O aumento do horário de trabalho na função pública

– de 35 para 40 horas semanais determinaria um aumento 128 milhões de horas de trabalho anuais
– se não forem pagas, determinaria um confisco de 1.640 milhões € de salários por ano

por Eugénio Rosa [*]

RESUMO DESTE ESTUDO

O ataque aos direitos dos trabalhadores da Função Pública e às funções sociais do Estado – através de mais um corte brutal da despesa pública e de despedimentos anunciado por Passos Coelho –, a concretizar-se agravaria ainda mais a recessão económica e faria disparar muito mais o desemprego como mostraremos num próximo estudo. O ataque tem sido justificado pelo governo com base na mentira visando enganar e manipular a opinião pública e virá-la contra os trabalhadores da Administração Pública.

O governo pretende aumentar o horário de trabalho na Função Pública de 35 horas semanais para 40 horas. E a justificação que apresenta é para igualizar o horário de trabalho com o praticado no setor privado. No entanto, contrariamente ao que afirma, o horário de 35 horas não existe apenas na Função Pública. Como revelam dados divulgados pelo Banco de Portugal já este ano, no fim de 2012, 25,7% dos portugueses empregados trabalhavam menos de 35 horas por semana; 49,6% trabalhavam entre 36 horas e 40 horas, portanto mesmo estes nem todos trabalhavam 40 horas por semana; e 24,7% trabalhavam mais de 40 horas por semana. Portanto, dizer que no setor privado trabalha-se 40 horas por semana, e que só a Função Pública tem um horário de 35 horas semanais é mentir descaradamente. No setor privado, muitos trabalhadores, nomeadamente do setor de serviços, têm um horário inferior a 40 horas.

O aumento de 35 para 40 horas semanais determinaria que os 583.669 trabalhadores da Função Pública seriam obrigados a trabalhar mais 11.673.380 horas de trabalho por mês (admitiu-se que todos os trabalhadores têm atualmente um horário de 35 horas semanais).Utilizando a remuneração média por hora na Função Pública que é apenas de 10 € (este valor corresponde ao valor hora, sem acréscimo por trabalho extraordinário e engloba todos os trabalhadores), aquelas 11.673.380 horas de trabalho que seriam realizadas a mais mensalmente pelos trabalhadores da Função Pública correspondem a 116,7 milhões € por mês. Multiplicando por 14 meses, pois tal valor teria de ser incorporada na remuneração base, determinaria, por ano, um valor de 1.640 milhões €. É este o valor de salários que o governo e "troika" pretendem confiscar à Função Pública através da imposição de milhões de horas de trabalho gratuito que é necessário impedir.

O aumento do horário semanal de 35 horas para 40 horas representaria um aumento de mais de 128,4 milhões de horas de trabalho por ano, o que corresponde ao tempo de trabalho anual de cerca de 72.000 trabalhadores. É evidente que o governo e a "troika" pretendem também, com esta medida, criar artificialmente um elevado numero de excedentários para assim ter uma justificação para realizar elevado número de despedimentos na Função Pública, o que reduziria significativamente os serviços públicos de saúde, educação, etc. prestados à população. A confirmar aquela intenção do governo estão outras duas medidas que constam já de projetos de diplomas que o governo enviou aos sindicatos da Função Pública que analisamos também neste estudo. São eles uma proposta de lei que determinaria que os trabalhadores que fossem considerados excedentários pelas respetivas chefias seriam colocadas na situação de "requalificação" e se ao fim de 18 meses, durante os quais receberiam uma remuneração cada vez menor, se não fossem reafetos a outros serviços seriam obrigados a optar: ou ficar na situação de licença sem direito a qualquer remuneração, ou então aceitar o despedimento recebendo uma indemnização, que não se sabe qual é, e sem direito a subsídio de desemprego. O 2º projeto de diploma, que é uma Portaria, visa regular a rescisão do contrato "por mútuo acordo", que não tem nada de mútuo acordo depois do diploma anterior que coloca os trabalhadores entre a "espada e a parede". Só abrange os trabalhadores até aos 59 anos de idade, variando a indemnização entre 1,5 e um mês de remuneração por cada ano de serviço, sendo a indemnização por ano de serviço tanto menor quanto mais elevada é a idade do trabalhador.

