulação de dívidas na periferia
ameaçou os bancos do centro da zona euro. A ameaça de uma crise
bancária foi a origem da intervenção de Maio de 2010 por
parte das autoridades da zona euro.
Obama fez pressão sobre Merkel, Sarkozy e outros pois os bancos dos EUA
estavam igualmente muito expostos. Eles, com efeito, utilizaram a ajuda
concedida em 2007-2008 para assumir posições na UE,
principalmente na Alemanha e na França, cujos bancos estavam, eles
próprios, muito expostos em relação à periferia. Se
uma crise eclodisse na UE, o efeito bumerangue sobre os bancos norte-americanos
estava assegurado!
A contrapartida da intervenção da UE (e do FMI): planos de
austeridade, tanto na periferia como no centro, que podem agravar a crise
através da compressão da procura global.
Qual a alternativa? Dada a profundidade da crise, as alternativas devem ser
radicais. Um incumprimento de pagamento e uma saída do euro devem ser
consideradas e a oportunidade dessas medidas debatida.
2. SE NÃO PODES SER COMPETITIVO, TOMA EMPRESTADO!
Dados de Dezembro de 2009. Os três países estão pesadamente
endividados, sendo a sua dívida interna e externa, pública e
privada. Mas a composição da dívida varia de país
para país e isso não é irrelevante: as ameaças que
as dívidas representam são de natureza diferente em cada um dos
três países. A acumulação da dívida nesses
três países é a consequência da sua
adopção da moeda única: a integração na UME
significou tanto a sua perda de competitividade, como o acelerar da
financiarização da sua economia.
2.1. A magnitude da dívida da Periferia
2.2. As raízes económicas da dívida externa
Uma das características da zona euro: défices da
balança
corrente na Periferia / excedentes no Centro, principalmente na Alemanha.
Desde o Tratado de Maastricht, corrida ao menor custo social, pressão
baixista sobre os salários e a Alemanha saindo "vitoriosa"
desta corrida > contínua deterioração da
balança
corrente dos países da Periferia / excedentes da Alemanha, especialmente
desde o euro.
Estes défices da balança corrente foram preenchidos não
por IDE, mas por empréstimos e obrigações. Esses
défices são essencialmente imputáveis ao sector privado,
uma vez que os três países respeitaram o PSC e os seus
orçamentos mostravam excedentes (Espanha) ou défices moderados
(Grécia e Portugal).
Só em 2008-2009, com o declínio das receitas do Estado devido
à crise, os défices orçamentais se deterioraram.
Os défices da balança corrente são portanto devidos, nos
três países, essencialmente ao sector privado: na Espanha,
à bolha de investimentos no imobiliário, na Grécia e em
Portugal à queda na poupança mas mantendo-se elevado o consumo. A
dívida externa passou a financiar estes défices financeiros do
sector privado.
2.3. A composição da dívida da periferia:
financiarização da economia nacional e fluxos externos
A adesão ao euro dos países da periferia valeu-lhes a
confiança dos mercados financeiros internacionais, que lhes emprestaram
maciçamente,
pensando que os grandes países europeus viriam em sua ajuda em caso de
problemas.
A dívida interna também aumentou fortemente nestes últimos
10 anos e a economia dos três países financiarizou-se.
A dívida do sector privado cresceu: famílias, empresas e bancos
podiam tomar emprestado a custos baixos (taxas de juro baixas e
inflação mais forte do que no Centro) e este endividamento
privado foi o motor da economia destes três países; os bancos,
graças a um euro forte, poderiam expandir suas operações
internacionais e financiar a menores custos as suas actividades nacionais.
3. EM SOCORRO DOS BANCOS, MAIS UMA VEZ?
3.1. Os bancos no centro da tempestade
A crise das dívidas soberanas é apenas a
continuação do grande tormenta que começou em 2007.
A crise dos subprime ameaça o sistema bancário >
salvamento
dos bancos pelos poderes públicos + recessão >
prejudica as
finanças públicas > crise das dívidas soberanas
que
ameaça de novo os bancos.
A tendência para a alta dos empréstimos do Centro para a Periferia
continuou mesmo após o desencadeamento da crise em 2007
e os montantes emprestados mantiveram-se elevados em 2008 e 2009. Pico do
stock de dívidas devidas ao Centro pela Periferia atingido no
Verão de 2008.
Após o começo da crise em 2007, as taxas de juro subiram para os
países da periferia, o que permitiu aos bancos do Centro obterem grandes
lucros.
O grosso do dinheiro fresco dado aos bancos vem do endividamento
público. Em 2008-2009, devido à queda das suas receitas fiscais e
ao salvamento dos bancos, os Estados estavam à procura de enormes
volumes de crédito, o que encareceu a remuneração da maior
parte dos empréstimos públicos.
