Queremos criar empregos? Saiamos do euro e da UE
1 - Que Europa queremos?
Caros amigos,
Deixem-me começar esta intervenção citando as palavras de
uma grande personalidade do europeísmo espanhol: Sua Alteza Real o
Príncipe das Astúrias, Don Felipe de Bourbon .
No passado dia 17 Janeiro de 2014, disse o nosso futuro rei (se um processo
constituinte republicano e federal não o remediar): "A Europa
é, para os espanhóis, uma fonte de esperança para o
futuro, não só para resolver a crise económica, mas para
enfrentar os desafios que encaramos no século XXI, num mundo
globalizado, em constante transformação . Um século XXI em
que a Europa, em que as crenças e valores que inspira e representa o
projecto europeu, estejam presentes e ocupem o lugar que merecem na cena
internacional ".
Estas sábias palavras foram ditas pelo último descendente de uma
saga de grandes reis que tanto contribuíram para a paz e a prosperidade
da Europa e do mundo: os Bourbons. Recordemos entre outros nomes
emblemáticos dessa gloriosa saga, a figura de Luís XIV da
França, a quem devemos obras magnificas como a guerra dos trinta anos
(1618-1648-1659), ou o início da colonização francesa de
Santo Domingo, enclave que permitiu ao longo do século XVIII, a um
milhão de pagãos de cor (preto) conhecer as delicias da
civilização europeia e da mensagem europeia por excelência:
o cristianismo; ou a colonização do Canadá.
Infelizmente, para a Europa, a saga Bourbónica extinguiu-se na
França, num infeliz 21 de Janeiro de 1793 (220 anos) data em que alguns
malvados se empenharam em ver aí um acto fundacional da democracia e da
modernidade. Apesar de várias tentativas dos Bourbon de regressar ao
caminho certo, neste país reina hoje um regime republicano, o resultado
do jacobinismo e dessas doutrinas perniciosas de igualdade que fossaram e
fossaram no subsolo da sociedade para vir à superfície em
várias ocasiões: 1830, 1848, 1871, 1936 e 1945.
Felizmente para o europeísmo, no nosso país, temo-nos livrado da
hidra do igualitarismo desmesurado, da democracia e do republicanismo.
Graças a isso, o ilustre europeísta Don Felipe de Bourbon poderia
entregar a medalha de Carlos V a outro europeísta ilustre: José
Manuel Durão Barroso que, como disse com certeiras palavras nesse mesmo
dia 17 Janeiro o terceiro grande europeísta que assistia ao
memorável evento, Mariano Rajoy "... com uma mão firme guiou
o navio europeu por uma década" (fim de citação).
Antes de reflectir sobre as palavras de resposta do nobre português,
deixem-me dedicar um momento a recordar emocionado esse grande símbolo
de europeísmo, paz e progresso social que dá o nome à
medalha que recebeu Barroso do príncipe Felipe, Carlos I da Espanha e V
da Alemanha, essa figura de destaque na nossa história que uniu o
império espanhol com o alemão, configurando assim a ideia de
Europa que Felipe, Mariano e José Manuel comemoravam em Yuste. Carlos V,
a quem devemos obras tão magnificamente civilizadoras como o saque de
Roma, apoio ao Concílio de Trento, as guerras contra os protestantes na
Alemanha, o esmagamento dessa hidra da anarquia que foram as Comunidades
Castelhanas (1521) e Germânicas (1523) e a consolidação da
conquista para a Europa e para o Cristianismo dessas Ilhas Afortunadas, bem
como numerosos territórios americanos que puderam assim, conhecer as
fortunas do Cristianismo e do trabalho em regime de encomenda ou de
plantação. Para resumir podemos dizer que a grande obra
europeísta de Carlos V conseguiu abrir as veias da América Latina.
Pois bem, no passado 17 de Janeiro, em Yuste, Durão Barroso pronunciou
palavras que servem de epígrafe para a reflexão que eu vou propor
a seguir: "A Europa não é o problema , é uma parte
da solução . Estamos cientes de que em economia e finanças
não há milagres e ainda não saímos do atoleiro. As
consequências da crise e em especial, o nível actual de
desemprego, permanecem inaceitáveis e não podemos
resignar-nos".
Numa única coisa estamos de acordo com Barroso: o actual nível de
desemprego é inaceitável e não podemos resignar-nos. No
entanto, na intervenção que se segue tentarei demonstrar que a
primeira parte desse parágrafo contém um erro, uma meia verdade e
uma mentira completa.
Um erro e uma meia verdade: a Europa não é o problema, tudo bem.
Mas a União Europeia é. Desse equivoco e dessa meia verdade surge
uma mentira completa: de acordo com Barroso, a União Europeia é
parte da solução.
