Queremos criar empregos? Saiamos do euro e da UE

por Joan Tafalla [*]

Manifestação em Madrid contra o pagamento da dívida, os despedimentos e os governos da troika

1 - Que Europa queremos?

Caros amigos,

Deixem-me começar esta intervenção citando as palavras de uma grande personalidade do europeísmo espanhol: Sua Alteza Real o Príncipe das Astúrias, Don Felipe de Bourbon .

No passado dia 17 Janeiro de 2014, disse o nosso futuro rei (se um processo constituinte republicano e federal não o remediar): "A Europa é, para os espanhóis, uma fonte de esperança para o futuro, não só para resolver a crise económica, mas para enfrentar os desafios que encaramos no século XXI, num mundo globalizado, em constante transformação . Um século XXI em que a Europa, em que as crenças e valores que inspira e representa o projecto europeu, estejam presentes e ocupem o lugar que merecem na cena internacional ".

Estas sábias palavras foram ditas pelo último descendente de uma saga de grandes reis que tanto contribuíram para a paz e a prosperidade da Europa e do mundo: os Bourbons. Recordemos entre outros nomes emblemáticos dessa gloriosa saga, a figura de Luís XIV da França, a quem devemos obras magnificas como a guerra dos trinta anos (1618-1648-1659), ou o início da colonização francesa de Santo Domingo, enclave que permitiu ao longo do século XVIII, a um milhão de pagãos de cor (preto) conhecer as delicias da civilização europeia e da mensagem europeia por excelência: o cristianismo; ou a colonização do Canadá.

Infelizmente, para a Europa, a saga Bourbónica extinguiu-se na França, num infeliz 21 de Janeiro de 1793 (220 anos) data em que alguns malvados se empenharam em ver aí um acto fundacional da democracia e da modernidade. Apesar de várias tentativas dos Bourbon de regressar ao caminho certo, neste país reina hoje um regime republicano, o resultado do jacobinismo e dessas doutrinas perniciosas de igualdade que fossaram e fossaram no subsolo da sociedade para vir à superfície em várias ocasiões: 1830, 1848, 1871, 1936 e 1945.

Felizmente para o europeísmo, no nosso país, temo-nos livrado da hidra do igualitarismo desmesurado, da democracia e do republicanismo. Graças a isso, o ilustre europeísta Don Felipe de Bourbon poderia entregar a medalha de Carlos V a outro europeísta ilustre: José Manuel Durão Barroso que, como disse com certeiras palavras nesse mesmo dia 17 Janeiro o terceiro grande europeísta que assistia ao memorável evento, Mariano Rajoy "... com uma mão firme guiou o navio europeu por uma década" (fim de citação).

Antes de reflectir sobre as palavras de resposta do nobre português, deixem-me dedicar um momento a recordar emocionado esse grande símbolo de europeísmo, paz e progresso social que dá o nome à medalha que recebeu Barroso do príncipe Felipe, Carlos I da Espanha e V da Alemanha, essa figura de destaque na nossa história que uniu o império espanhol com o alemão, configurando assim a ideia de Europa que Felipe, Mariano e José Manuel comemoravam em Yuste. Carlos V, a quem devemos obras tão magnificamente civilizadoras como o saque de Roma, apoio ao Concílio de Trento, as guerras contra os protestantes na Alemanha, o esmagamento dessa hidra da anarquia que foram as Comunidades Castelhanas (1521) e Germânicas (1523) e a consolidação da conquista para a Europa e para o Cristianismo dessas Ilhas Afortunadas, bem como numerosos territórios americanos que puderam assim, conhecer as fortunas do Cristianismo e do trabalho em regime de encomenda ou de plantação. Para resumir podemos dizer que a grande obra europeísta de Carlos V conseguiu abrir as veias da América Latina.

Pois bem, no passado 17 de Janeiro, em Yuste, Durão Barroso pronunciou palavras que servem de epígrafe para a reflexão que eu vou propor a seguir: "A Europa não é o problema , é uma parte da solução . Estamos cientes de que em economia e finanças não há milagres e ainda não saímos do atoleiro. As consequências da crise e em especial, o nível actual de desemprego, permanecem inaceitáveis e não podemos resignar-nos".

Numa única coisa estamos de acordo com Barroso: o actual nível de desemprego é inaceitável e não podemos resignar-nos. No entanto, na intervenção que se segue tentarei demonstrar que a primeira parte desse parágrafo contém um erro, uma meia verdade e uma mentira completa.

