Os problemas reais da economia portuguesa não poderão ser
resolvidos pelo FMI/BCE/UE. É o caso do problema da energia e
transportes, um dos mais importantes de todos. Portugal importa a totalidade do
petróleo bruto que consome (12,6 milhões de toneladas/ano) e 53%
do mesmo é destinado ao seu sector dos transportes, o qual depende em
99,1% dos refinados de petróleo.
Trata-se de um problema real e sério. As importações de
petróleo bruto custaram 6,7 mil milhões de euros em 2010, ou
seja, quase 12% do custo de todas as importações do país e
33,5% do défice comercial português. O peso do petróleo na
balança de mercadorias é enorme e, historicamente, este problema
é crónico.
E o que dizem o FMI/BCE/UE quanto a isto? O memorando da troika, subscrito pelo
governo português e alguns partidos políticos
[1]
, estabelece os seguintes objectivos para os mercados de energia:
"Concluir a liberalização dos mercados da electricidade e do
gás; assegurar que a redução da dependência
energética e a promoção das energias renováveis
seja feita de modo a limitar os sobrecustos associados à
produção de electricidade nos regimes ordinário e especial
(co- geração e renováveis); garantir a consistência
da
política energética global, revendo os instrumentos existentes.
Prosseguir com a promoção da concorrência nos mercados da
energia e incrementar a integração no mercado ibérico da
electricidade e do gás (MIBEL e MIBGAS)".
Os autores do memorando quando se referem à "redução
da dependência energética" estão a pensar sobretudo
nos subsídios que têm sido dados às energias
renováveis, muito deles ruinosos (é o caso do
sobredimensionamento da potência eólica, bem demonstrada pelo
Engº Luís Mira Amaral
[2]
). Trata-se de uma análise em termos de unidades físicas,
não em termos dos custos da energia importada. No entanto, o mix
energético do país tem um papel relevante na eficácia da
economia portuguesa e da sua balança comercial. Ou seja,
substituição de umas energias importadas por outras igualmente
importadas deveria ter um papel relevante no saneamento dos nossos problemas
crónicos. É o caso da substituição dos refinados de
petróleo por gás natural
no sector dos transportes.
Verifica-se que entre 2002 e 2010 os preços em euros do petróleo
importado por Portugal aumentaram 153%
[3]
. Em contrapartida, no mesmo período os preços do gás
natural importado aumentaram apenas 72%
[3]
menos da metade do que os do petróleo. Esta é uma
tendência pesada e, quando se sabe do Pico Petrolífero,
absolutamente inelutável. Assim, verifica-se a importância crucial
de alterar o mix energético do país reduzindo o consumo de
petróleo e aumentando correspondentemente o de gás natural. Para
isso é indispensável estender decisivamente o gás natural
ao sector dos transportes. A generalização dos veículos a
gás natural deveria portanto ser um verdadeiro desígnio nacional.
O caminho para atingir este objectivo não tem qualquer segredo: É
o mesmo que já foi adoptado pela maioria dos países europeus e do
mundo todo, ou seja, instalar postos de abastecimento de gás natural
comprimido (GNC) e liquefeito (GNL). Tem de haver oferta para atender a procura
potencial. Mas Portugal permanece estagnado neste domínio, com apenas
cinco postos desde há muitos anos. No entanto, a Espanha já
dispõe de 43 postos e países com dimensão territorial
semelhante à nossa ultrapassaram-nos de longe: 221 postos na
Áustria, 123 na Suíça e 67 na Holanda. Mesmo os
"campeões" continuam a aumentar o número dos seus
postos GNC:
a Alemanha já tem 900, a Itália 831, a Ucrânia 283, a
Arménia 303, a Suécia 169, etc. Até a Turquia já
ultrapassou Portugal: neste momento dispõe de 14 postos GNC.
Independentemente das oscilações de conjuntura, com a Curva de
Hubbert a tendência dos preços do petróleo e dos seus
refinados é para o aumento inexorável. As
perturbações verificadas em 2010 em relação aos
preços do gasóleo dão uma antevisão do que pode nos
esperar no futuro se nada for feito agora. Então, o que esperamos para
promover a boa alternativa do gás natural? É preciso romper a
inércia!
Da parte do governo que sai das eleições de 5 de Junho é
preciso que tome as medidas adequadas para promover os VGNs e a
instalação de postos GNC e também de GNL. Da parte das
municipalidades, que rompam com o imobilismo que as tem caracterizado
até agora. Da parte dos actores económicos empresas
detentoras de frotas, associações empresariais, etc
é preciso que tenham iniciativas e percam a timidez. A
liberalização dos mercados do gás natural dá todas
as possibilidades aos empresários para se estabelecerem como
fornecedores de GNC. A APVGN está pronta a colaborar e assessorar todos
os actores que decidam encarar o mundo tal como ele será: com cada vez
menos petróleo. A rota do futuro passa pelos VGNs.
[1] Tradução do "Memorando de entendimento sobre as
condicionalidades de política económica", in
www.min-financas.pt/download.asp?num_links=0&link=inf_economica/MoU_PT.pdf
[2] in
Energia e Futuro,
nº 2, Abril-Julho/2011, artigo "Eólicas, petróleo e
sobrecustos"
[3] Fonte: DGGE, "A factura energética portuguesa", nºs
18 e 26.
Adenda:
Fala-se actualmente em alterações nas listas de bens e
serviços sujeitos a IVA. Seria desastroso se eventualmente o
próximo governo retirasse o gás natural da Lista I (Bens e
serviços sujeitos a taxa reduzida), passando-o para a Lista II (Taxa
intermédia) ou, pior ainda, para a taxa normal de 23%. Se tal
alteração fosse aprovada significaria uma machadada não
só para os VGNs como para toda a indústria portuguesa e as
famílias. Significaria também dar a mensagem errada de não
substituir o petróleo no consumo energético do país.
Deve-se notar que a decisão de mudar produtos nas listas do IVA é
da competência do governo e não do FMI/BCE/UE. Estes estabelecem
metas globais, mas não chegam ao pormenor de dizer quais produtos devem
ser postos ou retirados das listas anexas ao Código do IVA.
O original encontra-se na revista
VGN
, nº 4 (44,3 MB).
Este editorial encontra-se em
http://resistir.info/
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