Os bancos europeus, com o dinheiro obtido com taxas muito baixas junto ao BCE,
emprestaram aos Estados exigindo taxas bem mais elevadas.
Os bancos não estavam preocupados com o nível de endividamento
da periferia, pois consideravam impossível um incumprimento na zona
euro.
Mas a degradação da classificação da dívida
grega obrigou os bancos a reverem os seus balanços e a reavaliar os seus
créditos sobre a periferia. Quando a exposição dos bancos
do Centro se tornou evidente, na Primavera de 2010, os governos da UE e o BCE
intervieram.
Dois pacotes: um, modesto, para a Grécia e um, muito mais importante,
para a eurozona. Oficialmente, trata-se de ajudar os Estados a financiar a sua
dívida pública, mas na realidade trata-se de ajudar os bancos.
3.2. Problemas de financiamento dos bancos europeus
Com a crise da dívida dos gregos e dos riscos de contágio
às outras economias da periferia,
os CDS (credit default swaps) em títulos do Estado subiram rapidamente a
partir do final de 2009-início de 2010 e atingiram níveis
recorde. Temores sobre o valor dos créditos detidos por bancos
contraíram o mercado interbancário, com taxas de juros em alta,
especialmente na Primavera de 2010. Tornava-se cada vez mais caro tomar
emprestados dólares e euros. Uma crise bancária estava em
gestação.
Os custos do crédito aumentaram, em parte devido à
exposição dos bancos europeus, mas também porque eles
tinham de enfrentar
problemas complexos de financiamento.
Um dos problemas era que os bancos tomavam posições em activos
denominados em dólares tomando emprestado em euros.
Os euros emprestados eram cambiados contra dólares usando câmbios
de divisas a curto prazo
(short-term foreign exchange swaps).
Esta necessidade de financiamento diminuiu muito desde Setembro de 2008, mas
provavelmente ainda era de 500 mil milhões de dólares em meados
de 2010. Os bancos europeus puderam financiar-se graças a euros
emprestados a taxas baixas pelo BCE,
mas com o declínio do euro em 2009-10, os bancos deviam tomar emprestado
cada vez mais euros para financiar as suas posições em
dólares.
Os bancos estavam cada vez mais dependentes do mercado de câmbio de
divisas, onde o dólar custava cada vez mais caro.
Outro problema: a remuneração dos novos depósitos nos
bancos tornou-se mais cara (mais elevada, por exemplo, do que a Euribor a 3
meses). E
os bancos fizeram mal em emitir títulos tendo em conta as
pressões do mercado.
Estes problemas dos bancos europeus também ameaçavam os bancos
dos EUA, cuja exposição quase duplicou nestes últimos
cinco anos.
3.3. O pacote europeu de apoio e os seus objectivos
Apoio à Grécia: 110 mil milhões de Euros (UE+FMI).
Depois pacote de 750 mil milhões para os mercados financeiros (UE, BCE e
outros bancos centrais, FMI). Mais inquietos quanto aos bancos alemães e
franceses do que preocupados com o que se passava na Grécia.
Contribuição da UE: estabelecimento do Mecanismo de
Estabilização Europeia: linha de crédito de 60 mil
milhões de euros, disponível para todos os Estados membros. Seria
financiado através da emissão de dívida em nome da
Comissão e poderia ser concedida sem a aprovação dos
parlamentos nacionais.
Montante pequeno (o que mostra a fraca capacidade da UE para mobilizar fundos
directamente).
Mais importante,
o Mecanismo Europeu de Estabilização Fiscal (EFSF Inglês):
até 440 mil milhões de euros
para os membros da zona euro. Mecanismo não muito claro, mas,
aparentemente,
seria um SIV (Structured Investment Vehicle) financiado pro-rata pela
emissão de títulos garantidos pelos membros da zona euro.
As garantias deveriam ser aprovadas pelos parlamentos nacionais e só
entrariam em vigor após aprovação de países que
representassem pelo menos 90% das partes da EFSF.
A UE tende a preferir as soluções baseadas no mercado, tanto
que ergue uma estrutura semelhante àquelas (SIV) que causaram a
crise de 2007-2009!
Falta de solidariedade evidente, predomínio dos "Grandes".
3.4. O pacote irá funcionar?
Os mercados financeiros, não se mostraram tranquilizados de imediato.
Reacções desesperadas dos governos europeus. Ex: sob
pressão do Governo alemão, BaFin (órgão regulador
alemão) proibiu a compra de títulos do Estado a descoberto e de
CDS. Medida considerada hostil por parte dos mercados financeiros, mas de facto
destinada aos bancos alemães, que estavam no final da cadeia de
especulação sobre os CDS.
Em Julho de 2010, a confiança no sector bancário europeu ainda
não fora encontrada. Resultados dos testes de stress publicados neste
período revelavam que apenas 7 dos 91 bancos europeus testados (uma das
hipóteses sendo a impossibilidade do incumprimento da Grécia e de
outros governos!) dispunham de capital suficiente.
