As balas de Washington: Uma história dos golpes e assassinatos da CIA
Resenha do livro de Vijay Prashad, com prefácio de Evo Morales
Durante a audiência de confirmação da sua
nomeação em fevereiro de 2020, o mais recente diretor da CIA,
William J. Burns, continuou a longa tradição da CIA de
ameaçar a Rússia e a China juntamente com a Coreia do Norte,
disse também que o Irão não deveria ter permissão
para obter uma arma nuclear.
O novo livro de Vijay Prashad,
Washington Bullets: A History of the CIA, Coups, and Assassinations
, (New York, Monthly Review Press, 2020)
detalha como a invenção de ameaças do estrangeiro tem sido
historicamente usada pela CIA para travar guerras contra o Terceiro Mundo, a
fim de aumentar o domínio das transnacionais dos EUA. No
prefácio, Evo Morales Ayma, ex-presidente da Bolívia que foi
deposto por um golpe apoiado pelos EUA em 2019, escreve que o livro de Prashad
é sobre "balas que assassinaram processos democráticos, que
assassinaram revoluções e que assassinaram
esperanças."
Vijay Prashad é um distinto analista político que escreveu
importantes estudos sobre as intervenções imperialistas, as
transnacionais e movimentos políticos do Terceiro Mundo. O seu
último livro sintetiza a riqueza dos seus conhecimentos e inclui
revelações pessoais de ex-agentes da CIA, como o falecido Charles
Cogan, chefe do
Directorate of Operations
para o Próximo Oriente e Sul da Ásia (1979-1984), que disse a
Prashad que no Afeganistão a CIA tinha desde o início
"financiado os piores parceiros, muito antes da revolução
iraniana e muito antes da invasão soviética".
Washington's Bullets
inicia-se na Guatemala com o golpe de 1954 que derrubou, Jacob Arbenz, cuja
moderada reforma agrária ameaçava os interesses da United Fruit
Company. A sociedade de advogados do secretário de Estado John Foster
Dulles, Sullivan & Cromwell, havia representado a United Fruit, e tanto Dulles
como seu irmão Allen, diretor da CIA entre 1953 e 1961, eram seus
grandes acionistas.
O ex-diretor da CIA Walter Bedell Smith tornou-se presidente da United Fruit
após a remoção de Arbenz e a secretária pessoal do
presidente Dwight Eisenhower, Ann Whitman, era esposa do diretor de publicidade
da United Fruit, Edmund Whitman. Depois do golpe, o sucessor de Arbenz,
Castillo Armas, afirmou que "se for necessário transformar o
país num cemitério para pacificá-lo, não hesitarei
em fazê-lo".
A CIA ajudou no banho de sangue fornecendo a Castillo listas de comunistas e,
como presente, o seu
manual de assassinatos
. Este manual foi posteriormente
aplicado em operações dirigidas contra nacionalistas do Terceiro
Mundo, como Patrice Lumumba do Congo (1961), Mehdi Ben Barka do Marrocos
(1965), Che Guevara (1967) e Thomas Sankara do Burkina Faso (1987).
Sankara foi morto numa conspiração executada em estreita
coordenação entre um agente da CIA da embaixada dos Estados
Unidos em Burkina Faso e o serviço secreto francês, SDECE.
De acordo com Prashad, embora "muitas das balas dos assassinos tenham sido
disparadas por pessoas que tinham seus próprios interesses paroquiais,
rivalidades mesquinhas e ganhos mesquinhos, na maioria das vezes, foram 'balas
de Washington'". O seu principal objetivo, diz, era "conter a onda
que varreu o mundo a partir da Revolução de Outubro de 1917 e as
muitas ondas que se desencadearam para formar o movimento
anticolonialista".
Prashad, como indicam estes comentários, enraíza os crimes da CIA
na história mais ampla do colonialismo e na hostilidade das elites
capitalistas mundiais contra o aumento de poder da classe trabalhadora gerado
pela revolução russa. O imperialismo, ele lembra-nos, é a
tentativa de "subordinar as pessoas para maximizar o roubo de recursos,
trabalho e riqueza". Os alvos das balas de Washington foram aqueles que,
como Sankara e muitos outros, tentaram afirmar a soberania económica de
sua nação.
O padrão de comportamento da CIA foi estabelecido logo após a
Segunda Guerra Mundial, apoiando na Europa fações
políticas que haviam colaborado com os nazis contra os comunistas que
lideravam a resistência ao nazismo. O trabalho da CIA, como Prashad
escreve, ajudou a trazer de volta o cadáver da política
reacionária para o bloco europeu.
