A reestruturação violenta do mercado de trabalho em Portugal
Aumento da proletarização e da precariedade, baixos
salários
Embora tenha passada despercebida a sua dimensão, o certo é que,
no nosso país, com a crise e com a "troika" registou-se uma
reestruturação violenta e rápida do mercado de trabalho,
que determinou a expulsão maciça de trabalhadores com o ensino
básico, que foi muito superior ao emprego destruído. Associado a
isso, aumentou a proletarização e a precariedade, e os baixos
salários tornaram-se cada vez mais dominantes. É tudo isto que
vamos procurar mostrar utilizando dados oficiais divulgados pelo INE.
A REESTRUTURAÇÃO VIOLENTA E RÁPIDA DO MERCADO DE TRABALHO
E A EXPULSÃO DE 1.378.000 DE TRABALHADORES DE BAIXA ESCOLARIDADE ENTRE
2007 E 2015
O quadro 1, com dados do INE, mostra a dimensão da expulsão do
mercado de trabalho pois da redução de mais 1,6 milhões de
trabalhadores de baixa escolaridade entre 2000 e 2017, cerca de 1,37
milhões (81,8%) concentra-se no período 2007-2015, o que
configura uma verdadeira expulsão maciça, com custos sociais e
humanos elevados devido à sua rapidez.
Entre 2000 e 2017, o emprego em Portugal diminuiu em 264.000, mas os empregos
ocupados por trabalhadores com ensino básico sofreram uma
redução de 1.685.000, portanto um valor superior em mais de 6
vezes à redução registada no emprego total. No mesmo
período, o emprego dos trabalhadores do ensino secundário
aumentou em 661.000, e os com ensino superior em 760.000, o que não foi
suficiente para compensar a destruição de empregos ocupados por
trabalhadores com o ensino básico.
Se dividirmos o período 2000/2015 em dois subperíodos (2000/2007
e 2007/2015), constamos que foi durante os governos de Sócrates/Passos
Coelho/Portas/troika que destruição de emprego ocupado por
trabalhadores com o ensino básico foi mais intensa já que, nesse
período, a destruição de emprego total atingiu 621.000
postos de trabalho, e a de empregos ocupados por trabalhadores com o ensino
básico atingiu 1.378.000.
Se analisarmos a variação do emprego anual por governos
constamos, que foi durante o governo de Passos Coelho/Portas/troika que a
média anual de destruição de emprego de trabalhadores com
ensino básico foi mais elevada, tendo atingido 158.000/ano, pois durante
o governo de Sócrates a média, embora também elevada, foi
de 125.000/ano. Durante os dois anos de governo PS/Costa, o emprego ocupado por
trabalhadores com ensino básico diminuiu 9.000/ano, mas o emprego total
aumentou em 104.000/ano.
Durante muito tempo a redução de trabalhadores com o ensino
básico foi lenta
(entre 2000 e 2007, o peso do emprego com ensino básico no emprego
total diminuiu apenas de 78,7% para 70,8%, o que era um importante
obstáculo ao desenvolvimento e a prova de que o sistema de ensino
não estava adequado às necessidades do país),
mas a partir de 2007, com a crise e com a "troika", a
redução fez-se de uma forma rápida e violenta, o que
atirou centenas de milhares de trabalhadores para a miséria, pois a taxa
de cobertura do subsidio de desemprego em relação ao desemprego
real (não o oficial) foi sempre e continua a ser inferior a 50%.
A CRESCENTE PROLETARIZAÇÃO E O AUMENTO DA PRECARIEDADE EM PORTUGAL
Outra consequência importante desta reestruturação violenta
do mercado de trabalho no nosso país, foi o aumento da
proletarização, do trabalho a tempo parcial, muitas vezes
determinado pelo facto do trabalhador não encontrar trabalho a tempo
completo, e da precariedade. Os dados do quadro 2, que são também
do INE, revelam essa realidade que é por vezes esquecida na "
euforia da recuperação económica em curso"
Como revelam os dados do INE,
entre 2000 e 2017, o peso dos trabalhadores por conta de outrem no emprego
total aumentou de 72,7% para 83%, o que é um indicador claro da
crescente proletarização da sociedade portuguesa.
No mesmo período, os
"trabalhadores por conta própria como isolados" (terminologia
do INE),
portanto sem empregados, diminuiu, em percentagem da população
empregada, de 17,5% para 11,8%, o que mostra bem o falhanço do
"empreendorismo"
e do
"fim do trabalho assalariado".
E, como revelam também os dados do INE,
entre 2000 e 2017, a percentagem de patrões (na terminologia do INE
"Trabalhadores por conta própria como empregadores")
na população empregada total diminuiu de 4,5% para apenas
3,3% do total.
Em Portugal, e certamente está a acontecer o mesmo nos outros
países, está-se a verificar uma divisão cada vez maior da
sociedade em que, por um lado, estão aqueles que têm para viver o
seu salário, por isso designados por assalariados, que, em 2017,
já representavam 83% de toda a população empregada, a que
se pode ainda adicionar uma parte dos
"trabalhadores por conta própria como isolados"
que são verdadeiros trabalhadores por conta de outrem
(os chamados "recibos verdes")
; e, por outro lado, uma reduzida percentagem de patrões, cada vez mais
pequena (em 2017, eram apenas 3,3% da população empregada), mas
que detém a propriedade dos meios indispensáveis à
produção de bens e serviços, e que empregam o trabalho
assalariado para produzir valor, apropriando de uma parcela do valor criado
pelos assalariados, que constitui a fonte dos seus lucros e enriquecimento.
