Sobre a natureza e as causas do colapso da riqueza das nações:
O fim da chamada globalização
RESUMO
Este documento investiga a crise de 2007/2008, a qual tem sido considerada como
a mais devastadora (e complexa) crise do capitalismo desde a grande
depressão de 1929. Além disso discute as tendências
futuras do capitalismo global com ênfase especial quanto aos
desenvolvimentos futuros expectáveis que provavelmente ocorrerão
no
conjunto da economia mundial. O principal argumento do documento é que
a crise de 2007/2008 não foi o resultado final de uma série de
erros técnicos ou desenvolvimentos ad hoc que se verificaram por si
próprios, mas deveria ser encarada como o resultado dos
desequilíbrios sistémicos do capitalismo nas últimas
três décadas. Portanto, a fim de avaliar as
condições da crise global mais claramente, considera-se
pertinente que as causas estruturais subjacentes da crise actual precisem ser
estudadas. O documento segue os passos da literatura marxiana sobre crises,
particularmente de Rosa Luxemburgo, indicando a necessidade de uma
"guerra correctiva"
a fim romper com as "velhas" instituições,
"velhas" tecnologias e "velhos" métodos de
acumulação.
Palavras-chave: Crise do capitalismo, sistema de Bretton Woods, era dourada do
capital, financiarização, guerra correctiva.
INTRODUÇÃO
A economia capitalista global está a experimentar a sua pior crise desde
a Grande Depressão de 1929. Inicialmente descartada como sendo sobretudo
uma turbulência financeira de rotina, nos meses do Verão de 2007,
as condições da crise aceleraram-se, vagarosa mas
inexoravelmente, para atingir uma recessão completa oficialmente
declarada nos EUA e no Reino Unido no último trimestre de 2008. Ao longo
de 2008, o Fundo Monetário Internacional (FMI) reviu três vezes as
suas projecções de crescimento do mundo para o ano seguinte,
baixando-as de uns celebrados 4,4% iniciais para 2,4% em Novembro e a seguir
uns meros 0,5% no fim de Janeiro de 2009. Muitas instituições
financeiras internacionais (IFI) seguiram o exemplo. Considerando a
noção bem aceite de que para a economia mundial uma taxa de
crescimento abaixo dos 2,5% é considerada por muitos economistas como o
patamar para a "recessão global", a realidade sombria por
trás destes números torna-se clara.
Espera-se que a crise global cobre um preço pesado às massas
trabalhadoras e àquelas economias pesadamente endividadas e dependentes
de finanças estrangeiras. A Organização Internacional do
Trabalho (OIT) advertiu no princípio de 2009 que os claramente
desempregados aumentarão em até 50 milhões de
indivíduos em 2010, elevando o total desempregado para 230
milhões, ou 7,1% da força de trabalho global.
O que é mais revelador na nossa conjuntura é que a crise actual
não foi iniciada nos chamados mercados emergentes da periferia global,
mas irrompeu directamente nos centros hegemónicos do mundo capitalista.
O que jaz na raiz da crise não são as habituais
acusações comuns de governos "corruptos" de capitalismo
com compadrio oficial
(crony capitalism),
com a sua interferência excessiva para a racionalidade do mercado, mas a
franca exuberância irracional dos mercados "livres", com o seu
funcionamento guiado sem restrições pela motivação
do lucro privado.
Portanto, sejam quais forem os meios pelos quais o episódio da crise
actual venha a definhar numa nova espécie de austeridade, uma
lição permanece clara: já não é mais
possível para o capital global retornar aos padrões de
comércio e finanças construídos na era pós 1980. A
economia mundial esgotou os contos fantasistas de comércio
"livre", finanças "liberalizadas" e mercados de
trabalho "flexíveis" em que a motivação para a
busca do lucro privado era tomada como a regra única permanente para a
distribuição eficiente de recursos levando a altos rendimentos,
direitos humanos, civilização, prosperidade e foi aí
afora. A fase pós 1980 do capitalismo, a qual é frequentemente
caracterizada como
globalização neoliberal,
identificou-se por uma vasta reestruturação abrangente tanto no
âmbito económico, consolidando o âmbito dos mercados, como
nos
aspectos políticos deste âmbito os estados.
