por C.Lapavitsas, A.Kaltenbrunner, D.Lindo,
J.Meadway, J.Michell, J.P.Painceira,
E.Pires, J.Powell, A.Stenfors, N.Teles, L.Vatikiotis
1. A crise da Eurozona faz parte da perturbação global
começada em 2007 quando uma crise imobiliária nos EUA tornou-se
uma crise bancária global, transformou-se numa recessão global e
deu então origem a uma crise de dívida soberana. No fim de 2011
há um risco de retorno a uma crise bancária na Europa e alhures.
No cerne da fraqueza bancária jaz uma dívida privada e
pública acumulada durante o período de
financiarização intensa nos anos 2000.
2. O euro é uma forma de divisa de reserva internacional criada por um
grupo de estados europeus para assegurar vantagens para bancos europeus e
grandes empresas no contexto da financiarização. O euro tem
tentado competir contra o dólar mas sem um correspondente estado
poderoso a apoiá-lo. Sua fraqueza fundamental é que ele repousa
sobre uma aliança de estados díspares representando economias de
competitividade divergente.
3. O euro tem actuado como mediador na Europa da crise global que
começou em 2007. A União Monetária Europeia (UME) criou
uma divisão entre núcleo e periferia, e as relações
entre os dois são hierárquicas e discriminatórias. A
periferia perdeu competitividade nos anos 2000, desenvolvendo portanto
défices de transacções correntes com o núcleo e
acumulando grandes dívidas para com instituições
financeiras do núcleo. O resultado foi que a Alemanha emergiu como o
mestre e económico da Eurozona.
4. A política da Eurozona para enfrentar a crise tem sido profundamente
neoliberal: cortando despesa pública, elevando impostos indirectos,
reduzindo salários, liberalizando mercados ainda mais e privatizando
propriedade pública. Mudanças institucionais correspondentes
dentro da UME acima de tudo quanto ao Banco Central Europeu (BCE) e o
European Financial Stabilisation Facility (EFSF) reforçaram a
dominância do núcleo, particularmente da Alemanha. Mais
genericamente, tais políticas estão a ameaçar mudar o
equilíbrio do poder económico, social e político em favor
do capital e contra o trabalho por toda a Europa.
5. A austeridade é contraditória porque ela leva à
recessão agravando portanto o fardo da dívida e pondo ainda mais
em perigo banco e a própria união monetária. Está
contradição é agravada pela natureza da UME como uma
aliança de estados díspares com competitividades divergentes. Em
consequência, a UME enfrenta actualmente um dilema agudo: ou criar
mecanismos de estado que pudessem impor políticas elevando a
competitividade da periferia, ou experimentar uma ruptura.
6. O crédito do BCE tem sido utilizado arbitrariamente para proteger os
interesses de grandes bancos, possuidores de títulos e empresas, mesmo
com a ultrapassagem dos próprios estatutos do BCE. O poder social tem
sido apropriado não democraticamente por uma instituição
elitista para a seguir ser colocado ao serviço do grande capital na
Europa. Mas a capacidade de o BCE aliviar as pressões da crise é
limitada porque lhe tem sido pedido para desempenhar um papel fiscal para o
qual não foi concebido. Além disso, a UME é
embaraçada pela ausência de um estado para respaldar seu passivo e
a sua solvência.
7. O EFSF é analogamente embaraçado pela ausência de uma
autoridade estatal que pudesse confiavelmente apoiar uma expansão dos
seus poderes de concessão de empréstimos. Mais do que isso, a
capacidade de o EFSF recapitalizar bancos é limitada pelo
carácter nacional dos bancos na Europa. Os bancos permanecem
estreitamente adstritos aos seus estados-nação. Uma
aliança de estados díspares não pode obter fundos
facilmente para resgatar os bancos nacionais de um dos seus membros. É
difícil de acreditar que a Alemanha, por exemplo, pudesse resgatar
bancos franceses ou espanhóis sem um retorno proporcional.
8. A associação de estados-nação aos seus bancos
internos tornou-se mais pronunciada no decorrer das crises. Bancos têm
estado a adquirir a dívida pública dos seus próprios
estados; eles têm estado a depositar liquidez ociosa nos seus
próprios Bancos Centrais Nacionais (BCNs); eles têm, finalmente,
confiado cada vez na Assistência de Liquidez de Emergência (ALE)
proporcionada pelo seu próprio BCN. O resultado é que bancos e
estados-nação agora enfrentam um perigo mais elevado de
incumprimento conjunto. A opção que está a emergir para
estados periféricos é particularmente drástica: ou
nacionalizar plenamente os bancos ou perder o controle sobre eles.
