Apesar de existir outra solução, o governo prefere aumentar o IVA sobre o gás e a electricidade penalizando as famílias de médios e baixos rendimentos

por Eugénio Rosa [*]

RESUMO DESTE ESTUDO

O governo vai aumentar a taxa de IVA de 6% para 23% com objectivo de aumentar a receita do Estado em 400 milhões € por ano. Tal como sucedeu em relação ao imposto extraordinário sobre o subsidio de Natal que incidiu apenas sobre os salários e pensões, ficando de fora os rendimentos de capital (lucros, dividendos, mais-valias, juros, etc.), também aqui o espírito de classe do governo levou-o a sacrificar as famílias para não reduzir os elevados lucros da EDP e da GALP, quando podia obter a mesma receita de uma diferente, e não sobrecarregando as famílias.

Segundo a Direcção Geral de Energia do Ministério da Economia, no 2º semestre de 2010, o preço sem impostos do gás natural em Portugal pago pelos consumidores domésticos era superior ao preço médio, também sem impostos, praticado nos países da União Europeia entre 27,5% e 37,4% (variava com os escalões de consumo). E como se sabe, o preço sem impostos é aquele que reverte integralmente para as empresas sendo a sua fonte de lucro.

Em 2011, apesar desta diferença tão grande de preços, por proposta da ERSE, que foi aprovada pelo governo, o preço do gás consumido pelas famílias foi aumentado, em 1 de Julho de.2011, em 3,9%, portanto uma subida superior ao ÍPC que até esse mês tinha aumentado 2,9% segundo o INE. O aumento conjugado do preço do gás e do IVA determinará que as famílias sejam obrigadas a pagar mais 20,5% do que tiveram de pagar em 2010. Se o governo lançasse um imposto extraordinário que absorvesse uma parte significativa do lucro extraordinário das empresas resultante da diferença entre o preço praticado por elas em Portugal (mais elevado) e o preço médio na UE (menos elevado), isso seria suficiente para arrecadar uma receita equivalente à que obtém como o aumento da taxa de IVA de 6% para 23% que as famílias terão de pagar.

Uma situação muito semelhante verifica-se com o preço da electricidade. No fim de 2010, segundo a Direcção Geral de Energia do Ministério da Economia, o preço de venda (inclui impostos) da electricidade às famílias era superior ao preço médio praticado na União Europeia entre 5,5% e 43,3% (dependia do escalão de consumo), Uma parte significativa deste preço elevado deve-se aos chamados Custos de Interesse Económico Geral (CIEG), que servem para financiar o preço elevado altamente lucrativo que é garantido às empresas de energias renováveis, em que o maior produtor é a própria EDP, e que é pago pelos consumidores.

Segundo a própria ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos), o sobrecusto da chamada Produção em Regime Especial (PRE), que são energias renováveis, custou aos consumidores, em 2009, 800,5 milhões € e, em 2011, deverá custar mais 50,3%, ou seja, 1209,7 milhões €. E isto porque, segundo também a ERSE, aquela produção custou aos consumidores 97,1€/MWh enquanto o custo da outra foi apenas de 39,2€/MWh, ou seja, quase 2,5 vezes menos. O objectivo é garantir altos lucros. Bastava lançar um imposto extraordinário sobre estes lucros que são financiados por estes sobrepreços, para o Estado obter uma receita até superior àquela que vai arrecadar com o aumento do IVA de 6% para 23%, evitando sacrificar as famílias.

O próprio Conselho Tarifário da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, no seu Parecer sobre o aumento das tarifas de electricidade em 2011 escreveu o seguinte: "A lógica de determinação destes sobrecustos tem manifestamente impedido os consumidores de usufruírem condições benéficas consubstanciadas no baixo preço da energia verificado nos mercados organizados (em torno de 40€/MWh em Agosto de 2010" - pág. 12). E esclarece, na pág. 10 do mesmo parecer, que estes custos (CIEG) representam cerca de 40% do preço pago pelos clientes finais do CUR, que são as famílias, defendendo mesmo que "são necessárias medidas urgentes visando a redução do CIEG no sector eléctrico", pois "é a própria sustentabilidade do sector que está em jogo podendo esta situação gerar níveis insustentáveis e socialmente inaceitáveis já no ano de 2012" (págs. 13 e 14 do Parecer)