A Europa não é o problema. Certamente o problema é o
capitalismo. Mas o mecanismo específico pelo qual o capitalismo criou no
nosso país níveis escandalosos de desemprego estrutural , de
desenvolvimento desigual e de dependência económica e social
chama-se União Europeia. Aproximemo-nos do problema.
2- A dramática situação social espanhola é o
resultado da entrada na UE, do Tratado de Maastricht, da União
Monetária e do Pacto de Estabilidade.
Estamos numa escola de formação que se realiza, invocando o nome
do camarada Fernando Sagaseta. O seu nome e a sua foto trazem de volta
memórias de um período, nos anos 80 do século passado,
quando os dois militávamos no mesmo partido.
Os companheiros dos bairros da operários e populares de Barcelona e
Tarragona exigiam a sua presença, a sua palavra, a sua
irredutível e enérgica rebeldia contra o alizamento
ideológico que representava a inoculação da ideologia
europeísta no seio do comunismo espanhol.
Com Fernando Sagaseta compartilhámos durante os anos 80 a crítica
à entrada da Espanha, no que então chamávamos o Mercado
Comum, uma denominação que definia melhor a verdadeira natureza
da chamada União Europeia. Naquela época defendíamos que:
"... a adesão à CEE era contrária aos interesses
nacionais, e que o Tratado de Adesão subscrito agravava ainda mais os
factores negativos que essa integração comportava. Temos vindo a
denunciar que a integração teria elevados custos
económicos e sociais, em muitas áreas produtivas. Que para a
classe operária, o campesinato, a pequena e média empresa e o
povo em geral, se iria produzir um agravamento generalizado das suas
condições de vida e de trabalho, generalizando-se o desemprego, a
precariedade, a marginalização e a miséria. Três
anos e meios depois da adesão, os factos demonstraram a fundamo das
nossas posições
[2]
Em 1 de Janeiro deste ano cumpriram-se 28 anos da entrada em vigor do Tratado
de Adesão. Podemos ver que essas previsões , infelizmente, se
vêm cumprindo inexoravelmente
[3]
. A minha intervenção é limitada às
consequências dessa entrada no que diz respeito ao mercado de trabalho.
Depois exporei e irei analisar alguns dos dados correspondentes à
Pesquisa da População Activa correspondentes ao quarto trimestre
de 2013
[4]
.
De acordo com a EPA,
o número de desempregados
aumentou entre o terceiro e o quarto trimestre de 2013, de 5.904.700 para
5.896.300 pessoas. Ou seja, diminuiu em 8.400 pessoas. No ano de 2013, o
número total de desempregados diminuiu em 69 mil pessoas.
Esse facto tem tido muito destaque na imprensa do regime, escondendo a
realidade do saldo total que supõe a destruição de mais de
um milhão de postos de trabalho desde que o PP chegou ao poder. O
número de empregos perdidos desde o início da crise chega a
quatro milhões de pessoas.
Adicionemos a tudo isso que o desemprego de longa duração
aumentou em 55 mil pessoas durante 2013. Também, que foram perdidos 218
mil empregos a tempo completo, enquanto os contratos a tempo parcial aumentaram
153 mil.
Alguns especialistas temem que esses postos de trabalho a tempo parcial passem
a se tornar uma nova forma de trabalho precário, em vez de uma
modalidade voluntária de trabalho para estudantes ou casos semelhantes .
Apesar da ligeira diminuição de 8.400 desempregados,
a taxa de desemprego
aumentou entre terceiro e quarto trimestre de 2013, cinco centésimos,
passando de 25,98% para 26,03%.
O paradoxo que representa de um lado, uma diminuição do
número de desempregados e, de outro , um aumento da taxa de
desempregados é devido a uma tendência que é recorrente
desde a eclosão da crise, em 2008:
a baixa do número total de activos
. Entre o terceiro e o quarto trimestre de 2013, o número de pessoas
activas passou de 22.728.000 pessoas e de 59,59 %, para
22.654.500 e 59,43%, a menor desde 2008
. A perda de pessoas activas é de -73 400 pessoas e -0,16%. Durante o
ano 2013, o número de pessoas activas diminuiu 267.900.
Por outro lado, há que destacar que a
população empregada
caiu, durante este trimestre, 65 mil pessoas, passando de 16.823.200 (3 º
trimestre) para 16.758.200 (4 º trimestre), com uma queda de -0,39%. A
diminuição da população ocupada atinge 200 mil
pessoas em 2013. A população activa total decaiu em mais de um
milhão de pessoas nos dois anos do Governo PP.
A queda total entre o quarto trimestre de 2007 e o de 2013, é 3.741.800
pessoas.