O que jazia no cerne desta reestruturação era a ascendência
das finanças sobre a indústria, um processo global de
financiarização
sujeitando à sua lógica de curto-prazismo, liquidez,
flexibilidade e imensa mobilidade objectivos de industrialização
a longo prazo, desenvolvimento sustentável e alívio da pobreza
com programas de bem estar social conduzidos pelos estado.
Financiarização, como se apresenta, é uma palavra vaga e
ainda não existe consenso entre economistas quanto à sua
definição. Contudo, a partir da observação seminal
de David Harvey de que
"alguma coisa significativa mudou no modo como o capitalismo tem estado a
funcionar desde cerca de 1970"
(Harvey, 1989:192), um conjunto de características distintivas do
conceito pode ser revelado. Krippner (2005:174), de acordo com
O longo século vinte
de Arrighi, define-a como um padrão de acumulação na qual
os lucros aumentam primariamente através de canais financeiros ao
invés do comércio e da produção de mercadorias.
Segundo Epstein (2005:3)
"financiarização significa o papel crescente de motivos
financeiros, mercados financeiros, actos financeiros e
instituições financeiras na operação de economias
internas e internacional".
No que se segue, de um modo mais vasto, podemos considerar
financiarização como um fenómeno que pode ser descrito
pelo crescimento dos motivos financeiros, do volume e do impacto de actividades
financeiras dentro e entre países. Como sublinham Duménil e
Lévy (2004ª),
"o que está em causa aqui não são mercados e estados
em si, mas a sujeição mais estrita destas
instituições ao capital: por um lado, a liberdade do capital para
actuar de acordo com os seus próprios interesses com pouca
consideração pelos trabalhadores assalariados e as grandes massas
da população mundial e, por outro lado, um estado dedicado
à aplicação desta nova ordem social e a
confrontação com outros estados".
A estes vastos contornos de expansão capitalista acrescentaremos duas
hipóteses a fim de formular uma análise coerente da actual
derrocada global: (i) as crise, muitas vezes seguidas por períodos de
expansão e euforia selvagens, são parte das
características anárquicas do modo de produção
capitalista, através das quais o capital, falando historicamente,
não tem hesitado em impor transformações custos que muitas
vezes culminam naquilo que Rosa Luxemburgo denominou como guerras
correctivas;
e (ii) desde que o principal propulsor do capital é a sua busca do
lucro, é de importância fundamental que entendamos o caminho real
da taxa de lucro a sinalizar a aceleração e o fim dos
episódios de acumulação capitalista com crises recorrentes.
Este documento agregará estes dois princípios na sua tentativa de
inquirir acerca da natureza e das causas do actual colapso da riqueza das
nações. No que se segue, começo com uma
investigação das causas estruturas da crise global na
próxima secção. Então, apresento e elaboro algumas
das estatísticas chave da história global do capitalismo, tanto
no seu centro como na periferia. O documento prolonga-se com a taxonomia das
crises de pós financiarização e conclui com uma
visão geral das lições destiladas até aqui,
complementadas com prognósticos quanto ao futuro.
SOBRE AS RAÍZES ESTRUTURAIS DA CRISE GLOBAL
Não há dúvida de que um episódio de expansão
seguido por uma crise à escala global não é o primeiro
experimentado pelos humanos na sua história económica. Temos
testemunhado, ao longo de uns 600 anos de capitalismo
[NR1]
, muitos de tais episódios envolvendo expansão maciça de
riqueza conduzida pela acumulação de capital à escala
global, mas seguidas por crises severas com ajustamentos onerosos e muito
frequentemente por guerra devastadoras. É importante notar, contudo, que
tais processos de expansão global e crise nunca foram na forma de
simples reprodução e recorrência cíclica. Sob cada
expansão cíclica episódio de crise tem havido um
elemento de direccionalidade com a emancipação de padrões
mais vastos de acumulação expandida, expansão
tecnológica e profundidade financeira.
As noções de ondas de longa duração já foram
notadas pelo modernos sistema de referência marxiano, muitas vezes
consideradas sinónimas dos trabalhos de Nikolai Kondratieff. Seria
esclarecedor em primeiro lugar buscar a conceptualização
apresentada por Giovanni Arrighi na sua obra de 1994
The Long Twentieth Century
. Baseando o seu sistema de referência teórico na
noção marxista de produção expandida através
do circuito
M C M',
Arrighi argumenta que a expansão capitalista em
acumulação material pode ser descrita primeiro por investimentos
de capital
líquido
, M, a serem transformados a seguir em capital
constante, C.
