Bancos apossam-se da Europa
A oligarquia financeira está empurrando, goela abaixo da União
Européia (UE), um "acordo" que estabelece regras
rígidas para que a Europa seja governada (ou desgovernada), de forma
absoluta, por bancos, liderados pelo Goldman Sachs, de Nova York.
2. Embora as modificações desse acordo aos Tratados da UE
dependam de aprovação legal em cada país membro
processo que poderia durar anos os manipuladores financeiros assumiram o
poder à força e irão em frente, a menos que o
impeça a resistência dos povos, ainda sem
organização.
3. Com a experiência da pequena Islândia, em duas consultas ao
povo, a última em abril de 2011, os predadores perceberam que qualquer
outra, em qualquer país, implica a derrota de suas
proposições. Bastou o ex-primeiro-ministro da Grécia falar
em referendo para ser demitido.
4. Mesmo antes de 09/12/2011 quando foi encenada "reunião de
cúpula", e Sarkozy (França) e Angela Merkel (Alemanha)
anunciaram o tal "acordo" o Goldman Sachs (GS) já
havia posto três de seus prepostos em posições-chave: Mario
Draghi, presidente do Banco Central Europeu; Mario Monti, primeiro-ministro da
Itália; Lucas Papademos, primeiro-ministro da Grécia, envolvido
em operações do Goldman Sachs com a dívida grega
resultantes em sua elevação.
5. Os países da Zona Euro (os 17 membros da UE cuja moeda é o
euro) serão obrigados a aceitar o "acordo". Sarkozy e Merkel
dizem que os dirigentes dos outros 15 países foram consultados, mera
formalidade. Nove outros Estados participam da União Europeia, mas
não adotam o euro: Reino Unido e Dinamarca (isentos), e mais sete que
poderiam ainda aderir à Zona.
6. Aqueles portavozes apresentaram o pacote envolto neste rótulo:
"salvar o euro"; "reforçar e harmonizar" a
integração fiscal e orçamentária da Europa. Na
realidade, trata-se de destruir a Europa econômica e politicamente, sem
garantir a sobrevida do euro, além de aprofundar a depressão, com
o arrasamento das políticas de bem-estar social, instituindo uma
espécie de "lei de responsabilidade fiscal", como a que
manieta o Brasil.
7. O "acordo" impõe duras sanções aos
países que não o cumpram, ademais de ser fiscalizados pelo
Tribunal Europeu de Justiça. Os Chefes de Estado e de governo passam a
reunir-se mensalmente durante a crise. Com isso, reduz-se o poder dos
burocratas da Comissão Europeia, mas essa mudança nada altera,
dado que estes também executam fielmente os desejos da oligarquia
anglo-americana.
8. Sarkozy é cópia piorada de Mussolini, pois este pôs os
bancos sob o controle do Estado e não o contrário, como se
faz agora com a Europa, EUA etc. Submisso às diretivas da oligarquia
financeira, o presidente da França declara que os benefícios
sociais não são sustentáveis, na hora em que eles
são mais necessários que nunca, dado o desemprego grassante.
9. O pacote quer obrigar, punindo os que não o cumpram, que os
países da Zona Euro reduzam seus déficits
orçamentários para 0,5% do PIB, ou seja, seis vezes menos que o
limite de 3%, prescrito no Tratado de Maastricht.
10. Isso significa que Grécia, Itália, Espanha, Portugal e outros
terão de cortar ainda mais despesas, depois de já as terem
cortado, fazendo, assim, a depressão aprofundar-se. A depressão
já causou queda nas receitas fiscais. Combinada a queda das receitas
fiscais com o crescimento do serviço da dívida pública,
decorrente da alta das taxas de juros, temos, juntos, dois fatores de
elevação do déficit orçamentário.
11. Que fazer? Cortar toda despesa que não as da dívida,
desmantelando as políticas sociais e deixando de investir na
infra-estrutura econômica e na social. Isso trará, entre outros
danos irreparáveis, o aumento da disparidade entre membros mais e menos
desenvolvidos, inviabilizando a permanência destes na Zona Euro, o que
implica sua desintegração.
12. A periferia europeia está, pois, ingressando no Terceiro Mundo,
caminho aberto também ao restante da Europa, já que acaba de lhe
ser prescrita a receita usual do FMI, a qual ajudou a manter o Brasil e outros
no subdesenvolvimento.