É fácil deduzir que, se o número dos activos baixa e o
número de ocupados também, estamos longe de ter criado empregos
apesar da ligeira diminuição do número de desempregados. A
baixa da taxa de actividade é dada pela via das reformas do posto de
trabalho, por meio da desistência na busca de trabalho no desemprego de
longa duração, na busca de um posto de trabalho, ou por meio da
emigração.
As famílias com todos os membros activos desempregados aumentam de
24.600 no quarto trimestre, para um total de
1.832.300
, um valor ligeiramente
menor do que o de 2012. Por outro lado, o número de famílias em
que todos os membros activos estão ocupados, baixa 32.800, ficando em
8.260.300
[5]
.
Todos os gráficos do Inquérito ao Emprego que incluí aqui
mostram uma característica comum: o INE esforça-se em mostrar a
evolução das diferentes variáveis da força de
trabalho e a taxa de desemprego a partir do 4º trimestre de 2007. Todos
eles apontam para o aumento intolerável do número de
desempregados e da taxa de desemprego, a queda da população
activa e no emprego desde o início da última crise. Tudo
pareceria indicar que a culpa do desemprego estrutural que, desde há
tantos anos vem destruindo as bases materiais da sociedade espanhola e
afundando esperanças dos espanhóis era apenas por causa da crise.
Esta maneira de apresentar as coisas contribui para alimentar a
esperança de que, uma vez superada a crise, voltarão os bons
velhos tempos, em que florescerá o crescimento económico e com
ele o emprego. Este ponto de vista é falso. Se o crescimento regressa e
algum emprego é criado, este será de qualidade infinitamente mais
pobre. As 34 reformas laborais impostas pelo FMI, pela Comissão Europeia
e BCE, terão afundado as esperanças no futuro do nosso povo.
Os bons velhos tempos não vão voltar.
Por um lado, porque não podem voltar e por outro porque os bons velhos
tempos nunca terão existido.
Vamos ter de construir uma nova sociedade sobre novas bases .
A razão para esta forte afirmação é fácil de
entender. Só é preciso querer entender. Vamos fazer isso, mas
temos que voltar alguns anos atrás na nossa história. O
período da história do mercado de trabalho espanhol deverá
ser mais longo para entender o que estou tentando explicar.
A posição periférica e dependente da Espanha em
relação às economias-centro da Europa presidiu à
industrialização dos anos 1959-1975. A Espanha experimentou uma
industrialização no sector automóvel e químico, que
permitiu às grandes empresas alemãs, holandesas, francesas e
italianas, instalar fábricas de montagem dos seus carros (45, 2% do
capital social), ou deter uma parcela significativa do capital social em
sectores como peças (industria complementar do automóvel, 62,9%
do capital social), a indústria de alimentos (27%), borracha e
plástico (75,3%), mineração não energética
(19,9%), metalurgia de não ferrosos (27,9%), vidro (57,7%), minerais
não metálicos (24,9%), química básica e industrial
(37,7%), química final (67,3%), produtos farmacêuticos (56,5%),
máquinas agrícolas (79,1%), máquinas industriais e
escritórios (29,8%), máquinas e equipamentos eléctricos
(56,4%), material electrónico (68,3%)
[6]
.
A Espanha foi um dos territórios europeus periféricos para onde
se deslocalizavam indústrias dos países da Europa Central
(também dos EUA, mas em menor proporção) em busca de
salários baixos, poucos ou nenhuns direitos sociais e estabilidade
política. A ditadura assegurava a ordem pública de que o capital
não dispunha nos países centrais. Em vez de importar
mão-de-obra barata espanhola para os países-centro, deslocalizava
capital para Espanha. Era a Nova Divisão Internacional do Trabalho
(doravante, NDIT)
[7]
. Este fenómeno produziu uma intensa urbanização da
Espanha e a mudança na estrutura de produção.
A entrada no Mercado Comum significou que essa característica de
industrialização dependente e de país periférico se
acentuara. As condições do Tratado de Adesão eram
prejudiciais para qualquer projecto de auto-desenvolvimento autónomo e
auto-sustentável para os povos que compõem o Estado espanhol. A
agricultura e os sectores da pesca, pecuária, ferro e aço,
alimentos, têxtil, papel, automóvel, editorial, química,
petroquímica, telecomunicações, etc, foram inundados por
investimentos europeus, por absorções e compras de empresas. Em
alguns casos, essas aquisições consistiram exclusivamente em
adquirir a quota de mercado correspondente e no simples encerramento da empresa.
É o caso de Altos Hornos del Mediterráneo (Sagunto) ou de Duro
Felguera, ou da indústria de massas alimentícias. Somente a banca
estava preparada para a sua integração e para sobreviver no
Mercado Único Bancário da Comunidade
[8]
.