Conduzido por novos avanços tecnológicos, os investimentos em
novas indústrias precisam que o capital seja atado a investimentos fixos
irreversíveis. É o aumento dos retornos desta irreversibilidade
de
C
que estabelece as condições para uma elevação nos
lucros e para a
expansão global. Quando este processo se aprofunda, entretanto,
inicia-se a rivalidade inter-capitalista; a competição feroz
estrangula oportunidades de lucro; as inovações
tecnológicas perdem força e esgotam-se; as taxas de lucro sobre
o capital constante caem. Neste caso indústrias velhas precisam ser
desmanteladas; novos turnos de liquidação tornam-se
necessários. O capital procura liquidez, mobilidade e maleabilidade.
É nessa altura que um novo turno de financiarização
é revigorado quando o capital constante é dilacerado em novo
capital líquido,
M'.
Este processo de
destruição criativa schumpeteriana
é muitas vezes acompanhado e tornado possível por
uma
"guerra correctiva"
e a substituição da antiga hegemonia por uma nova. Assim,
Arrighi sustenta que a ascendência das finanças sobre a
indústria não é uma
nova
etapa do capitalismo, mas sim um fenómeno
recorrente,
uma fase dos ciclos mais longos do desenvolvimento capitalista que
começou no final da Idade Média e princípio da Europa
moderna (Arrighi,
ibid,
p. xi).
Com base nesta visão Arrighi esboça quatro ciclos
sistémicos de acumulação maturidade crise,
cada um deles dominado e administrado sob os auspícios de um estado
hegemónico: um ciclo
genovês
(do século XV ao princípio do XVII); um ciclo
holandês
(do fim do século XVI ao fim do XVIII); um ciclo
britânico
(do fim do século XVIII ao princípio do XX); e um ciclo
estado-unidense
(princípio do século XX até esta data). Mas, como foi
notado acima, nenhum destes ciclos foi constituído por movimentos
recorrentes regulares. Arrighi argumentou que cada novo ciclo era mais curto;
cada nova hegemonia mais poderosa e agressiva; e cada nova
financiarização mais complexa. A isto devemos acrescentar uma
característica distintiva da crise actual que é muito
significante:
a actual crise global é o primeiro de tais episódios na
história humana na qual o "dinheiro" (e por extensão
todos os activos financeiros) não têm uma unidade de valor
padrão, tal como o ouro, contra a qual o seu valor possa ser medido
objectivamente.
A crise irrompeu sob condições em que as divisas têm
apenas valores "fiduciários"
("fiat")
e a financiariação avançou sob um sistema de
"fé"
em valores virtuais independentes de um padrão ouro ou de
qualquer outro metal.
Em suma, sob o actual episódio de crise não existe qualquer
âncora
para o valor nominal do dinheiro.
Esta característica leva o mundo
capitalista a um problema fundamental. Sob condições de
indeterminação do
"verdadeiro"
valor objectivo do dinheiro no sistema global torna-se virtualmente
impossível determinar os valor de todos os restantes activos financeiros
quer sejam confiáveis ou
"tóxicos"
nos mercados financeiros globais. Sob condições de moeda
fiduciária
(fiat monies),
a avaliação de um activo financeiro repousa unicamente em
expectativas, um mundo de fazer fé em esperados retornos positivos.
Assim, expressões neste mundo tais como
"gestão de expectativas",
ou
"governação crível"
vêm para o primeiro plano em todas as tentativas de puxar o sistema para
fora da crise. Em última análise isto é devido a esta
impossibilidade de que os
"verdadeiros"
custos da crise possam ser medidos e que a magnitude dos planos de resgate
possa ser computada.
Em contraste, na arquitectura financeira concebida no rescaldo da Segunda
Guerra Mundial, em
Bretton Woods,
aldeia de New Hampshire, os EUA tiveram êxito em manter uma tal
âncora nominal: o US dólar estava ligado ao padrão ouro e
todas as divisas principais estavam ligadas ao US dólar através
de taxas de câmbio
fixadas.