9. A persistência da divisão entre núcleo e periferia, a
ausência de mudança institucional efectiva para a UME, as
pressões da austeridade e as ameaças aos bancos estão a
criar condições árduas para países
periféricos. As perspectivas futuras são negras, incluindo baixo
crescimento, alto desemprego e agravamento do fardo da dívida. A
capacidade de países periféricos permanecerem dentro da UME
é duvidosa e a mais provável candidato à saída
é a Grécia.
10. A Grécia é manifestamente incapaz de atender ao
serviço da sua dívida publica ou cumprir com as condicionalidades
dos planos de resgate, tornando o incumprimento
(default)
inevitável. Contudo, o incumprimento conduzido pelos credores e
ocorrendo dentro dos confins da UME (o chamado incumprimento ordeiro)
não seria do melhor interesse do país. Ele provavelmente levaria
à perda de controle sobre bancos internos; não afastaria a
austeridade; manteria o país dentro da perversão competitiva do
euro. Os custos sociais seriam maiores. O país também perderia
algo da sua soberania quando a política fiscal ficasse sob o controle
explícito do núcleo. A perspectiva da saída final da UME
permaneceria.
11. O incumprimento deve ser conduzido pelo devedor, soberano e
democrático, levando a um profundo cancelamento da dívida. O
incumprimento conduzido pelo devedor provavelmente precipitaria a saída
da UME. Deixar o euro proporcionaria opções adicionais para
tratar da dívida pública uma vez que o estado poderia redenominar
toda a sua dívida na nova divisa. A saída permitiria ainda ao
estado mais espaço de manobra para resgatar bancos através da
nacionalização e do fornecimento de liquidez interna uma vez
restaurado o comando sobre a política monetária. No entanto, a
saída também criaria problemas novos para bancos pois alguns
activos e passivos permaneceriam denominados em euro. O resultado provavelmente
seria a contracção de bancos gregos ao longo do tempo. A
saída, finalmente, perturbaria a circulação
monetária e causaria problemas de divisas estrangeiras pois a nova
divisa seria depreciada. Ainda assim, a perturbação da
circulação é improvável que fosse decisiva, ao
passo que a depreciação apresentaria a oportunidade de restaurar
rapidamente a competitividade. No cômputo geral, se a Grécia tem
de incumprir, ela deveria também sair da UME.
12. O incumprimento conduzido pelo devedor e a saída [do euro]
estão pejados de riscos e tem os seus próprios custos. Mas a
alternativa é o declínio económico e social dentro da UME
que ainda poderia terminar numa saída caótica e ainda mais
custosa. Em contraste, se o incumprimento e a saída fossem planeados e
executados por um governo decidido, eles poderiam colocar o país no
caminho da recuperação. Para isso seria necessário adoptar
um vasto programa económico e social incluindo controles de capital,
redistribuição, política industrial e
reestruturação completa do estado. O objectivo seria mudar o
equilíbrio de poder em favor do trabalho, colocando em simultâneo
o país no caminho do crescimento sustentável e do emprego
elevado. Não menos importante, a independência nacional
também seria protegida.
13. Mais genericamente, a crise da Eurozona põe termo a um
período de confiança económica e de
integração política na Europa. A ideologia do
europeísmo, a qual prometia solidariedade e unidade para os povos
europeus, está em retirada pois o núcleo demonizou a periferia no
decorrer da crise. A profundidade e severidade da crise estão a produzir
intensas reacções sociais contra os grandes bancos e empresas na
UE. O impasse alcançado pela UME dá lugar à possibilidade
de intervenção económica e social mais activa por parte
das nações-estado da Europa no futuro previsível.
14. A necessária reestruturação da Europa quando a UE e a
UME enfrentam o declínio não poderia ser empreendida por agentes
neoliberais que têm como objectivo defender os interesses do
big business.
A reestruturação deveria ser de conteúdo
democrático, confiar nas forças do trabalho organizado e da
sociedade civil; deveria inspirar-se na tradição teórica
da economia política e da ciência económica heterodoxa; ela
também deveria traçar um caminho cuidadoso entre o
europeísmo declinante e o nacionalismo nascente. Acima de tudo, deveria
manter firmemente em mente a antiga afirmação socialista de que a
unidade europeia é possível só na base dos interesses dos
trabalhadores.