Um erro e uma meia verdade: a Europa não é o problema, tudo bem. Mas a União Europeia é. Desse equivoco e dessa meia verdade surge uma mentira completa: de acordo com Barroso, a União Europeia é parte da solução.

A Europa não é o problema. Certamente o problema é o capitalismo. Mas o mecanismo específico pelo qual o capitalismo criou no nosso país níveis escandalosos de desemprego estrutural , de desenvolvimento desigual e de dependência económica e social chama-se União Europeia. Aproximemo-nos do problema.

2- A dramática situação social espanhola é o resultado da entrada na UE, do Tratado de Maastricht, da União Monetária e do Pacto de Estabilidade.

Estamos numa escola de formação que se realiza, invocando o nome do camarada Fernando Sagaseta. O seu nome e a sua foto trazem de volta memórias de um período, nos anos 80 do século passado, quando os dois militávamos no mesmo partido.

Os companheiros dos bairros da operários e populares de Barcelona e Tarragona exigiam a sua presença, a sua palavra, a sua irredutível e enérgica rebeldia contra o alizamento ideológico que representava a inoculação da ideologia europeísta no seio do comunismo espanhol.

Com Fernando Sagaseta compartilhámos durante os anos 80 a crítica à entrada da Espanha, no que então chamávamos o Mercado Comum, uma denominação que definia melhor a verdadeira natureza da chamada União Europeia. Naquela época defendíamos que: "... a adesão à CEE era contrária aos interesses nacionais, e que o Tratado de Adesão subscrito agravava ainda mais os factores negativos que essa integração comportava. Temos vindo a denunciar que a integração teria elevados custos económicos e sociais, em muitas áreas produtivas. Que para a classe operária, o campesinato, a pequena e média empresa e o povo em geral, se iria produzir um agravamento generalizado das suas condições de vida e de trabalho, generalizando-se o desemprego, a precariedade, a marginalização e a miséria. Três anos e meios depois da adesão, os factos demonstraram a fundamo das nossas posições [2]

Em 1 de Janeiro deste ano cumpriram-se 28 anos da entrada em vigor do Tratado de Adesão. Podemos ver que essas previsões , infelizmente, se vêm cumprindo inexoravelmente [3] . A minha intervenção é limitada às consequências dessa entrada no que diz respeito ao mercado de trabalho. Depois exporei e irei analisar alguns dos dados correspondentes à Pesquisa da População Activa correspondentes ao quarto trimestre de 2013 [4] .

De acordo com a EPA, o número de desempregados aumentou entre o terceiro e o quarto trimestre de 2013, de 5.904.700 para 5.896.300 pessoas. Ou seja, diminuiu em 8.400 pessoas. No ano de 2013, o número total de desempregados diminuiu em 69 mil pessoas.

Esse facto tem tido muito destaque na imprensa do regime, escondendo a realidade do saldo total que supõe a destruição de mais de um milhão de postos de trabalho desde que o PP chegou ao poder. O número de empregos perdidos desde o início da crise chega a quatro milhões de pessoas.

Gráfico 1.

Adicionemos a tudo isso que o desemprego de longa duração aumentou em 55 mil pessoas durante 2013. Também, que foram perdidos 218 mil empregos a tempo completo, enquanto os contratos a tempo parcial aumentaram 153 mil.

Alguns especialistas temem que esses postos de trabalho a tempo parcial passem a se tornar uma nova forma de trabalho precário, em vez de uma modalidade voluntária de trabalho para estudantes ou casos semelhantes .

Apesar da ligeira diminuição de 8.400 desempregados, a taxa de desemprego aumentou entre terceiro e quarto trimestre de 2013, cinco centésimos, passando de 25,98% para 26,03%.

Gráfico 2.

O paradoxo que representa de um lado, uma diminuição do número de desempregados e, de outro , um aumento da taxa de desempregados é devido a uma tendência que é recorrente desde a eclosão da crise, em 2008: a baixa do número total de activos . Entre o terceiro e o quarto trimestre de 2013, o número de pessoas activas passou de 22.728.000 pessoas e de 59,59 %, para 22.654.500 e 59,43%, a menor desde 2008 . A perda de pessoas activas é de -73 400 pessoas e -0,16%. Durante o ano 2013, o número de pessoas activas diminuiu 267.900.

Gráfico 3.

Por outro lado, há que destacar que a população empregada caiu, durante este trimestre, 65 mil pessoas, passando de 16.823.200 (3 º trimestre) para 16.758.200 (4 º trimestre), com uma queda de -0,39%. A diminuição da população ocupada atinge 200 mil pessoas em 2013. A população activa total decaiu em mais de um milhão de pessoas nos dois anos do Governo PP. A queda total entre o quarto trimestre de 2007 e o de 2013, é 3.741.800 pessoas.