Apesar de todas estas recomendações, o governo de Passos Coelho decidiu aumentar o IVA sobre a electricidade, de 6% para 23%, sacrificando mais uma vez as famílias trabalhadoras e os pensionistas. É o espírito de classe que leva este governo, para não tocar nos elevados lucros dos grupos económicos da energia, a actuar desta forma. Mais uma vez a distribuição equitativa dos sacrifícios e a justiça social de que tanto gostam de falar, foram esquecidas por este governo em benefício dos grupos económicos que foram mais uma vez poupados de qualquer sacrifício.

E tudo isto quando, de acordo com o documento de apresentação de resultados da EDP referente ao 1º semestre de 2011, que está disponível no "seu site", os lucros líquidos deste grupo, só no 1º semestre de 2011, atingiram 711 milhões €. E segundo também o mesmo documento, a EDP vendeu, no 1ºsemestre de 2011, a energia renovável a 102 euros/ MWh em Portugal e a apenas 30,1 euros/MWh em Espanha e nos E.U.A.. É mesmo de perguntar: Quem põe fim a este escândalo? Quando é que tudo isto termina? Até quando a AdC e a ERSE ficarão passivas?

Uma análise objectiva, utilizando os próprios dados oficiais, mostra que o governo de Passos Coelho podia obter o mesmo volume de receita fiscal que vai obter com o aumento da taxa de IVA sobre o gás e a electricidade, a ser pago pelas famílias, sem sacrificar mais uma vez estas. Só o espírito de classe, de defender os interesses dos grupos económicos do sector de energia, é que impede que o faça. É isso que vamos provar utilizando dados divulgados pela Direcção Geral de Energia do Ministério da Economia e pela Entidade Reguladora de Serviços Energéticos (ERSE), que estão acessíveis a qualquer leitor interessado nos "sites"destas entidades oficiais.

AUMENTO DE 20,5% NO PREÇO DO GÁS EM 2011 PARA AS FAMILIAS

O preço sem impostos do gás natural em Portugal é significativamente superior ao preço medio praticado na U.E., como revelam os dados da Direcção Geral de Energia do Ministério da Economia constantes do quando seguinte.

Quadro 1- Preços médios sem impostos do gás natural no sector doméstico nos países da União Europeia no 2º semestre de 2010 - Preço: Euros por GJ
PAÍS
ESCALÕES DE CONSUMO ANUAIS
Inferior a 20 GJ
Sem Taxas
De 20 até 200GJ
Sem Taxas
Igual ou > 200GJ
Sem Taxas
Alemanha 21,410 11,680 11,440
Áustria 15,070 12,070 10,740
Bélgica 18,350 13,300 11,240
Bulgária 9,775 9,982 10,117
Dinamarca 14,923 14,923 14,923
Eslováquia 22,528 10,412 10,318
Eslovénia 15,903 14,333 13,416
Espanha 16,158 12,711 11,981
Estónia 11,263 8,657 8,537
França 21,260 12,890 11,220
Holanda 18,628 12,444 13,309
Irlanda 13,900 12,120 11,090
Letónia 16,723 10,237 10,082
Lituânia 15,829 10,402 9,264
Luxemburgo 13,820 11,600 11,920
Polónia 13,617 11,508 10,181
PORTUGAL (PT) 21,498 16,369 14,238
Reino Unido 12,577 11,165 9,582
República Checa 18,387 11,960 11,403
Roménia 4,047 4,023 3,979
Suécia 32,483 17,425 15,489
Europa 21 (UE21) 16,579 11,915 11,165
PT/UE21 +29,7% +37,4% +27,5%
Fonte : Direcção Geral de Energia do Ministério da Economia

Portanto, no 2º semestre de 2010, o preço sem impostos do gás natural em Portugal era superior ao preço médio também sem impostos praticado nos países da União Europeia entre 27,5% e 37,4%, sendo o preço do escalão intermédio aquele que apresentava maior diferença (37,4%). E como se sabe, o preço sem impostos é o que reverte integralmente para as empresas sendo a sua fonte de lucro.

