EUA: viveiro ideal do COVID-19
por António Santos
Os Centros para o Controlo de Doenças e Prevenção (CDC, na
sigla inglesa) só pedem que todos os estado-unidenses façam
três coisas para evitar a propagação do COVID-19: 1)
lavar
as mãos; 2) não ir trabalhar doente; 3) se os
sintomas
persistirem, ir ao médico. Nos EUA, metade da população
só terá dinheiro para a primeira.
Comecemos pela segunda recomendação: não ir trabalhar
doente. Nos EUA, 32 milhões de trabalhadores não têm
qualquer tipo de baixa médica paga. Se tivermos em conta que 45 por
cento dos estado-unidenses têm zero dólares nas poupanças e
que outros 25 por cento têm menos de 1000 dólares para uma
emergência, ficar em casa sem salário durante 14 dias, como
sugerem os CDC, é uma impossibilidade financeira que não
só pode significar ter de escolher entre pagar a renda da casa ou a
alimentação, como pode querer dizer perder o posto de trabalho:
não há qualquer legislação que impeça o
patrão de despedir um trabalhador em
quarentena voluntária.
A terceira recomendação não é menos
problemática: nos EUA, 60 milhões de pessoas não têm
acesso a cuidados de saúde porque não podem pagar um seguro de
saúde. Para esses, um teste do COVID-19 custa em média 1000
dólares. Mesmo para os sortudos com seguro de saúde, o
preço do teste varia entre os 200 e os 600 dólares. Milhares de
estado-unidenses com sintomas suspeitos queixam-se de que os hospitais lhes
estão a negar o teste. Até ao dia 1 de Março, menos de 500
pessoas tinham conseguido fazer o teste.
Quando o número de casos positivos no país já supera os
600, a inoperância do sistema de saúde privado e sucessivamente
suborçamentado revela-se em toda a sua inoperância.
Desperdiçado um mês inteiro e crítico para a
contenção, 8,3 mil milhões de dólares foi todo o
dinheiro que o Congresso disponibilizou para enfrentar a epidemia, um
décimo do que gasta anualmente com a guerra no Afeganistão. Na
costa ocidental, a mais afectada, a crise foi recebida sem qualquer plano de
contenção. Na costa oriental faltam milhões de kits de
teste e ainda não há qualquer plano para os adquirir. De costa a
costa, a especulação agiganta os preços dos produtos
recomendados pelo CDC. Mesmo perante a possibilidade de uma pandemia, o capital
só vê oportunidades de negócio e mantém-se disposto
a lutar por elas, cêntimo a cêntimo, até ao fim.
Pode parecer paradoxal, mas o país mais rico do mundo que disputa a
vanguarda global da ciência e da tecnologia é simultaneamente um
dos mais frágeis a uma pandemia. É esta opinião que o
eminente epidemiologista Michael Mina, da Universidade de Harvard, expressou
recentemente num fórum sobre o COVID-19: "O estado do nosso sistema
de saúde, a forma como privatizámos tudo, vai afectar seriamente
a nossa capacidade. Não vamos conseguir criar novas camas, muito menos
novos hospitais, nem sequer conseguimos testar as pessoas".
Ao longo da História, as grandes pandemias nunca derrubaram o
domínio de nenhuma classe nem revolucionaram os modos de
produção vigentes. O que faz do COVID-19 um vírus
altamente contagioso é o capitalismo: engendra as misérias que o
propagam; atrofia e desorganiza a ciência que o podia travar; transforma
os Estados em meros administradores de negócios e mercados, espantalhos
inúteis e incapazes de responder às mais urgentes necessidades da
espécie humana.
12/Março/2020
O original encontra-se em
www.avante.pt/pt/2415//158454/
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
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