Neste momento o debate no espaço público, nomeadamente nos grandes media, está perfeitamente viciado e manipulado. No lugar de se debaterem quais serão as consequências para o país e para os portugueses, e não apenas para os trabalhadores da Função Pública, da intenção do governo e "troika" de fazerem um novo e brutal corte na despesa pública, a juntar aos anteriores, discute-se, por ex., se as estimativas de redução de despesa publica anunciada por Passos Coelho tem ou não margem para absorver a eliminação da chamada "TSU dos reformados", como tudo o resto fosse necessário e inevitável, ou seja, como este caminho de destruição da economia e da sociedade portuguesa, que este governo e esta "troika" estão a impor ao país e aos portugueses, fosse o único caminho possível e natural.

A mentira e a manipulação sem limites e sem ética estão a ser utilizadas em larga escala. Um exemplo, para que o leitor se possa aperceber da sua dimensão, é o que aconteceu com emissão de divida pública. Portugal foi obrigado a fazer em 6/5/2013 uma emissão de divida pública no montante de 3.000 milhões € a 10 anos, em que têm de pagar uma taxa de juro de 5,669%, para poder reembolsar aos credores a divida que se venceu. A taxa de juro de 5,669% determinará que Portugal pague, só de juros, 1.700 milhões €, ou seja, o nosso país terá de pagar, pelos 3.000 milhões euros que pediu emprestado, 4700 milhões €, isto é, mais 56,7%. No fim de 2012, ou seja, após menos de dois anos de governo PSD/CDS e de "troika", a divida do Estado já tinha atingido 204.000 milhões €. Se Portugal tivesse de pagar uma taxa de juro de 5,669% por este montante de divida, teria de suportar, só de juros, 11.5647,6 milhões € por ano, ou seja, praticamente o mesmo que o O.E. vai transferir para o SNS em 2013 (7.801 milhões €) mais o que é necessário para pagar as remunerações a todos os professores do ensino básico e secundário e a outros trabalhadores da educação em 2013 (3.990 milhões €). E apesar disso, o ministro Vítor Gaspar, com o ar de pessoa que vive em outro mundo e de convencido que o carateriza, veio logo dizer que foi um "grande sucesso", e os seus papagaios nos media repetiram monocordicamente o mesmo. Portanto, um insucesso – ter de pagar juros especulativos – é transformado, através da mentira, num "grande sucesso" que vai custar caro aos contribuintes portugueses É este tipo discurso, que domina atualmente os grandes órgãos de comunicação social, que é importante desmontar e denunciar para que os portugueses possam se aperceber do desastre para onde estão a ser empurrados por um governo submisso a uma "troika" arrogante.

É MENTIRA QUE O HORÁRIO EM TODO SETOR PRIVADO SEJA 40 HORAS SEMANAIS, E QUE APENAS OS TRABALHADORES DA FUNÇÃO PÚBLICA TRABALHEM 35 HORAS

Outra mentira que está a ser utilizada no ataque aos direitos dos trabalhadores da Função Pública, é que o horário semanal de 35 horas é um privilégio da Função Pública já que no setor privado se trabalha 40 horas por semana. Ora isto não corresponde à verdade pois existem muitos trabalhadores do setor privado, nomeadamente os que estão empregados no setor de serviços, que ocupa a maioria da população empregada (70,5% do total dos trabalhadores por conta de outrem), que não trabalha 40 por semana. O quadro 1, construído com dados divulgados pelo Banco de Portugal no seu Boletim Estatístico de Abril de 2013, mostra a população empregada portuguesa em Dezembro de 2012 repartida por horários semanais de trabalho.

Quadro 1 - População empregada portuguesa repartida por horários semanais de trabalho, Dez/2012
Horas semanais de trabalho
EMPREGO – Milhares, Dezembro de 2012
% do TOTAL
% Acumulada
1-5 horas 76,3 1,8% 1,8%
6-10 horas 109,8 2,6% 4,4%
11-20 horas 236,3 5,6% 9,9%
21-25 horas 83,1 2,0% 11,9%
26-30 horas 90,5 2,1% 14,0%
31-35 horas 497,2 11,7% 25,7%
36-40 horas 2.113,4 49,6% 75,3%
41-45 horas 368,0 8,6% 84,0%
46-50 horas 336,8 7,9% 91,9%
>50 horas 345,4 8,1% 100,0%
TOTAL 4.256,8 100,0%  
Fonte: Banco de Portugal, Boletim Estatístico, Abril de 2013

Como revela o Banco de Portugal, no fim de 2012, 25,7% dos portugueses empregados trabalhavam menos de 35 horas por semana; 49,6% trabalhavam entre 36 horas e 40 horas, portanto mesmo estes nem todos trabalhavam 40 horas por semana; e 24,7% trabalhavam mais de 40 horas. A realidade é esta traduzida pelos próprios dados oficiais, e dizer que o setor privado trabalha 40 horas por semana, e que só a Função Pública tem um horário de 35 horas semanais é mentir descaradamente com o propósito claro de enganar a opinião pública com o objetivo de a virar contra os trabalhadores da Função Pública, para ser mais fácil o ataque aos seus direitos.