Em 2011, apesar desta diferença tão grande de preços, por proposta da ERSE, que foi aprovada pelo governo, o preço do gás consumido pelas famílias foi aumentado, em 1 de Julho de 2011, em 3,9%, portanto uma subida superior ao Índice de Preços no Consumidor que até esse mês tinha aumentado 2,9% segundo o INE.

O aumento conjugado do preço do gás e do IVA determinará que as famílias sejam obrigadas a pagar mais por um Gigajoule entre 3,1€ e 4,7€ (depende do escalão) ou seja, mais 20,5% do que tiveram de pagar em 2010.

Perante estes preços e estes aumentos escandalosos para as famílias, a pergunta que imediatamente se coloca é a seguinte? Por que razão o governo não optou em criar um imposto que incidisse sobre os lucros extraordinários das empresas, conseguidos através de preços muito superiores aos praticados em outros países da U.E., no lugar de aumentar o IVA a pagar pelas famílias? E tinha margem para isso, pois os preços sem impostos do gás em Portugal são superiores entre 3,1 € e 4,9€ por gigajoule. Portanto, bastava um imposto que absorvesse apenas este lucro extraordinário para obter uma receita elevada. É evidente que só o espírito de classe deste governo, ultraliberal e defensor dos interesses dos grupos económicos que dominam o sector da energia em Portugal, é o que o levou a optar em sacrificar mais uma vez as famílias.

O ESCANDALO DO PREÇO DA ELECTRICIDADE EM QUE AS FAMILIAS CONTINUAM A FINANCIAR OS LUCROS INACEITÁVEIS DAS EMPRESAS DE ENERGIAS RENOVÁVEIS

Em Portugal o preço de venda final da electricidade às famílias é significativamente superior ao preço médio praticado na U.E. como revela os dados da Direcção Geral de Energia do Ministério da Economia constantes do quadro seguinte.

Quadro 2 – Preço médio de venda (inclui impostos) pago pelas famílias nos países da U.E. no 2º semestre de 2010
PAÍS
ESCALÕES DE CONSUMO ANUAIS
< 1000 kWh
1000 a 2500 kWh
2500 a 5000 kWh
5000 a <15000 kWh
>= 15000 kWh
Preço Euros/kWh com impostos pago pelo consumidor
Com Taxas
Com Taxas
Com Taxas
Com Taxas
Com Taxas
Áustria 0,257 0,212 0,193 0,175 0,147
Bélgica 0,285 0,219 0,197 0,177 0,151
Bulgária 0,084 0,083 0,083 0,083 0,083
Chipre 0,222 0,201 0,202 0,201 0,203
Dinamarca 0,301 0,301 0,271 0,235 0,235
Eslováquia 0,238 0,184 0,164 0,146 0,124
Eslovénia 0,260 0,170 0,143 0,130 0,123
Espanha 0,363 0,209 0,185 0,169 0,154
Estónia 0,103 0,102 0,100 0,098 0,091
Finlândia 0,259 0,174 0,137 0,120 0,100
França 0,232 0,148 0,129 0,116 0,112
Irlanda 0,439 0,219 0,188 0,168 0,143
Letónia 0,105 0,105 0,105 0,105 0,104
Lituânia 0,126 0,124 0,122 0,118 0,113
Luxemburgo 0,248 0,193 0,175 0,163 0,147
Polónia 0,179 0,149 0,138 0,134 0,130
PORTUGAL (PT) 0,336 0,187 0,167 0,152 0,139
Reino Unido 0,157 0,157 0,145 0,131 0,121
República Checa 0,295 0,220 0,139 0,116 0,099
Roménia 0,104 0,106 0,105 0,104 0,099
Suécia 0,332 0,212 0,196 0,170 0,154
Europa 21(UE21) 0,235 0,175 0,156 0,143 0,132
PT/UE21 +43,3% +6,6% +6,6% +5,8% +5,5%
Fonte: Direcção Geral de Energia do Ministério da Economia

No 2º semestre de 2010, os preços de venda (inclui impostos) de electricidade às famílias eram superiores aos preços médios praticados na União Europeia, entre 5,5% e 43,3% (dependia do escalão de consumo) segundo a Direcção Geral de Energia do Ministério da Economia.

