Grécia, Irlanda e Portugal
Bancarrota ou democracia?
Não chega a ser surpresa que as centenas de pessoas reunidas na
conferência de que acabo de retornar concordassem em que o pacote de
"salvamento" da Grécia aprovado há 12 meses fracassou
em proporcionar uma solução para o problema de dívida do
país.
Organizado por um espectro da sociedade civil grega de amplitude sem
precedentes, o evento internacional lançou o apelo para que a
Grécia (e agora a Irlanda) abra as suas dívidas aos povos
daqueles países para uma discussão pública de quão
justas e legítimas realmente são elas. Veteranos do Brasil, Peru,
Filipinas, Marrocos e Argentina disseram aos activistas gregos para
"permanecerem firmes" e não se submeterem a 30 anos de
recessão devastadora por imposição de
instituições como o Fundo Monetário Internacional.
O florescente movimento europeu de oposição a reembolsos de
dívida e à austeridade está a fazer ligações
concretas com grupos do Sul global e apresenta uma confiança e uma
racionalidade que está a um milhão de quilómetros dos
governos da Grécia e da Irlanda, os quais têm seguido
políticas punitivas das pessoas comuns a fim de reembolsar banqueiros
imprudentes.
Simplesmente não é possível que as políticas
infligidas à Grécia, Irlanda e agora Portugal reduzam o fardo da
dívida daqueles países acontecerá exactamente o
oposto, como se viu desde a Zâmbia na década de 1980 até a
Argentina no princípio da última década. Políticas
semelhantes àquelas que estão a ser infligidas sobre a Europa
viram o rácio dívida-PIB da Zâmbia duplicar na
década de 80 quando a economia se contraiu. A Argentina incumpriu as
suas dívidas maciças em 2011, após uma recessão de
três provocada pelas políticas do FMI. Tal como à Irlanda
hoje,
disseram à Argentina que ela havia ido longe demais, apesar de a
dívida ter sido incorrida por um desastroso conjunto de
privatizações e de um atrelamento da divisa impingido ao
país pelo mesmo FMI. Trata-se de uma economia que começou a
recuperar-se um mês após o incumprimento.
Então, por que é que estas políticas ainda estão a
ser prosseguidas? Quase todo comentador soube desde o primeiro dia que os
pacotes de "salvamento" não tornariam sustentáveis as
dívidas da Grécia ou da Irlanda. Mas delegados na
conferência deste fim-de-semana foram claros que isto não
é o problema em causa. O problema em causa é recuperar tanto
dinheiro dos investidores quanto possível, por mais responsáveis
que aqueles investidores fossem pela crise, e transferir o passivo para a
sociedade.
Mesmo que a Grécia e a Irlanda precisem salvamento adicional em dinheiro
ou reestruturação através de alguma espécie de
títulos as mesmas medidas impostas à América Latina
na década de 1980, as quais criaram montanhas de dívidas
tão grandes que aqueles países ainda estão a sofrer as
consequências os investidores privados terão de ser pagos.
O argumento entre as populações da Alemanha e da Grécia
torna-se quem pagará a maior parte da conta, criando um perigoso
nacionalismo já muito evidente.
A PREFERÊNCIA PELO ESCURO
O Comissário Europeu para Assuntos Económicos, Olli Rehh, tem
dito continuamente aos governos que estes assuntos são melhor cuidados
no escuro a discussão pública é fortemente
desencorajada. Aqueles que realmente pagam o preço da austeridade
discordam e activistas na Grécia e na Irlanda dizem que o primeiro passo
em qualquer espécie de solução justa deve ser uma
auditoria da dívida modelada sobre aquelas executadas em
países em desenvolvimento como o Equador.
Uma auditoria da dívida proporcionaria aos povos da Europa conhecimento
sobre o qual basear decisões verdadeiramente democráticas. Como
afirmou na conferência Sofia Sakorafa a deputada grega que se
recusou a assinar os termos do salvamento e saiu do partido governamental
PASOK: "a resposta à tirania, opressão, violência e
abuso é conhecimento". Andy Storey do grupo irlandês Afri
reflectiu isto, dizendo que a finalidade de uma auditoria é
"remover a máscara do sistema financeiro que controla nossa
economia".
Os resultados de uma auditoria podem ser rápidos e concretos.
Maria Lúcia Fattorelli
, do Brasil, é uma veterana de auditorias da
dívida e em 2008 ajudou grupos equatorianos a efectuarem uma auditoria
endossada pelo presidente Correa. A economista classificou Correa como
"incorruptível" quando as despesas públicas ascenderam,
após o êxito do incumprimento nos títulos a seguir à
auditoria. Entrar em acção agora poderia significar poupar
países europeus das três décadas de desenvolvimento retardo
experimentadas por países latino-americanos.
Mas os activistas reunidos este fim de semana acreditam que uma auditoria da
dívida pode ser o arranque de algo ainda mais fundamental um novo
modo de pesar acerca da economia. Como afirmou Sakorafa, uma auditoria é
o começou de uma recuperação de valores e de visão
para mostrar "para além dos jogos de especulação no
mercado, que há conceitos mais valiosos; há pessoas, há
história, há cultura, há decência".
Tal rejuvenescimento da visão política é vital se
não se quiser que a crise provoque empobrecimento e estimule hostilidades
inter-europeias. No domingo, o economista irlandês
Morgan Kelly
disse que o seu país estava a caminhar para a bancarrota. Uma
reunião secreta de líderes europeus na sexta-feira à noite chegou
à mesma conclusão acerca da Grécia um país
que nos dizem estar a perder 1000 empregos por dia e onde a taxa de
suicídios duplicou. O pacote de 78 mil milhões do
salvamento de Portugal, dependente de um congelamento de salários na
função pública e nas pensões, redução
de compensações no despedimento de trabalhadores e cortes nos
subsídios de desemprego exactamente no momento em que os números
do desemprego estão a atingir níveis recorde, terá um
impacto semelhante. Por toda a parte emigrantes estão a sair destes
países em busca de melhores perspectivas.
Nenhuma quantia de compensação reparará o dano destas
políticas que arruinarão a sociedade como os delegados
presentes do mundo em desenvolvimento testemunharam. Não há
razão para a Europa esperar 30 anos para aprender esta
lição. Um movimento europeu e internacional deve compensar a
pobreza de visão dos nossos líderes. Sinto que tal movimento pode
ter nascido em Atenas.
Do mesmo autor:
Mensagem da Islândia a Portugal
, 16/Abril/2011
A new movement against debt and austerity
, 08/Maio/2011
[*]
Director da
Jubilee Debt Campaign
.
O original encontra-se em
http://www.counterpunch.org/dearden05122011.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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