13. A dupla franco-alemã infla seus egos brincando de diretório
europeu, mas Merkel, obedecendo aos bancos alemães, rejeitou a
possibilidade de o Banco Central Europeu (BCE) emitir títulos para
substituir os dos países devedores. Os bancos querem continuar
emprestando aos governos, para receber os juros.
14. Essa rejeição deve levar ao fim do euro, se este já
não está perto do fim mesmo sem ela. Traz consequências
danosas para a própria Alemanha e para a França, pois obriga os
devedores mais problemáticos a continuar pagando taxas de juros
demasiado elevadas nos seus títulos.
15. Isso promove crise ainda maior de suas dívidas, com o que credores
bancos alemães, franceses e norte-americanos
chegarão mais rápido ao colapso. Mostra-se, portanto,
quimérica outra pretensão do "acordo": a de enquadrar
os países no limite de 60% do PIB para suas dívidas.
16. Não é para a União Europeia que os países
europeus estão perdendo a soberania. É em favor da oligarquia
financeira que renunciam formalmente, através de atos
irresponsáveis de seus chefes de governo.
17. A perda de soberania não se restringe às regras draconianas
citadas, por si sós conducentes à ruína financeira e
econômica. Inclui também que os países devedores liquidem
a preço de salvados do incêndio inalienáveis
patrimônios do Estado, como já foi determinado à
Grécia e a outros. É a privatização, objeto das
mais colossais corrupções vistas na história do Brasil.
18. Os analistas ligados ao sistema de poder atribuem a crise dos países
europeus mais pobres a terem estes gastado acima de suas possibilidades, e
mesmo economistas mais sérios oferecem explicações para a
derrocada europeia que omitem sua causa principal.
19. Essa causa é a depressão econômica mundial, resultante
do colapso financeiro armado pela finança oligárquica centrada em
Nova York e Londres. Ele eclodiu em 2007, iniciando a depressão que se
desenha como a mais profunda e longa da História, se não for
interrompida pela terceira guerra mundial, planejada pelo complexo
financeiro-militar dos EUA.
20. Martin Feldstein, professor de Harvard, aponta diferenças
institucionais e nas políticas monetária e fiscal entre os EUA e
a UE. Ele e muitos, como Delfim Neto, atribuem grande importância
à taxa de câmbio. Argumentam que os europeus em crise não
têm como desvalorizar a moeda para se tornarem mais competitivos, uma vez
que adotaram o euro.
21. Robert Solow, prêmio Nobel, salienta que a UE transfere recursos de
pequena monta aos membros menos avançados, pois o orçamento
unificado da UE equivale a só 1% de seu PIB. Já nos EUA o governo
federal fez vultosas transferências de recursos aos Estados e para
regiões críticas.
22. Ainda assim, Itália, Espanha, Grécia, Portugal suportaram a
situação até surgir a depressão mundial. Tendo
exportações de menor conteúdo tecnológico que
Alemanha, Holanda, França, e dependendo do turismo, foram duramente
atingidos até pela queda da produção e do emprego nos
países ditos ricos, inclusive extra-continentais, como EUA e
Japão.
23. A depressão, por sua vez, adveio das bandalheiras financeiras
geradas a partir de Wall Street e bases off-shore, sem
regulamentação, atuantes no esquema da City de Londres,
desembocando no colapso financeiro que eclodiu em 2007 e se direciona para novo
estágio, mais destrutivo.
24. Os europeus envolveram-se na onda dos derivativos, quando bancos
suíços e alemães adquiriram alguns bancos de investimento
de Wall Street. Mesmo assim, os bancos dos EUA estão tão ou mais
encalacrados que os europeus nos títulos podres resultantes da abusiva
criação dos derivativos.
25. Ademais, Grécia, Espanha, Itália e outros foram enrolados
pela engenharia financeira de Wall Street, Goldman Sachs à frente, que
lesou investidores, camuflando os riscos, além de proporcionar
créditos àqueles países, ao mesmo tempo em que fazia
hedge, jogando contra seus devedores, com o resultado de elevar os juros das
dívidas.
26. O assaltante está tendo por prêmio ficar com a casa do
assaltado. Mas, antes da ocupação dos governos pelos bancos,
agora ostensiva, as pretensas democracias ocidentais já não
tinham autonomia, mesmo com parlamentos eleitos escolhendo o primeiro-ministro.
27. Como os principais partidos políticos são controlados pela
oligarquia financeira na Europa, nos EUA etc e se diferenciam
apenas por ideologias pró-forma, acomodáveis a qualquer
prática, pode-se dizer que a escolha eleitoral se limita à marca
do azeite com o qual os eleitores serão fritados.
