A campanha do governo, do BP e do
Expresso
contra a suposta "rigidez" das remunerações nominais e
do direito do trabalho
RESUMO DESTE ESTUDO
Neste momento assiste-se, de novo, a uma gigantesca e articulada campanha de
manipulação da opinião pública visando convencer os
portugueses que a crise que o País enfrenta deve-se à
"rigidez" das remunerações nominais e das leis laborais
em Portugal. O Banco de Portugal, pela mão de V. Constâncio, no
seu Relatório de 2006, e o
Expresso
na sua edição de 04/08/2007, culpabilizam a "rigidez das
remunerações nominais" pela crise actual. Se juntarmos a
isto a "redutibilidade das retribuições", ou seja, a
diminuição da remunerações nominais defendida pela
chamada Comissão do Livro Banco das Relações Laborais, que
analisámos no
estudo anterior
, assim como as declarações do governo, feitas através do
ministro Vieira da Silva, de que é preciso adaptar a
legislação do trabalho para criar condições ao
aumento da competitividade das empresas, o quadro fica claro e completo. Apesar
das remunerações reais dos trabalhadores terem diminuído
de uma forma constante nos últimos anos, para todos estes
"senhores" essa baixa não é suficiente. Pretendem agora
que diminuam as próprias remunerações nominais, ou seja,
os salários em euros e que as leis laborais sejam alteradas
O argumento de que a crise que o País enfrenta se deve à
"rigidez das remunerações nominais" não tem
qualquer fundamento nem técnico, nem empírico. A
diminuição das remunerações nominais, para
além de determinar o agravamento das já difíceis
condições de vida da maioria da população e o
aumento das desigualdades, ainda criaria maiores obstáculos a taxas de
crescimento económico elevadas. Para concluir isso, basta ter presente
que a Procura Interna (despesas de consumo mais investimento) é 3,8
vezes superior à Procura Externa (Exportações), ou seja,
esta última representa apenas 26,5% da primeira, sendo por isso evidente
que o crescimento da Procura Interna é fundamental para dinamizar o
crescimento económico.
É precisamente a quebra verificada na taxa
de crescimento da Procura Interna, mesmo em termos nominais, que se tem
registado nos últimos anos (5,2% em 2004; 4,1% em 2005, e apenas 3,4% em
2006) que está a determinar a quase estagnação da
Economia Portuguesa, e a divergência continuada de Portugal em
relação à média da União Europeia. Apesar do
aumento importante das exportações verificado em 2006, a teoria
económica e a experiência mostram que a dinamização
do crescimento económico pela via apenas das exportações
nunca será nem grande nem suficiente.
A diminuição das
remunerações nominais, como defende o pensamento económico
único de cariz neoliberal, ao reduzir a Procura Interna, só
agravaria ainda mais a situação de crise em que o País
está mergulhado. Para além disso, a diminuição das
remunerações nominais determinaria um agravamento ainda maior das
condições de vida da maioria dos portugueses. Tenha presente que
as remunerações líquidas recebidas pelos trabalhadores
portugueses, ou seja, aquilo com que ficam depois de retirar as
contribuições sociais e o IRS, representou, em 2006, apenas 32,5%
do PIB.
O importante para ultrapassar a crise actual é
aumentar o investimento e a qualidade desse investimento. Nos últimos 5
anos (2001-06), a quebra no investimento atingiu, em termos reais, -15,7% e, em
2006, a FBCF (investimento) realizado na "Construção"
ainda representou 50,8%, ou seja, mais de metade do investimento total
realizado no País. Segundo a OCDE, o crescimento do Produto Potencial em
Portugal é apenas 2,5%. Afirmar, como faz o pensamento único de
cariz neoliberal, que é possível alcançar taxas mais
elevadas de crescimento económico sem uma profunda
modernização da maioria das empresas portuguesas, e não
contando apenas com meia dúzia de empresas estrangeiras como defende o
governo, é uma pura ilusão e só serve para prolongar a
crise.
No entanto, sobre toda esta grave situação, nem o Banco de
Portugal, nem o
Expresso,
nem a Comissão do Livro Branco, nem o governo
querem falar. É claro os interesses de classe que se defendem com a
"nova teoria da rigidez das remunerações nominais"
inventada e defendida pelo pensamento económico único de cariz
neoliberal, em que está mais uma vez subjacente um ataque violento aos
direitos laborais dos trabalhadores portugueses e uma clara opção
de classe.
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O Banco de Portugal abandonou mais uma vez a independência e o rigor
técnico a que está obrigado, e no seu Relatório e Contas
de 2006 lançou uma feroz diatribe contra a suposta "rigidez"
das remunerações nominais" em Portugal (aquelas que todos os
anos perdem poder de compra devido à subida da inflação),
culpabilizando-a pela crise actual do País.