A natureza periférica e dependente do capitalismo espanhol tem-se
acentuado durante os 28 anos de adesão à União Europeia.
Este processo, além de implicações gerais para o modelo de
desenvolvimento do Estado espanhol, teve consequências graves para os
direitos sociais dos trabalhadores. Nesta intervenção
limitar-me-ei a um aspecto, que me parece central a esta
evolução, como os números do desemprego, que são os
maiores da Europa, desde o início da transição. A
adesão à União Europeia, não só não
corrigiu, como reforçou esta situação. Um estudo realizado
por Jorge Sola Espinosa em Junho de 2009, sob o título
"Desregulamentação política do mercado de Trabalho na
Espanha (1984-1997): um programa de pesquisa"
[9]
dá-nos uma visão de um desemprego estrutural espanhol com mais
uma série que começa em 1977 e não em 2007, como as
tabelas anteriores:
[10]
A taxa de desemprego passava de 10% em 1980 para mais de 20% em 1985 e
manteve-se nesse número até 1989 atingindo um pico de 25% em
1994-95.
É impossível negar que a entrada na CE aumentou a taxa de
desemprego para níveis intoleráveis.
Além disso, entre os anos de 2001 a 2009, no calor da bolha
imobiliária deu-se uma queda na taxa de desemprego para cerca de 10%,
para voltar a subir após o colapso do sector da
construção. No gráfico abaixo, podemos ver a
continuação dessa história.
Esta elevada e estrutural taxa de desemprego foi acompanhada por um aumento da
taxa temporária entre 15% em 1987 até 34% em 1991 e a
manutenção da dita taxa entre 30 e 35%, até pelo menos
2008.
[11]
Jorge Sola examina no seu trabalho as várias reformas laborais
até 1997. Um trabalho recente da Fundação Primeiro de Maio
das CCOO contabiliza as reformas laborais desde a transição
até Fevereiro de 2014: o número ascende a 34
[12]
. Tanto o trabalho de Jorge Sola como o mais recente da Fundação
1º de Maio, concordam em mostrar que
a reforma laboral permanente
visa como único objectivo apenas a
desvalorização laboral permanente
: a precarização, o despedimento quase livre, a
diminuição dos salários e do conjunto dos custos laborais.
Apesar de tudo isso o FMI e a UE continuam exigindo mais aperto do cinto ao
povo trabalhador
[13]
.
Outro autor, Javier Sevillano elaborou um gráfico que estende o
período examinado desde o quarto trimestre de 1976 ao mesmo quarto
trimestre de 2013.
[14]
Podemos ver que em todo o período (1976-2013 = 37 anos) só em
apenas 8 anos a taxa de desemprego caiu abaixo de 10% e somente em 1976 foi de
5%, que é considerado alto em outros países.
Dizer que altas taxas de desemprego são dados estruturais em Espanha
é simplesmente ajustar-se à realidade.
Outra coisa será dizer que vamos chegar a acordo sobre a causa deste
desemprego estrutural em nosso país. Defendo que a principal
razão é a natureza dependente e periférica da
industrialização espanhola que a entrada na CE levou a extremos
intoleráveis.
Extremos que deixam sem futuro as novas gerações, extremos que
deixam sem futuro a nossa sociedade. Vejamos por um momento, a taxa de
desemprego juvenil:
A conclusão é simples: desde 1976 até hoje não
houve nenhum ano em que a taxa de desemprego entre os jovens fosse inferior a
10%. Na maioria dos anos esta taxa tem sido superior a 30 e 40% para subir
à cifra escandalosa de 60% entre os anos de 2009 e 2013. A frase: em
Espanha não há futuro, é uma realidade para mais de metade
dos jovens espanhóis
[15]
. A questão pertinente perante esta miserabilização
crescente, face ao roubo descarado do futuro dos jovens é: por que
motivo não se deu ainda uma revolução se os de baixo
não podem mais viver como viveram e / ou como esperavam viver?
Alguns intelectuais orgânicos da burguesia industrial catalã, como
Anton Costas, presidente do Círculo Económico de Barcelona,
ajudam-nos a interpretar esta situação. A razão para que o
surto social não tenha chegado onde objectivamente deveria ter chegado
é porque: "A nossa solidariedade familiar, testada em crises
anteriores, das quais todos nos lembramos de ter saido bem. Além disso,
como indivíduos, nós sabemos procurar a vida"
[16]
. Definitivamente uma das razões ocultas para a defesa apertada da
família tradicional pela direita católica está na natureza
do carácter da segurança social privada amortecedora dos efeitos
mais brutais da crise. Fechemos parêntesis.