Inquietação quanto à natureza do pacote: a maior parte do
pacote (440 mil milhões ) era composto por garantias sobre a
emissão de dívida pelo EFSF, que requer a aprovação
dos parlamentos nacionais > quem acabará por pagar? A
intervenção do BCE nos mercados pode afectar os preços dos
títulos a curto prazo, mas os preços a longo prazo estão
mais dependentes dos mercados. Além disso, quanto mais o BCE
intervém no mercado, mais a probabilidade de adquirir dívidas
tóxicas é elevada e coloca-se então a questão de
saber quem vai pagar por essas dividas, em última instância.
Finalmente, salvamento ao preço de medidas contraccionistas, cujas
consequências não são claras.
4. A SOCIEDADE PAGA A FACTURA: AUSTERIDADE E LIBERALIZAÇÃO
REFORÇADAS
Contrapartida do pacote de salvamento:
austeridade na periferia e cada vez mais no Centro. Em parte, a mando do FMI,
liberalização na Periferia, nomeadamente do mercado de trabalho.
Resposta da zona do euro destinada a salvar o sistema bancário. De
notar: alteração das práticas e do quadro institucional da
zona (pacote de salvamento, estatutos do BCE ignorados desde a compra de
títulos de dívida, discussões sobre o estabelecimento de
um Fundo Monetário Europeu). Ao mesmo tempo, triunfante conservadorismo
fiscal, propostas para endurecer o PSC com penalidades. Em suma,
a zona euro mostrou a sua capacidade de adaptação, mas para mais
austeridade e liberalismo.
4.1. A austeridade e seus prováveis impactos
Consequências da recessão mundial em 2008-09: a queda na procura
global, principalmente do investimento privado (e das exportações
para a Alemanha). A procura das famílias resistiu em 2008-2009, e os
despesas públicas evitaram que a recessão fosse ainda mais aguda.
Efeitos sobre a despesa pública: défices recorde (receitas
fiscais em baixa + medidas para evitar uma depressão), ultrapassando os
3% do PIB permitidos pelo PSC. Projecção para 2010: 8% para a
França, 5,3%para a Itália, 5% para a Alemanha. Sob a
pressão dos mercados financeiros, planos para trazer o défice ao
limite dos 3%. A Alemanha anunciou um plano de redução das
despesas de 80 mil milhões : redução dos
salários dos funcionários públicos, redução
do número de funcionários, reforma da segurança social,
redução das despesas militares e das subvenções
públicas.
A França anunciou sua intenção de incluir o limite dos
défices orçamentais na sua Constituição, e cortes
de 100 mil milhões de daqui até 2013: congelamento das
despesas do governo central, a retirada das reduções de impostos,
congelamento dos salários na função pPública.
Mesmo a Itália anunciou um corte de 24.000 milhões para reduzir
um défice, relativamente modestos, a 3% em 2012.
4.2. A Periferia sofre o pleno impacto da austeridade
Memorando assinado entre a Grécia, o FMI e a UE foi aprovada pelo
Parlamento e tem força de lei.
Além das medidas específicas (aumento de impostos, cortes
drásticos nas despesas públicas, privatizações,
novas legislações relativas ao mercado de trabalho),
o Governo grego compromete-se a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para
atingir o equilíbrio orçamental.
Espanha: fim das medidas excepcionais introduzidas em 2007 para atenuar os
efeitos da crise e cortes no sector público (baixa dos salários,
reformas, transferências para as regiões).
As medidas de austeridade visam os assalariados: o propósito de
congelamento de salários e pensões no sector público
não é apenas restaurar o equilíbrio orçamental, mas
para fazer pressão para a baixa de todos os salários. A
pressão sobre os assalariados: também evidente nos aumentos de
impostos (IVA e imposto sobre o rendimento). Tudo em benefício do
capital.
Austeridade ou como passar a factura para os assalariados
Salários, despesas sociais e condições de trabalho
Grécia: redução dos salários do sector
público de 20 a 30%. Reduções dos salários nominais
que poderiam atingir 20%, 13º e 14º meses substituídos por um
pagamento único cujo montante varia em função do
salário. Salários congelados durante os próximos
três anos. Em quatro de cada cinco aposentações na
função pública não haverá
substituição. Os subsídios de desemprego foram reduzidos e
um sistema de assistência à pobreza estabelecido em 2009 foi
suspenso. É muito provável que esta pressão descendente se
estenda ao privado.
Portugal: congelamento dos salários do sector público em 2010 e
provavelmente nos dois anos seguintes. Um reformado em cada dois não
será substituído. Tectos para os gastos sociais, subsídios
de desemprego diminuídos.