Esta crescente divisão da sociedade portuguesa entre assalariados (83%)
e patrões (3%) , que os dados do INE revelam com clareza, está
associado também, como mostram os mesmos dados,
ao aumento do trabalho a tempo parcial (entre 2007 e 2017, aumentou de 5% para
7,7%, embora apresente uma pequena redução com este governo),
ao subemprego visível (202 mil em 2017) e ao crescimento do trabalho
precário no nosso país (entre 2000 e 2017, a percentagem de
trabalhadores com contrato a prazo aumentou de 13,7% para 18,5% dos
trabalhadores por conta de outrem, tendo estagnado com o atual governo.
São indicadores claros do aumento da exploração a que
estão ainda sujeitos os trabalhadores portugueses.
Um indicador desta crescente exploração é o facto de que,
em 2016, segundo o INE, os "Ordenados e salários" recebidos
pelos trabalhadores, que constituíam mais de 82% dos empregados, ou
seja, pelos trabalhadores por conta de outrem correspondia apenas a 34,2% da
riqueza criada por eles (PIB), enquanto o Excedente Bruto de
Exploração apropriado pelos donos de empresas representava
(3,3% da população empregada),
correspondia a 42,8% do PIB. A sociedade portuguesa está cada vez mais
desigual e dividida: os trabalhadores que representam mais de 82% dos
produtores de riqueza recebem pouco mais de um terço da riqueza que
criam, enquanto os proprietários das empresas, que representam cerca 3%
da população empregada, recebem diretamente 42,8% do PIB, ou
seja, da riqueza criada pelos trabalhadores. A questão que se coloca
é naturalmente esta: Quando se corrigirá esta profunda
desigualdade e injustiça que continua a dividir a sociedade portuguesa?
OS SALÁRIOS CONTINUAM MUITO BAIXOS E O INE INDUZ EM ERRO POIS UTILIZA OS
MESMOS ESCALÕES PARA OS DIFERENTES ANOS SEM OS CORRIGIR COM A
INFLAÇÃO
Apesar das alterações profundas verificadas na
qualificação do emprego em Portugal
(em 2007, apenas 29% dos trabalhadores tinham o ensino secundário e
superior, enquanto em 2017 essa percentagem subiu para 52,4%)
, os baixos salários continuam
(muitos trabalhadores despedidos com o ensino básico foram
substituídos por trabalhadores com o ensino secundário e
superior, a quem os patrões pagam menos do que pagavam aos do
básico, aproveitando-se do desemprego existente)
e a precariedade crescente continua também. Tudo isto continua a
empurrar dezenas de milhares de portugueses, muitos deles qualificados, a
procurar trabalho em outros países, já que não conseguem
encontrar no seu país um trabalho e um salário digno.
O quadro 3, mostra os baixos salários que continuam a receber os
trabalhadores portugueses ainda em 2017, apesar da campanha negativa contra o
aumento dos salários levada acabo pelos comentadores oficiais que
dominam os media.
Segundo o INE, em 2007, 45,6% dos trabalhadores portugueses recebiam
salários líquidos mensais inferiores a 600 e, em 2017, essa
percentagem tinha diminuído para 38,1%, o que não deixa de ser
elevada. E os que recebiam menos de 900 eram , em 2017, 70,7% do total e,
em 2017, 59,6%, mais de metade deles o que é um valor que continua a ser
elevado. Estes dados do INE induzem em erro. E isto porque os escalões
do INE, em termos de poder de compra, de 2007 e 2017, não são
comparáveis, pois o INE utiliza, em 2017, os valores de 2007 sem os
corrigir com base na inflação verificada entre estes dois anos
(10%).
No lado direito do quadro 3 estão os escalões de 2017, corrigidos
com a inflação verificada entre 2007 e 2017, ou seja,
deflacionados, e rapidamente se conclui que os salários mensais com o
mesmo poder de compra de 2007 são muito mais baixos, e que a realidade
salarial até piorou em Portugal entre 2007 e 2017, e que ainda
não foi corrigida.
Para que o leitor possa ter uma ideia da dimensão do erro gerado pelos
dados do INE
(e o INE não faz qualquer advertência para a
incorreção de fazer comparações dos dados de 2007 e
2017, o que não deixa de ser criticável)
, vai-se utilizar apenas dois exemplos
(trabalhadores com salários líquidos inferiores a 600 e a
900)
mas que são suficientemente esclarecedores.
Segundo o INE, em 2017, os trabalhadores a receber um salário liquido
inferior a 600 e a 900 representavam, respetivamente, 28,1% e
59,6% do total dos trabalhadores por conta de outrem. No entanto, se
utilizarmos os escalões de 660 e de 990 em 2017 que
correspondem, em poder de compra, aos valores de 600 e 900 em 2007,
então a percentagem de trabalhadores por conta de outrem com
salários líquidos inferiores em 2017 aos 660 já
aumenta para 33,5% e, com salários inferiores a 990 em 2017
já sobe para 74,5%, percentagens esta já superior à de
2007 que era 70,7%. Portanto, mesmo os números divulgados pelo INE
enganam já que a realidade atual, a nível de salários
pagos, é ainda pior do que a revelada pelos dados do INE.
11/Fevereiro/2018
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