Os salários em Portugal e a competitividade das empresas
Em 2010, o salário médio líquido nominal foi apenas
de 777 /mês
Mas 1.422.800 receberam menos de 600/mês
A falta de competitividade não se deve a salários elevados
Os salários mensais líquidos dos trabalhadores por conta de
outrem em Portugal ou seja, aquilo que ele leva para casa, e com que ele
e a família têm de viver continuam a ser baixíssimos
em Portugal. E há ainda gente que afirma que os salários
são muito elevados e que essa seria a razão da baixa
competitividade das empresas portuguesas. O quadro seguinte, construído
com dados divulgados pelo INE, mostra a evolução dos
salários médios mensais líquidos nominais nas diferentes
regiões do País no período 2006/2010.
Quadro 1 Salários médios mensais líquidos nominais
por regiões no período 2006-2010
REGIÕES
|
3ºT-2006
|
3ºT-2007
|
3ºT-2008
|
3ºT-2009
|
3ºT-2010
|
Variação 2010/2006
|
2006 % PT
|
2010 % PT
|
Norte
|
634
|
661
|
689
|
712
|
716
|
12,9%
|
89,7%
|
93,6%
|
Centro
|
644
|
647
|
671
|
683
|
677
|
5,1%
|
91,1%
|
89,8%
|
Lisboa
|
864
|
894
|
894
|
898
|
935
|
8,2%
|
122,2%
|
118,0%
|
Alentejo
|
652
|
681
|
709
|
711
|
741
|
13,7%
|
92,2%
|
93,4%
|
Algarve
|
782
|
678
|
710
|
738
|
772
|
-1,3%
|
110,6%
|
97,0%
|
RA Açores
|
696
|
657
|
648
|
685
|
715
|
2,7%
|
98,4%
|
90,0%
|
RA Madeira
|
642
|
663
|
715
|
720
|
731
|
13,9%
|
90,8%
|
94,6%
|
PORTUGAL (PT)
|
707
|
720
|
747
|
761
|
777
|
9,9%
|
100%
|
100%
|
Fonte: Estatísticas de Emprego 3º Trimestre
2006-2010
Entre 2006 e 2010, o salário médio mensal líquido nominal
aumentou de 707 para 777, ou seja, teve uma subida apenas de 9,9%
em 4 anos. E não se deduziu o efeito da inflação. Se
dividirmos o aumento verificado pelo número de anos, obtém-se um
valor médio de apenas 18 por ano.
Se a análise for feita por regiões, conclui-se que se verificaram
grandes desigualdades nos aumentos verificados entre 2006 e 2010, variando
entre +13,9% (RA Madeira) e -1,3% (Algarve). Tal variação
determinou que, no 3º Trimestre de 2010, o salário médio
líquido nominal fosse na região de Lisboa superior em 18% ao
salário médio líquido nacional, enquanto na região
Norte era inferior ao salário médio nacional em -6,4%; na
região Centro em -10,2%; no Alentejo em -6,4%; no Algarve em -3%; na RA
dos Açores em -10%; e na RA da Madeira era inferior ao salário
médio líquido nacional em -5,4%. Portanto, salários
líquidos muito baixos mas, para além disso, muito desiguais de
região para região (a diferença salarial entre Lisboa e a
região Centro é de 28%).
1.422.800 TRABALHADORES POR CONTA DE OUTREM RECEBIAM MENOS DE 600 POR
MÊS E, DESTES, 120,6 MIL TINHAM SALÁRIOS LIQUIDOS INFERIORES A 310
/MÊS
Se a análise for feita por escalões de rendimento, a
conclusão que se tira é ainda mais grave como revela o quadro
seguinte, construído também com dados divulgados pelo INE.
