A venda das empresas públicas a estrangeiros, como é intenção do governo, agravará ainda mais o défice e o endividamento externo
por Eugénio Rosa
[*]
O FMI, contando agora com a colaboração do BCE e da
Comissão Europeia, na sua politica tradicional de aproveitar as
dificuldades dos países para impor as suas soluções
ultraliberais, cujas consequências nefastas são já bem
conhecidas, incluiu no "Memorando de entendimento" a
privatização da maioria das empresas públicas que ainda
estão na posse do Estado português. O governo de Passos Coelho, na
sua ânsia de aluno ultraliberal pretende ir ainda " mais
além", e incluiu empresas como as "Aguas de Portugal",
que não constavam daquele "Memorando". Como os capitalistas
portugueses não têm dinheiro suficiente para as adquirir o governo
pretende vendê-las a estrangeiros. Passos Coelho até já
andou pela UE, a reunir-se com representantes de grandes grupos
económicos, a oferecer as empresas que pretende privatizar. Em
período de crise, como é o actual, certamente será a
saldo, como aconteceu com o BPN vendido por 40 milhões , mas antes
o governo teve de capitalizar com dinheiro dos contribuintes em mais de 500
milhões . O ministro das Finanças, um adepto fervoroso das
soluções do FMI, até inventou uma "teoria
económica" insólita para justificar a venda a estrangeiros.
Segundo ele seria uma forma de atrair investimento estrangeiro e assim
desenvolver o país o que, se não tivesse consequências
dramáticas no futuro, até faria rir. Por ignorância ou com
a intenção de enganar a opinião pública, este
ministro esconde as consequências que tal medida terá no futuro
para os portugueses. É isso o que se vai procurar mostrar utilizando
apenas dados oficiais do Banco de Portugal e do INE.
O saldo negativo da Balança Comercial Portuguesa tem diminuído, enquanto o da Balança de Rendimentos tem aumentado. Assim, nos primeiros sete meses de 2011 (de Janeiro a Julho), o saldo negativo da Balança Comercial foi de -8.544 milhões quando, em idêntico período de 2010, tinha sido -10.160 milhões , ou seja, diminuiu em -15,9%. Enquanto se registou uma diminuição do défice da Balança Comercial, o saldo negativo da Balança de Rendimentos aumentou, entre 2010 e 2011, de 4.995 milhões para -5.970 milhões , ou seja, cresceu em 19,5%. E isto considerando apenas os sete primeiros meses de cada um daqueles anos. Segundo o Banco de Portugal, em 2008, foram transferidos para o estrangeiro, de dividendos e lucros distribuídos no nosso país, 2.928,6 milhões , enquanto em 2010 atingiu 5.586,5 milhões , ou seja, mais 90,8%. E em 2011, caminha-se para um novo recorde já que apenas nos sete primeiros meses deste ano (Jan/Jul) foram transferidos para o estrangeiro 3.368,2 milhões , ou seja, mais 130,5 milhões do que em idêntico período de 2010.É evidente que a venda das empresas públicas a capitalistas estrangeiros fará aumentar ainda mais o volume de lucros e dividendos transferidos para o estrangeiro, agravando ainda mais o défice. Ora o ministro das Finanças ou por ignorância ou com a intenção deliberada de enganar a opinião pública tem omitido tudo isto. A PARCELA DA RIQUEZA QUE FICA NO PAÍS PARA OS PORTUGUESES É CADA VEZ MENOR Outra consequência das privatizações que tem sido omitida pelo governo de Passos Coelho e, nomeadamente, pelo seu característico ministro das Finanças é a redução da parcela da riqueza criada anualmente que fica no país. Os dados que o INE acabou de divulgar sobre as Contas Nacionais Trimestrais que constam do quadro seguinte mostra com clareza isso. Quadro 2- Variação do PIB e do Rendimento Nacional Bruto (RNB) em Portugal
