Passos Coelho mentiu ao afirmar que os banqueiros haviam entregue a mais 2.000
milhões de fundos de pensões
Ignorância ou mentira deliberada?
A propósito da transferência de uma parte dos fundos de
pensões dos bancários para a Segurança Social cerca
de 6.000 milhões segundo os media o 1º ministro, em
declarações feitas ao telejornal da RTP1 das 20h00 do dia 04/12/2011
, afirmou que 2.000 milhões seriam utilizados para
pagar o desvio (aumento) da despesa pública verificado em 2011; uma
outra parte seria aplicada no pagamento imediato de pensões aos
bancários reformados; e, finalmente, o restante seria investido para
obter rendimentos que, somados ao capital, serviriam para pagar no futuro as
pensões.
Quem tenha ouvido o 1º ministro ficou com a ideia que 2.000 milhões
dos fundos entregues pela banca não seriam utilizados para pagar
pensões aos bancários reformados, pois seriam suficientes os
restantes 4.000 milhões . Portanto, estaríamos perante um
"negócio" altamente vantajoso para o governo, e profundamente
ruinoso para a banca que teria sido "enganada" em 2.000
milhões . Ora isto é uma mentira e constitui uma gigantesca
operação de manipulação da opinião
pública. E é ainda mais grave porque, como tem acontecido muitas
vezes, jornalistas e comentadores com acesso fácil aos principais media
colaboram nessa operação de manipulação da
opinião pública, pois funcionam, por ignorância ou
deliberadamente, como veículo de tais declarações
iludindo, dessa forma, a opinião pública.
A verdade é muito diferente daquela que o 1º ministro procurou
fazer passar junto da opinião pública. A transferência de
uma parte dos fundos de pensões da banca para a Segurança Social
(a parcela correspondente a cerca de 30.000 trabalhadores bancários
já reformados) é um negócio altamente vantajoso para a
banca, que poderá vir a criar graves problemas tanto aos
bancários reformados como a todos os trabalhadores abrangidos pela
Segurança Social, e mesmo aos contribuintes, pelas graves
consequências financeiras que poderá ter no futuro. É isso
o que vamos procurar mostrar neste estudo alertando os trabalhadores e os
reformados da banca e da Segurança Social para os perigos e
consequências desta transferência nos moldes pouco transparentes
como este governo está a fazer.
É PREVISIVEL QUE OS FUNDOS ENTREGUE PELA BANCA NÃO SEJAM
SUFICIENTES PARA PAGAR AS PENSÕES A TODOS OS BANCÁRIOS REFORMADOS
DURANTE O RESTO DA VIDA
Contrariamente à ideia que o 1º ministro procurou fazer passar
junto da opinião pública, ninguém pode garantir que os
activos (dinheiro, títulos do Estado, etc.) no valor de cerca de 6.000
milhões de euros que os media dizem que a banca entregará
à Segurança Social para pagar as pensões (não
inclui actualizações) a cerca de 30.000 reformados da banca
durante o resto da sua vida, que transitarão também, serão
suficientes para pagar essas pensões. E isto porque o cálculo
desse valor foi feito com base em previsões de responsabilidades, e
estas baseiam-se em pressupostos que dão poucas garantias como iremos
mostrar. Para se poder calcular quais são os valores de activos que a
banca deve entregar haverá antes que determinar qual é o valor
das responsabilidades. E estas assentam em previsões que são
feitas com base em cálculos actuariais, ou seja, em modelos
matemáticos, mas os resultados obtidos dependem muito dos pressupostos
utilizados, que são escolhidos. E os pressupostos mais importantes
são a tábua de mortalidade e a taxa de desconto. Basta pequenas
alterações nestes dois pressupostos para que os resultados
obtidos sejam muito diferentes. E vamos procurar tornar isto claro para o
leitor mesmo que não esteja familiarizado com estas matérias.
O QUE É A TÁBUA DE MORTALIDADE, E QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS
DE UMA MÁ ESCOLHA PARA OS REFORMADOS DA BANCA?