Gráfico 4.

É fácil deduzir que, se o número dos activos baixa e o número de ocupados também, estamos longe de ter criado empregos apesar da ligeira diminuição do número de desempregados. A baixa da taxa de actividade é dada pela via das reformas do posto de trabalho, por meio da desistência na busca de trabalho no desemprego de longa duração, na busca de um posto de trabalho, ou por meio da emigração.

As famílias com todos os membros activos desempregados aumentam de 24.600 no quarto trimestre, para um total de 1.832.300 , um valor ligeiramente menor do que o de 2012. Por outro lado, o número de famílias em que todos os membros activos estão ocupados, baixa 32.800, ficando em 8.260.300 [5] .

Todos os gráficos do Inquérito ao Emprego que incluí aqui mostram uma característica comum: o INE esforça-se em mostrar a evolução das diferentes variáveis da força de trabalho e a taxa de desemprego a partir do 4º trimestre de 2007. Todos eles apontam para o aumento intolerável do número de desempregados e da taxa de desemprego, a queda da população activa e no emprego desde o início da última crise. Tudo pareceria indicar que a culpa do desemprego estrutural que, desde há tantos anos vem destruindo as bases materiais da sociedade espanhola e afundando esperanças dos espanhóis era apenas por causa da crise.

Esta maneira de apresentar as coisas contribui para alimentar a esperança de que, uma vez superada a crise, voltarão os bons velhos tempos, em que florescerá o crescimento económico e com ele o emprego. Este ponto de vista é falso. Se o crescimento regressa e algum emprego é criado, este será de qualidade infinitamente mais pobre. As 34 reformas laborais impostas pelo FMI, pela Comissão Europeia e BCE, terão afundado as esperanças no futuro do nosso povo. Os bons velhos tempos não vão voltar. Por um lado, porque não podem voltar e por outro porque os bons velhos tempos nunca terão existido. Vamos ter de construir uma nova sociedade sobre novas bases .

A razão para esta forte afirmação é fácil de entender. Só é preciso querer entender. Vamos fazer isso, mas temos que voltar alguns anos atrás na nossa história. O período da história do mercado de trabalho espanhol deverá ser mais longo para entender o que estou tentando explicar.

A posição periférica e dependente da Espanha em relação às economias-centro da Europa presidiu à industrialização dos anos 1959-1975. A Espanha experimentou uma industrialização no sector automóvel e químico, que permitiu às grandes empresas alemãs, holandesas, francesas e italianas, instalar fábricas de montagem dos seus carros (45, 2% do capital social), ou deter uma parcela significativa do capital social em sectores como peças (industria complementar do automóvel, 62,9% do capital social), a indústria de alimentos (27%), borracha e plástico (75,3%), mineração não energética (19,9%), metalurgia de não ferrosos (27,9%), vidro (57,7%), minerais não metálicos (24,9%), química básica e industrial (37,7%), química final (67,3%), produtos farmacêuticos (56,5%), máquinas agrícolas (79,1%), máquinas industriais e escritórios (29,8%), máquinas e equipamentos eléctricos (56,4%), material electrónico (68,3%) [6] .

A Espanha foi um dos territórios europeus periféricos para onde se deslocalizavam indústrias dos países da Europa Central (também dos EUA, mas em menor proporção) em busca de salários baixos, poucos ou nenhuns direitos sociais e estabilidade política. A ditadura assegurava a ordem pública de que o capital não dispunha nos países centrais. Em vez de importar mão-de-obra barata espanhola para os países-centro, deslocalizava capital para Espanha. Era a Nova Divisão Internacional do Trabalho (doravante, NDIT) [7] . Este fenómeno produziu uma intensa urbanização da Espanha e a mudança na estrutura de produção.

A entrada no Mercado Comum significou que essa característica de industrialização dependente e de país periférico se acentuara. As condições do Tratado de Adesão eram prejudiciais para qualquer projecto de auto-desenvolvimento autónomo e auto-sustentável para os povos que compõem o Estado espanhol. A agricultura e os sectores da pesca, pecuária, ferro e aço, alimentos, têxtil, papel, automóvel, editorial, química, petroquímica, telecomunicações, etc, foram inundados por investimentos europeus, por absorções e compras de empresas. Em alguns casos, essas aquisições consistiram exclusivamente em adquirir a quota de mercado correspondente e no simples encerramento da empresa.