Voltemos à natureza estrutural dos números do desemprego em
Espanha. Dizia que a industrialização espanhola dos anos sessenta
e setenta do século passado, se produziu ao abrigo das grandes lutas dos
trabalhadores na Europa e as grandes conquistas sociais e dos trabalhadores na
Europa. Estas lutas levaram o grande capital europeu a deslocalizar
investimentos industriais para o nosso país. Em vez de importar
mão-de-obra barata a partir das terras de Espanha, a indústria
europeia estabelecia-se em Espanha ou comprava indústrias espanholas.
A adesão à UE acentuou esse papel dependente e periférico
da indústria espanhola. As elevadas taxas de desemprego são
estruturais em Espanha desde 2008 (início da crise) se não desde
a entrada da Espanha na União Europeia. Acentuaram-se com a
criação euro que não foi outra coisa senão a
criação de um mecanismo ao serviço do neo-mercantilismo
alemão. Dentro da UE, a classe operária está submetida ao
leilão permanente dos baixos salários e das
condições de trabalho. A NDIT, determinada pelas grandes empresas
multinacionais dos países centrais é um laço de ferro
impossível de quebrar sem romper com a UE
[17]
.
3- Fazer despertar os porquinhos (PIIGS). Não pagar a dívida,
sair do euro, sair da União Europeia, cooperar com os outros povos dos
países periféricos.
Num livro que o meu amigo Joaquin Miras e eu publicámos recentemente,
lamentamos o fraco pensamento actual da esquerda sobre muitas questões,
incluindo a questão do papel central do trabalho na
socialização e na criação de cultura humana, bem
como na assunção de uma ideologia europeia
flou
que impede esquerda de enfrentar com coragem e determinação a
questão da União Europeia e o euro
[18]
.
Uma esquerda culturalmente forte deve recuperar e utilizar conceitos fortes da
sua própria tradição para compreender a realidade e
transformá-la. Conceitos que estão longe de ter caducado,
enquanto ferramentas explicativas dos fenómenos que vivemos. Conceitos
como imperialismo, neo -colonialismo, dependência, desenvolvimento
desigual, dialética centro-periferia, soberania nacional. Conceitos que
se aplicam totalmente à realidade da União Europeia e às
relações entre Espanha e os países centrais.
Na minha intervenção de 30 de Novembro passado no Fórum
Euro Mediterrâneo
Sair da União Europeia, uma proposta política para a
mudança na Itália, na Europa e no Mediterrâneo,
realizada em Roma, tentei aplicar essas categorias com o máximo rigor
possível , recuperando dois conceitos-chave da geopolítica
alemã: o conceito de
Lebensraum
(espaço vital) e
Lebensraumgemeinschaft
(espaço único europeu sob hegemonia geopolítica
alemã). Conceitos que além de explicar um projecto imperialista
determinado, são performativos: o grande capital alemão, ao
formulá-los, configura uma aspiração e uma
estratégia para alcançar o seu objectivos.
Na minha intervenção afirmava que os objectivos da
geopolítica alemã, ideologia "científica",
criado pelo general Haushofer no início do século XX
[19]
foram quase alcançados e examinava as maneiras em que os povos dos
países periféricos poderiam tentar libertar-se e recuperar a
soberania política, incluindo a monetária. Hoje, a realidade
é que, tanto o euro como a própria União Europeia
são instrumentos para a dominação imperialista do grande
capital, basicamente alemão, em todo o espaço europeu. A Espanha
é, inevitavelmente, um país periférico, dependente, uma
espécie de neo- colónia. Criar emprego em Espanha, é
impossível sem sair desta dependência e desta
dominação imperial. É impossível sem recuperar a
soberania, ou seja, o democracia
[20]
.
Voltando ao tema do mercado de trabalho espanhol é preciso dizer e
repetir: a catastrófica situação social espanhola é
resultado da estratégia económica adoptada repetidamente, com o
acordo, explícito e/ou tácito, de todas as forças
políticas ao longo dos últimos 35 anos: a partir da
integração da Espanha na CEE, para a qual se exigiu o primeiro
grande desmantelamento industrial dos anos 80, e posterior
liquidação, em 1994, da autonomia monetária da peseta e,
portanto, do Banco da Espanha como uma entidade ao serviço da
política soberana do Estado com o desaparecimento consequente da
possibilidade de usar a política monetária para servir as
necessidades sociais investimento público, a compra de
dívida pública, politicas cambiais, etc. A
aceitação dos acordos de Maastricht, em geral com posterior
incorporação ao projeto da moeda única. A
aceitação da disparatada proposta, explicitada com cara de pau
pelas instituições da UE. Para se integrar nessa moeda, cujo fim,
por colapso, é irreversível, como explica Pedro Montes
[21]
.