Além disso, foi estabelecido um Fundo Monetário Internacional
(FMI) para superintender as taxas de câmbio correntes e fornecer
crédito barato (e aconselhamento!) a fim de ultrapassar quaisquer
problemas
individuais de balança de pagamentos. Assim, sob o sistema de Bretton
Woods a âncora nominal que em última análise determinava o
valor objectivo do dinheiro foi o primeiro sistema de taxa de câmbio
ligado indirectamente ao ouro sob a dominância do US dólar. Desta
maneira a especulação com divisas, e assim a incerteza e o risco,
foram extirpados do sistema financeiro global. Nas palavras do arquitecto, o
próprio
John Maynard Keynes, "as finanças tornaram-se, e devem ser, um
assunto nacional".
O sistema Bretton Woods pós 1950 também coincidiu com uma
visão
relativamente
tolerante em relação aos rendimentos dos assalariados e a um
período de paz relativa entre o capital e o trabalho assalariado.
Conduzido e supervisionado pela filosofia de um estado previdência, o
período pós 1950 testemunhou a emergência do
liberalismo entranhado,
em que cada nação estado havia assumido a tarefa primária
de combater o desemprego e proporcionar serviços públicos baratos
e de âmbito vasto tais como saúde e educação
gratuitas para os seus cidadãos mas tudo sob o âmbito do
"sistema de mercado". O modelo de industrialização do
período em última análise era
fordista,
repousando sobre a noção de
"produção em massa para consumo em massa".
Este modelo basicamente encarava os salários não apenas como um
ítem de custo
mas também e talvez mais ainda como um
ítem de rendimento,
abrindo caminho para atitudes mais tolerantes em relação
às exigências salariais de poderosos sindicatos de trabalhadores.
De 1950 a 1974 o mundo capitalista viveu um período de taxas de
crescimento sem precedentes. Conduzido por uma estrutura fiscal e
monetária expansionista nas metrópoles, a economia mundial
expandiu-se à taxa de 2,9% ao ano durante este período.
Além disso, os países pobres da Ásia, África e
América Latina experimentaram, pela primeira vez na história, uma
ascensão global nos seus rendimentos per capita. Com base principalmente
nestas características, o episódio 1950-974 do capitalismo veio a
ser mencionado como a
"idade de ouro".
Contudo, em simultâneo a estes desenvolvimentos, as leis de ferro do
capitalismo estavam a funcionar. A intensa acumulação de capital
fortaleceu quedas inevitáveis na taxa de lucro. Além disso, como
a produção era executada numa escala maciça com base nas
tecnologias padrão da linha de montagem fordista, novos competidores do
Japão e de partes da periferia, como a Coreia, Taiwan, Tailândia,
Brasil e Espanha emergiram como novos centros de competição fez.
A partir de meados dos anos 60 quando a taxa de lucro começou a minguar
por todo o mundo ocidental, estava claro que o fim da era dourada estava
próximo. A expansão da acumulação de capital
precisava de taxas de retorno sempre mais elevadas; mas o capital ainda era
mantido relativamente imóvel dentro das fronteiras nacionais sob o
sistema de Bretton Woods.
O FIM DA "ERA DOURADA", RE-FINANCIARIZAÇÃO DO CAPITAL
A história recente revela os conflitos internos da
produção/acumulação fordista que promovia "a
produção em massa para o consumo em massa" e o seu
acompanhamento financeiro o sistema de Bretton Woods, que tratava
"as finanças como uma questão nacional", emergira no
princípio da década de 1970. Os limites políticos e
económicos da era dourada foram atingidos. Até então o
mundo capitalista estivera à procura de novos meios de expansão a
fim de ultrapassar a ameaça do subconsumo e da
superprodução. Mas estava num impasse entre as exigências
de manter altos rendimentos reais para a classe trabalhadora, por um lado, e
manter a lucratividade, por outro. A agravar este dilema, o sistema financeiro
não era capaz de diversificar as suas carteiras sob um regime de taxas
de câmbio fixas e mercados financeiros regulamentados. O capital
financeiro era cativado pelos sonhos de plena mobilidade como existira nas
últimas décadas do século XIX, a
belle epoque.
Foi ainda durante este período que os bancos ocidentais arrecadaram
enormes somas de petrodólares originários das receitas da OPEP
decorrentes dos choques nos preços do petróleo. Uma segunda fonte
de acumulação de fundos ociosos eram os fundos de aposentadoria
em expansão da
geração baby boom.