Espanha: congelamento de salários na função pública
e redução na contratação pública (1º
pacote de medidas). 2º pacote: redução de 5% nos
salários da função pública. Redução
nas despesas sociais com o fim do subsídio ao recém-nascido,
introduzido em 2007.
Na Grécia, planos para suprimir os acordos colectivos e
substituí-los por contratos individuais. A prática de
estágios muito longos ou não remunerados ou muito mal remunerados
tornou-se lei. O sector público é doravante autorizado a recorrer
ao trabalho temporário.
Em Espanha, reformas do mercado de trabalho visando uma maior flexibilidade no
pagamento das horas trabalhadas, redução do tempo dedicado
à negociação durante conflitos e o estabelecimento de um
fundo de compensação de desemprego alimentado por
contribuições voluntárias dos assalariados (!).
Impostos
Aumento dos impostos indirectos na Grécia (IVA de 19% para 23% e
criação de impostos especiais sobre os combustíveis, o
álcool e o tabaco), aumento do imposto sobre o rendimento para as
camadas médias. Em contraste, redução dos impostos sobre
as empresas.
Portugal: IVA sobre bens e serviços aumentado em 1%, aumento do imposto
sobre o rendimento e sobre as empresas.
Espanha: aumento de 2% no IVA sobre todos os bens e serviços e no
imposto sobre o rendimento.
Privatizações
Grécia: proposta de privatizar os portos, aeroportos, ferrovias,
abastecimento de água e electricidade, o sector financeiro e as
propriedades do Estado. Plano semelhante em Portugal, onde a energia, defesa,
construção naval, sector financeiro, transportes, correios e
minas estão em causa.
Os sistemas de pensões
As pensões na Grécia devem ser reduzidas e em seguida congeladas,
a idade legal da reforma aumentada. Pensões congeladas em Espanha.
4.3. Missão impossível?
A austeridade pode agravar o fosso entre o Centro e a Periferia. A Alemanha vai
ganhar a corrida para a baixa dos custos salariais unitários e os
problemas dos países da periferia não vão diminuir. A
balança corrente da periferia continuará a ter défices e a
da Alemanha a ter excedentes. A austeridade, longe de resolver o problema
central vai piorá-lo. É até possível que, se os
países da periferia entrarem numa espiral deflacionária, a sua
dívida, em relação às receitas, aumente.
5. O ESPECTRO DO INCUMPRIMENTO NA EUROPA
5.1. Incumprimento, renegociação e saída do euro
Os mercados financeiros globais estão à espera de um futuro
incumprimento de pagamento, pelo menos na Grécia.
Mesmo na comunicação social "de referência"
algumas vozes se levantaram dizendo que a austeridade não era
solução, especialmente para a Grécia, e que era preciso
portanto considerar uma reestruturação da dívida.
Na extrema esquerda do espectro político, na Grécia e noutros
países, defende-se o incumprimento.
Um incumprimento liderado pelos credores seria provavelmente uma escolha
política conservadora, que faria pagar os custos do ajustamento aos
trabalhadores e deixaria a estrutura da zona euro intacta. Um incumprimento por
iniciativa dos países endividados poderia ser benéfica para
estes, ao criar uma margem de manobra para inverter a relação de
forças em favor do trabalho.
Tal medida levantaria imediatamente a questão da saída do euro .
As hipóteses do incumprimento, da renegociação e da
saída do euro são aqui discutidas, principalmente no caso de um
só país tomar tais iniciativas. Claro que se um país
optasse por este caminho, isso poderia inspirar outros países da
Periferia.
Convém precisar que, no limite, o incumprimento, a
renegociação e a saída do euro poderia conduzir ao colapso
da zona do euro e que as consequências de tal cataclismo são
impossíveis de prever (seriam enormes tanto para a Periferia como para o
Centro); mas ninguém poderia, de modo algum, culpar os países
periféricos, uma vez que seria o resultado da própria natureza da
eurozona (exploração e desigualdades).
5.2. Incumprimento por iniciativa dos credores: reforço do espartilho da
zona euro
A estratégia da austeridade é arriscada, pois pode agravar os
problemas de endividamento. Espera-se que os rácios dívida / PIB
aumentem até 2012-13, atingindo 149% na Grécia. O endividamento
poderia tornar-se insustentável, se a recessão da economia fosse
mais forte do que o previsto, se a agitação política e
social ganhasse maior amplitude, ou se a economia europeia e/ou mundial
desmoronasse. As pressões seriam ainda maiores para a Grécia dado
o peso da dívida pública e a extensão das medidas de
austeridade, mas o risco existe para todos os países da periferia.