A aberrante declaração "de princípio", de
liberalismo económico "sem princípios", da chamada
Constituição Europeia, documento que proclama a imperiosa
obrigação cegamente seguida pelas directrizes da
direcção da UE de liquidar toda a regulação
e constitucionalização do mercado de trabalho, todo o controle
sobre a circulação de capitais, e toda a regulação
do uso da terra. A exigência, em suma, de que o Estado abandone
definitivamente a organização de toda a actividade pública
para dar lugar ao "mercado" e entregá-la ao capital privado etc
Relativamente a esta última fase de descomunal involução,
isto é, a fase da unidade monetária do euro, a submissão
da esquerda tem sido clamorosa
[22]
. Como se poderá ver nesta primavera de 2014 na campanha para as
eleições Europeias.
Face a toda essa situação, um grupo de cidadãos
assinámos um manifesto intitulado "Manifesto para a
recuperação da soberania económica, monetária e
cidadã. SAIR DO EURO". Os pontos essenciais do manifesto são:
-
O nosso país não pode superar a crise no àmbito do euro.
Sem moeda própria, sem autonomia monetária é
impossível enfrentar o drama social e económico, tanto mais
porque a política fiscal também foi anulada pelo Pacto de
Estabilidade, aleivosamente constitucionalizado.
-
É precisa uma moeda própria para competir e uma
política cambial soberana para prover liquidez ao sistema e estimular
uma procura razoável. E isto como a primeira condição
indispensável, mas de modo algum suficiente, para poder desenvolver uma
política avançada de controle público dos sectores
estratégicos da economia, incluindo a nacionalização do
sistema bancário, de reconstrução do tecido industrial e
agrícola, de defesa e promoção dos serviços
públicos básicos com um poderoso e progressivo sistema fiscal, de
diminuição das desigualdades e de distribuição da
riqueza, a distribuição do trabalho para combater o desemprego, a
revogação das contra-reformas do trabalho e pensões, de
respeito ao meio ambiente, etc, e abordar um processo constitucional que
permita recuperar e aprofundar a democracia.
-
O montante da dívida externa é impagável. É
na maior parte dívida do sector privado, e diz respeito aos seus agentes
resolver os problemas que ocorrem, incluindo o sector financeiro, muito
comprometido. Assim, rejeitamos qualquer operação de
"resgate" do nosso país e, pela mesma razão
consideramos como dívida completamente ilegítima a
contraída pelo Estado para fornecer fundos de salvamento às
entidades creditícias que não foram nacionalizadas .
-
No que diz respeito à dívida pública, o Estado deve
fazer uma profunda reestruturação da mesma (abandono,
moratória, conversão de moeda nacional) para aliviar a
pressão esmagadora que as contas públicas suportam. Em caso
contrário, pode ser irremediável a falência do sector
público
[23]
.
No entanto, sectores importantes da esquerda, incluindo economistas como Miren
Etxezarreta, avançaram comentários para esta proposta no sentido
de que, embora entrar no Mercado Comum fosse um erro para a Espanha, sair de
forma unilateral teria consequências mais graves. Seria mesmo
impossível, dado o grau de dependência internacional da economia
actual. Pessoalmente, não compartilho dessa crítica, embora
reconheça que contém elementos bem fundamentados.
Na verdade, um defensor da saída unilateral do euro, como Costas
Lapavitsas analisou os cenários difíceis e o sofrimento que
representaria uma retirada unilateral. No entanto, este mesmo economista
considera esses sacrifícios como necessários, se em algum momento
se quiser sair da situação gravíssima em que nos
encontramos
[24]
. Não é possível continuar no euro e na UE sem atingir
níveis de desastre social incomensuráveis.
Dois economistas, um basco, Joaquín Arriola, e outro italiano, Luciano
Vasapolo, desenvolveram uma alternativa mais ambiciosa:
Quebrar o europolo para construir o Alba euro mediterrânea
[25]
. A sua abordagem consiste em que tem que se deixar o euro e romper com a
União Europeia, mas ao mesmo tempo criar um espaço de
cooperação dos países periféricos do sul e uma
moeda entre eles. Para estes autores, esta é a condição
para que a saída do euro tenha reunidas as condições para
resolver graves problemas sociais que enfrentam nossos povos. Esta ideia
envolve numerosas dificuldades que discuti no meu discurso em Roma no passado
30 de Novembro, acima mencionado. No entanto, apesar de todas as dificuldades
essa parece ser a única maneira que pode mover os nossos povos, se eles
quiserem atingir um desenvolvimento humano
[26]
justo, independente e sustentável. Se, na verdade, queremos salvar a
nossa sociedade.
