Um conto de duas cimeiras
por Finiam Cunningham
[*]
É quase um espectáculo surreal ver a ordem mundial a alterar-se
perante os nossos olhos. A visão da cimeira dos G7 ocidentais a colapsar
em azedume no fim-de-semana estava em contraste total com a positiva e
exuberante conferência da
Organização de Cooperação de Xangai
(SCO), realizada ao mesmo tempo na China.
No fim-de-semana, o conto das duas cimeiras ilustra mais do que nunca uma
mudança histórica na ordem global. A ordem ocidental liderada
pelos EUA está evidentemente a quebrar-se, dando lugar a um novo
paradigma multilateral liderado principalmente pela China e pela Rússia.
Potencialmente, esta última trajectória está marcada por
uma verdadeira cooperação e relações
pacíficas, em oposição à velha ordem
norte-americana, marcada pela hegemonia e ambições unipolares que
inevitavelmente fomentam conflitos.
A partida abrupta e áspera do presidente americano Donald Trump da
cimeira do G7 no Canadá esclareceu-nos eloquentemente. Durante o
fim-de-semana, Trump discutiu com os outros líderes ocidentais e Shinzo
Abe do Japão sobre várias disputas comerciais. Então Trump
incisivamente saiu mais cedo do encontro numa atitude de desprezo pelo
anfitrião canadiano, o primeiro-ministro Justin Trudeau, com destino a
Singapura para se encontrar com o líder norte-coreano Kim Jong-Un.
O simbolismo foi claro. Era como se o líder americano mostrasse
desdém por um fórum ineficaz, indo tratar de assuntos muito mais
importantes. O ponto de encontro entre Trump e Kim em Singapura também
revelou um novo ímpeto oriental na geopolítica.
Trump é o primeiro presidente americano a encontrar-se com um
líder norte-coreano. Tecnicamente, os dois países estão
ainda em guerra sem nunca ter sido assinado um Tratado de Paz para acabar com a
guerra de 1950-53. Este ânimo poderia tudo mudar nessa semana se os dois
líderes estabelecessem uma relação, que possibilitasse uma
redução das forças militares na península coreana.
Kim chegou a Singapura dois dias antes da sua reunião histórica
programada com Trump para terça-feira. Este último também
chegou um dia mais cedo. Na viagem ao exterior altamente incomum de Kim
registada pela terceira vez como líder norte-coreano estava a
bordo de um Air China 747, por cortesia do governo de Pequim. Novamente, o
simbolismo foi evidente. A China estava pragmaticamente a facilitar este
encontro crucial entre os dois adversários.
A cimeira do G7, que Trump deixou para trás, foi um fracasso vergonhoso.
Os líderes da Grã-Bretanha, Alemanha, França,
Canadá, bem como altos funcionários da União Europeia
ficaram revoltados pelo arrogante desdém do presidente americano pelo
acordo de comércio multilateral. Trump rudemente franziu as sobrancelhas
aos supostos "aliados americanos com reclamações sobre
"injustas" tarifas comerciais. É difícil saber quem
está certo na disputa comercial, mas uma coisa ficou clara: o grupo G7
das nações ocidentais mais o Japão um fórum
criado há 43 anos ficou em completa desordem e profundo
descontentamento.
A postura combativa de Trump atirou a cimeira para o lado antes mesmo de chegar
a Quebeque quando anunciou, ao sair de Washington que a Rússia deveria
ser readmitida no G7. A Rússia fora expulsa do anterior G8 em 2014 por
alegações ocidentais de que Moscovo havia interferido na
soberania da Ucrânia.
Os outros membros do G7, especialmente a primeira-ministra do Reino Unido,
Theresa May, ficaram indignados com a oferta do Trump à Rússia.
Apenas a Itália do recém-chegado primeiro-ministro populista
Giuseppe Conte, concordou com a posição do Trump, consistente com
a forma como o novo governo em Roma quer restaurar relações
europeias com a Rússia. Outro sinal característico de movimento
para o Leste da política internacional.
Quando o presidente americano se encaminhou para a cimeira do G7 para ser
cumprimentado por Trudeau do Canadá a linguagem corporal era de
relutância e constrangimento. No fim-de-semana decaiu para brigas e
insultos. Trump chamou mesmo a Trudeau "desonesto" e
"fraco". Enquanto isto, o presidente francês Emmanuel Macron
não mostrou nenhuma relação íntima bajuladora para
com Trump como tinha feito anteriormente. Macron apelou mesmo a um novo formato
de G6 sem a "hegemonia" dos EUA.