É o caso de Altos Hornos del Mediterráneo (Sagunto) ou de Duro Felguera, ou da indústria de massas alimentícias. Somente a banca estava preparada para a sua integração e para sobreviver no Mercado Único Bancário da Comunidade [8] .

A natureza periférica e dependente do capitalismo espanhol tem-se acentuado durante os 28 anos de adesão à União Europeia. Este processo, além de implicações gerais para o modelo de desenvolvimento do Estado espanhol, teve consequências graves para os direitos sociais dos trabalhadores. Nesta intervenção limitar-me-ei a um aspecto, que me parece central a esta evolução, como os números do desemprego, que são os maiores da Europa, desde o início da transição. A adesão à União Europeia, não só não corrigiu, como reforçou esta situação. Um estudo realizado por Jorge Sola Espinosa em Junho de 2009, sob o título "Desregulamentação política do mercado de Trabalho na Espanha (1984-1997): um programa de pesquisa" [9] dá-nos uma visão de um desemprego estrutural espanhol com mais uma série que começa em 1977 e não em 2007, como as tabelas anteriores:

Gráfico 5.
[10]

A taxa de desemprego passava de 10% em 1980 para mais de 20% em 1985 e manteve-se nesse número até 1989 atingindo um pico de 25% em 1994-95. É impossível negar que a entrada na CE aumentou a taxa de desemprego para níveis intoleráveis. Além disso, entre os anos de 2001 a 2009, no calor da bolha imobiliária deu-se uma queda na taxa de desemprego para cerca de 10%, para voltar a subir após o colapso do sector da construção. No gráfico abaixo, podemos ver a continuação dessa história.

Esta elevada e estrutural taxa de desemprego foi acompanhada por um aumento da taxa temporária entre 15% em 1987 até 34% em 1991 e a manutenção da dita taxa entre 30 e 35%, até pelo menos 2008.

Gráfico 6.
[11]

Jorge Sola examina no seu trabalho as várias reformas laborais até 1997. Um trabalho recente da Fundação Primeiro de Maio das CCOO contabiliza as reformas laborais desde a transição até Fevereiro de 2014: o número ascende a 34 [12] . Tanto o trabalho de Jorge Sola como o mais recente da Fundação 1º de Maio, concordam em mostrar que a reforma laboral permanente visa como único objectivo apenas a desvalorização laboral permanente : a precarização, o despedimento quase livre, a diminuição dos salários e do conjunto dos custos laborais. Apesar de tudo isso o FMI e a UE continuam exigindo mais aperto do cinto ao povo trabalhador [13] .

Outro autor, Javier Sevillano elaborou um gráfico que estende o período examinado desde o quarto trimestre de 1976 ao mesmo quarto trimestre de 2013.

Gráfico 7.
[14]

Podemos ver que em todo o período (1976-2013 = 37 anos) só em apenas 8 anos a taxa de desemprego caiu abaixo de 10% e somente em 1976 foi de 5%, que é considerado alto em outros países. Dizer que altas taxas de desemprego são dados estruturais em Espanha é simplesmente ajustar-se à realidade. Outra coisa será dizer que vamos chegar a acordo sobre a causa deste desemprego estrutural em nosso país. Defendo que a principal razão é a natureza dependente e periférica da industrialização espanhola que a entrada na CE levou a extremos intoleráveis.

Extremos que deixam sem futuro as novas gerações, extremos que deixam sem futuro a nossa sociedade. Vejamos por um momento, a taxa de desemprego juvenil:

Gráfico 8.

A conclusão é simples: desde 1976 até hoje não houve nenhum ano em que a taxa de desemprego entre os jovens fosse inferior a 10%. Na maioria dos anos esta taxa tem sido superior a 30 e 40% para subir à cifra escandalosa de 60% entre os anos de 2009 e 2013. A frase: em Espanha não há futuro, é uma realidade para mais de metade dos jovens espanhóis [15] . A questão pertinente perante esta miserabilização crescente, face ao roubo descarado do futuro dos jovens é: por que motivo não se deu ainda uma revolução se os de baixo não podem mais viver como viveram e / ou como esperavam viver?

Alguns intelectuais orgânicos da burguesia industrial catalã, como Anton Costas, presidente do Círculo Económico de Barcelona, ajudam-nos a interpretar esta situação. A razão para que o surto social não tenha chegado onde objectivamente deveria ter chegado é porque: "A nossa solidariedade familiar, testada em crises anteriores, das quais todos nos lembramos de ter saido bem. Além disso, como indivíduos, nós sabemos procurar a vida" [16] . Definitivamente uma das razões ocultas para a defesa apertada da família tradicional pela direita católica está na natureza do carácter da segurança social privada amortecedora dos efeitos mais brutais da crise. Fechemos parêntesis.