Todos estes fundos estavam em busca de taxas de retorno excelentes, as quais,
aliás, não eram formidáveis sob o sistema Bretton Woods
estritamente regulamentado. Não demorou para que fossem ouvidas as
trombetas do
"Fim da repressão financeira!",
através das obras de McKinnon (1973) e Shaw (1973), que apelavam
à
desregulamentação, liberalização e flexibilidade.
Vários indicadores e níveis de manifestação haviam
sido avançados na literatura para explicar estes factos. Orhangazi
(2008), por exemplo, baseou as suas teorias da financiarização da
economia dos EUA nos seus cálculos da taxa de lucro das
corporações não financeiras ao longo do pós-guerra.
Como se revela na Figura 1, Orhangazi relata um declínio secular das
taxas de lucro de corporações não financeiras que
começavam após a segunda metade da década de 1980.
Após um extenso período de reestruturação ao longo
da década de 80 sob a teoria económica do lado da oferta de
Ronald Reagan e Paul Volcker, verificou-se que a lucratividade ascendeu.
As descobertas de Orhangazi também se reflectiram em Duménil e
Lévy (2006, 2004a e 2004b). Na sua análise da lucratividade do
capital nos EUA e na Europa, Duménil e Lévy (2006) relatou acerca
do comportamento da taxa de lucro quando medida pelo rácio do produto
líquido menos custo do trabalho com o valor do stock de capital
físico. Os dados de Duménil e Lévy também
corroboram os de Orhangazi, com uma tendência ainda mais pronunciada. Os
padrões de lucratividade pós 1980 revelam claramente um grande
progresso para o capital.
O que se esconde por trás da trajectória da lucratividade
agregada na Figura 2 é a ascendência das finanças sobre a
indústria. Para explicar plenamente os padrões divergentes da
lucratividade das finanças sobre os da indústria, Duménil
e Lévy (2006) apresentam uma análise mais pormenorizada. Nas
Figuras 3a e 3b, somos agora confrontados com um outro quadro: é
realmente a ascensão dos retornos financeiros que puxa a lucratividade
agregada. Quando a estagnação das taxas de lucro industrial se
aprofunda, a ascensão das oportunidades de lucro financeiro compensa
tais perdas. A financiarização foi, então, a principal
resposta do capital na sua busca de expansão, de lucros e mais uma vez
de expansão.
Com o colapso do keynesianismo, começou o arranque da
reestruturação neoliberal. Conceitos tais como
"credibilidade", "governação",
"transparência"
entraram no jargão da teoria económica, assim como as
expressão
"economias em desenvolvimento"
foi substituída por
"novas economias de mercado emergentes"
e de classe tais como
"burguesia industrial"
ou
"capital financeiro"
foram postas de lado para serem substituídas pelo conceito neutro de
"actores".
Nesse meio tempo, com o advento da financiarização, o
curto-prazismo e a natureza altamente volátil das finanças em
alta estavam presentes de forma viva. Como Petras e Weltmeyer (2001:17)
relataram, nos mercados globais durante o final da década de 1990, para
cada US$1 de transacção verificada no sector real, observava-se o
sector financeiro utilizar um volume de transacção que atingia os
25-30 dólares. Como principal actor das finanças internacionais,
o sector bancário havia diversificado as suas operações
internacionais rapidamente e aumentara os seus créditos internacionais
ao mundo em desenvolvimento de US$32 mil milhões em 1972 para US$90 mil
milhões em 1981 (Strange, 1994. 112).
Contudo, quando as finanças não regulamentadas levaram a ciclos
de bolha insustentáveis, isto pôs em evidência a natureza
anárquica do capitalismo. Como sublinhei nos parágrafos de
introdução deste ensaio, depois de 1971 a história humana
entrou numa fase inteiramente nova de um sistema monetário no qual
não existe qualquer padrão objectivo de valor para determinar o
preço do dinheiro e de outros activos financeiros. Desde 1971 o US
dólar saiu do padrão ouro e todas as divisas no mundo capitalista
estão a operar com valores
fiduciários.
Como tais, os valores são na base da confiança; a serem
governados por "expectativas" e pelos "jogos especulativos"
efectuados nos casinos financeiros do capitalismo. Num tal mundo, é
inevitável que as bolhas sejam conduzidas pelas corridas de
touros
para alturas sem precedentes com base em expectativas positivas, para
explodirem dentro das veias com as sombrias visões dos
ursos.