Comecemos pela
tábua de mortalidade
. Ela serve para saber quantos anos, em média, terá de ser paga a
pensão após o trabalhador se reformar. Admitindo que o
trabalhador se reforme aos 65 anos, se a esperança de vida aos 65 for de
10 anos tem de se ter valores (activos) suficientes para se poder pagar a
pensão ao trabalhador durante 10 anos; mas se a esperança de vida
aos 65 anos for de 15 anos, então o valor de activos terá de ser
muito maior. É evidente que se for o mesmo, ao fim de 10 anos já
não existirá dinheiro para pagar pensões. Por isso, a
escolha de uma tábua de mortalidade adequada à
população abrangida pelo fundo é vital para que tal
não aconteça. E existem várias tábuas de
mortalidade. O quadro seguinte mostra as diferenças existentes entre
elas.
Quadro 1 Esperança de vida aos 65 anos segundo várias
tabelas
TÁBUA
|
Esperança média vida aos 65 anos
|
Tábua de mortalidade TV 73/77
|
17,3 anos
|
Tábua de mortalidade TV 88/90
|
19,8 anos
|
Tábua de mortalidade TV 73/77(-1)
|
18,2 anos
|
Esperança de vida -2009/2011- INE
|
18,6 anos
|
De acordo com a Tábua de mortalidade TV 73/77, que é a
tábua mais antiga, portanto com uma esperança de vida aos 65 anos
inferior à esperança actual, prevê-se que um trabalhador
que se reformasse aos 65 anos viveria, em média, mais 17,3 anos;
portanto, se isso continuasse a ser verdade bastaria ter activos suficientes
para pagar a pensão aos trabalhadores reformados nessa data apenas
durante 17,3 anos. Mas segundo a Tábua de mortalidade TV 88/90, que
é uma tábua mais actual, os trabalhadores reformados aos 65 anos
vivem, em média, não 17,3 anos, mas sim 19,8 anos, ou seja, mais
2,5 anos; portanto, se as responsabilidades forem calculadas com base na
Tábua de mortalidade TV 73/77,ao fim de 17,3 anos já não
haverá fundos para pagar pensões durante os 2,5 anos que faltam.
O correcto é que fosse elaborada uma tábua de mortalidade
adaptada aos 30.000 bancários reformados. Uma forma de controlar a
aderência (adequação) da tábua utilizada é
comparar, relativamente por exemplo aos últimos 5 anos, o número
de óbitos anuais que se obtém utilizando a tábua de
mortalidade e o numero de óbitos verificados. Foi isso que fizemos
enquanto participamos, em representação dos trabalhadores, no
Fundo de Pensões da PT enquanto ele não era transferido para a
CGA. E embora fossem utilizadas tábuas de mortalidade mais recentes
AM92/AF92 e PA-(90)m-5/PA(90)f-5 mesmo assim, segundo o
relatório do próprio actuário
"a mortalidade real ocorrida era inferior à mortalidade prevista de
acordo com as tabelas utilizadas",
portanto os reformados viviam mais anos que os previstos pela
tábua de mortalidade. Portanto, a PT era obrigada a entrar com mais
contribuições para poderem ser pagas as pensões aos
trabalhadores que, de acordo com a tábua de mortalidade, deviam ter
morrido mas que continuavam a viver.
É evidente que esta questão poderá criar graves problemas
no futuro se não for devidamente acautelada. E a situação
será ainda mais grave se o governo aceitar que o cálculo das
responsabilidades seja feita com base na Tábua de mortalidade TV 73/77,
que está totalmente desactualizada. E corre no meio que o governo,
cedendo à exigência dos banqueiros, aceitou que os cálculos
sejam feitos com base nessa tábua. Se isso acontecer será grave,
pois poderá suceder que os fundos transferidos não permitam pagar
um ou mais anos de pensões a muitos trabalhadores reformados da banca.
Uma forma de resolver esta questão seria a banca ficar
responsável pelo pagamento das pensões correspondentes à
diferença entre a mortalidade calculada com base na tábua
utilizada na negociação e a mortalidade real. De outra forma as
pensões dos bancários reformados não estão
garantidas.
O QUE É A TAXA DE DESCONTO E QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS DE UMA
MÁ ESCOLHA PARA OS REFORMADOS DA BANCA?