Assim, na pág. 87 do Relatório, numa caixa toda ela dedicada a
esta questão com o titulo "Evolução salarial recente:
efeitos de composição e indicadores de rigidez", pode-se ler
o seguinte: "Em média, 80% dos indivíduos que, num contexto
de ausência de rigidez, seriam confrontados com uma redução
nominal do salário têm uma taxa de variação salarial
nula". E logo mais à frente: "Os salários nominais
são, tipicamente, um dos preços mais rígidos na economia,
o que decorre quer de razões económicas, quer por
imposição legal. No contexto de um regime de baixa
inflação, a conjugação da rigidez dos
salários com um crescimento fraco da produtividade condiciona a
capacidade de ajustamento das empresas a choques negativos".
Também o semanário
Expresso,
na sua edição de 04/08/2007, entra nesta campanha, pois no
artigo com o titulo "Portugal salários mais rígidos
da Europa", citando um estudo publicado pelo Banco Central Europeu, a
mensagem que pretende fazer passar é a mesma. Pode-se ler o seguinte:
"Entre 1973 e 1999, quase 90% das reduções nas
remunerações que deveriam ter acontecido foram travadas pelo
enquadramento institucional". E como não podia deixar de ser,
avança logo com o estafado argumento: "Em causa estão, entre
outras coisas,
a legislação laboral
e
o poder dos sindicatos e a negociação colectiva
" E acrescenta ainda, o que parece ser a opinião (ou a falta de
objectividade) do próprio jornalista: "Estes dados revelam as
dificuldades de ajustamento da economia portuguesa. Portugal surge como o
país da zona euro com o mercado de trabalho menos flexível".
E para terminar esta catilinária contra os salários nominais dos
trabalhadores portugueses escreve ainda o seguinte: "Olivier Blanchard,
professor americano do MIT, em declarações ao
Expresso
em Novembro passado, apontava para a necessidade de reduzir os salários
nominais em 20%". Tal como sucede com Victor Constâncio,
também o jornalista do
Expresso
que escreveu esta peça de propaganda neoliberal, naturalmente espera
que a "receita" que defende não se aplique a ele, mas apenas
aos outros.
Se se tiver também presente, por um lado, que uma das
recomendações do "Relatório de Progresso" da
chamada "Comissão do Livro Branco das Relações
Laborais", analisado no nosso estudo anterior, é precisamente a
"redutibilidade da retribuição", ou seja, a
redução das remunerações nominais e, por outro
lado, as declarações do governo feitas através do ministro
Vieira da Silva de que é preciso adaptar a legislação do
trabalho para criar condições ao aumento da competitividade das
empresas, pode-se afirmar, com propriedade, que se está perante uma
gigantesca e articulada campanha de manipulação da opinião
pública com claro propósito não só de diminuir as
remunerações nominais, mas também de reduzir ainda mais os
direitos laborais dos trabalhadores portugueses através de uma
revisão para pior do Código do Trabalho. Para estes
"senhores" já não é suficiente, como iremos
mostrar, a quebra continuada dos salários reais.
Desmontar todo este discurso neoliberal que não tem qualquer fundamento
nem cientifico nem empírico, constitui uma tarefa fundamental. Este
estudo pretende dar um contributo para isso.
A QUEBRA CONTINUADA DAS REMUNERAÇÕES REAIS EM PORTUGAL
Um dos problemas mais graves que Portugal enfrenta actualmente é
precisamente a redução continuada do poder de compra das
remunerações devido a uma subida persistente da taxa de
inflação superior ao aumento das remunerações
nominais dos trabalhadores, o que tem determinado a redução da
Procura Interna. O gráfico seguinte, em que se mostra a
evolução do PIB nominal, da remuneração nominal por
trabalhador, da taxa de inflação e da remuneração
real também por trabalhador no período 2002-2006, dá uma
ideia clara do que se está a verificar em Portugal neste campo.
A linha azul do gráfico mostra a variação da
remuneração real por trabalhador entre 2002 e 2006. E como
facilmente se conclui, exceptuando o ano de 2005, em que se verificou uma
pequena subida pois nem atingiu 1% (apenas + 0,6%), em todos os outros anos
registou-se uma quebra continuada do poder de compra das
remunerações dos trabalhadores em Portugal. Em 2002, a
diminuição foi de -0,6%; em 2003 de -0,1%; em 2004 de
0,2%; e, em 2006, de -0,7%. No entanto, tanto Victor Constâncio, como o
semanário
Expresso,
como ainda a Comissão do Livro Branco das Relações
Laborais consideram que essa diminuição continuada das
remunerações reais dos trabalhadores ainda não é
suficiente. Pretendem que essa redução tenha lugar mesmo a
nível das remunerações nominais dos trabalhadores. O
semanário
Expresso,
recuperando a proposta de um conhecido neoliberal norte-americano que,
convidado a vir a Portugal pelos defensores do pensamento económico
único, não se coibiu de dar conselhos ao governo e aos media
portugueses e parece com resultados, fala mesmo que seria necessário uma
redução de 20% nas remunerações nominais para
tornar as empresas portuguesas competitivas. Isto, a concretizar-se,
significaria que um trabalhador que tivesse uma remuneração de
500 euros baixaria para 400 euros; um que recebesse 1000 euros passaria a
receber apenas 800 euros; etc. E sobre este valor reduzido ainda incidiria a
inflação reduzindo ainda mais o poder de compra deste
salário diminuído.
AS REMUNERAÇÕES LÍQUIDAS DOS TRABALHADORES CORRESPONDEM
APENAS A 32,5% DO PIB E A REDUÇÃO DAS REMUNERAÇÕES
NOMINAIS DIMINUIRIA AINDA MAIS ESTA PERCENTAGEM
Portugal é já o País da União Europeia onde as
desigualdades na repartição do rendimento e da riqueza são
maiores. De acordo com dados publicados pelo Eurostat, em Portugal, já
em 2005, os 20% da população mais ricos recebiam 8,2 vezes mais
rendimento do que os 20% mais pobres da população, quando a
média na União Europeia era apenas de 4,9 vezes.
É evidente que se fosse posto em prática o defendido por Victor
Constâncio do Banco de Portugal, pelo
Expresso
e pela Comissão do Livro Branco das Relações Laborais
verificar-se-ia no nosso País um agravamento ainda maior das
desigualdades, porque os lucros das empresas cresceriam e uma parte
significativa desse acréscimo seria distribuído aos seus
proprietários, à semelhança do que já se verifica
nas empresas que têm obtido elevados lucros mesmo em período de
crise (banca, PT, EDP, GALP, etc).
O quadro seguinte, construído a partir de dados divulgados pelo
próprio Banco de Portugal e pela Direcção Geral de
Contribuições e Impostos (DGCI), mostra a reduzida parcela da
riqueza nacional líquida efectivamente recebida em cada ano pelos
trabalhadores portugueses.
No período 2002-2006, as remunerações líquidas
recebidas pelos trabalhadores, ou seja, aquelas que se obtêm depois de
retirar as contribuições para a Segurança Social e de
deduzir o IRS, representaram, em média, apenas 32,5% do PIB. É
evidente que a diminuição das remunerações
nominais, como defendem o Banco de Portugal, o
Expresso
e também a chamada Comissão do Livro Branco faria baixar ainda
mais a parte das remunerações na riqueza criada no País.
A PRODUTIVIDADE TEM AUMENTADO MAIS EM PORTUGAL DO QUE A DIVULGADA PELO BANCO DE
PORTUGAL
Um dos argumentos utilizados pelo Banco de Portugal de Victor Constâncio
para defender a redução das remunerações nominais
é o diminuto crescimento da produtividade. Na ânsia de arranjar
justificações o Banco de Portugal, abandonando o rigor
técnico, tem divulgado dados sobre o aumento da produtividade que depois
se revelam não serem verdadeiros. O INE acabou de divulgar valores
definitivos da produtividade relativamente ao período 2000-2004.
Comparemos esses valores do INE com os do Banco de Portugal constantes no seu
Relatório e Contas de 2006. Ambos constam do quadro seguinte.
Os dados do Banco de Portugal constam do seu Relatório e Contas de 2006,
e estão na pág. 78, gráfico 3.17. Os dados do INE constam
da sua publicação "Contas Nacionais Definitivas 2004",
divulgada em 10/08/2007, e estão no quadro 4 da pág. 7.
E como esses dados mostram, exceptuando os anos 2000 e 2002, em que o valores
coincidem, em relação a três anos (2001, 2003 e 2004), os
dados do INE sobre a produtividade do trabalho são muito superiores aos
do Banco de Portugal. Por ex., em 2001, a produtividade calculada pelo INE
é 3,5 vezes superior à divulgada pelo Banco de Portugal; em 2003,
o Banco de Portugal divulgou uma diminuição da produtividade em
-0,5%, enquanto o INE afirma que se verificou um crescimento da produtividade
em +0,6%. E, em 2004, a produtividade calculada pelo INE é 50% superior
à do Banco de Portugal. Este exemplo concreto mostra a falta de rigor
técnico que está actualmente a dominar a conduta do Banco de
Portugal, e a colagem deste, pela mão de Victor Constâncio, ao
poder politico e económico dominante, o que está a determinar o
seu crescente descrédito.
NÃO É POSSIVEL ALCANÇAR ELEVADAS TAXAS DE CRESCIMENTO
ECONÓMICO SEM AUMENTAR A PROCURA INTERNA. POR ISSO A
REDUÇÃO DAS REMUNERAÇÕES NOMINAIS AGRAVARIA A CRISE
A diminuição das remunerações nominais, como
pretendem os defensores do pensamento económico único de cariz
neoliberal, só agravaria a crise económica e social que o Pais
actualmente se debate. Para concluir isso basta ter presente os dados do INE
constantes do quadro seguinte.
Se compararmos a Procura Interna, que inclui as Despesas de Consumo mais a FBCF
(Investimento), com a Procura Externa, que são as
Exportações, concluímos que, no período 1995-2006,
esta última, ou seja, as Exportações, correspondeu, em
média, apenas a 26,6% da Procura Interna. É evidente que, em
termos de factor impulsionador do crescimento económico, a Procura
Interna é muito mais importante do que a Procura Externa apesar do
aumento das exportações em 2006. Pensar que um crescimento
económico elevado poderá ser conseguido com as taxas cada vez
mais baixas do crescimento da Procura Interna como revelam os dados do quadro,
ou através da sua redução, o que aconteceria de uma forma
abrupta se as remunerações nominais diminuíssem como
pretendem os defensores do pensamento económico único, (o chamado
"crescimento virtuoso" de que falam) não tem qualquer base
técnica ou cientifica, e representa apenas uma ilusão com a qual
se pretende manipular a opinião pública com o objectivo de
camuflar o objectivo real, que é reduzir os direitos laborais dos
trabalhadores e aumentar ainda mais as graves desigualdades. Pode-se afirmar
com fundamento que a baixa taxa de crescimento económico que se regista
actualmente em Portugal resulta também do baixo crescimento da Procura
Interna, cuja taxa de crescimento desde 2004 tem diminuído mesmo em
termos nominais (a Procura Interna cresceu, em 2004, 5,2%; em 2005, apenas 4,1%
e, em 2006, somente 3,4%.). E é previsível que enquanto este
crescimento for tão reduzido a Economia Portuguesa nunca atinja taxas de
crescimento elevadas e sustentadas e o País continue a divergir da
União Europeia.
O QUE É NECESSÁRIO NÃO É REDUZIR OS SALÁRIOS
NOMINAIS, MAS AUMENTAR O INVESTIMENTO E A SUA QUALIDADE, POIS MAIS DE METADE
CONTINUA A SER NA "CONSTRUÇÃO"
Nos últimos anos tem-se verificado uma forte quebra no investimento
(FBCF) motivada pela redução significativa do investimento
público, causada pela obsessão do défice, que arrastou
também a quebra do investimento privado. Apesar disso, o peso do
investimento na construção, que não contribui para
aumentar a capacidade produtiva do País, continua a representar mais de
metade do investimento total realizado. Apesar deste facto ter
consequências graves no crescimento económico, já que a
taxa de crescimento do Produto Potencial em Portugal é apenas de 2,5%
segundo a OCDE, o que constitui um forte obstáculo a taxas de
crescimento económico mais elevadas, tanto o Banco de Portugal como o
próprio governo não têm feito nada para alterar tal
situação, e a politica de crédito da banca privada tem
contribuído para o agravamento desta situação, pois a
banca não tem revelado qualquer interesse em financiar o investimento
produtivo. O quadro seguinte, construído com dados do INE mostra que o
investimento em "equipamentos", necessário à
modernização e ao aumento da capacidade produtiva do País,
representa menos de um quarto do investimento total, enquanto o investimento na
"Construção", que não tem efeitos na capacidade
produtiva, continua a representar mais de metade de todo o investimento
realizado.
Em 2006, o investimento total mesmo em termos nominais (32.830,6 milhões
de euros) foi inferior ao verificado em 2001 (34.218,2 milhões de
euros). E estes números não incluem o efeito erosivo da
inflação que determinou que a quebra tenha atingido, em termos
reais, -15,7%. No entanto, em 2006 por ex., o investido em equipamentos que foi
apenas 23,2% da FBCF total, e o investido na
"Construção" que atingiu 50,8% do investimento total,
concluímos que o primeiro (investimento em equipamentos) continua a
representar menos de metade do investido no segundo (Construção).
E como é evidente o investimento em "Equipamentos" tem um
efeito muito mais importante para o crescimento económico do que na
"Construção". A nível do investimento feito em
Portugal pode-se dizer que a pirâmide está invertida. É
evidente que a sua alteração teria efeitos muitos mais
importantes no crescimento económico do que a redução das
remunerações nominais, já que a diminuição
destas só criaria ainda maiores obstáculos ao crescimento da
Economia Portuguesa.
06/Agosto/2007
[*]
Economista,
edr@mail.telepac.pt
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