Voltemos à natureza estrutural dos números do desemprego em Espanha. Dizia que a industrialização espanhola dos anos sessenta e setenta do século passado, se produziu ao abrigo das grandes lutas dos trabalhadores na Europa e as grandes conquistas sociais e dos trabalhadores na Europa. Estas lutas levaram o grande capital europeu a deslocalizar investimentos industriais para o nosso país. Em vez de importar mão-de-obra barata a partir das terras de Espanha, a indústria europeia estabelecia-se em Espanha ou comprava indústrias espanholas.

A adesão à UE acentuou esse papel dependente e periférico da indústria espanhola. As elevadas taxas de desemprego são estruturais em Espanha desde 2008 (início da crise) se não desde a entrada da Espanha na União Europeia. Acentuaram-se com a criação euro que não foi outra coisa senão a criação de um mecanismo ao serviço do neo-mercantilismo alemão. Dentro da UE, a classe operária está submetida ao leilão permanente dos baixos salários e das condições de trabalho. A NDIT, determinada pelas grandes empresas multinacionais dos países centrais é um laço de ferro impossível de quebrar sem romper com a UE [17] .

3- Fazer despertar os porquinhos (PIIGS). Não pagar a dívida, sair do euro, sair da União Europeia, cooperar com os outros povos dos países periféricos.

Num livro que o meu amigo Joaquin Miras e eu publicámos recentemente, lamentamos o fraco pensamento actual da esquerda sobre muitas questões, incluindo a questão do papel central do trabalho na socialização e na criação de cultura humana, bem como na assunção de uma ideologia europeia flou que impede esquerda de enfrentar com coragem e determinação a questão da União Europeia e o euro [18] .

Uma esquerda culturalmente forte deve recuperar e utilizar conceitos fortes da sua própria tradição para compreender a realidade e transformá-la. Conceitos que estão longe de ter caducado, enquanto ferramentas explicativas dos fenómenos que vivemos. Conceitos como imperialismo, neo -colonialismo, dependência, desenvolvimento desigual, dialética centro-periferia, soberania nacional. Conceitos que se aplicam totalmente à realidade da União Europeia e às relações entre Espanha e os países centrais.

Na minha intervenção de 30 de Novembro passado no Fórum Euro Mediterrâneo Sair da União Europeia, uma proposta política para a mudança na Itália, na Europa e no Mediterrâneo, realizada em Roma, tentei aplicar essas categorias com o máximo rigor possível , recuperando dois conceitos-chave da geopolítica alemã: o conceito de Lebensraum (espaço vital) e Lebensraumgemeinschaft (espaço único europeu sob hegemonia geopolítica alemã). Conceitos que além de explicar um projecto imperialista determinado, são performativos: o grande capital alemão, ao formulá-los, configura uma aspiração e uma estratégia para alcançar o seu objectivos.

Na minha intervenção afirmava que os objectivos da geopolítica alemã, ideologia "científica", criado pelo general Haushofer no início do século XX [19] foram quase alcançados e examinava as maneiras em que os povos dos países periféricos poderiam tentar libertar-se e recuperar a soberania política, incluindo a monetária. Hoje, a realidade é que, tanto o euro como a própria União Europeia são instrumentos para a dominação imperialista do grande capital, basicamente alemão, em todo o espaço europeu. A Espanha é, inevitavelmente, um país periférico, dependente, uma espécie de neo- colónia. Criar emprego em Espanha, é impossível sem sair desta dependência e desta dominação imperial. É impossível sem recuperar a soberania, ou seja, o democracia [20] .

Voltando ao tema do mercado de trabalho espanhol é preciso dizer e repetir: a catastrófica situação social espanhola é resultado da estratégia económica adoptada repetidamente, com o acordo, explícito e/ou tácito, de todas as forças políticas ao longo dos últimos 35 anos: a partir da integração da Espanha na CEE, para a qual se exigiu o primeiro grande desmantelamento industrial dos anos 80, e posterior liquidação, em 1994, da autonomia monetária da peseta e, portanto, do Banco da Espanha como uma entidade ao serviço da política soberana do Estado com o desaparecimento consequente da possibilidade de usar a política monetária para servir as necessidades sociais – investimento público, a compra de dívida pública, politicas cambiais, etc. A aceitação dos acordos de Maastricht, em geral com posterior incorporação ao projeto da moeda única. A aceitação da disparatada proposta, explicitada com cara de pau pelas instituições da UE. Para se integrar nessa moeda, cujo fim, por colapso, é irreversível, como explica Pedro Montes [21] .