Uma outra questão também muito importante é a
taxa de desconto
utilizada. Ela serve para actualizar para o momento actual (2011), o valor das
responsabilidades nas datas em que são pagas as pensões aos
reformados. Quanto mais elevada é a taxa, menor será o valor dos
fundos actuais que serão necessários para pagar as pensões
futuras aos bancários; e inversamente, quanto mais baixa for a taxa de
desconto mais activos serão necessários. É evidente que os
banqueiros estão interessados em elevar a taxa porque assim terão
de entregar menos activos. Quem defende os interesses dos trabalhadores
está interessado em baixar a taxa de desconto, para que o valor dos
activos seja o mais elevado possível a fim de que estejam garantidos o
pagamento das pensões aos trabalhadores.
Actualmente, os bancos utilizam taxas de desconto no cálculo das
responsabilidades dos fundos de pensões que variam entre 5,25% e 5,5%.
É evidente que estas taxas não são credíveis,
visando apenas reduzir significativamente as responsabilidades da banca (para
esta não ser obrigada a financiar muito mais os fundos de
pensões). Na negociação da transferência do fundo de
pensões da PT para a CGA foi adoptada a taxa de desconto de 4%. Mas
mesmo esta não dá qualquer garantia de aderência à
realidade. Para concluir isso, basta ter presente que a taxa adoptada
normalmente na Alemanha, uma economia muito mais desenvolvida, é de
2,5%. Para que o leitor possa ficar com uma ideia das consequências, em
termos de financiamento das pensões, da escolha de uma ou outra taxa,
vamos admitir que as responsabilidades totais futuras resultantes do pagamento
de pensões futuras num período de 15 anos é de 10.805
milhões . Se se utilizar uma taxa de desconto de 4% será
necessário que o valor actual dos activos seja de 6.000 milhões
, mas se utilizar a taxa de desconto de 2,5% o valor actual já
teria de ser 7.461 milhões , o que obrigaria a banca a entregar um
valor muito superior àquele que os banqueiros pretendem fazer. E 2,5%
é uma taxa de desconto que estará muito mais próxima da
rentabilidade futura das aplicações desses activos. Para concluir
isso, basta recordar que o Fundo de Estabilização Financeira da
Segurança Social perdeu em pouco mais de um ano mais de 1.000
milhões em menos valias.
A questão que se coloca é esta: E se os valores dos activos
transferidos mais o rendimento obtido não for suficiente para pagar as
pensões aos bancários reformados, o que acontecerá?
Enquanto o financiamento do fundo for da responsabilidade dos bancos, se os
activos não forem suficientes a banca é obrigada a refinanciar?
Depois quem financiará? As pensões dos bancários
reformados serão reduzidas como tem sucedido com a dos outros
trabalhadores portugueses? É um risco que os trabalhadores
bancários não podem ignorar, sob pena de serem confrontados com
uma situação grave, até porque as dificuldades do
Orçamento do Estado e da Segurança Social devido à
recessão prolongada (Cármen Reinhart e Keneth Rogoff, dois
economistas da Universidade de Havard e do FMI, num estudo que publicaram
recentemente
This is Different. Eight century the Financial Folly,
em que analisaram crises financeiras abrangendo oito séculos e 66
países concluem, tomando como base a Grande Recessão de 1929-32,
que uma crise global como actual, a que chamam 2ª Grande Recessão,
em média, cada país leva 10 anos a alcançar o mesmo
nível de produção per capita que tinha antes da crise;
portanto as dificuldades financeiras do Estado vão durar muito tempo).