Se a austeridade resultasse num fracasso para a Grécia, os credores
poderiam então considerar a opção da
reestruturação. Não haveria necessariamente
suspensão do pagamento dos juros nem declaração formal de
incumprimento. No entanto, uma forma controlada de incumprimento poderia
ocorrer na prática: substituição da dívida por uma
nova dívida (como no caso da Argentina), alongamento dos prazos das
dívidas e, eventualmente, redução das taxas de juros. O
incumprimento ocorreria dentro do quadro da zona euro e sob os auspícios
dos bancos. Os bancos responsáveis pela operação poderiam
colher suculentas comissões.
Uma tal operação seria feita no interesse dos prestamistas,
principalmente dos bancos, incluindo bancos nacionais na posse de stocks
importantes de dívida pública. Os prestamistas ganhariam uma vez
que os seus créditos duvidosos seriam substituídos por novas
dívidas. Um incumprimento por iniciativa dos credores não
resolveria o problema a longo prazo e é muito pouco provável que
ele traga qualquer benefício que seja para os trabalhadores nos
países da periferia, já que certamente seria acompanhado por mais
austeridade.
5.3. O incumprimento por iniciativa dos devedores e a factibilidade de uma
saída do euro
Opção potencialmente mais radical, mas os seus resultados
dependeriam de como fosse conduzida. Exemplo, se realizada após o
fracasso da austeridade e da ausência de resultados conclusivos de um
incumprimento por iniciativa dos credores, ocorreria num contexto social e
económico caótico, podendo repetir-se a experiência da
Argentina.
Tal incumprimento suporia inicialmente uma suspensão unilateral dos
reembolsos, o que abriria caminho para uma luta social mais intensa a
nível nacional, bem como a tensões nas relações
internacionais. O país deveria decidir que obrigações
honrar e em que ordem.
É imperativo que uma auditoria da dívida seja realizada a seguir
à suspensão, por razões de transparência. Uma
auditoria permitiria ao público saber o que é devido a quem e
quais foram os termos do endividamento; permitiria também determinar a
parte odiosa e ilegal.
Seguir-se-iam negociações por iniciativa do país devedor,
na óptica de uma resolução rápida e de uma
redução importante da dívida. Impossível dizer que
qual seria a amplitude da redução, mas no caso da Grécia,
provavelmente não menos que no caso da Argentina ou da Rússia.
Dois terços da dívida grega detida no estrangeiro e a maioria dos
credores nacionais e estrangeiros são bancos.
A maioria dos títulos do Estado parece ter sido emitida ao abrigo da
legislação grega, o que evitaria ao país disputas
jurídicas intermináveis nos EUA ou no Reino Unido
(como poderia ser o caso com outros países de rendimentos
médios).
A elevada exposição dos bancos do Centro à dívida
grega (ou de outros países da Periferia) daria à Grécia um
poder de negociação não negligenciável.
Mas um incumprimento por iniciativa dos devedores comportaria uma série
de riscos: ver encerrado o acesso aos mercados de capitais. O incumprimento,
afectando os bancos nacionais e estrangeiros, poderia levar a uma
contracção do crédito comercial e, portanto, afectar as
exportações do país devedor. Risco de precipitar uma crise
bancária.
A história mostra que o encerramento do acesso aos mercados de capitais
nunca dura muito tempo e sempre há fontes alternativas de financiamento.
As consequências de uma contracção do crédito
comercial seriam mais graves e poderiam levar o Estado devedor a garantir as
dívidas do comércio. Mas o maior perigo está no risco de
crise bancária.
Para o evitar, na Grécia, isso exigiria a nacionalização
dos bancos e o seu controle pelo Estado, para impedir o seu colapso e garantir
os depósitos dos clientes. Uma vez nacionalizados, os bancos poderiam
ser um poderoso instrumento ao serviço de uma
transformação da economia em favor do trabalho.
Tal cenário poderia ocorrer no quadro da zona euro? Inevitavelmente, um
país em incumprimento iria tornar-se um pária, mas é
difícil dizer exactamente o que isso implicaria exactamente em termos
institucionais. Deixando de lado a questão da factibilidade, seria
desejável para o país devedor que o incumprimento se desenrolasse
no quadro da zona euro? Não.
1) Porque seria
mais difícil enfrentar uma crise bancária sem controle sobre a
sua política monetária
. Em termos mais gerais, se os bancos não fossem nacionalizados, seria
quase impossível elaborar instrumentos de uma
transformação da economia.
2) Pertencer à zona euro ofereceria aos países em incumprimento
poucos benefícios em termos de acesso a mercados de capitais ou de baixa
do custo da contracção de empréstimos.
3) A desvalorização não seria possível. A
acumulação de dívidas na Periferia está
intrinsecamente ligada à moeda comum, e o problema perduraria enquanto o
país em incumprimento permanecesse membro da zona euro.
Uma saída da zona euro devolveria ao país devedor o controle
sobre a política orçamental e monetária. Uma
desvalorização permitiria ao país ganhar competitividade.