O contraste com a conduta na cimeira da SCO na China não poderia ter
sido maior. O Presidente Xi Jinping calorosamente saudou o seu homólogo
russo, Vladimir Putin, bem como os líderes da Índia,
Paquistão, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão,
Uzbequistão e Irão. O convívio unido destes líderes
estava em nítido contraste com a desunião e disputas no G7.
A presença da Índia e do Paquistão como dois novos membros
da SCO sentados juntos depois de décadas de guerra e de conflito foi um
poderoso testemunho para o novo paradigma geopolítico em ascensão
no Oriente.
As nações da SCO prometeram redobrar os esforços de
parceria no desenvolvimento económico e de segurança comum. O
presidente Xi disse que uma nova ordem global irá seguir-se, com base na
parceria, não na hegemonia de um poder, afirmando-se ele próprio
sobre os outros, como é o caso da ordem liderada pelos EUA.
O presidente Hassan Rouhani, do Irão, expressou gratidão a Xi e
Putin por liderarem o caminho na construção de um novo formato
global baseado no respeito multilateral. O líder iraniano agradeceu
à China e à Rússia pelo seu firme apoio ao acordo nuclear
internacional, que Trump está tentando minar retirando os EUA
unilateralmente. Resta ver se os europeus irão adequadamente apoiar o
acordo nuclear. Mas a sua ineficiência frente a Trump na Cimeira do G7
sugere que eles não têm coragem de cumprir os seus compromissos.
XI e Putin justamente lembraram através de declarações
públicas durante a reunião da SCO, que o encontro Trump-Kim em
Singapura, estava a seguir as suas propostas anteriores para um diálogo
pacífico entre os EUA e a Coreia do Norte. No ano passado, quando Trump
e Kim foram envolvidos em impetuosas trocas retóricas, ameaçando
uma guerra nuclear, foram a China e a Rússia que advogaram o
diálogo pacífico como a única via a seguir.
A ordem ocidental após a Segunda Guerra Mundial, que prevaleceu por mais
de sete décadas, está sem dúvida a desvanecer-se. Essa
ordem, dominada pelos EUA, foi sempre algo ilusória. Longe de parceria
mútua e reivindicações virtuosas, a ordem liderada pelos
EUA tratou-se sempre de domínio do capitalismo americano e objetivos
imperialistas.
Os europeus nunca foram realmente aliados. Eles foram apêndices do poder
americano. Agora que o poder americano tem decaído, as rivalidades
inter-ocidentais ganham arestas mais cortantes. O desejo americano de controlo
hegemónico é limitado pelo seu poder a reduzir-se. Assim,
Washington recorre às mais descaradas táticas de
intimidação para com os seus supostos aliados que agora
estão a perceber o seu verdadeiro papel de nada mais que vassalos.
No entanto, o "excepcionalismo" unipolar americano é um
insulto no mundo de hoje de interconexão global e consciência dos
princípios da igualdade e da diplomacia.
A China e a Rússia, sob a liderança de Xi Jinping e Vladimir
Putin, estão num nível evolutivo da consciência
política que excede o dos EUA e o seu círculo de lacaios
ocidentais.
A Cimeira SCO demonstrou plenamente a nova ordem global de parceria para o
progresso e a paz. O G7, de brigas e calúnias, representa as cinzas de
uma velha ordem.
Isso não garante que a paz no mundo prevaleça. A visão
está certamente lá e crescentemente graças à China
e à Rússia e outros do hemisfério Oriental. O desafio
crucial é como o moribundo Império Ocidental liderada pelos EUA
de hegemonia capitalista e imperialismo pode com segurança ser
transformado em parceria multilateral, pacífica.
Ver também:
Seven Against Eight or 2+2=3
[*]
Analista de assuntos internacionais, mestre graduado em Química
Agricola, ex-editor científico da Royal Society of Chemistry, Cambridge.
Editor e redactor de
The Mirror, Irish Times
e
Independent.
O original encontra-se em
www.informationclearinghouse.info/49610.htm
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
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