Luta pelo derrube do capitalismo, não pelo seu branqueamento
Ao Partido Comunista de Espanha
E à "Izquierda Unida"
Camaradas,
Lemos a
vossa carta
, já publicada, em que se pergunta em que é que se baseiam as
afirmações do artigo no nosso jornal
Rizospastis,
publicado na edição de 22 de Novembro. O artigo referia-se
às recentes eleições em Espanha: "A Izquierda Unida
arrastou os eleitores para a ilusão de uma 'melhor gestão' do
sistema capitalista".
É um facto que a própria participação do PC de
Espanha na presidência do chamado "Partido da Esquerda
Europeia", o qual nos documentos da sua fundação aceitou a
salvaguarda dos "princípios da UE" e se baseia em
posições que defendem a gestão do capitalismo, basta como
resposta.
Apesar disso, e depois da vossa carta, é-nos necessário
esclarecer certas questões básicas citando apenas alguns dos
muitos excertos que qualquer um pode encontrar no programa eleitoral da
"Izquierda Unida" (IU), que consubstancia e confirma a crítica
específica do artigo no nosso jornal.
Mais especificamente, o programa da IU:
- não menciona em parte alguma, como pré-condição
para a prosperidade popular, o derrube do poder do capital e a
construção do socialismo. Pelo contrário, patrocina uma
série de ilusões de que pode existir uma saída para a
crise favorável ao povo no seio do caminho capitalista para o
desenvolvimento.
O objectivo da "boa gestão" do sistema é proclamado
muito claramente na página 6 do programa, "
não
renunciamos à gestão do imediato". Estrategicamente, isto
é consubstanciado na página 18 com a
"construção de um novo modelo produtivo", mas sempre
apoiado em velhas, obsoletas e exploradoras relações de
produção capitalistas. Na página 6 não se fala do
objectivo de derrubar o capitalismo mas de "ultrapassar o actual modelo
social, político e cultural que é dominado pelo
neoliberalismo". Por outras palavras, toda a abordagem se concentra no
problema de um modo de gestão capitalista (neoliberalismo) e aponta para
outra gestão, alegadamente melhor. Ou seja, sem contornar o assunto, o
cerne do programa da IU, refere-se à gestão social-democrata.
- Projecta a ideia de que o estado capitalista pode ser um escudo para os
direitos da classe trabalhadora e do povo. Contra a própria realidade,
que prova que o estado capitalista é um estado de classe, serve os
monopólios e, nas condições da liberalização
do capital que promove a barbárie nas relações laborais e
nos salários, ataca todos os direitos da classe trabalhadora.
- No quadro do branqueamento do estado capitalista, o programa faz a seguinte
referência relevante na página 22: "propomos um estado social
participativo, em que, mantendo o carácter central do sector
público, se promova o interesse público, a igualdade, a
solidariedade
"
E seguindo o mesmo diapasão: "O estado tem que reequilibrar o
mercado, e não apenas corrigi-lo". Defende-se a utopia de que a
economia capitalista, o apodrecido sistema capitalista e a sua anarquia podem
alegadamente ser domesticados, "ser equilibrados" e que isso pode
beneficiar a classe trabalhadora. Esta afirmação provoca sem
dúvida a confusão entre os trabalhadores, impede o empenho da
militância e direcciona a assimilação das forças
populares para os objectivos das forças do capital.
Na página 7 há o objectivo para: "a criação de
emprego pelo sector público porque actualmente as empresas têm
muitas dificuldades para o criar sem ajuda". Numa altura em que a classe
trabalhadora está a ser empurrada para a pobreza e para a
miséria, o programa da IU exprime a sua
angústia pelas
"muitas dificuldades" que os capitalistas têm. Na verdade,
legitima as suas exigências de dinheiro estatal fresco como um suporte
que funciona como um veículo para reduzir e/ou abolir as
compensações ao desemprego em nome do "subsídio ao
trabalho" que é um princípio da UE, de que a IU é uma
apoiante incondicional. Também não pode haver dúvidas
quanto às relações de trabalho que irão ser
aplicadas neste emprego, porque o programa declara na página 7,
utilizando a terminologia da UE e das associações de industriais:
"a redistribuição e a racionalização do
emprego existente". Para a classe trabalhadora isso significa que a IU
dá luz verde às horas flexíveis de trabalho, à
abolição dos acordos colectivos negociados, e à
generalização do emprego a tempo parcial.
