Os preços dos combustíveis líquidos em Portugal
por Demétrio Alves
Num período em que muito se protesta, e com razão, devido aos
preços de venda ao público das gasolinas e do gasóleo,
trazemos ao conhecimento dos leitores alguns gráficos com os diversos
preços praticados na UE 27, e uma ou duas notas analíticas.
Nos dois primeiros gráficos procurámos evidenciar três
classes distintas de valores:
a) O PST, o preço sem taxas, ou seja, o preço antes da
adição do IVA e do ISP;
b) O montante da soma do IVA com o ISP;
c) O PVP, isto é, o preço de venda ao público.
Poderemos verificar que, em Janeiro do corrente ano, os preços sem taxas
(PST) praticados em Portugal para a gasolina 95 e para o gasóleo, eram,
respectivamente, o sexto e o terceiro mais elevados entre os 27 países
da Europa. É neste preço que estão incorporados os lucros
das empresas. Ou seja, a Galp é uma das empresas que maiores lucros
relativos têm no contexto europeu. Ou, então, tem custos de
"produção"anormalmente altos, o que não é
expectável.
O peso dos impostos que incidem sobre a gasolina e sobre o gasóleo
é, no nosso país, respectivamente, 67% e 51% do preço de
venda.
As médias europeias são 67%, no caso da gasolina, e 53% para o
gasóleo. Isto é, sendo a carga de impostos muito significativa
(mais de metade daquilo que os consumidores pagam são impostos) na
Europa, a soma do IVA com o ISP não se distingue desse padrão em
Portugal.
Contudo, um grande problema é que em Espanha as cargas fiscais
são mais baixas que em Portugal, respectivamente 60% e 47%, o que
determina que os nossos vizinhos tenham preços de venda ao
público mais baixos do que cá na terra e, portanto, isto tem
efeitos demolidores na economia e no tecido social. Aliás, em Espanha o
preço sem carga fiscal já é bastante mais baixo no caso do
gasóleo e apenas um pouco mais alto no caso da gasolina.
Acresce que o preço sem impostos (PST) do gasóleo, já de
si mais alto em Portugal, tem cerca de 3,5 cêntimos a mais do que em
Espanha, dado que a incorporação obrigatória de
biocombustível vigente na Europa é mais onerosa entre nós!
Como primeira conclusão dizer que, se há coisa onde se deveria
actuar, num período tão crucial e difícil, é no
nível de lucro da Galp, tanto mais que o Estado detêm uma
golden share
que lhe dá direitos especiais. De facto, pode perguntar-se o que
é mais importante: ter uma Galp farta e boa para um punhado de grandes
accionistas, ou ter uma conjuntura socioeconómica mais competitiva e
justa?
A questão não se esgota aqui, contudo. Subsiste o
mistério, intenso para todos os consumidores, que consiste no
porquê das rápidas reacções à subida das
ramas petrolíferas, tanto mais estranhas quando se passa o
contrário quando as ramas descem: a baixa do preço de venda
é muito mais lenta, nunca voltando aos valores correspondentes
anteriores!
Na falta de uma explicação coerente, as pessoas, como é de
esperar, inclinam-se para a hipótese de haver cambão entre as
empresas que actuam no mercado interno, tal a semelhança dos seus
comportamentos.
A autoridade reguladora, depois de grandes investigações, diz que
não encontra nada de extraordinário.
E, sabem, talvez seja surpreendente para alguns dos leitores, mas considera-se
provável que, a este nível, nada de irregular se passe. É
que o cambão não é feito ao nível de cada mercado
nacional, mas sim, ao nível das entidades (os tão célebres
"mercados") que fixam as cotações internacionais dos
refinados e que está, à partida, viciado no sentido de aumentar
sempre a acumulação especulativa de capital financeiro. Em
Portugal utiliza-se normalmente o referencial de Roterdão (Platts).
PICO DO PETRÓLEO: A ESCASSEZ INELUTÁVEL
Segunda conclusão: à medida que aumenta a probabilidade de
crescimento dos preços das ramas petrolíferas, e isso será
incontornável no futuro a médio e longo prazo, de uma forma
independente de haver esta ou aquela crise bélica regional mesmo
que houvesse um ambiente de paz generalizada, o que é improvável,
a escassez de recursos (pico do petróleo) e aumento,
compreensível, de consumos nas economias dos BRIC, conduzirá ao
aumento dos preços os "mercados" aproveitam sempre e
imediatamente para subir os refinados, em parte sem reversibilidade (histerese
económica), para que as taxas de lucro dos grandes monopólios
internacionais não cessem de subir. Propor medidas para combater esta
situação não é tarefa simples no actual contexto
internacional, e estão fora do âmbito deste texto e do seu autor.
Finalmente, uma questão que consideramos muito importante e que,
normalmente, pouco é abordada.
O cidadão português "médio" tem, como se
compreenderá sem grande esforço, muito mais dificuldade em pagar
os combustíveis de que um cidadão "médio"
europeu, porque os salários em Portugal situam-se muito abaixo da
média europeia, enquanto os "custos de vida" não
são assim tão diferentes.
Se fizermos uma comparação na base de uma "taxa de
esforço para comprar combustíveis", ponderada com os
salários mínimos fixados para os diferentes países
europeus (os países ricos nem aplicam o conceito de salário
mínimo), essas diferenças ainda são mais notórias
face aos países que, a diversos títulos, podem servir de
padrão. Faz-se notar, entretanto, que este tipo de
comparação não tem um valor absoluto, porque quem receba
apenas o salário mínimo nem poderá comprar
combustível para alimentar uma viatura que, aliás, não
pode ter. Mas, sem dúvida, pode ser utilizado para
comparação entre diferentes países.
Então, se tivermos em conta que, segundo dados do Eurostat
recém-publicados, o salário mínimo português
está muito abaixo do que o grego, o espanhol, o irlandês, para
já não referir outros países que têm preços
de combustíveis equivalentes, teremos a justa medida da referida
"taxa de esforço" que poderemos ver no último
gráfico apresentado.
Poderemos concluir que o esforço relativo do consumidor português
é muito maior de que em outros países europeus, normalmente
utilizados como referência: três vezes maior do que na Irlanda,
duas vezes e meia que a da França, cerca de uma vez e meia na
Grécia e na Espanha!
Isto é, a todos os títulos, completamente inaceitável,
traduzindo o beco sem saída em que a União Europeia se meteu ao
optar por uma via neoliberal em que a coesão económica, social e
territorial é apenas letra de canção de embalar.
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