Talvez seja a primeira vez na história humana em que o capitalismo teve
êxito em criar ganhos monetários de valor sem qualquer discurso
sobre produção; isto é, o circuito
M M'
aparentemente substituiu o esquema tortuoso do
M C M'.
Em termos comuns, o génio estava fora da garrafa.
A Figura 4 ilustra estes pontos resumidamente. Adaptado de Duménil e
Lévy (2006 e 2004a) a figura traça o valor líquido das
corporações financeiras nos EUA em comparação com o
das corporações não financeiras. Os meados da
década de 1980 revelam-se mais uma vez como o ponto de viragem em que os
valores das corporações financeiras ultrapassam os valores das
não financeiras.
A ASCENÇÃO E A QUEDA DA GLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL
O termo "globalização" ergue-se como o conceito
hegemónico da ideologia neoliberal, reflectindo um dos principais
ítens da actual agenda da economia política. Esta palavra da moda
parece ter um poder espiritual em si própria pois proporciona uma
concentração de força que dirige o nosso discurso
diário sobre relações económicas, sociais,
políticas e culturais.
O conceito é revelado sobretudo como parte de um moderno projecto de
"cidadania" juntamente com referências a slogans como
"ser um cidadão da aldeia globalizada"
e
"ajustar às necessidades dos mercados globais".
Neste sentido, o próprio termo tem um significado conceptual dual: uma
definição
e uma
receita política.
Como
definição,
a palavra refere-se à integração acrescida dos mercados
de commodities e financeiros do mundo e aos seus valores culturais e sociais.
Dentro do contexto desta definição, liberalização
do comércio de mercadorias e dos fluxos financeiros resulta nas mais
estreitas implicações económicas do processo de
globalização. A um nível mais geral, este processo implica
"... um programa para destruir estruturas colectivas, as quais podem
impedir a pura lógica do mercado"
(Bourdieu, 1998). A fim de santificar o poder dos mercados em nome da
eficiência económica, esta
"máquina infernal" exige a eliminação de
barreiras administrativas ou políticas as quais limitam os
proprietários de capital na sua busca pela maximização do
lucro individual, o qual, por sua vez, tem sido afirmado como o supremo
indicador da racionalidade" (ibid.).
Assim, o conceito também cobre uma lista de acções de
política económica e social que são consideradas
necessárias para um país "abraçar" a
globalização. Apresentada sob a expressão "Consenso
de Washington", estas condicionalidades frequentemente são impostas
como parte dos programas de austeridade concebidos pelo FMI e pelo Banco
Mundial.
Em consequência, numa economia de mercado sob competição
capitalista, a taxa de lucro (ou, mais geralmente, a taxa de retorno para o
capital) é apregoada como o objectivo supremo e o aparelho de estado
deve ser reorganizado para assegurar a mais alta lucratividade do capital. Esta
reorganização destina-se a reduzir o papel do sector
público na regulação da economia e é vestida com a
retórica de expressões como "governação"
e "governos críveis, orientados para o mercado".
A afirmação principal da retórica da
globalização repousa no seu argumento de que "a
globalização é o produto natural da história humana
e como tal é inevitável". Portanto, todos os países
deveriam seguir as políticas necessárias (muitas vezes
denominadas como reformas estruturais) para aproveitarem-se deste processo
mágico. Só então os prémios da
globalização se seguiriam para aqueles países que tivessem
êxito em implementar tais reformas. Dada esta lógica, a principal
responsabilidade dos países em desenvolvimento é abrir as suas
economias ao capital internacional e implementar as reformas necessárias
permitidas pelas companhias transnacionais e pelas instituições
financeiras internacionais.
Podemos então deduzir três aspectos interligados do capitalismo
global na actual conjuntura:
reestruturação neoliberal, globalização neoliberal
e financiarização.
A reestruturação neoliberal tem sido propagada com os contra
ataques do monetarismo e da economia do lado da oferta nas mãos de
Ronald Reagan nos EUA, Kohl na Alemanha, Margaret Thatcher no Reino Unido e
Özal na Turquia. O assalto atingiu o seu auge na década de 1990
com a retórica do
"fim da história"
quando todas as questões foram declaradas estarem respondidas, todas as
incógnitas estarem para trás e de que o mundo estava numa caminho
sustentado rumo à felicidade global.