- Repete-se a perspectiva burguesa e oportunista no que se refere à
crise capitalista como sendo uma crise da dívida, quando a causa da
crise capitalista é a sobre-acumulação do capital. A
dívida é apresentada como um problema que deve preocupar a classe
trabalhadora e o povo, que não são responsáveis por ela e
deve ser a plutocracia a pagá-la.
Assim, de forma enganadora, apoia a ideia de que os povos têm a ganhar
com a renegociação da dívida e a emissão de
títulos da UE (pág. 18). Não é isto uma
solução "charlatã" para os impasses do sistema
capitalista? No entanto, o povo grego tem uma experiência amarga quanto
aos novos empréstimos que é chamado a pagar, como aconteceu com o
bem conhecido corte
(haircut)
de 50%, assim como com a proposta de secções da plutocracia para
a emissão de títulos da UE.
- O vosso programa está firmemente orientado para o apoio à UE
imperialista, que é inimiga do povo, e irradia preocupação
com o seu salvamento e "correcção", ao invés da
sua dissolução.
- Fala da "total alteração no modelo da
construção da UE" (página 17), sobre "o empenho
na mudança da actual política externa (
) da UE", sem
pôr em causa, nem por uma só vez, esta união imperialista
inter-estados e ainda por cima sem se referir à necessidade de
saída da UE.
Além disso, legitima totalmente os critérios de Maastricht e dos
Pactos de Estabilidade, que constituem uma alavanca para a
promoção da política anti-trabalhadores, através da
proposta de "aumentar o tempo limite para a redução da
dívida em 3% até 2016" (página 18). Também
declara subserviência aos critérios do grande capital a fim de
reduzir ainda mais o preço da força de trabalho.
- Diz que: "a UE tem que comprar a dívida pública dos
estados membros e emitir títulos sempre que isso seja necessário
para evitar a especulação" (página 18). Perfilha a
lógica de que a UE pode assumir um carácter pró-povo e que
pode haver uma saída da crise através da UE que
beneficiará a classe trabalhadora, os estratos populares pobres. Isto
quando sabe muito bem que a UE foi construída pelos governos burgueses
para defender os monopólios europeus na sua competição
internacional com os americanos, os russos, os japoneses e os chineses, por um
lado, e por outro para explorar de modo mais intenso e coordenado a classe
trabalhadora, salvaguardando o poder burguês através de novos
mecanismos políticos e repressivos. A UE é isto, uma união
ao serviço dos monopólios! Não pode ser corrigida por
dentro, porque os monopólios são as suas
"células" e o poder burguês é a sua "espinha
dorsal"! A única perspectiva positiva para os trabalhadores
é desligarem-se dos países desta união, com a
instauração do poder popular que conduzirá à
socialização dos meios básicos de produção,
ao planeamento central e ao controlo dos trabalhadores. Só este poder
pode libertar o povo da imensa dívida pública de que não
tem qualquer responsabilidade.
- O vosso programa apela à própria UE para abrir uma
excepção na liberdade de movimento do capital entre os estados
membros e os paraísos fiscais (página 12). Consequentemente,
não luta contra a liberdade de movimento de capital no seu todo (um
princípio fundamental do Tratado de Maastricht que é apoiado pelo
Partido da Esquerda Europeia e pela sua presidência de que o PCE faz
parte) mas pede uma excepção à regra geral que
deverá continuar a existir e que constitui uma ferramenta nas
mãos do capital para a demolição das conquistas e dos
direitos dos trabalhadores e do povo. Mais uma vez, as propostas visam a
gestão da barbárie capitalista em vez do seu derrube.