Quando há mais de quarenta anos, nos juntámos à luta pela
emancipação da classe operária e do povo, ninguém
disse a Fernando Sagaseta ou a Joaquín Sagaseta, ninguém disse a
qualquer um de nós que essa luta seria curta e fácil. Estamos
nela e, talvez não vejamos o seu fim. Mas vamos seguir em frente. Disso
não haja a menor dúvida.
Notas
2 -
PCPE, A proposta comunista,
Programa eleitoral para as eleições do Parlamento Europeu, de
15 de Junho de 1989, p. 17. Arquivo Joan Tafalla. O programa incluía uma
análise crítica das consequências negativas para a Espanha
da sua integração na então Comunidade Europeia.
Apresentavam-se dados das implicações sobre os diversos sectores
da economia espanhola. Os fracos resultados da eleição feita pela
PCPE e o PCC nessa campanha, mostrou como era minoritária essa
visão crítica entre a população e até mesmo
entre a esquerda. A minha intervenção de hoje tenta mostrar que,
pelo menos no que se refere à questão do emprego, essas
análises não eram nada infundadas.
3 - Como é sabido, o tratado de adesão foi assinado em 12 de
Junho de 1985, foi aprovado pelas Cortes mediante a Lei Orgânica 10/1985
de 2 de Agosto do mesmo ano e entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1986.
4 - A intervenção preparada para o acto teria em conta os dados
do terceiro trimestre de 2013. No mesmo dia do acto (23/Janeiro/2014) eram
publicados os dados relativos ao quarto trimestre que se integraram nesta
redacção final.
5 - Inquérito à população activa (EPA), quarto
trimestre de 2013. INE, comunicados de imprensa, p. 7.
6 - Dados de 1981 fornecidos por Mikel Buesa e José Molero,
Estrutura industrial de Espanha,
Madrid, Fondo de Cultura Económica, 1988, p. 165.
7 - Folker Froebel, Jürgen Heinrichs, Otto Kreye,
A nova divisão Internacional do Trabalho. Desemprego estrutural nos
países industrializados e industrialização dos
países em desenvolvimento,
Madrid, Siglo XXI editores, 1980.
8 - Eu uso a breve análise do Tratado de Adesão em Mikel Buesa e
José Molero, op.cit., Pp . 71-74. Também:
A integração da Espanha na Comunidade Europeia,
in PCPE,
A proposta comunista,
Programa Eleitoral para as eleições do Parlamento Europeu de 15
de Junho de 1989, p. 17-23. Assim como: Joan Planas,
A Integração na CE um facto negativo. Renegociação
do tratado de adesão como uma alternativa actual
, in: A proposta comunista sobre o Mercado Comum, III Jornades PCC sobre a
CEE, Barcelona, Edicions Avant (CAEPISSA), 1989, pp 13-24 .
9 - Jorge Sola Espinosa,
A desregulamentação política do mercado de trabalho em
Espanha (1984-1997): O programa de pesquisa
, escrito em Junho de 2009 e publicado em Revista de Economia critica, 2010,
vol . 9 , pp . 4-30 .
Descarregamento:
http://revistaeconomiacritica.org/sites/default/fi ... / n9/1_Jorge_Sola.pdf
.
também publicado no site da Espai Marx:
http://www.espai-marx.net/ca?id=8689
. A meu ver o artigo de Jorge Sola é um bom resumo das mudanças
no mercado de trabalho espanhol entre as duas datas incluídas na sua
cronologia, embora pareça que ele não enfatiza o suficiente o que
no meu ponto de vista é a principal causa do desemprego e da
insegurança estrutural que aflige o nosso povo trabalhador: a
dependência da Espanha em relação aos países do
centro imperial constituído pela União Europeia. Para ampliar o
período examinado pelo autor pode-se completar a leitura este artigo com
outro de sua autoria:
O legado histórico Franquista e o mercado de trabalho na Espanha,
apresentado pelo nosso autor em 11 de Julho de 2013 no XI Congresso Espanhol
de Sociologia.
Para descarregamento em:
http://www.fes-web.org/congresos/11/ponencias/334/
. Neste trabalho, Sola desmonta o mito da rigidez do mercado de trabalho
espanhol, maliciosamente construído pelos obreiros das várias
reformas laborais.
10 - Sola Jorge Espinosa "
A política de desregulamentação
... " , op.cit. p . 16 .
11 - Sola Jorge Espinosa "
A política de desregulamentação
... " , op.cit. p . 19 .
12 - AAVV , 34
Reformas laborais. Análise de seu alcance e efeitos. menos
ocupação, mais desemprego , mais precariedade,
Fundação 1º de Maio, CCOO, Madrid, Fevereiro de 2014.