A aberrante declaração "de princípio", de liberalismo económico "sem princípios", da chamada Constituição Europeia, documento que proclama a imperiosa obrigação – cegamente seguida pelas directrizes da direcção da UE – de liquidar toda a regulação e constitucionalização do mercado de trabalho, todo o controle sobre a circulação de capitais, e toda a regulação do uso da terra. A exigência, em suma, de que o Estado abandone definitivamente a organização de toda a actividade pública para dar lugar ao "mercado" e entregá-la ao capital privado etc

Relativamente a esta última fase de descomunal involução, isto é, a fase da unidade monetária do euro, a submissão da esquerda tem sido clamorosa [22] . Como se poderá ver nesta primavera de 2014 na campanha para as eleições Europeias.

Face a toda essa situação, um grupo de cidadãos assinámos um manifesto intitulado "Manifesto para a recuperação da soberania económica, monetária e cidadã. SAIR DO EURO". Os pontos essenciais do manifesto são:

  • O nosso país não pode superar a crise no àmbito do euro. Sem moeda própria, sem autonomia monetária é impossível enfrentar o drama social e económico, tanto mais porque a política fiscal também foi anulada pelo Pacto de Estabilidade, aleivosamente constitucionalizado.
  • É precisa uma moeda própria para competir e uma política cambial soberana para prover liquidez ao sistema e estimular uma procura razoável. E isto como a primeira condição indispensável, mas de modo algum suficiente, para poder desenvolver uma política avançada de controle público dos sectores estratégicos da economia, incluindo a nacionalização do sistema bancário, de reconstrução do tecido industrial e agrícola, de defesa e promoção dos serviços públicos básicos com um poderoso e progressivo sistema fiscal, de diminuição das desigualdades e de distribuição da riqueza, a distribuição do trabalho para combater o desemprego, a revogação das contra-reformas do trabalho e pensões, de respeito ao meio ambiente, etc, e abordar um processo constitucional que permita recuperar e aprofundar a democracia.
  • O montante da dívida externa é impagável. É na maior parte dívida do sector privado, e diz respeito aos seus agentes resolver os problemas que ocorrem, incluindo o sector financeiro, muito comprometido. Assim, rejeitamos qualquer operação de "resgate" do nosso país e, pela mesma razão consideramos como dívida completamente ilegítima a contraída pelo Estado para fornecer fundos de salvamento às entidades creditícias que não foram nacionalizadas .
  • No que diz respeito à dívida pública, o Estado deve fazer uma profunda reestruturação da mesma (abandono, moratória, conversão de moeda nacional) para aliviar a pressão esmagadora que as contas públicas suportam. Em caso contrário, pode ser irremediável a falência do sector público [23] .

No entanto, sectores importantes da esquerda, incluindo economistas como Miren Etxezarreta, avançaram comentários para esta proposta no sentido de que, embora entrar no Mercado Comum fosse um erro para a Espanha, sair de forma unilateral teria consequências mais graves. Seria mesmo impossível, dado o grau de dependência internacional da economia actual. Pessoalmente, não compartilho dessa crítica, embora reconheça que contém elementos bem fundamentados.

Na verdade, um defensor da saída unilateral do euro, como Costas Lapavitsas analisou os cenários difíceis e o sofrimento que representaria uma retirada unilateral. No entanto, este mesmo economista considera esses sacrifícios como necessários, se em algum momento se quiser sair da situação gravíssima em que nos encontramos [24] . Não é possível continuar no euro e na UE sem atingir níveis de desastre social incomensuráveis.

Dois economistas, um basco, Joaquín Arriola, e outro italiano, Luciano Vasapolo, desenvolveram uma alternativa mais ambiciosa: Quebrar o europolo para construir o Alba euro – mediterrânea [25] . A sua abordagem consiste em que tem que se deixar o euro e romper com a União Europeia, mas ao mesmo tempo criar um espaço de cooperação dos países periféricos do sul e uma moeda entre eles. Para estes autores, esta é a condição para que a saída do euro tenha reunidas as condições para resolver graves problemas sociais que enfrentam nossos povos. Esta ideia envolve numerosas dificuldades que discuti no meu discurso em Roma no passado 30 de Novembro, acima mencionado. No entanto, apesar de todas as dificuldades essa parece ser a única maneira que pode mover os nossos povos, se eles quiserem atingir um desenvolvimento humano [26] justo, independente e sustentável. Se, na verdade, queremos salvar a nossa sociedade.