Com a ascensão da
globalização,
a mobilidade do capital foi potenciada a uma escala mundial. Estima-se que a
abertura da China e da Índia aos mercados globais e o colapso do sistema
soviético em conjunto acrescentaram 1,5 mil milhões de novos
trabalhadores à população do mundo economicamente activa
(Freeman, 2004, Akyuz, 2008). Isto significa quase uma duplicação
da força de trabalho global e uma redução do rácio
capital-trabalho global à metade. Em concomitância com a
emergência dos países em desenvolvimento no comércio
manufactureiro global, cerca de 90% do trabalho empregado no comércio
mundial de mercadorias é de baixa qualificação e
não qualificada, sofrendo com a marginalização e
também com demasiado frequentes violações de direitos
básicos do trabalhador em mercados informalizados (ver, por exemplo,
Akyuz, 2008 e 2003, Akyuz, Flassbakc e Kozul-Wright (2006)).
Sob estas condições, um grande número de países em
desenvolvimento sofreu desindustrialização, séria
informalização e consequente pioria da posição do
trabalho assalariado, resultando numa deterioração da
distribuição do rendimento e na pobreza acrescida. Muitos destes
fenómenos verificaram-se em tandem com o despontar de condicionalidades
neoliberais impondo rápida liberalização do
comércio e desregulamentação prematura dos mercados
financeiros indígenas. Porto, por todas as economias, industrializadas
ou periféricas, os rendimentos salariais entraram em colapso; a fatia do
rendimento do trabalho assalariado no produto agregado interno caiu e os
excedentes assim apropriados alimentaram a ascensão dos lucros
corporativos. A
financiarização
mais uma vez significou a inflação desta bolha dentro de valores
impostos como matéria de fé.
O assalto do capital aos rendimentos do trabalho tem sido uma
observação comum a todas as economias do globo. Mas é
talvez o aspecto mais visível da economia estado-unidense.
Historicamente os Estados Unidos sempre foram reconhecidos como uma economia
com fortes camadas médias, graças à força dos seus
rendimentos salariais. Mas tudo isso mudou abruptamente sob a
reestruturação neoliberal. Testemunho disso são, por
exemplo, os dados retratados na Figura 5. Adaptada de dados do
Economic Policy Institute
(EPI) e com cálculos apresentados por Wolf e Resnick (2006), a Figura 5
descreve a evolução das taxas de salário semanal na
economia estado-unidense como médias de dez anos desde 1820.
Os dados retratados na Figura 5 são espantosos. Após uma
ascensão secular sustentada nos salários reais durante 150 anos,
o trabalho nos EUA foi, pela primeira vez na sua história, confrontado
por uma contracção nas suas remunerações. O
trabalho estado-unidense manteve aumentos salariais
positivos
mesmo sob as condições da Grande Depressão da
década de 1930, ou sob os dias turbulentos da
era da revolução
a década de 1950. O colapso dos rendimentos do trabalho sob a
reestruturação neoliberal foi executado num escala maciça
e sem precedentes ao logo do fim da década de 1970 e de toda a
década de 1980.
Contudo, a questão candente acaba por ressurgir: uma vez que os
rendimentos do
trabalho foram contraídos em tamanha escala, como seria possível
assegurar suficiente procura para os produtos produzidos? Dada a lógica
do capitalismo, o trabalho assalariado é tanto um componente da procura
final como é também um ítem de custo. Portanto, a busca de
lucros sempre mais altos por meio do esmagamento do excedente retirado de
custos salariais suprimidos leva necessariamente a períodos de
insuficiência de procura, culminando finalmente na queda de receitas
brutas. Este dilema da insuficiência da procura e da
superprodução é uma manifestação directa do
carácter anárquico do capitalismo.
Foi nesta conjuntura que a introdução de instrumentos de
dívida sob a financiarização pós 1980 permitiu
às camadas médias manterem as suas posições como um
dos componentes da procura final. Durante um período de rendimentos
correntes
em queda, instrumentos de dívida recém-criados com várias
opções de endividamento ajudaram a classe trabalhadora americana
e de outros lugares a fazer parte da cultura consumista. Quando
poupanças privadas caíram para rácios
negativos
em relação ao produto interno bruto, as dívidas
familiares acumularam-se rapidamente. A financiarização,
portanto, não foi um momento oportuno só para os capitalistas
como classe compensarem a perda de lucratividade industrial, mas significou
também poder de consumo expandido para a classe trabalhadora a qual de
resto experimentava perdas de rendimento significativas.