13 - O FMI pede para baixar mais os salários porque o Outono de 2010
não compensou sua subida acumulada Up :
www.rtve.es/...
,
www.cadenaser.com/...
. Cristine Lagarde defende que a reforma trabalhista espanhola é um
sucesso, apesar da elevada taxa de desemprego,
www.infolibre.es/noticias/economia/2014/01/28/lagarde_reforma_del mercado_laboral_espana_muestra_senales_exito_12849_1011.html
, o FMI diz que metade dos empregos perdidos em Espanha não foi por
causa da crise:
http://noticias.lainformacion.com/economia-negocios-y finanzas/macroeconomia/el-
14 - Javier Sevillano,
"Emprego e desemprego na Espanha. A sua evolução desde
1976"
javiersevillano.es/EPA.htm
. Os gráficos muito interessantes desenvolvidos por Sevillano,
contêm Informações importantes: os períodos de
governo de seis chefes de governo desde a transição até ao
presente. Sevillano tira conclusões que não compartilhamos.
Considera que tanto o PP como o PSOE são meros executores, com nuances
da política económica que Interessa ao capital, parece mais
apropriado chamar a atenção para elementos mais estruturais e
duradouros, tais como a divisão internacional do trabalho, a entrada na
União Europeia, sucessivas reformas laborais movidas por ambas as partes
ou a reacção ao estouro da bolha imobiliária e a
submissão de ambos os partidos aos grandes bancos espanhóis e
especialmente alemães. Esta discrepância na
avaliação do gráfico não diminui a sua qualidade
informativa.
15 - Este é o significado da campanha
No nos vamos, nos echan;
http://www.publico.es/451496/espana-no- é país - para -jovens
16 -
Reformando temos sido mais eficientes do que os alemães.
Entrevista com Anton Costas por Lluís Amiguet,
La Vanguardia,
Janeiro 21, 2014, p. 56 .
17- Vozes minoritárias na esquerda espanhola, mas nem por isso menos
sérias e rigorosas denunciaram esta situação após
três anos de adesão à União Europeia. Veja-se as
obras de Anjos Martínez, Pere Joan Planas i Fernández e Joan
Pallisé, entre outros, no volume colectivo
La proposta Comunista enfront Mercat comu,
III Jornades PCC na CEE , ob . cit. A situação actual piorou em
vez de melhorar.
18 - Joaquín Miras, Joan Tafalla,
A esquerda como um problema
, o Viejo Topo, 2013 , pp 12-20 27-28
19 - Karol Haushofer,
Da geopolítica
, Prefácio de Jean Klein.
Introduction de
Hans- Adolf Jacobsen, Paris, Fayard,
Géopolitiques et estratégies
, 1986. Andreas Dorpalen,
Geopolítica em Ação, O mundo da Geral Haushofer
, Buenos Aires, Ebb Editorial, 1982.
20 - Joan Tafalla,
¿Cómo construir un bloque histórico de los países del
Mezzogiorno europeo por la recuperación de la democracia, de la
soberanía nacional y del desarrollo social y ecológicamente
justos?
, publicado en la web de Espai Marx,
www.espai-marx.net/ca?id=8605#sdfootnote8anc
21 - MONTES, Pedro,
La historia inacabada del euro,
Madrid, Editorial Trotta, 2001. AAVV (GUTIERREZ, Eduardo, AYALA, Iván,
ALBARRACIN, Daniel y MONTES, Pedro)
Qué hacemos con el euro,
Madrid, Akal, 2012.
22 Joaquin Miras, Joan Tafalla, ob.cit. pp. 42-45.
23 - O signatário desta intervenção é também
um dos signatários do manifesto. Pode-se consultar o manifesto e outros
documentos, artigos e vídeos na web
Sair do Euro:
http://salirdeleuro.org/
24 - Costas Lapavitsas,
Crise na Zona Euro
, Madrid, Captain Swing, 2013.
25 - Colocado em El Viejo Topo, julho de 2013. Pode ser encontrado em:
http://www.elviejotopo.com/web/revistas.php?numRevista=306-307
. Pode-se consultar anuncio do fórum em
http://www.contropiano.org/articoli/item/20171
26 Note-se que não usei o conceito de crescimento em nenhum
momento, mas sim o de desenvolvimento. As razões não podem ser
desenvolvidas aqui, mas parecem-me óbvias.
[*]
Economista. Intervenção a 23/Janeiro/2014 em Las Palmas de Gran
Canaria no encontro
"Como construir essa outra Europa necessária". O texto
então
redigido foi revisto e ampliado. Última redacção em
11/Fevereiro/2014.
O original encontra-se em
marxismocritico.com/...
. Tradução de Guilherme Coelho.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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