O AUMENTO DO HORÁRIO DE TRABALHO NA FUNÇÃO PÚBLICA DE 35 PARA 40 HORAS, SEM CONTRAPARTIDA REMUNERATÓRIA, REPRESENTARIA UM CONFISCO DE 1.640 MILHÕES €/ANO DE SALÁRIOS, SENDO UM FORTE INCENTIVO PARA OS PATRÕES DO PRIVADO FAZEREM O MESMO

Enquanto o governo e "troika" consideram os lucros especulativos das Parcerias Público Privadas, as "rendas excessivas" do setor da energia, e os contratos "swaps" especulativos impostos às empresas públicas que lesam o Estado em milhões e milhões de euros todos os anos como direitos adquiridos dos grandes grupos económicos e financeiros que não podem ser tocados, pois nada fazem de concreto para reduzir significativamente os encargos para o Estado, em relação aos direitos dos trabalhadores e dos pensionistas, muitos deles consagrados na Constituição da República, já não existem "direitos adquiridos", nem limites ao aumento da exploração e aos cortes nos seus rendimentos essenciais à sua sobrevivência.

O aumento de 35 horas para 40 horas semanais determinará que os 583.669 trabalhadores da Função Pública sejam obrigados a trabalhar mais 2.918.345 horas por semana, o que significa cerca de 11.673.380 horas de trabalho por mês (considerou-se que todos os trabalhadores têm um horário semanal de 35 horas, pois o governo não divulga o número daqueles que fazem já 40 horas por semana). Utilizando a remuneração media por hora na Função Pública que é apenas de 10€s (este valor corresponde à hora singela, e não ao valor da hora extraordinária e engloba todos os profissionais), aquelas 11.673.380 horas de trabalho que seriam realizadas a mais mensalmente pelos trabalhadores da Função Pública correspondem a 116,7 milhões € por mês. Multiplicando por 14 meses, pois tal valor teria de ser incorporado na remuneração base, determinaria, por ano, um valor de 1.640 milhões €. É este o valor que o governo PSD/CDS e a "troika" pretendem confiscar aos trabalhadores da Função Pública anualmente através da imposição de trabalho gratuito. Este valor associado a um acréscimo do tempo de trabalho de 128 milhões de horas de trabalho por ano, significa um aumento enorme da exploração destes trabalhadores.

O QUE O GOVERNO E "TROIKA" PRETENDEM TAMBÉM COM ESTA MEDIDA É TER MAIS UMA JUSTIFICAÇÃO PARA FAZER GRANDES DESPEDIMENTOS NA FUNÇÃO PÚBLICA, AUMENTANDO O DESEMPREGO E REDUZINDO AS FUNÇÕES SOCIAIS DO ESTADO O QUE AGRAVARIA AINDA MAIS AS CONDIÇÕES DE VIDA DOS PORTUGUESES

O que está em causa com o ataque aos direitos e ao emprego dos trabalhadores da Função Pública não é apenas uma questão que afeta os trabalhadores da Administração Pública. É um ataque que, a concretizar e a ter êxito, agravará imenso as condições de vida de todos os portugueses, nomeadamente dos trabalhadores e dos pensionistas, e é importante que eles tenham consciência disso.

O aumento do horário semanal de 35 horas para 40 horas representaria um aumento anual de mais de 128,4 milhões de horas de trabalho por ano, o que corresponde ao tempo de trabalho anual de cerca de 72.000 trabalhadores. É evidente que o governo e a "troika" pretendem também com esta medida, criar artificialmente um elevado número de excedentários para assim ter uma justificação para realizar elevado número de despedimentos na Função Pública. A confirmar isso estão outras duas medidas que constam já de projetos de diplomas legais que o governo enviou aos sindicatos da Função Pública. Se tal intenção se concretizar, verificar-se-á uma redução significativa dos serviços públicos de saúde, de educação e de segurança social prestados à população, pois não é possível a prestação de tais serviços sem trabalhadores, já que mesmo agora, devido à política de não substituir os que se aposentam, muitos serviços já enfrentam graves carências de pessoal que se agravariam muito mais com consequências dramáticas nas condições de vida dos portugueses cujo acesso a esses serviços ficaria consideravelmente dificultado. Por outro lado, a concretização de tal intenção do governo e da "troika" faria disparar ainda mais o desemprego, generalizando a pobreza e agravando a recessão económica.