No Japão, isso significou a criação de um novo partido
(Partido Liberal Democrático, LDP) para derrotar os socialistas,
absorvendo velhos fascistas (Ichiro Hatoyama e Nobusuke Kishi) e desenvolvendo
laços duradouros com as grandes empresas e o crime organizado (Yoshio
Kodama). Nobusuke Kishi, um criminoso de guerra de classe A, tornou-se mais
tarde primeiro-ministro do Japão graças ao apoio dos EUA.
Em 1953, a CIA conseguiu derrubar o primeiro-ministro do Irão, eleito
democraticamente, Mohammed Mossadegh, que procedera à
nacionalização da indústria petrolífera iraniana.
De 1960 a 1965, a agência tentou assassinar o líder
revolucionário cubano Fidel Castro pelo menos oito vezes, enviando
mafiosos com pílulas de veneno, canetas de veneno, um charuto
envenenado, um traje de mergulho com tuberculose, toxina botulínica e
outros agentes bacterianos mortais. No total, foram feitas 638 tentativas de
assassinato todas falharam.
Ngo Dinh Diem, presidente do Vietname do Sul, era um favorito dos EUA. A CIA
também orquestrou um golpe no Vietname do Sul em 1963 contra os
irmãos Diem quando eles tentaram uma aproximação à
Frente de Libertação Nacional
[1]
.
Um outro golpe foi levado a cabo na Indonésia contra o governo
socialista de Achmed Sukarno, desencadeando em 1965 um banho de sangue
anticomunista. O general Suharto, foi escolhido para liderar o golpe de 1965
apoiado pela CIA. Ele ordenou massacres contra o Partido Comunista da
Indonésia (PKI) que resultou em cerca de um milhão de mortos.
O golpe indonésio de 1965 como os precedentes na Guatemala e no
Irão e o seguinte no Chile seguiu um
modus operandi
envolvendo nove etapas diferentes:
1. Criar um grupo de influência para pressionar a opinião
pública
2. Designar o homem certo no terreno
3. Certificar-se de que os generais estão preparados
4. Provocar uma crise económica
5. Garantir o isolamento diplomático
6. Organizar grandes protestos de rua
7. Dar o sinal verde
8. Assassinato
9. Negar
Aperfeiçoado e refinado ao longo dos anos, quase todas estas etapas
foram aplicadas mais recentemente no golpe Maidan de 2014 na Ucrânia e no
golpe de direita contra Evo Morales na Bolívia em 2019.
Com respeito à economia, Prashad descobriu um estudo da CIA do
início dos anos 1950 sobre como prejudicar a indústria cafeeira
da Guatemala a fim de minar o governo Arbenz. Este estudo foi o precursor da
campanha mais conhecida do governo Nixon de "fazer sofrer a economia do
Chile" depois de os chilenos terem tido a ousadia de eleger um socialista,
Salvador Allende, que nacionalizou a indústria do cobre do Chile
(indústria antes controlada por duas empresas americanas, Kennecott e
Anaconda, que fizeram lóbi pelo golpe).
O chefe da estação da CIA na época do golpe chileno de
1973, que levou o general fascista Augusto Pinochet ao poder, era Henry
Hecksher. Ele havia trabalhado clandestinamente como comprador de café
na Guatemala na época do golpe contra Arbenz e subornou o coronel
Hernán Monzon Aguirre, que se tornou o líder da junta que
substituiu Arbenz.
Depois de ser promovido, Hecksher liderou as operações de
subversão da CIA no Laos e na Indonésia no final dos anos 1950 e
início dos 1960, antes de, no México, executar um projeto contra
a revolução cubana. Hecksher era o equivalente a figuras
sinistras como Lincoln Gordon, um anticomunista implacável que ajudou a
orquestrar o golpe de 1964 no Brasil; Marshall Green, que ajudou a desencadear
o golpe de 1965 na Indonésia; o agente da CIA Kermit Roosevelt ou o
funcionário do Departamento de Estado Loy Henderson, que ajudaram a
realizar o golpe contra Mossadegh.
As embaixadas dos EUA desempenharam um papel tão direto nos golpes em
tantos países que durante a Guerra Fria era uma piada popular: "Por
que nunca há golpes nos Estados Unidos? Porque lá não
há embaixadas dos EUA".
Um truque destas ações era o recrutamento de ativistas sindicais
que pudessem expurgar comunistas e organizar greves contra governos de esquerda
que ajudassem a facilitar o seu fim
[2]
. "Tudo era aceitável", escreve Prashad, "para minar a
luta de classe, tanto dentro da Europa quanto na libertação
nacional de Estados".
A atenção de Prashad às divisões de classe
apresenta um antídoto para as habituais histórias de liberais
sobre a CIA como o livro
Legacy of Ashes
de Tim Weiner que apresenta boas informações, mas
não consegue analisar o que motivou a atividade desonesta da CIA.