O PIB é o valor da riqueza criada anualmente no país. O RNB é a parcela dessa riqueza que fica em Portugal, que é depois repartida pelos portugueses, embora de uma forma extremamente desigual. E os dados divulgados pelo INE revelam que, em 2004, o RNB representava 98,9% do PIB (menos 1.589 milhões que o PIB), mas em 2010 correspondia apenas a 96,7% (menos 5670 milhões que o PIB). Em 2011, tomando como base os sete primeiros meses do ano (e nesta altura só estão disponíveis dados referentes a esse período), conclui-se que este ano deverá representar somente 94,8%, o que significa uma quebra muito importante o que determinará um agravamento da situação económica e social também por esta via, pois Portugal e os portugueses ficarão com menos recursos, não só como consequência da diminuição do PIB, devido à recessão económica, mas também porque uma parcela maior da riqueza criada no país é transferida para o estrangeiro. É evidente que a venda das empresas publicas a estrangeiros só contribuirá para agravar ainda mais esta situação. Mas o ministro das Finanças e Passos Coelho ou por ignorância ou com a intenção deliberada de enganar os portugueses omitem também tudo isto. A VENDA DAS EMPRESAS A ESTRANGEIROS AUMENTARÁ O ENDIVIDAMENTO DO PAÍS, REDUZIRÁ A CAPACIDADE DO ESTADO PARA PROMOVER O CRESCIMENTO E TORNARÁ O PAÍS MAIS DEPENDENTE DO ESTRANGEIRO Contrariamente também àquilo que afirma ou pretende fazer crer o ministro das Finanças a venda de activos (empresas públicas) a estrangeiros aumenta a divida externa do país pois aumenta o seu passivo indo afectar a "Posição do investimento internacional" que é utilizada para medir o endividamento externo de Portugal. No fim de 2010, segundo o Banco de Portugal a "Posição de Investimento internacional" do país era de -185.571,6 milhões , o que corresponde a 107,4% do PIB, o que significa que a divida liquida externa de Portugal tinha precisamente aquele valor. A venda de empresas públicas a estrangeiros aumentará o valor do "Passivo" da "Posição de Investimento Internacional" aumentando, consequentemente, a divida. Mas o ministro ou por ignorância ou para enganar a opinião pública esquece tudo isto. A privatização das empresas públicas que este governo tenciona fazer, sob a batuta da "troika", tem outros efeitos que o governo tem-se "esquecido" de referir. Em primeiro lugar, determinará uma perda importante de receitas para o Estado. Em 2011, e só até a Agosto, o OE recebeu 248 milhões de lucros e dividendos de empresas públicas como consta da Informação sobre a execução orçamental de Setembro de 2011 do Ministério das Finanças. Em segundo lugar, o Estado perderá instrumentos importantes não só para promover o crescimento e o desenvolvimento mas também para defender interesses estratégicos nacionais ficando mais fragilizado. Em terceiro lugar, a venda a estrangeiros não aumentará a capacidade produtiva, nem criará mais emprego, pois eles limitam-se a apoderar do que já existe para seu proveito próprio. Finalmente, a vendas das empresas a estrangeiros determinará que centros importantes de decisão económica serão transferidos para o estrangeiro ficando o país mais dependente em termos económicos e políticos. E o aumento das dificuldades que provocará será depois utilizado pelo governo para justificar mais medidas extraordinárias, agravando ainda mais a recessão económica e as condições de vida dos portugueses. Mas também tudo isto não preocupa Cavaco Silva já que, nas declarações que tem feito, não disse uma única palavra contra a venda de activos estratégicos, como são os CTT, a TAP e as Aguas de Portugal, a estrangeiros. Mas não é de surpreender para quem iniciou em Portugal as privatizações que levaram à reconstituição dos grupos económicos e ao domínio da economia portuguesa por grupos estrangeiros. A dignidade e a independência nacional são conceitos que têm cada vez menos valor para a direita.
01/Outubro/2011
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Economista,
edr2@netcabo.pt
,
www.eugeniorosa.com
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