- Além do mais, o vosso programa embeleza o capitalismo e promove a
ideia de que o capital e o seu poder, que se baseia na exploração
capitalista, pode alegadamente tornar-se "moral" e "justo".
Que outra coisa pode ser a seguinte posição (página 51)
senão uma descrição de uma alegada "boa
gestão" do capitalismo? "Se começar o processo de
privatizações, a IU compromete-se a lutar contra elas em
cooperação com os sindicatos e os movimentos sociais, exigindo
que esta decisão seja tomada no mínimo de modo transparente e
democrático através duma participação substancial
dos cidadãos afectados". Do mesmo modo, na página 18, o
objectivo de "aceitação de acordos comerciais com
um
modo moral e transparente, um
capitalismo moral que seja possível
de acordo com o programa da IU e as posições do "Partido da
Esquerda Europeia".
Camaradas,
O que se refere acima é apenas uma amostra das posições
que confirmam a crítica do jornal do KKE. Estas posições
não têm qualquer relação com a luta pelo derrube do
poder capitalista. Pelo contrário, fornecem um álibi ao
capitalismo, alimentam ilusões e servem para o perpetuar, ainda por cima
num período em que um número cada vez maior de trabalhadores,
gente da labuta, está a perceber o impasse e procura uma saída da
barbárie capitalista.
Esta saída não pode ser o chamado "socialismo do
século XXI", que constitui a negação do socialismo
científico, do poder dos trabalhadores, da socialização
dos meios de produção e do planeamento central e, na verdade,
é um capitalismo humanizado que é impossível existir.
Por fim, na vossa carta ao nosso partido, também se refere que
"chegou a hora da unidade da esquerda consistente com o objectivo da
convergência". O conceito social-democrata de gestão de um
capitalismo "humanizado", a negação do socialismo que
foi construído no século XX através de
posições anti-científicas, anti-históricas
é a base política e ideológica da chamada "unidade da
esquerda". Estas opções levantam obstáculos à
luta de classes, à concentração das forças
populares e sociais contra o caminho capitalista do desenvolvimento. E acontece
numa altura em que se torna imperativa a actividade coordenada da classe
trabalhadora, dos profissionais por conta própria, dos pequenos e
médios agricultores, das mulheres, dos jovens, a fim de reforçar
a aliança do povo e a luta pelos interesses dos trabalhadores, para o
derrube do poder dos monopólios.
Esta linha também é confirmado pela nossa experiência, pelo
desenvolvimento da luta de classe na Grécia onde, como bem se sabe,
foram organizadas 22 greves gerais e inúmeras
confrontações de classe multifacetadas, em que o PAME desempenhou
um papel principal, com base no slogan "sem vocês, trabalhadores,
nenhuma máquina funciona, mas vocês podem fazê-lo sem os
patrões" e se concentrou na organização da luta nas
fábricas e nos locais de trabalho.
Camaradas,
Em resposta ao vosso pedido vamos publicar a vossa carta e a nossa resposta no
nosso jornal
Rizospastis,
a fim de informar os trabalhadores quanto às posições de
cada partido e possibilitar que tirem as suas próprias conclusões.
A Secção de Relações Internacionais do CC do KKE
Siglas (NT)
KKE Partido Comunista da Grécia
IU Izquierda Unida (Espanha)
PAME Frente Militante de Todos os Trabalhadores (Grécia)
PCE Partido Comunista de Espanha
UE União Europeia
[*]
Resposta da Secção de Relações Internacionais do
Partido Comunista da Grécia ao Partido Comunista de Espanha e à
Izquierda Unida
O original encontra-se em
http://inter.kke.gr/News/news2011/2011-12-05
.
Tradução de Margarida Ferreira.
Esta carta encontra-se em
http://resistir.info/
.
|