Prashad escreve que "seja na Guatemala ou na Indonésia, ou pelo
Programa Phoenix de 1967 (ou Chien dich Phung Hong) no Vietname do Sul, o
governo dos EUA e seus aliados incitaram os oligarcas locais e seus amigos das
forças armadas a dizimar completamente a esquerda". O Programa
Phoenix foi um desastre no Vietname como seria no Afeganistão e o
New York Times
deveria saber isso.
Na América do Sul, a Operação Condor, dirigida pela CIA,
matou cerca de 100 mil pessoas e prendeu cerca de meio milhão.
A CIA aliou-se com ex-nazis torcionários como Klaus Barbie, um agente
altamente graduado dos serviços de segurança do General Hugo
Banzer, presidente da Bolivia de 1971 a 1978, e figura chave da
operação Condor. Muitas das vítimas da
operação Condor eram defensores da teologia da
libertação, que procurava aplicar o evangelho cristão
às causas de justiça social.
A CIA ajudou também a liquidar o progresso em África apoiando
atos como o golpe de 1971 no Sudão pelo coronel Gafar Nimiery, que
depôs o major comunista Hashem al-Atta e resultou na
execução do fundador do Partido Comunista do Sudão, Abdel
Khaliq Mahjub.
No Médio Oriente, a cruzada da CIA contra o comunismo resultou numa
preferência por fundamentalistas islâmicos como a família
real saudita e o general paquistanês Zi-al-Huq (1978-1988), que mandou
enforcar o seu antecessor Zulfaqir Ali Bhutto e armou violentos
fundamentalistas jihadistas para no Afeganistão continuarem a guerra
santa contra a União Soviética.
Quando um projeto do Terceiro Mundo surgiu na década de 1970 para
promover a ideia de uma Nova Ordem Económica Internacional (NOEI)
baseada no princípio do nacionalismo económico, Washington
trabalhou para minar o seu avanço por meio da
deslegitimação da Assembleia Geral da ONU, que havia apoiado a
NOEI em 1974. Foi neste período que os EUA começaram a pressionar
o FMI para vincular empréstimos a programas de ajuste estrutural que
eliminavam serviços do Estado e eram benéficos para as empresas
multinacionais.
No século XXI, Washington usou descaradamente sanções para
tentar minar governos desafiadores. Também ajudou a fabricar
escândalos de corrupção, como os que derrubaram os
políticos progressistas Lula e Dilma Rousseff no Brasil, cujas
políticas tiraram quase 30 milhões de brasileiros da pobreza.
Prashad termina seu livro com uma citação de Otto René
Castillo (1936-1967), poeta que levou os seus cadernos para as selvas da
Guatemala na década de 1960 para lutar contra a ditadura imposta pelos
EUA. Castillo escreveu:
"A coisa mais linda
Para aqueles que lutaram a vida inteira
É chegar ao fim e dizer
Acreditámos nas pessoas e na vida,
E a vida e as pessoas
Nunca nos dececionaram".
"Apolitical Intellectuals"
de Otto Rene Castillo, poeta e ativista guatemalteco.
Estas palavras deviam perseguir todas as pessoas que trabalharam para a CIA;
uma instituição do lado errado da humanidade desde a sua
criação.
No cenário político cada vez mais autoritário de hoje, as
críticas à CIA são poucas e raras. Muita gente que se
considera de esquerda acredita na desinformação da CIA sobre a
Rússia especialmente quando Donald Trump foi acusado de ser um
agente russo e celebram um presidente, Barack Obama, que foi grande
apoiante da CIA.
O presidente Obama selecionava com John O. Brennan da CIA, alvos a serem mortos
em ataques de drones. Os dois são figuras reverenciadas em alguns
círculos liberais (considerados de esquerda).
O livro de Prashad é neste sentido especialmente importante. Temos
esperança, que provoque a emergência de um movimento, que
há muito está a faltar, para abolir a CIA e suas
ramificações como a National Endowment for Democracy (NED).
NT
[10]
Ngo Dihn Dien
: um criminoso utilizado por Washington. Foi afastado e morto no golpe de
Estado militar fomentado pelos EUA quando pretendeu seguir uma política
menos dependente.
[2] Recordemos a intenção de um dos impulsionadores da central
sindical divisionista UGT: "quebrar a espinha à Intersindical"
(CGTP).
Washington Bullets
pode ser descarregado
aqui
.
[*]
Editor executivo do
Covert Action Magazine.
É autor de quatro livros sobre a política externa dos EUA,
incluindo
Obama's Unending Wars
(Clarity Press, 2019) e
The Russians Are Coming, Again
, with John Marciano (Monthly Review Press, 2018). Contacto:
jkuzmarov2@gmail.com
O original encontra-se em
covertactionmagazine.com/...
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
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