28. O "acordo" agora imposto à Europa surge como
culminação de uma guerra financeira que completa o trabalho
realizado nas duas primeiras Guerras Mundiais. Estas destruíram a
Alemanha e a França como grandes potências. O império
anglo-americano só não conseguira retirar esse "status"
da Rússia, mas o logrou, ao final da Guerra Fria (1989), conquanto a
Rússia busque agora recuperá-lo.
29. Para que a Europa não afunde, terá de tomar rumo radicalmente
diferente daquele em que foi colocada e no qual segue em
aceleração impulsionada pelo "acordo" a ser celebrado,
a pretexto de salvar a moeda única.
30. O General De Gaulle, nos anos 60, insurgiu-se contra o privilégio
dos EUA, de cobrir seus enormes déficits externos, simplesmente emitindo
dólares, e exigiu a conversão para o ouro das reservas da
França. Profeticamente advertiu que a entrada da Inglaterra na UE seria
uma operação "cavalo de Troia".
31. Hoje o dólar continua sendo sustentado pela condição
de divisa internacional, instituída em 1944 (acordos de Bretton Woods),
e mais ainda pelo poder militar. Os EUA forçam, por exemplo, que seja
liquidado em dólares o petróleo comerciado entre terceiros
países.
32. Percebe-se o móvel de desviar para a Europa o foco da crise
econômica e financeira, que deveria estar nos EUA e do Reino Unido. Ele
foi posto na Eurolândia, através de jogadas dos bancos de Wall
Street com suas subsidiárias baseadas no grande paraíso fiscal
que é a City de Londres.
33. Os mercados financeiros parecem teatro do absurdo. Se não, como
explicar que os títulos de longo prazo norte-americanos paguem juros de
menos de 2% a.a., enquanto os da Itália, de dois anos de prazo, subiram
para 8% a.a.? E como explicar que a cotação do risco de
crédito da Alemanha e da França esteja sendo rebaixada, enquanto
isso não se dá com os títulos norte-americanos?
34. Deveria ser o contrário, pois: 1) as emissões de
dólares em moeda e em títulos públicos são muito
maiores que as de euros; 2) a dívida pública dos EUA atinge 120%
do PIB (muito mais que os países da Zona Euro), e seria
muitíssimo maior sem as enormes compras de títulos do Tesouro dos
EUA pelo FED e as emissões desbragadas do FED; 3) o déficit
orçamentário dos EUA supera 10% do PIB, enquanto a média
europeia é 4%. 4) o déficit nas transações com o
exterior dos EUA, em 2010, correspondeu a 3,9% do PIB, enquanto a Alemanha teve
superávit de 5,7% do PIB, e os déficits da França e da
Itália foram 2% e 3% do PIB.
35. Não bastasse, os grandes bancos americanos têm vultosas
carteiras de títulos podres (sobretudo derivativos), mesmo depois de
grande parte deles ter sido comprada pelo FED e por agências do governo
dos EUA, em operações caracterizadas por grau incrível de
corrupção.
36. Como aponta o Prof. Michael Hudson, um quarto dos imóveis nos EUA
vale menos que suas hipotecas. Cidades e Estados estão em
insolvência, grandes companhias falindo, fundos de pensão com
pagamentos atrasados.
37. A economia britânica também cambaleia, mas os títulos
governamentais pagam juros de só 2% a.a., enquanto os membros da Zona
Euro enfrentam juros acima de 7% a.a, porque não têm a
opção "pública" de criar dinheiro.
38. O artigo 123 do Tratado de Lisboa proíbe o BCE fazer o que os bancos
centrais devem fazer: criar dinheiro para financiar déficits do
orçamento público e rolar as dívidas do governo. Tampouco
o pode o banco central alemão, por força da
Constituição da Alemanha (país ocupado).
39. Conclui Hudson: "se o euro quebrar será porque os governos da
UE pagam juros aos banqueiros, em vez de se financiarem através de seus
próprios bancos centrais". Dois poderes caracterizam o
Estado-Nação: criar dinheiro e governar a política fiscal.
O primeiro já não existia para os europeus, e o segundo
está sendo cassado com o presente "acordo".
13/Dezembro/2011
[*]
Doutorado em Economia, autor de "Globalização versus Desenvolvimento",
abenayon.df@gmail.com
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