O PROCESSO SUMÁRIO DE DESPEDIMENTO QUE O GOVERNO E "TROIKA" PRETENDEM APLICAR NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PORTUGUESA

Em primeiro lugar, através de uma proposta de lei que o governo designa eufemisticamente por "sistema de requalificação dos trabalhadores em funções públicas " que mais corretamente se deve chamar "sistema de despedimento dos trabalhadores da Função Pública". De acordo com o artº1, o disposto nesta proposta seria "aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas independentemente da modalidade de constituição da relação de emprego público" (âmbito de aplicação subjetivo), excetuando-se apenas os trabalhadores com vínculo de nomeação, que representam apenas 10% dos trabalhadores da Função Pública; por outro lado, segundo o artº 3º, ela aplica-se "a todos os órgãos e serviços da administração direta e indireta do Estado, com exceção do setor empresarial; às instituições de ensino superior públicas, aos serviços da administração autárquica, com exceção do respetivo setor empresarial, e aos órgãos e serviços da administração regional, com exceção do respetivo setor empresarial" (âmbito de aplicação objetivo).

Os trabalhadores considerados excedentários e não reafetos a outros serviços seriam "colocados na situação de requalificação" (artº 15º). E segundo o nº 5 do artº 18º da mesma proposta de lei, "os trabalhadores colocados nesta situação receberiam 66,7% da sua remuneração base nos primeiros 6 meses, 50% nos seis meses seguintes e 33,45% nos últimos seis meses", tendo como limite mínimo o salário mínimo nacional. E de acordo com o nº2 do mesmo artigo, findo os 18 meses "o trabalhador é colocado pela entidade gestora do sistema de requalificação em situação de licença sem remuneração, ou opta pela cessação do contrato de trabalho, sendo devida a correspondente indemnização"; portanto, ao trabalhador que fosse considerado pelo responsável do serviço "excedentário", através de um processo sumário, seria colocado no "processo de requalificação", que mais propriamente se devia chamar "processo de despedimento", onde estaria durante 18 meses a receber uma remuneração base cada vez menor que teria como limite mínimo o salário mínimo nacional, findo o qual só lhe restaria duas opções: ou ficar na situação de licença sem direito a qualquer remuneração, ou então optar pelo despedimento recebendo uma indemnização, que não se sabe qual é, e sem direito ao subsídio de desemprego.

O segundo projeto de diploma, já uma simples portaria, tem como objetivo regular o processo de "rescisões por mútuo acordo", que não teriam nada de "mútuo acordo", pois o trabalhador é colocado antes, pelo diploma anterior", entre a espada e a parede.

Segundo o artº 2º deste projeto de Portaria este "programa" abrange os trabalhadores que reúnam cumulativamente as seguintes condições: (1) Ter idade igual ou inferior a 59 anos; (2) Possuir contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado; (3) Pertencer às carreiras de assistente técnico e de assistente operacional ou a carreira ou categoria de subsistema constante do anexo à portaria (adjuntos, agentes de verificação e métodos, ajudantes de secretaria, auxiliares, capatazes, chefes, coordenadores, delegados, encarregados, secretários, técnicos de conservação, fotografia, de verificação de produtos de pesca, e técnicos experimentadores principais); (4) Se encontrem pelo menos a cinco anos de atingir a limite de idade legal de aposentação que em cada caso lhes sejas aplicável (não abrange os trabalhadores que tenham pedido a aposentação antes da entrada em vigor da portaria).

E de acordo com o artº 3º do projeto de Portaria as indemnizações a que teriam direito seriam as seguintes: (a) Trabalhador com idade inferior a 50 anos: 1,5 meses de remuneração base e suplementos remuneratórios de caráter permanente por cada ano de serviço; (b) Trabalhador com idade compreendida entre os 50 anos e os 54 anos de idade: 1,25 meses de remuneração base e suplementos remuneratórios de caráter permanente por cada ano de serviço; (c) Trabalhador com idade compreendida entre os 55 anos e 59 anos de idade: 1 mês de remuneração base e suplementos remuneratórios de caráter permanente por cada ano de serviço. A idade que conta é a do trabalhador na data de entrada do requerimento.

Finalmente, segundo o artº 5º do mesmo projeto "para efeitos de cálculo da compensação a atribuir é contabilizado cada ano completo de antiguidade, independentemente da respetiva modalidade de relação jurídica de emprego publico e, em caso de fração de um ano o montante de compensação é calculado proporcionalmente. E se o trabalhador já tiver recebido qualquer indemnização por despedimento o tempo correspondente é deduzido.

07/Maio/2013

[*] Economista, edr2@netcabo.pt

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
10/Mai/13