Uma parte significativa destes preços tão elevados deve-se aos Custos de Interesse Económico Geral (CIEG), que servem para financiar os elevados preços garantidos, altamente lucrativos pagos aos produtores de energias renováveis, em que o maior é a própria EDP.

Segundo a própria ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos), o sobrecusto da chamada Produção em Regime Especial (PRE), custou aos consumidores, em 2009, 800,5 milhões € e, em 2011, deverá custar mais 50,3%, ou seja, 1209,7 milhões €. O próprio Conselho Tarifário da ERSE, no "Parecer sobre a Proposta de tarifas e preços para energia eléctrica e outros serviços em 2011, que sofreu um aumento mínimo de 3,8%, portanto muito superior à taxa de inflação, foi obrigada a escrever textualmente o seguinte: "A lógica de determinação destes sobrecustos tem manifestamente impedido os consumidores de usufruírem de singulares condições benéficas consubstanciadas no baixo preço da energia verificado nos mercados organizados (em torno de 40€/MWh em Agosto de 2010" - pág. 12). E esclarece, na pág. 10 do mesmo relatório, que estes sobrecustos (CIEG) representam cerca de 40% do preço pago pelos clientes finais do CUR, que são as famílias, e defende que "são necessárias medidas urgentes visando a redução do CIEG no sector eléctrico", pois "é a própria sustentabilidade do sector que está em jogo podendo esta situação gerar níveis insustentáveis e socialmente inaceitáveis já no ano de 2012" (págs. 13 e 14 do Parecer). Apesar deste Parecer do próprio Conselho Tarifário o governo de Passos Coelho aumentou o preço da electricidade que as famílias já pagavam em mais 16%, subindo o IVA de 6% para 23%. E tudo isto para não baixar os lucros escandalosos das empresas produtoras de energia renováveis. Bastava lançar um imposto que absorvesse 400 milhões € dos 1.200 milhões € de sobrecustos previstos para 2011, para não ser necessário obrigar as famílias a pagarem mais 400 milhões € de IVA.

O gráfico seguinte elaborado pela ERSE, mas divulgado pela Direcção Geral de Energia do Ministério da Economia, mostra o crescente diferencial de preços que vigora para o chamado Produção em Regime Especial (que são energias renováveis e que é a linha superior do gráfico a verde) e para a electricidade que não tem como origem fontes renováveis (que é a linha inferior a vermelho)..

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A diferença de preços é tão grande (97,1€/MWh e 39,2€/MWh em 2010), e não para de crescer como mostra o gráfico da ERSE, sendo a situação tão escandalosa que no próprio "Memorando de entendimento " do FMI-BCE-CE existe um ponto que obriga o governo a rever esta situação. A confirmar também este escândalo está também o facto que, segundo a Direcção Geral de Energia, entre 1995 e 2009, a produção de energia eléctrica aumentou em Portugal 50,9% (1,5 vezes mais), mas a de fontes renováveis cresceu 103% (2 vezes mais), e a energia eólica, que é altamente lucrativa para as empresas, a sua produção aumentou 47256% (472,5 vezes mais).

Só o espírito de classe do governo de Passos Coelho é que o pode ter levado, para não reduzir os elevados lucros dos grupos económicos, a aumentar significativamente o preço de electricidade às famílias, subindo o preço mais que a inflação e, depois, ainda aumentando a taxa de IVA de 6% para 23%, sacrificando mais uma vez as famílias trabalhadoras e os pensionistas, a quem pretende retirar uma parte significativa do subsidio de Natal, e poupando, mais uma vez, os grupos económicos agora do sector de energia..

20/Agosto/2011
[*] Economista, edr2@netcabo.pt

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
21/Ago/11