Quando há mais de quarenta anos, nos juntámos à luta pela emancipação da classe operária e do povo, ninguém disse a Fernando Sagaseta ou a Joaquín Sagaseta, ninguém disse a qualquer um de nós que essa luta seria curta e fácil. Estamos nela e, talvez não vejamos o seu fim. Mas vamos seguir em frente. Disso não haja a menor dúvida.

Notas
2 - PCPE, A proposta comunista, Programa eleitoral para as eleições do Parlamento Europeu, de 15 de Junho de 1989, p. 17. Arquivo Joan Tafalla. O programa incluía uma análise crítica das consequências negativas para a Espanha da sua integração na então Comunidade Europeia. Apresentavam-se dados das implicações sobre os diversos sectores da economia espanhola. Os fracos resultados da eleição feita pela PCPE e o PCC nessa campanha, mostrou como era minoritária essa visão crítica entre a população e até mesmo entre a esquerda. A minha intervenção de hoje tenta mostrar que, pelo menos no que se refere à questão do emprego, essas análises não eram nada infundadas.
3 - Como é sabido, o tratado de adesão foi assinado em 12 de Junho de 1985, foi aprovado pelas Cortes mediante a Lei Orgânica 10/1985 de 2 de Agosto do mesmo ano e entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1986.
4 - A intervenção preparada para o acto teria em conta os dados do terceiro trimestre de 2013. No mesmo dia do acto (23/Janeiro/2014) eram publicados os dados relativos ao quarto trimestre que se integraram nesta redacção final.
5 - Inquérito à população activa (EPA), quarto trimestre de 2013. INE, comunicados de imprensa, p. 7.
6 - Dados de 1981 fornecidos por Mikel Buesa e José Molero, Estrutura industrial de Espanha, Madrid, Fondo de Cultura Económica, 1988, p. 165.
7 - Folker Froebel, Jürgen Heinrichs, Otto Kreye, A nova divisão Internacional do Trabalho. Desemprego estrutural nos países industrializados e industrialização dos países em desenvolvimento, Madrid, Siglo XXI editores, 1980.
8 - Eu uso a breve análise do Tratado de Adesão em Mikel Buesa e José Molero, op.cit., Pp . 71-74. Também: A integração da Espanha na Comunidade Europeia, in PCPE, A proposta comunista, Programa Eleitoral para as eleições do Parlamento Europeu de 15 de Junho de 1989, p. 17-23. Assim como: Joan Planas, A Integração na CE um facto negativo. Renegociação do tratado de adesão como uma alternativa actual , in: A proposta comunista sobre o Mercado Comum, III Jornades PCC sobre a CEE, Barcelona, Edicions Avant (CAEPISSA), 1989, pp 13-24 .
9 - Jorge Sola Espinosa, A desregulamentação política do mercado de trabalho em Espanha (1984-1997): O programa de pesquisa , escrito em Junho de 2009 e publicado em Revista de Economia critica, 2010, vol . 9 , pp . 4-30 .
Descarregamento: http://revistaeconomiacritica.org/sites/default/fi ... / n9/1_Jorge_Sola.pdf .
também publicado no site da Espai Marx: http://www.espai-marx.net/ca?id=8689 . A meu ver o artigo de Jorge Sola é um bom resumo das mudanças no mercado de trabalho espanhol entre as duas datas incluídas na sua cronologia, embora pareça que ele não enfatiza o suficiente o que no meu ponto de vista é a principal causa do desemprego e da insegurança estrutural que aflige o nosso povo trabalhador: a dependência da Espanha em relação aos países do centro imperial constituído pela União Europeia. Para ampliar o período examinado pelo autor pode-se completar a leitura este artigo com outro de sua autoria: O legado histórico Franquista e o mercado de trabalho na Espanha, apresentado pelo nosso autor em 11 de Julho de 2013 no XI Congresso Espanhol de Sociologia.
Para descarregamento em: http://www.fes-web.org/congresos/11/ponencias/334/ . Neste trabalho, Sola desmonta o mito da rigidez do mercado de trabalho espanhol, maliciosamente construído pelos obreiros das várias reformas laborais.
10 - Sola Jorge Espinosa " A política de desregulamentação ... " , op.cit. p . 16 .
11 - Sola Jorge Espinosa " A política de desregulamentação ... " , op.cit. p . 19 .
12 - AAVV , 34 Reformas laborais. Análise de seu alcance e efeitos. menos ocupação, mais desemprego , mais precariedade, Fundação 1º de Maio, CCOO, Madrid, Fevereiro de 2014.