Mas uma saída da zona euro também implicaria custos. Um retorno a
uma moeda nacional para um país da Periferia seria mais difícil
do que a "pesificação" da Argentina, dado o grau de
integração monetária na zona euro. Entretanto, a
substituição do euro não é uma política
complicada de aplicar e os princípios básicos não
são difíceis de determinar. Seria preciso anunciá-la
rapidamente para minimizar a fuga de capitais; os bancos fechariam por um
determinado período e deveriam converter os depósitos e os outros
passivos e activos do país na nova moeda a uma taxa de câmbio
determinada. Na reabertura dos bancos, haveria circulação
paralela do euro e da nova moeda e preços expressos em ambas as moedas
para uma série de bens e serviços. Haveria
perturbações monetárias durante o tempo em que os
contratos e obrigações fixadas se ajustassem à nova moeda.
Para evitar a crise de confiança, nada de desvios uma vez o comboio em
andamento. No final, os preços ou o dinheiro iriam adaptar-se à
nova moeda e o euro seria excluído da economia nacional.
Queda inevitável no valor internacional da moeda, criando
mudanças complexas nas relações de força. Empresas
e bancos endividados no estrangeiro iriam deparar-se com dificuldades e
tentariam transferir as suas dívidas para o Estado. Os possuidores de
activos no estrangeiro tentariam especular contra a nova moeda.
Para evitar que a classe capitalista tentasse tirar proveito da saída do
euro, as autoridades poderiam tomar o controle de certos sectores da economia,
começando pelo sistema financeiro.
Seria imposto um controle sobre os movimentos de capital e as
operações de câmbio para limitar a fuga de capitais e
especulação.
Com o aumento do preço das importações, pressões
inflacionárias (principalmente preços de energia) ? baixa dos
salários reais. Não seria fácil enfrentar estas
pressões, mas seria possível accionar a alavanca da
política monetária. Os salários reais poderiam ser
mantidos através da aplicação de uma política
fiscal redistributiva. Nota: a inflação reduziria o peso da
dívida interna.
ANEXO A: Os precedentes da Rússia e da Argentina
A crise nos países da periferia da zona do euro não é
senão a última de uma longa lista de crises de dívida
soberana, principalmente no Sul (ou Periferia global). Interessa comparar a
situação destas duas periferias.
24 de Dezembro de 2001, a Argentina anuncia a suspensão de pagamentos
sobre a quase totalidade da sua dívida pública de 114 mil
milhões de dólares. A taxa de câmbio fixa entre o peso e o
dólar é abandonada poucos meses depois. O PIB mergulhou 11%
[3]
, mas a seguir recuperou fortemente com taxas de crescimento de 7-8% entre 2003
e 2007. Os mercados internacionais reabriram as torneiras do crédito
à Argentina em 2006, após a venda pelo governo de títulos
do Estado a 5 anos num montante de 500 milhões de dólares.
Em 1999, a Rússia declarou-se em incumprimento quanto à sua
dívida externa, o que a obrigou a desvalorizar o rublo imediatamente. Em
alguns meses, a economia recuperou. A Rússia saiu muito melhor da crise
que a Argentina.
O Consenso de Washington provoca a queda de Buenos Aires
1991: A Argentina adopta o "plano de convertibilidade", que
prevê a liberalização do comércio e da
circulação de capitais, a privatização de activos
detidos pelo Estado, uma política monetária estrita e sobretudo
uma taxa de câmbio fixa de 1 peso=1 dólar. Anos 1990: o
país segue conscienciosamente as receitas do Consenso de Washington, com
o incentivo e apoio financeiro do FMI. Inicialmente, essas políticas
parecem dar frutos, com o fim da hiper-inflação e taxas de
crescimento médio de 6% no período de 1991-1998. Entrada
líquida de capitais no período 1992-1999: 100 mil milhões
de dólares. A Argentina é considerada como um modelo pelo FMI,
cujo apoio permitiu ao país contrair empréstimos em termos menos
onerosos.
Em retrospectiva, é evidente que a estabilização
macroeconómica na Argentina na década de 90 se deveu mais
à sorte que a escolhas políticas judiciosas: as taxas de juro
baixas nos EUA haviam desacelerado a valorização do dólar
e o retorno de crescimento nos EUA havia estimulado a economia da
América Latina. Mas a valorização constante do
dólar a partir de meados da década de 90 tornou a
convertibilidade peso-dólar insustentável. Na sequência da
crise russa, o Brasil desvalorizou a sua moeda em 70% em Janeiro de 1999,
tornando os termos de troca ainda mais desfavoráveis para a Argentina.
Peso largamente sobrevalorizado, deflação e
contracção da produção.