A tentação para reduzir os direitos de reforma aos
bancários será certamente muito grande, até porque os
30.000 reformados bancários que transitam para a Segurança Social
têm direito à pensão completa aos 65 anos e com apenas 35
anos de serviço, o que não acontece com os trabalhadores
abrangidos pela Segurança Social, e o chamado rendimento de
substituição quando se reformam, em percentagem do valor de
remuneração do ACT é, para muitos deles, superior ao da
Segurança Social. Uma forma de evitar problemas graves futuros seria a
banca ficar responsável pelo financiamento da diferença entre a
rentabilidade esperada implícita na taxa de desconto utilizada na
negociação e a que vier a ser obtida, ficando com a
responsabilidade da gestão dos activos mas garantindo a taxa acordada
UM GOVERNO QUE DEFENDE AINDA MENOS OS INTERESSES DOS TRABALHADORES E DOS
REFORMADOS PORTUGUESES DO QUE A PRÓPRIA COMISSÃO EUROPEIA
Embora a transferência dos fundos de pensões dos bancários
seja uma matéria que interessa não só aos trabalhadores
bancários mas também a todos os trabalhadores abrangidos pela
Segurança Social, devido às consequências financeiras que
pode ter para esta e para os contribuintes, se não forem devidamente
acautelados os interesses de todos estes, mesmo assim o governo tem ocultado o
conteúdo das negociações com a banca mantendo um
silêncio cúmplice com esta. Numa reunião com o
secretário de Estado da Administração Publica em que
acompanhamos dirigentes sindicais, perguntamos directamente ao SE qual era a
tábua de mortalidade e a taxa de desconto proposta pelo governo e a
acordada, e este membro do governo recusou-se a informar, o que revela bem a
falta de transparência existente em todas estas negociações.
Um ponto também muito importante, que poderá por em causa o
pagamento futuro das pensões aos reformados da banca que passarão
para a Segurança Social é o
preço utilizado para valorizar os activos transferidos,
com excepção do dinheiro. O governo parece que já tinha
aceite que a transferência desses activos fosse feita com base no
preço nominal de aquisição, e não com base no valor
actual desses activos, o que beneficiava a banca em muitos centenas de
milhões . No entanto, de acordo com as regras do Eurostat a divida
pública terá de ser avaliada com base nos preços actuais
de mercado. Será isto suficiente para impedir que o governo aceite as
exigências da banca e se submeta também totalmente a ela, pondo
também em risco o pagamento futuro das pensões dos
bancários?
UM GOVERNO INCOMPETENTE OU QUE MENTE, OU QUE CONSIDERA A
REDUÇÃO DAS PENSÕES DOS REFORMADOS DA BANCA
É evidente que os activos dos fundos de pensões da banca que
vão ser transferidos para a Segurança Social não
poderão ser desviados pelo governo para pagar despesas públicas,
sob pena de depois não existir dinheiro para pagar as pensões aos
reformados da banca. Passos Coelho falou de uma coisa importante em que revela
uma grande ignorância e uma grande irresponsabilidade. Será que o
governo não sabe que a totalidade desses fundos terão de ser
colocados num "veículo" próprio para poderem ser
investidos, rentabilizados e utilizados para pagar as pensões aos
reformados da banca? Embora a nível contabilístico regras
da União Europeia (Eurostat) possam ser utilizados para reduzir
contabilisticamente o défice, a verdade é que o desvio da despesa
pública em cerca de 2.000 milhões que o governo afirma que
se verificou em 2011 terá de ser paga, em última instancia, com o
recurso ao aumento da divida pública. Ou será que o governo,
apesar de tudo que tem dito, pretende reduzir as reformas aos trabalhadores
reformados da banca em 2.000 milhões , para obter tal
"poupança", para depois a desviar para outros fins?
O risco que existe, como mostramos na análise que fizemos, é que
a totalidade dos activos dos fundos de pensões que a banca vai entregar
não sejam suficientes para pagar as pensões a todos os
bancários reformados enquanto viverem, como procuramos mostrar no nosso
estudo. Os reformados da banca devem, a nosso ver, pensar muito bem nisto tudo.
Enquanto o financiamento dos fundos é da responsabilidade da banca, esta
é obrigada a financiar no que for necessário para assegurar o
pagamento das pensões. Logo que elas sejam transferidas, cessa tal
obrigação. Seria bom que os sindicatos exigissem uma auditoria
feita a todo o"negócio" por técnicos independentes e da
sua confiança Como a experiência já mostrou, a palavra dos
membros deste governo pouco vale, porque muda frequentemente. Este governo
pretende alterar mesmo os ACT negociados livremente nas empresas
públicas contra a vontade dos trabalhadores e das
associações sindicais. Com este governo, ou com um governo
semelhante, não há direitos dos trabalhadores que estejam
seguros. É preciso não esquecer.
05/Dezembro/2011
[*]
Economista,
edr2@netcabo.pt
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