Quase 2 milhões de portugueses vivem em situação de pobreza e 2,7 milhões só ainda não estão porque recebem prestações sociais que o governo está a cortar
por Eugénio Rosa
[*]
O Instituto Nacional de Estatística divulgou já este ano
(11/7/2011)
dados sobre a pobreza em Portugal
. E esses dados do serviço
oficial de estatística português merecem uma atenção
e uma reflexão muito séria, nomeadamente num período em
que o actual governo e as forças politicas e patronais que o apoiam
não se cansam de falar da necessidade de fazer grandes cortes na despesa
pública, nomeadamente nas funções sociais do Estado,
até porque são precisamente estas que têm maior peso nas
despesas totais do Estado.
Em 2009, e a situação actual deverá ser certamente mais grave devido ao aumento do desemprego, ao congelamento das pensões, e aos cortes nas prestações sociais; repetindo, em 2009, 1.904.274 portugueses encontravam-se na situação de risco de pobreza. No entanto, este total, que já era muito elevado, só era alcançado depois das transferências sociais (em dinheiro e em espécie), pois se não existissem essas transferências sociais, ou se forem eliminadas o numero de portugueses no limiar de pobreza, nesse ano, subiria para 4.617.066. Para além disso, este número tem crescido todos os anos. Entre 2006 e 2009, passou de 4.234.360 para 4.617.066, ou seja, aumentou em 382.706, o que significa que está a crescer, em média, em 127.568 por ano Se retirarmos a este número aqueles que após as transferências continuam na situação de pobreza 1.904.274 em 2009 conclui-se rapidamente que 2.712.792 só não estão também na situação de pobreza porque recebem prestações sociais, pois se as não tivessem, ou se forem drasticamente reduzidas, como pretende o governo, cairão imediatamente na situação de pobreza. AS PRESTAÇÕES SOCIAIS QUE O GOVERNO DO PSD/CDS PRETENDE CORTAR As prestações sociais são ou em espécie (serviços de educação prestado pelas escolas públicas, consultas e operações nos centros de saúde e nos hospitais públicos) ou em dinheiro (pensões, subsídios de doença e de desemprego, abonos de famílias, rendimento social de inserção, comparticipação nos medicamentos, etc.). Alguns dados oficiais mostram a importância destas prestações sociais para todos os portugueses, e também provam que a sua eliminação ou mesmo redução, como pretende o governo, tornará a vida muito mais difícil para milhões de portugueses. Na área do ensino básico e secundário, no ano lectivo 2009/2010, que são os últimos dados oficiais disponíveis, estavam inscritos 1.911.380 alunos, sendo 1.492.763 no sistema publico, ou seja, 78,4% do total. E dos restantes 413.617 que estão inscritos no ensino privado, 156.757, ou seja, 38,4% estão no ensino "Privado dependente do Estado", isto é, financiado também por este. Com o agravamento da crise, o numero de país que transferem os filhos do ensino privado para o publico não para de aumentar. Na área do ensino superior, e tomando como base os dados referentes ao ano lectivo 2008-2009, que são os últimos disponíveis, estavam inscritos 373.002 alunos, sendo 282.438, ou seja, 75,7% do total no ensino superior publico, estando inscritos no ensino privado apenas 90.564 (24,3% do total). E o seu numero já diminuiu em 2011 devido à redução de bolsas sociais. Na área da saúde, em 2010, foram realizadas 42.722.502 consultas em centros de saúde e consultas hospitalares externas, o que dá uma média de 4 por habitante, ou seja, uma consulta por trimestre nos Centros de Saúde e nos hospitais públicos. No mesmo ano foram realizadas 482.928 operações de cirurgia em hospitais públicos. Na área da Segurança Social, em Julho de 2011, o número de pensionistas de invalidez e velhice somava 1.927.771 portugueses, o que corresponde a cerca de 18% da população portuguesa, a que se juntam ainda 706.799 portugueses com pensões de sobrevivência pagas pela Segurança Social; apesar dos sucessivos cortes o número de portugueses a receber prestações familiares (abonos de família, subsidio de educação especial, subsidio de assistência a 3ª pessoa, etc.) atingia 1.271.620; o numero de desempregados a receberem subsidio de desemprego era 285.336; o número de famílias a receber RSI somava 121.336 e o número de beneficiários do RSI somava 327.506. Estes números são suficientes para mostrar a importância destes serviços Educação, Serviço Nacional de Saúde, Segurança Social e CGA para a vida dos portugueses. E são precisamente nas despesas com estes serviços essenciais para a população que o governo PSD/CDS está a fazer os maiores cortes e pretende realizar em 2012, e nos anos seguintes, ainda maiores reduções. O quadro seguinte, construído com dados divulgados pela Direcção Geral do Orçamento do Ministério da Finanças na sua informação sobre a "Execução Orçamental de Setembro de 2011", mostra a dimensão dos cortes que se estão a verificar naquelas áreas essenciais. Quadro 2- Execução do Orçamento do Estado 2011 no período Janeiro- Agosto