Enquanto a queda se acelerava, a dívida do governo federal em % do PIB
aumentava: de 34,5% em 1997 para 37, 6% em 1998, 43% em 1999, 45% em 2001 e
53,7% em 2002. Meados de 2001: encerramento efectivo do acesso aos mercados
internacionais de capitais. > FMI torna-se a única fonte de
crédito, aumentando a sua influência. Consenso entre os
conselheiros do FMI e a elite política argentina, políticas
caóticas que levaram ao incumprimento.
Junho de 2001:
megacanje de deuda:
mega conversão de dívida, coordenado por um consórcio de
bancos europeus e dos EUA (regiamente pagos), para prorrogar o vencimento das
dívidas.
Resultado: aumento da dívida. Outra conversão da dívida em
Setembro de 2001 com a aprovação do FMI mas, novamente, com
benefícios muito modestos para a Argentina.
Quando a Argentina não conseguiu cumprir as metas orçamentais
ditadas pelo FMI, este decidiu não pagar uma parcela, o que provocou a
corrida aos bancos. O Governo proíbe saques de depósitos.
Incumprimento finalmente declarado no Natal de 2001, num contexto de crise
social muito dura (cerca de vinte mortos na noite de 19 para 20 de Dezembro de
2001, quando o presidente de La Rua tem de fugir num helicóptero) e nova
taxa de câmbio peso-dólar adoptada em Janeiro de 2002. A fuga de
capitais que isso provoca obriga o governo a decidir a
"pesificação" dos activos e passivos detidos na
Argentina > aumenta a procura de dólares, aumentando a pressão
sobre a taxa de câmbio. Bancos tornam-se insolventes.
Março de 2002: o país é obrigado a abandonar a taxa de
câmbio fixa, baixa do peso em 75% em relação ao seu valor
anterior > preços sobem 40%.
Em 2003, quando a crise está "para trás", o governo
procura reestruturar a sua dívida. É feita uma primeira proposta
a detentores de títulos de novos títulos a 25% do seu valor
nominal, com prazos mais longos e taxas de juros mais baixas. Cólera dos
credores. O FMI recusa-se a reconhecer uma segunda oferta (55% do valor
nominal) em Janeiro de 2004, e o governo decide então prescindir dos
"serviços" do FMI. Em Fevereiro de 2005, 76% dos detentores de
títulos haviam aceite a oferta do governo argentino.
Lições a tirar do caso argentino
A crise da dívida da Argentina não é o produto de uma
política orçamental frouxa, os problemas orçamentais
surgem apenas com a crise de 1997-98 (queda das receitas). Os problemas
orçamentais na verdade remontam á privatização do
seu sistema de segurança social no âmbito do plano de
conversibilidade: o Estado não recebia mais contribuições,
mas havia mantido todo o seu passivo e continuava a pagar aos pensionistas
[4]
.
A Argentina foi atingida pela degradação dos termos de troca
após a crise asiática, pelo abrandamento económico nos EUA
em 2001, pelo aumento dos prémios de risco após a crise russa de
1998, mas não mais do que os outros países latino-americanos. O
seu problema real: o sistema monetário, nomeadamente a paridade fixa
entre o peso e o dólar.
A transição da Rússia a partir de uma economia planificada
para uma economia de mercado: afundamento e retomada
Anos 1990: transição para o capitalismo, sob a tutela do FMI,
afundamento da economia. Acordos com o FMI em 1995 e 1996,
adopção de uma taxa fixa de juros altos: a inflação
parecia sob controle + aparência de normalização a partir
de 1996 com a reabertura do acesso aos mercados internacionais de capitais.
Mas ataque especulativo contra o rublo após a crise asiática.
Preços do petróleo e de metais não ferrosos (2/3 das
exportações da Rússia) em queda. Arrecadação
de impostos particularmente baixa, aumento da dívida pública em %
do PIB: de 43,4% em 1996, 53, 6% em 1997, 68,1% em 1998 e 90,2% em 1999. O medo
do incumprimento e da desvalorização faz subir as taxas de
empréstimos do Banco Central aos bancos, e torna-se muito difícil
para o governo prosseguir as suas operações de empréstimos
de curto prazo. Pacote de ajuda multilateral de 22,6 mil milhões de
dólares anunciado em Julho de 1998, dos quais 4,8 mil milhões
desembolsados imediatamente. Ideia: sustentar a taxa de câmbio fixa e
trocar os títulos de curto prazo, muito caros, por títulos a
prazo mais longo. Fracasso desta operação e fuga de capitais que
alcançou 4 mil milhões entre Maio e Agosto.
17 de Agosto de 1998: Ieltsin anuncia a desvalorização do rublo +
moratória sobre reembolsos da parte da dívida pública
denominada em rublos e suspensão dos pagamentos pelas
instituições financeiras russas sobre os seus passivos em
divisas. Aumento da pressão sobre o rublo, que em Setembro leva ao
abandono de qualquer tentativa de controle da cotação do rublo. O
rublo afunda para menos de 1/3 do seu valor contra o dólar. O apoio ao
rublo entre Outubro de 1997 e Setembro de 1998 custou cerca de 30 mil
milhões de dólares, quase a sexta parte do PIB da Rússia
na época.
O incumprimento causou uma enorme crise bancária uma vez que o capital
dos bancos russos era praticamente equivalente ao volume de dinheiro congelado
que estava reservado para reembolsos. Uma corrida contra as
instituições financeiras russas estava a ser preparada desde
Agosto de 1998. O Banco Central injectou então liquidez no sistema
bancário, reduzindo as reservas obrigatórias, aumentando os
empréstimos aos bancos mais importantes e trocando títulos
congelados contra o líquido. A corrida contra os bancos foi travada,
à custa de um rublo ainda mais fraco e de uma inflação
mais forte.
Desvalorização: serviço da dívida em dólares
torna-se exorbitante. Janeiro de 1999: as agências de
notação declaram a Rússia em incumprimento. A
Rússia rapidamente enceta negociações com os detentores de
títulos de dívida. Em Maio de 1999 é alcançado um
acordo com 95% dos credores russos e 89% dos credores estrangeiros. Estima-se
que a redução da dívida obtida foi da ordem dos 53%.
Segue-se um período de forte crescimento, orçamento
excedentário a partir de 2000 e dívida ao FMI resolvida em 2005.
Em 2006, um recorde de 200 mil milhões de dólares de reservas
cambiais (o 4º valor mais alto entre as economias emergentes). É
provável que a Rússia não conseguisse recuperar, desta
forma, mesmo com preços do petróleo em alta, se tivesse tentado
defender um rublo sobrevalorizado.
O incumprimento não é tão catastrófico afinal de
contas
Uma das causas fundamentais da crise na Argentina e na Rússia: uma moeda
sobrevalorizada, em que é preciso manter a taxa de câmbio.
Consequências: produção do sector privado paralisada,
défices das contas correntes, endividamento privado e público. Os
problemas nas finanças públicas em ambos os casos foram o
resultado das políticas neoliberais defendidas pelo FMI e de choques
externos. O incumprimento e a desvalorização, apesar dos altos
custos, permitiram uma recuperação económica
rápida. Os dois países conduziram negociações sem
choques demasiados, sem o apoio do FMI. Os dois países tiveram acesso a
novos mercados de capitais pouco após o incumprimento. Deve-se notar que
a Argentina contou com empréstimos da Venezuela.
A Rússia e a Argentina reagiram de forma diferente às
pressões de uma taxa de câmbio fixa indefensável: processo
muito rápido na Rússia, enquanto a Argentina apegou-se a esta
taxa de câmbio e seguiu o conselho dos adeptos da ortodoxia
económica. Face à crise bancária provocada pelo
incumprimento, o governo russo reagiu rapidamente restringindo os movimentos de
capitais e nacionalizando de facto, os depósitos. Em contrapartida, as
tergiversações e a confusão do governo argentino
aumentaram o pânico bancário e a agitação social.
Incumprimento e desvalorização não existem sem custos,
mas podem constituir uma solução eficaz em caso de crise da
dívida causada por acordos monetários e financeiros
internacionais. Quando isso implica uma mudança de regras
monetárias, como no caso da Argentina, a relação de
forças pode balouçar numa direcção ou noutra (a
classe capitalista local pode tirar partido de uma
desvalorização). Pode abrir caminho a uma
nacionalização dos bancos, a controles de capitais e assim por
diante. O resultado depende, em última instância, das lutas
sociais.
Notas
(1) C. Lapavitsas, A. Kaltenbrunner, G. Lambrinidis, D. Lindo, J. Meadway, J.
Michell, J.P. Painceira, E. Pires, J. Powell, A. Stenfors, N. Teles : "THE
EUROZONE BETWEEN AUSTERITY AND DEFAULT", Setembro 2010 72 paginas
www.researchonmoneyandfinance.org/...
(2) É certo que existe uma divisão ainda mais evidente com os
novos países membros, que são uma Periferia exterior (dado
não serem membros da zona euro). A análise "The Eurozone
between austerity and default" centra-se nos países da Periferia
interna, aos quais poderia acrescentar-se a Irlanda, mas esta apresenta
características especificas (como a forte presença de
transnacionais) que exigem uma análise separada.
(3) Atenção, não foi a suspensão do pagamento da
dívida que provocou a queda do PIB. Com efeito, a Argentina estava em
recessão desde há 36 meses quando o governo tomou a
decisão de não mais reembolsar a dívida.
(4) NB: o governo de Cristina Fernandez em Janeiro de 2008 renacionalizou os
fundos de pensões (privatizados por Menem nos anos 1990). Medida muito
apreciada pela população.
[*]
do
CADTM
O original encontra-se em
researchonmoneyandfinance.org/...
. Tradução de Guilherme Coelho, revista por JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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