Quadro 2 Nº de trabalhadores por sectores de actividade
económica e por escalões 2010
Escalão de rendimento salarial
|
TRABALHADORES POR CONTA OUTRÉM -2010
|
PORTUGAL
|
Agricultura, Silvicultura e Pesca
|
Indústria, Construção, Energia e Água
|
SERVIÇOS
|
Nº Trabalhadores
Mil
|
% Total
|
Nº Trabalhadores
Mil
|
% Total
|
Nº Trabalhadores
Mil
|
% Total
|
Nº Trabalhadores
Mil
|
% Total
|
Trabalhadores por conta de outrem
|
3 836,2
|
100%
|
84,1
|
100%
|
1 197,0
|
100%
|
2 555,1
|
100%
|
Menos de 310 euros
|
120,6
|
3,1%
|
12,2
|
14,5%
|
12,9
|
1,1%
|
95,5
|
3,7%
|
De 310 a menos de 600 euros
|
1 302,2
|
33,9%
|
42,6
|
50,7%
|
480,2
|
40,1%
|
779,3
|
30,5%
|
De 600 a menos de 900 euros
|
1 109,3
|
28,9%
|
18,6
|
22,1%
|
385,6
|
32,2%
|
705,1
|
27,6%
|
De 900 a menos de 1 200 euros
|
371,6
|
9,7%
|
2,3
|
2,7%
|
88,4
|
7,4%
|
280,9
|
11,0%
|
De 1 200 a menos de 1 800 euros
|
336,9
|
8,8%
|
1,7
|
2,0%
|
53,7
|
4,5%
|
281,4
|
11,0%
|
De 1 800 a menos de 2 500 euros
|
102,1
|
2,7%
|
0,5
|
0,6%
|
12,4
|
1,0%
|
89,1
|
3,5%
|
De 2 500 a menos de 3 000 euros
|
29,6
|
0,8%
|
-
|
|
4,3
|
0,4%
|
25,3
|
1,0%
|
3 000 euros e mais euros
|
23,7
|
0,6%
|
0,1
|
0,1%
|
6,3
|
0,5%
|
17,3
|
0,7%
|
Fonte: Estatísticas Emprego-3º Trimestre 2010- INE; NOTA: Os que
faltam no Total são os classificados NS/NR
No 3º Trimestre de 2010, 37% dos trabalhadores por conta de outrem
portugueses, ou seja, 1.422.800, recebiam um salário líquido
mensal inferior a 600/mês. Os trabalhadores por conta de outrem com
salários líquidos superiores a 1.200 por mês eram
apenas 492,3 mil (os com salários líquidos mensais superiores a
1800 eram somente 155,4 mil, ou seja, 4,1%).
Se a análise for feita por sector de actividade económica conclui
que, no 3º Trimestre de 2010, na Agricultura, Silvicultura e Pescas 65,2%
recebiam salários líquidos mensais nominais inferiores a
600/mês, e 14,5% inferiores a 310/mês; na
Indústria, Construção, Energia e Água, 41,2% dos
trabalhadores por conta de outrem recebiam salários inferiores a
600/mês; nos Serviços, o número de trabalhadores com
salários líquidos inferiores a 600/mês atingia 874,8
mil, ou seja, 34,2% do total. Os trabalhadores com salários
líquidos superiores a 1.200 por mês eram apenas 2,3% do
total no sector primário; 6,4% no sector secundário, e 16,2% do
total no sector terciário.
MÁ FÉ OU IGNORÂNCIA
Afirmar, como dizem alguns, nomeadamente os comentadores habituais
(opinion-makers), com acesso privilegiado aos grandes media, que a
falta de competitividade da maioria das empresas portuguesas se deve aos
elevados salários pagos, e que é necessário, para aumentar
a competitividade, congelar os salários nominais, ou mesmo reduzi-los,
como o governo deu o exemplo na Administração Pública,
é revelar má-fé ou profunda ignorância da realidade
económica nacional.
Infelizmente, este governo parece alinhar pelo mesmo diapasão, pois
acabou de apresentar na concertação social um conjunto de
propostas que visam embaratecer ainda mais o factor
trabalho, como gostam de dizer os neoliberais da nossa
praça, nomeadamente o trabalho dos estagiários e dos
trabalhadores que estão nos programas ocupacionais (e são muitos
milhares) com o objectivo, por um lado, de aumentar a exploração
desses trabalhadores e, por outro lado, para os utilizar como instrumento de
pressão sobre os restantes trabalhadores a fim de obrigar estes a
aceitar reduções grandes nos salários reais.
Os dados do INE sobre os salários líquidos nominais dos
trabalhadores por conta de outrem em Portugal, revelam e confirmam
também a profunda desigualdade que continua a existir no nosso
País na distribuição do rendimento. Se os
propósitos das entidades patronais e do governo se concretizarem
levarão certamente a um maior agravamento das desigualdades existentes
e, consequentemente, da situação social mas também
económica. Isso tornaria ainda mais difícil, doloroso e
prolongado o tempo para sair da grave crise em que nos encontramos mergulhados.
06/Janeiro/2011
[*]
Economista,
edr2@netcabo.pt
,
www.eugeniorosa.com
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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