De acordo com estes dados oficiais, o corte registado nas despesas com as funções sociais do Estado (fundamentalmente educação, saúde e segurança social) no período Janeiro a Agosto de 2011, quando comparado com a despesa de idêntico período de 2010, atingiu -1.311 milhões a preços correntes e -1.952 milhões em termos reais (preços de 2010). Se fizermos uma estimativa para todo o ano de 2011, conclui-se que a redução nas despesas sociais do Estado deverá atingir este ano -1.967 milhões a preços correntes e -2.928 milhões em termos reais (preços de 2010). Os sectores mais atingidos serão a educação (redução de -889 milhões em termos reais); a saúde (redução de -1.014 milhões em termos reais); e a segurança social (redução de -897 milhões em termos reais). É evidente que cortes desta dimensão em serviços essenciais para a população determinarão inevitavelmente menos serviços, piores serviços e muito menos apoios sociais o que agravará ainda mais as condições de vida em Portugal. Mas como tudo isto já não fosse suficiente, o governo PSD/CDS tenciona aumentar esses cortes em 2012 e ainda mais do que o consta do "Memorando de .entendimento" FMI-BCE-CE-PS-PSD-CDS como prova o seu "Documento de Estratégia Orçamental para o período 2011-2015, cujos dados (alguns) constam do quadro seguinte. Quadro 3- Cortes nas despesas com as funções sociais do Estado em 2012 e em 2013 constantes do "Memorando de entendimento" e do "Documento de Estratégia Orçamental" 2011-2015
Portanto, para além dos elevados cortes nas despesas com a funções sociais que estão a ser feitos em 2011, o governo tenciona realizar mais cortes no período 2012-2013, nomeadamente na educação mais 370 milhões ; no SNS mais 925 milhões ; na ADSE mais 200 milhões ; nas pensões, para além do congelamento, um corte de 820 milhões ; no subsidio de desemprego um corte de mais 150 milhões ; e nos outros apoios sociais um novo corte de 350 milhões , o que dá um total de cortes nas funções sociais do Estado que atinge 2815 milhões . Isto é o que consta no "Memorando de entendimento" "actualizado", sem conhecimento dos portugueses, em 1 de Setembro de 2011 (a versão anterior era de Maio). Mas o governo pretende ir "mais além" nos cortes nas funções sociais do Estado, como Passos Coelho gosta de dizer, e como revela o "Documento de Estratégia Orçamental 2011-2015" elaborado pelo governo. A prová-lo está o facto do "Memorando de entendimento" prever um corte nas despesas com as funções sociais do Estado de 1.440 milhões em 2012, e o governo, no seu Documento de Estratégia Orçamental" prever já um corte de 2.039 milhões no mesmo ano, ou seja, mais 41,6%. É evidente que estes cortes tão grandes determinarão a exclusão de centenas de milhares de portugueses do acesso a prestações sociais e a serviços essenciais, provocando o aumento da pobreza em Portugal que, segundo os dados do INE, poderá atingir 43,4% da população (4.617.066 portugueses), já que a maioria desta população está dependente das prestações sociais para não cair na pobreza. A DIMENSÃO DO ATAQUE ÀS CONDIÇÕES DE VIDA DOS TRABALHADORES DA FUNÇÃO PÚBLICA No seu objectivo de reduzir o acesso da população a serviços essenciais, os sucessivos governos têm tido uma politica de degradação das condições de vida dos trabalhadores da Função Pública. Quadro 4 Variação do poder de compra das remunerações na Administração Pública e no sector privado no período 2000-2011
Entre 2000 e 2011, o poder de compra dos trabalhadores da Administração Pública diminuiu entre -8% (para os trabalhadores com remunerações até 1500) e -15,5% (para os trabalhadores com remunerações superiores a 1500 ). E para os anos de 2012 e 2013 é intenção deste governo manter o corte e o congelamento das remunerações, o que determinará, se tal intenção se concretizar, uma nova e significativa redução nas condições de vida destes trabalhadores, até porque é previsível que a inflação dispare com o aumento significativo dos impostos. O congelamento das remunerações dos trabalhadores da Administração Pública no período 2011-2013 determinará que estes trabalhadores recebam menos 1028 milhões de remunerações como consta do "Documento de Estratégia Orçamental 2011-2015" do governo. Por outro lado, o corte feito pelo governo de Sócrates nas remunerações dos trabalhadores da Função Pública em 2011, que o governo de Passos Coelho pretende manter, determinou uma redução nas retribuições dos trabalhadores da Função Pública em 1.190 milhões (se incluir as empresas públicas são mais 242,5 milhões ) como consta da pág. 48 do próprio Relatório do Orçamento do Estado de 2011. Enquanto isto sucedeu na Administração Pública, no sector privado, em idêntico período (2000-2011), o poder de compra das remunerações, de acordo com os dados oficiais, aumentou cerca de 8%. Portanto, a desigualdade de tratamento é clara. O ataque às condições de vida de todos os trabalhadores portugueses no período 2000-2011 foi muito grande em Portugal, mas os trabalhadores da Administração Pública têm sido o alvo preferencial da fúria dos ataques do governo, precisamente por estarem em serviços públicos essenciais à população que os sucessivos governos, e nomeadamente o do PSD/CDS, pretendem reduzir drasticamente, para não dizer mesmo destruir pelo menos uma parte importante deles, para assim também criar oportunidades de negócio aos privados, nomeadamente aos grupos económicos da saúde (José de Mello, grupo Espírito Santo, etc) e a outros.
25/Setembro/2011
Economista, edr2@netcabo.pt , www.eugeniorosa.com Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . |