Obama vai finalmente eliminar o bloqueio a Cuba?
Em Julho de 2009, durante uma reunião do Conselho da Defesa Nacional
cubana, Raul Castro recordou que na sequência do atentado contra as
Torres Gémeas de Nova York a administração Bush anunciou o
seu desígnio de atacar se necessário "os rincões mais
obscuros do mundo" (cerca de 60).
O governo estado-unidense de então havia reforçado o bloqueio
económico e intensificado a guerra mediática contra Cuba, a tal
ponto que a sequência lógica era uma acção militar
directa.
No decorrer desta reunião do Conselho da Defesa Nacional, Raul Castro
mencionou uma informação relatada por Bob Woodward, investigador
estado-unidense, acerca de uma pergunta que Bush havia feito a um oficial de
alta patente, pouco após a invasão do Iraque. Bush havia-lhe
perguntado se queria ir ao Irão e este respondeu que preferia ir a Cuba,
onde o rum e os charutos são melhores e as mulheres mais bonitas.
"Acertou o alvo, Cuba", respondeu então Bush.
Bob Woodward, no seu livro
Bush at War
, relata por outro lado que no decorrer de uma reunião do Conselho de
Segurança Nacional dos
EUA Donald Rumsfeld, então secretário da Defesa, havia proposto
um ataque maciço contra Cuba. O investigador sublinha que Bush
não só aceitou a proposta como também lhe pediu um plano
circunstanciado num prazo breve.
A ordem de atacar não foi dada, talvez porque o exército dos EUA
se tivesse empenhado com menos êxito do que o previsto na invasão
de um outro. Todos nós sabemos hoje que esse país, se bem que
possua petróleo, não dispunha de ADMs (Armas de
Destruição Maciça), ao contrário do que havia
afirmado a administração dos EUA coadjuvada pelo conjunto dos
media mundiais.
Houve um momento em que todos nós acreditámos, não
é?
Para destruir Havana, basta premir um botão na Florida e os
mísseis farão da capital cubana a cópia de Dresden numa
Alemanha vencida. Para invadir a ilha, basta abrir os portões de
Guantánamo que é em primeiro lugar, não esqueçamos,
uma base militar inimiga.
Militarmente, a guerra é ganha rapidamente. Politicamente, há
primeiro que persuadir o mundo da bondade da operação. Aí,
as coisas serão mais difíceis. Voltarei a isso.
Além disso, quem conhece Cuba avalia o que a separa do
Afeganistão ou do Iraque. Os cubanos têm aquisições
inestimáveis para defender, estão orgulhosos da sua
revolução, são instruído e de um patriotismo
exacerbado que impregna mesmo as camadas mais críticas em
relação ao poder. Fidel Castro preveniu em devido tempo: em caso
de invasão, a guerra durará cem anos, fará um
milhão de mortos e Cuba será o último país que os
EUA se atreverão a invadir.
Resta portanto o velho bloqueio.
Bloqueio ou embargo?
Espíritos preciosistas sustentam que os EUA não aplicam um
bloqueio a Cuba e sim um embargo. A prova: existem trocas comerciais com um
certo número de países e existe turismo.
Não brinquemos com as palavras: os EUA dedicam meios humanos,
financeiros e diplomáticos enormes para "impedir [Cuba] de
comunicar com o exterior e de se abastecer" (é a
definição de bloqueio).
É para aperfeiçoar o BLOQUEIO que eles trabalham. E este
é, de acordo com a própria confissão de todas as
administrações estado-unidenses que se têm sucedido desde
há 40 anos, uma arma feita para empobrecer e esfaimar a
população e incitá-la à revolta.
No interior do Departamento do Tesouro dos EUA, um gabinete (OFAC, Office of
Foreign Assets Control, Gabinete de Controle de Activos Estrangeiros) examina
todas as transacções comerciais e financeiras suspeitas.
Em 2004, quatro dos seus 120 empregados estavam adstritos ao rastreamento das
finanças de Oussama Ben Laden e de Saddam Hussein, ao passo que 25
estavam adstritos à aplicação do bloqueio contra Cuba.
Entre 1990 e 2003, o OFAC efectuou 93 inquéritos sobre o terrorismo e
aplicou multas num total de 9.000 dólares. Durante o mesmo
período, este gabinete instruiu 11.000 inquéritos visando impedir
os estado-unidenses de viajarem a Cuba e aplicou US$8.000.000 de multas
àqueles que haviam infringido esta proibição.
Lê-se por vezes, expresso em milhões de dólares para
impressionar, o montante das vendas de cereais dos EUA a Cuba. Equivale a dizer
que o comércio seria livre porque foi vendido um grão de trigo
enquanto era proibida a entrega de produtos anestesiantes sem os quais os
doentes serão operados com sofrimento.
As medidas dos EUA não são eficazes a 100%, existem
intercâmbios entre Cuba e países do mundo (inclusive com
agricultores dos EUA). Isto prova duas coisas:
1- O poder dos EUA tem limites. Eles não são "os donos do
mundo" e a cobiça do ganho mergulha-os em
contradições.
2- O bloqueio, ainda que seja mais do que um simples embargo, é menos do
que uma "colocação em quarentena", ou seja, um
isolamento total (nada entra, nada sai) pelo qual se esperava outrora a
erradicação das temidas epidemias. Cercada pelo mar, como os
malditos galeões, Cuba tem costas demasiado extensas para o seu tamanho.
Além disso, conta com inúmeros amigos que juram não haver
peste a bordo. E que nela embarcam.
Em muitos domínios (nomeadamente as tecnologias de ponta, os produtos
manufacturados complexos) e nos sectores vitais (nomeadamente médicos,
farmacêuticos) o seu comércio com o seu parceiro natural (e o mais
próximo), os EUA, está BLOQUEADO tanto quanto é
possível. Daí a palavra apropriada: BLOQUEIO.
Mesmo que a torneira do meu lavatório deixe pingar algumas gotas quando
não está aberta, afirmo que ela está fechada. E
está!
Se um raio de luz passa através das minhas persianas fechadas pela
autoridade de um vizinho irascível, nem por isso elas estão
entreabertas. Ele quer confinar-me na escuridão.
Será que um bandido que nos dá facadas desde 1960 sem nos matar
não é senão um "ofensor"?
Será que uma violação (sem gravidez a seguir) não
é senão um namoro um pouco brutal?
Empreguemos pois a palavra "bloqueio".
Cada ano, desde há 17 anos, no mês de Novembro, há uma
votação na ONU sobre a questão do bloqueio. A comunidade
internacional condenou-o a cada ano. Em 2008, 185 países dos 192 membros
da ONU votaram contra o bloqueio e 3 a favor (EUA, Israel e um micro-estado de
algumas centenas de milhares de habitantes, semi-colónia dos EUA).
O bloqueio contra Cuba perdura, ainda que 79% dos estado-unidenses julguem-no
ineficaz e que 55% dentre eles exijam que seja levantado. Uma outra sondagem
realizada por uma organização estado-unidense mostra que 70%
são favoráveis ao levantamento das proibições de os
cidadãos estado-unidenses viajarem na ilha.
Não existe na história nenhum outro exemplo de
sanções unilaterais semelhantes mantidas por tão longo
tempo contra um outro país.
Em geral, os detractores de Cuba pretendem que "o bloqueio não
explica tudo". Após o que, são incapazes de explicar o que
ele explica pois nada sabem do bloqueio. Outros pretendem mesmo que o bloqueio
é uma bênção para as autoridades cubanas pois
serve-lhes de pretexto para o "desastre económico". Ao que os
cubanos respondem com um desafio lançado aos EUA: "Faça-nos
o mal de levantar este bloqueio, nem que seja só por um ano, para
ver".
Sobre que é o bloqueio, que sectores são afectados?
Todos os sectores da vida económica, financeira, cultural. O bloqueio
afecta os transportes, as importações e
exportações, o desporto, a educação, a
construção, os meios de comunicação, a cultura, a
investigação, etc. Não há um único
domínio que lhe escape.
As autoridades cubanas publicam regularmente um balanço a respeito.
Li-o. Não poso vos impor a interminável enumeração
das malfeitorias do bloqueio em mil domínios. Vou simplesmente
propor-vos um resume da sua ferocidade
no domínio da saúde publica:
É feita proibição às empresas dos EUA tendo a
exclusividade da fabricação de venderem a Cuba materiais e
equipamentos médicos. É feita proibição aos outros
países de os venderem a Cuba se eles estiverem sob patente dos EUA.
É feita igualmente proibição de intercâmbios
científicos, proibição de participação em
congressos médicos.
Exemplos de material que Cuba não pode encomendar:
-
Genética médica:
aparelhos de análise para estudar a origem de cancros do seio, do
cólon, da prostrata, para tratar a hipertensão, a asma, a diabete
(fabricados nos EUA).
-
Cirurgia cardiovascular:
equipamento de ablação de eléctrodo permanente sem o qual
a solução é a operação a tórax
aberto. Patente dos EUA. Próteses vasculares, pinças para
biópsia (Empresa dos EUA).
-
Equipamentos para hospitais pediátricos:
Sondas digestivas e da traquéia, agulha de Huber para traqueotomia e
punção lombares (fabricação estado-unidense na
maior parte).
-
Medicamento contra a leucemia
(fabricação dos EUA).
-
Equipamentos contra as cardiopatias que permitem evitar as
operações a coração aberto
(fabricação dos EUA).
-
Microscópio electrónico fabricado pela Hitachi, no Japão
(recusa de venda por causa da extraterritorialidade das leis sobre o bloqueio).
-
Peças de substituição para equipamentos fornecidos. Recusa
por parte da Philips Medical.
-
Equipamentos de ponta, como uma câmara gama utilizada para estudos de
isótopos radioactivos em medicina nuclear, aparelhos de
ressonância magnética e equipamento de ecografia de alta
precisão. Recusa da Toshiba.
-
Uma associação de pastores dos EUA quis oferecer a Cuba
três ambulâncias Ford. Foi proibida.
Isto no que se refere à saúde dos homens, das mulheres e das
crianças cubanas.
Saibam que estas práticas são generalizadas e referem-se aos
menores pormenores em todos os domínios. Foi-me citado o exemplo de uma
embaixada cubana na Europa que teve mesmo dificuldade em encomendar toner para
copiadoras, pois a sucursal do fabricante estado-unidense recusou a venda com a
aplicação das leis extraterritoriais sobre o bloqueio.
O bloqueio é genocida
A Convenção para a prevenção e a repressão
do crime de genocídio, adoptada pela Assembleia Geral das
Nações Unidas em 1948, subscrita pelo governo dos Estados Unidos
e por Cuba, entrada em vigor em 1951, subscrita e ratificada por 124 estados,
estipula textualmente no seu artigo II:
"Na presente Convenção, entende-se por genocídio
qualquer um dos actos enumerados a seguir, cometido com a
intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional,
étnico, racial ou religioso...".
Actos considerados: a "Submissão intencional do grupo a
condições de existência que devem provocar a sua
destruição física total ou parcial".
Apenas oito meses após a adopção desta
Convenção sobre o genocídio (1948), as
Nações Unidas adoptavam em Genebra, numa conferência
internacional convocada pelo governo suíço, uma nova
Convenção relativa à protecção das pessoas
civis em tempos de guerra, subscrita e ratificada pelos governos dos Estados
Unidos e de Cuba, entrada em vigor a 21 de Outubro de 1950 e ratificada hoje
por 188 Estados.
A referida convenção estipula no seu artigo 23:
"Cada parte contratante concederá o livre-trânsito de todo
envio de medicamentos e de material sanitário, assim como de objectos
necessários ao culto, destinados unicamente à
população civil de uma outra Parte contratante, mesmo inimiga.
Ela autorizará igualmente o livre-trânsito de todo envio de
víveres indispensáveis, de vestuários e de fortificantes
reservados às crianças de menos de quinze anos, às
mulheres grávidas ou em parto".
O Protocolo adicional I à dita Convenção estipula no seu
artigo 54 que trata da "protecção de bens
indispensáveis à sobrevivência da população
civil".
"1. É proibido utilizar contra os civis a fome como método
de guerra".
Em 23 de Setembro de 2009, Barack Obama declarou perante a ONU: "Nenhum
país deve ser forçado a aceitar a tirania de um outro
país, nenhum país pode ou deve tentar dominar um outro
país".
Ele parafraseava assim, e bem, um texto que Victor Hugo havia escrito em 1870
para as mulheres cubanas refugiadas em Nova York para escapar aos soldados
espanhóis: "Nenhuma nação tem o direito de colocar a
sua garra sobre a outra, nem a Espanha sobre Cuba como a Inglaterra sobre
Gibraltar. Um povo não possui um outro povo assim como um homem
não possui outro homem. O crime é mais odioso ainda sobre uma
nação do que sobre um indivíduo; isso é tudo".
"A democracia, prosseguiu Obama, não pode ser imposta a uma outra
nação a partir do exterior. Cada sociedade deve encontrar o seu
próprio caminho e nenhum caminho é perfeito. Cada país
deve buscar uma via ancorada na cultura do seu povo e nas suas
tradições, e eu reconheço que os Estados Unidos foram,
muito frequentemente, selectivos na sua promoção da
democracia".
Ele acrescentou que os Estados Unidos deviam "entrar numa nova era de
compromisso baseado nos interesses e no respeito mútuo". E pediu
aos cépticos "para dar uma olhadela nas acções
concretas tomadas em apenas nove meses".
O ministro dos Negócios Estrangeiros cubano saudou a boa vontade de
Obama qualificando-o de "homem político moderno, inteligente e
animado por boas intenções", ainda que lamentando que
não tenha podido aproveitar "a oportunidade histórica de
utilizar as suas faculdades executivas e de estar na origem da
eliminação do bloqueio contra Cuba".
Há que deplorar as contradições notáveis entre o
discurso e os actos, raros e tímidos.
Em Abril de 2009, Obama havia afirmado querer abrir um novo capítulo de
reaproximação com Cuba ao longo do seu mandato.
Ele de facto em Setembro levantou restrições afectando os cubanos
a viverem nos Estados Unidos e tendo família na ilha. Doravante, os
cubanos podem ir todos os anos à ilha (ao invés de 14 dias a cada
três anos anteriores) e efectuar transferências de fundos mais
importantes para suas famílias (100 dólares por mês
anteriormente).
Mas é preciso saber que com esta medida Obama simplesmente restabeleceu
a regra em vigor até 2004. Entretanto, os cidadãos cubanos a
viverem nos Estados Unidos e não tendo família no seu país
de origem continuam a não poder ir ali. Igualmente os cidadãos
estado-unidenses podem ir a toda parte do mundo, mesmo à China, ao
Vietname ou à Coreia do Norte, mas não a Cuba.
A administração Obama ampliou igualmente a gama de produtos que
podem ser enviados a Cuba (aos vestuários, produtos higiénicos e
ao material de pesca, antes proibidos). Ela permitiu igualmente às
empresas estado-unidenses de telecomunicações fornecerem certos
serviços a Cuba.
Em Setembro de 2009, a sub-secretária de Estado para os assuntos
inter-americanos deslocou-se a Havana para entabular discussões sobre a
restauração do serviço postal entre Cuba e os Estados
Unidos, suspenso desde 1963, e sobre as questões migratórias. Ela
foi a mais alta funcionária em visita oficial a Cuba desde 2002. Nota-se
também nos discursos da administração Obama uma
diminuição na agressividade.
Contudo, Obama não revogou a lei de ajustamento cubano (Cuban Adjustment
Act) que favorece a emigração ilegal com destino aos Estados
Unidos. Com efeito, todo cubano que entre, mesmo ilegalmente, nos Estados
Unidos obtém automaticamente ao fim de um ano o estatuto de residente
permanente e diversas ajudas para obter um alojamento e um emprego. Esta
legislação, única no mundo, favorece a fuga dos
cérebros e priva Cuba de um capital humano considerável. Ela
não se refere a outros estrangeiros, apenas aos cubanos. E
compreensivelmente: imagine que um mexicano pondo o pé nos EUA disponha
dos mesmos direitos de um cubano... Com excepção dos cubanos,
todos os estrangeiros que entrem ilegalmente nos EUA são aprisionados e
depois recambiandos, quando não são abatidos.
A administração Obama continua a financiar grupúsculos na
ilha, financiamento ilegal aos olhos do código penal cubano e da
legislação internacional.
Os EUA continuam a inundar a ilha com emissões de rádio e
televisão, destinadas a desestabilizar o governo cubano.
Os EUA recusam-se sempre a devolver a base de Guantanamo ocupada ilegalmente
desde 1902, contra a vontade dos cubanos.
Um navio que atraque num porto cubano não pode mais entrar num porto dos
EUA antes de seis meses.
Cuba continua a ser o único país do mundo a quem os EUA
proíbem o acesso à Internet por cabo.
Desde a eleição de Obama, sete multinacionais foram sancionadas
financeiramente, num montante total ultrapassando os seis milhões de
dólares, por não terem respeitado as restrições de
carácter extraterritorial relativas ao comércio ou aos fluxos de
capitais com Cuba.
Em Setembro de 2009, Obama decidiu confirmar a Lei de Comércio com o
inimigo (Trading with the Enemy Act) que estabelece as sanções
económicas contra Cuba.
Cuba continua a figurar na lista dos países terroristas estabelecida
pelos Estados Unidos. Como anedota: Nelson Mandela figurava nesta lista
até Julho de 2008.
Outros sinais que mostram os limites da descrispação anunciada:
as recusas de vistos a cubanos que querem participar em congressos ou
manifestações culturais nos EUA, ou recusas a permitir que
médicos estado-unidenses participem em congressos internacionais em
Havana.
Entretanto, 161 representantes e 33 senadores, querem aprovar uma lei para por
fim a esta proibição de viajar a Cuba. Para ser aprovada, ela
deve reunir 218 votos na Câmara e 60 no Senado. Contudo, Barack Obama
dispõe das prerrogativas necessárias para dar um fim a esta
interdição assinando uma simples ordem executiva. Cuba declara-se
pronta a acolher dois milhões de turistas estado-unidenses que
poderão circular livremente na ilha.
O antigo presidente Bill Clinton, marido da secretária de Estado Hillary
Clinton, qualificou as sanções económicas de
política "absurda" e de "fracasso total".
O presidente Obama não dispõe de poderes para eliminar o
bloqueio, mas pode em grande medida suavizá-lo por intermédio de
decisões executivas e de licenças.
Enquanto isso, o estado de sítio prolonga-se contra um pequeno
país pobre que jamais cometeu a menor agressão contra os EUA.
Desde 1960, o bloqueio custou cerca de 96 mil milhões de dólares
à economia cubana.
Mas Cuba permanece de pé, independente, soberana às portas de um
império. É uma situação inédita pois a lei
histórica natural é que os pequenos países, e com mais
razão as ilhas, caiam na órbita das potências vizinhas
(veja-se a Córsega, veja-se a Sardenha, etc). Ora, os EUA, desde que
existem, reivindicam Cuba como uma parte do seu território.
Cuba paga um preço terrível por esta resistência, mas
preserva o essencial da alma da sua Revolução.
Apenas uma anedota para reforçar esta afirmação, sem me
afastar da questão do bloqueio. Tenho-a de uma testemunha directa. No
decorrer de uma reunião cimeira em Cuba, um participante disse: "O
bloqueio do Iraque imposto por Bush pais durante dez anos levou à morte
pela fome de 500 mil criança iraquianas". Fidel Castro
interrompeu-o para retorquir: "Não, não foi o bloqueio que
matou 500 mil crianças iraquianas, foi Saddam Hussein. Nós, aqui,
sofremos um bloqueio desde há mais de 40 anos e nenhuma criança
cubana morreu de fome".
Quando será levantado o bloqueio?
Tudo depende de vários factores:
1- A pressão da opinião pública mundial. Ela existe. Os
países do terceiro mundo têm para Cuba os olhos de Chimène
para Rodrigue
[1]
. Aquando da primeira viagem de Barack Obama à América Latina os
representantes dos países do sub-continente pediram-lhe, através
de moções, resoluções ou de olhos nos olhos, para
levantar o bloqueio contra Cuba.
Há que saber que a França é um caso particular, no que
respeita à questão cubana. Nos grandes países da Europa,
como a Alemanha, a Grã-Bretanha, a Espanha, a classe
mediático-política está melhor informada que a nossa.
Vêem-se jornalistas a escreverem artigos sobre, por exemplo,
"os cinco cubanos"
, estes anti-terroristas presos nos EUA, vêem-se
parlamentares intervir nestes países sobre esta questão,
lêem-se artigos, até na imprensa estado-unidense, mas nada em
França. Doze prestigiosos prémios Nobel já intervieram
sobre Cuba, mas nem um único deputado ou sub-ministro francês ou
presidente de região ou jornalista de renome. É a
excepção francesa cuja causa atribuo a uma falsa ONG francesa que
se chama Reporters sans frontières, que publica a cada ano um milhar de
comunicados escritos para os media (um corta e cola basta para difundi-los) e
que se encarniça desde há mais de 20 anos, sem cessar, contra
Cuba. Intervém a seguir o fenómeno a que Pierre Bourdieu chamava
"a circulação circular da informação". Os
jornalistas lêem-se entre eles, um discurso auto-constrói-se.