13 - O FMI pede para baixar mais os salários porque o Outono de 2010 não compensou sua subida acumulada Up : www.rtve.es/... , www.cadenaser.com/... . Cristine Lagarde defende que a reforma trabalhista espanhola é um sucesso, apesar da elevada taxa de desemprego, www.infolibre.es/noticias/economia/2014/01/28/lagarde_reforma_del mercado_laboral_espana_muestra_senales_exito_12849_1011.html , o FMI diz que metade dos empregos perdidos em Espanha não foi por causa da crise: http://noticias.lainformacion.com/economia-negocios-y finanzas/macroeconomia/el-
14 - Javier Sevillano, "Emprego e desemprego na Espanha. A sua evolução desde 1976" javiersevillano.es/EPA.htm . Os gráficos muito interessantes desenvolvidos por Sevillano, contêm Informações importantes: os períodos de governo de seis chefes de governo desde a transição até ao presente. Sevillano tira conclusões que não compartilhamos. Considera que tanto o PP como o PSOE são meros executores, com nuances da política económica que Interessa ao capital, parece mais apropriado chamar a atenção para elementos mais estruturais e duradouros, tais como a divisão internacional do trabalho, a entrada na União Europeia, sucessivas reformas laborais movidas por ambas as partes ou a reacção ao estouro da bolha imobiliária e a submissão de ambos os partidos aos grandes bancos espanhóis e especialmente alemães. Esta discrepância na avaliação do gráfico não diminui a sua qualidade informativa.
15 - Este é o significado da campanha No nos vamos, nos echan; http://www.publico.es/451496/espana-no- é país - para -jovens
16 - Reformando temos sido mais eficientes do que os alemães. Entrevista com Anton Costas por Lluís Amiguet, La Vanguardia, Janeiro 21, 2014, p. 56 .
17- Vozes minoritárias na esquerda espanhola, mas nem por isso menos sérias e rigorosas denunciaram esta situação após três anos de adesão à União Europeia. Veja-se as obras de Anjos Martínez, Pere Joan Planas i Fernández e Joan Pallisé, entre outros, no volume colectivo La proposta Comunista enfront Mercat comu, III Jornades PCC na CEE , ob . cit. A situação actual piorou em vez de melhorar.
18 - Joaquín Miras, Joan Tafalla, A esquerda como um problema , o Viejo Topo, 2013 , pp 12-20 27-28
19 - Karol Haushofer, Da geopolítica , Prefácio de Jean Klein. Introduction de Hans- Adolf Jacobsen, Paris, Fayard, Géopolitiques et estratégies , 1986. Andreas Dorpalen, Geopolítica em Ação, O mundo da Geral Haushofer , Buenos Aires, Ebb Editorial, 1982.
20 - Joan Tafalla, ¿Cómo construir un bloque histórico de los países del Mezzogiorno europeo por la recuperación de la democracia, de la soberanía nacional y del desarrollo social y ecológicamente justos? , publicado en la web de Espai Marx, www.espai-marx.net/ca?id=8605#sdfootnote8anc
21 - MONTES, Pedro, La historia inacabada del euro, Madrid, Editorial Trotta, 2001. AAVV (GUTIERREZ, Eduardo, AYALA, Iván, ALBARRACIN, Daniel y MONTES, Pedro) Qué hacemos con el euro, Madrid, Akal, 2012.
22 Joaquin Miras, Joan Tafalla, ob.cit. pp. 42-45.
23 - O signatário desta intervenção é também um dos signatários do manifesto. Pode-se consultar o manifesto e outros documentos, artigos e vídeos na web Sair do Euro: http://salirdeleuro.org/
24 - Costas Lapavitsas, Crise na Zona Euro , Madrid, Captain Swing, 2013.
25 - Colocado em El Viejo Topo, julho de 2013. Pode ser encontrado em:
http://www.elviejotopo.com/web/revistas.php?numRevista=306-307 . Pode-se consultar anuncio do fórum em http://www.contropiano.org/articoli/item/20171
26 – Note-se que não usei o conceito de crescimento em nenhum momento, mas sim o de desenvolvimento. As razões não podem ser desenvolvidas aqui, mas parecem-me óbvias.


[*] Economista. Intervenção a 23/Janeiro/2014 em Las Palmas de Gran Canaria no encontro "Como construir essa outra Europa necessária". O texto então redigido foi revisto e ampliado. Última redacção em 11/Fevereiro/2014.

O original encontra-se em marxismocritico.com/... . Tradução de Guilherme Coelho.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
24/Mar/14