Tomemos o exemplo da expressão "líder máximo"
que é uma invenção da CIA para dar a entender que os
responsáveis cubanos falam assim de Fidel Castro, como os chineses
falaram do "grande timoneiro" ou os russos do "paisinho dos
povos". Nunca um cubano utilizou esta expressão (de alto abaixo,
todos dizem "Fidel"), mas não se pode escapar num artigo ou
reportagem sem que o jornalista a sirva.
Retorno aos factores que poderiam favorecer o levantamento do bloqueio:
2- A pressão dos industriais e agricultores dos EUA. Ela não
cessa de aumentar. A das petroleiras, que vêm companhias venezuelanas,
espanholas, chinesas empreenderem furagens do golfo da Florida nas águas
territoriais cubanas e que temem ver-lhes escapar esta fonte de
aprovisionamento que pode jazer diante da sua porta.
Último factor:
3- A coragem política e física de Barack Obama.
Coragem física que tiveram dar provas sempre as grandes figuras
políticas do continente americano: veja-se José Marti, Bolivar,
Sandino, o Che, Raul e Fidel Castro, Chavez, Allende, veja-se o hondurenho
Zelaya que retornou clandestinamente a Tegucigalpa depois de ter sido expulso
do país pelo exército, veja-se Martin Luther King...
O escritor estado-unidense Wiliam Blum explicou no seu livro
L'Etat voyou
o que faria se presidisse os EUA.
"Se eu fosse presidente, pararia em alguns dias os ataques terroristas
contra os Estados Unidos. Definitivamente.
"Primeiro, apresentaria as minhas desculpas a todas as viúvas, aos
órfãos, às pessoas torturadas, àquelas
caídas na miséria, aos milhões de outras vítimas do
imperialismo americano.
"A seguir, anunciaria aos quatro ventos que as intervenções
americanas no mundo estão definitivamente terminadas e informaria Israel
de que ele não é mais o 51º estado dos Estados Unidos mas
doravante coisa curiosa para dizer um país estrangeiro.
"E depois, reduziria o orçamento militar em pelo menos 90%
utilizando o excedente para pagar reparações às
vítimas. Isto seria mais que suficiente. O orçamento militar de
um ano, ou seja, 330 mil milhões de dólares, equivale a mais de
18 mil dólares por hora desde o nascimento de Jesus Cristo.
"Eis o que faria nos três primeiros dias.
"No quarto dia, eu seria assassinado".
No dia 18 de Setembro de 2009, sete antigos directores da CIA exortaram o
presidente a encerrar os inquéritos abertos contra os excessos cometidos
nos interrogatórios de terroristas sob a era de Bush (tortura).
Vê-se que interesses poderosos, que conservadorismo, por vezes que
obscurantismo, Barack Obama enfrenta. Mas na margem de manobra estreita de que
dispõe ele pode cortar ou um vestuário de gestor ou um
vestuário de grande homem de Estado.
O antigo senador de Illinois obteve o prémio Nobel da paz de 2009. Fidel
Castro julgou esta atribuição positiva pois ela, a seu ver,
é "uma crítica à política genocida seguida por
numerosos presidentes deste país que conduziram o mundo à
encruzilhada em que hoje se encontra, uma exortação à paz
e à busca de soluções que permitiriam à nossa
espécie sobreviver".
A maior parte dos cidadãos do mundo encorajam Obama a merecer este
prémio, inclusive o seu compatriota Michael Moore quando lhe diz:
"Minhas felicitações, presidente, pelo prémio Nobel
da paz. Agora, por favor, ganhe-a!"
O que nos traz de volta ao bloqueio. Por fim a este acto de guerra genocida
seria um pequeno passo para Obama e um grande passo para a humanidade.
28/Outubro/2009
[1] Alusão a personagens da peça "Le Cid", de Corneille.
[*]
Escritor. Conferência pronunciada a 22 de Outubro de 2009 no Instituto de
Estudos Políticos de Toulouse.
O original encontra-se em
http://www.legrandsoir.info/Et-c-est-ainsi-qu-Obama-sera-grand.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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