A fim de estudar os desequilíbrios estruturais deste novo
episódio, temos de notar que a
financiarização
se refere de facto a um processo em que valores criados previamente são
re-valorizados.
Por outras palavras, as actividades financeiras não criam novos
valores, mas admitem uma revalorização dos valores criados
alhures nos sectores reais da agricultura, manufactura ou
construção. Não há dúvida de que este
processo de revalorização cria lucros financeiros positivos; mas
tais lucros não correspondem de modo algum a valores recém
criados no mundo material. É esta revalorização que
é designada por bolhas financeiras.
Esta prosperidade continuou enquanto a fachada de torres de papel pôde
ser sustentada. Foi finalmente o crash de 2007/2008 no mercado habitacional dos
EUA que disparou o seu colapso
[1]
. Para apreciar as formas que actuavam, vamos recordar as propriedades no fio
da navalha da produção e dos fluxos comerciais do mundo em 2006.
Na Tabela 1 a economia global é segmentada em três regiões:
a América do Norte fornece US$12,4 milhões de milhões do
produto interno bruto agregado do mundo (35%) e cumpre US$1,2 milhão de
mihões das exportações totais (aproximadamente 15%). As
economias europeias geram 31,6% do produto bruto mundial e 45,7% do
comércio global. Os novos "tigres" do capitalismo, a
Ásia do Leste e do Sul, produzem 20,2% do rendimento agregado mundial e
sustentam 24% do seu comércio.
|
PIB total
(US$10
12
)
|
Em proporção
ao agregado mundial
(%)
|
Exportações
totais
(US$10
12
)
|
Em proporção
ao agregado mundial
(%)
|
América do Norte
|
12,4
|
34,1%
|
1,2
|
15,9%
|
Europa
|
11,5
|
31,6%
|
3,3
|
45,7%
|
Ásia do Sul e do Leste
|
7,4
|
20,2%
|
1,8
|
23,9%
|
Fonte: Dicken, Peter (2007)
Global Shift: Mapping the Changing Contours of the World Economy,
The Fifth Ed.
New York: Guilford Press.
O pormenor oculto nos dados apresentados na tabela 1 é este: a partir de
2006 a região norte-americana, enquanto produziu um terço do
produto global, teve US$188 mil milhões de valor das
exportações para a Europa e importações de US$317
mil milhões dali. As exportações da América do
Norte para a Ásia do Sul e do Leste montaram a US$219 mil
milhões, ao passo que as suas importações foram de US$428
mil milhões. Estes números significam, para os EUA e o
Canadá em conjunto, um défice comercial de US$129 mil
milhões com a Europa e US$209 mil milhões com a Ásia.
Quando a América do Norte absorveu estas importações
baratas no seu mercado interno ela também teve êxito em manter os
salários baixos e influxos de bens intermediários baratos para os
seus produtores. O que os norte-americanos tinham para oferecer em retorno eram
cargas de
"novos instrumentos"
de finanças e uma divisa
"fiduciária".
Quando a América foi transformada numa economia de finanças e
serviços, a produção de manufacturas comutou para
fábricas do mundo para serem comercializadas nas zonas da Ásia de
processamento de exportações e nas
maquiladoras
da América Latina. Os produtos manufacturados nestes regiões,
por outro lado, foram trocados com
"papeis"
criados nas mesas do casino da Wall Street. Contudo, a
valorização
deste
papeis
em última análise repousava sobre expectativas especulativas e
crenças imaginárias de valores fictícios. Os eventos de
2007/2008 significou o colapso desta fábula de crença fabricada,
enquanto conceitos como
"activos tóxicos"
e
"créditos subprime"
emergiram como as descrições características desta era.
DUAS GERAÇÕES DE CRISE SOB A ERA DA FINANCIARIZAÇÃO
Os economistas da corrente predominante habitualmente arrumam os
episódios de crise de países individuais em termos de
gerações,
baseados em certos pontos em comum. Para seguir o exemplo, proporei que desde a
emancipação da financiarização do capitalismo
global ao longo aproximadamente do último quarto do século XX,
testemunhámos grosso modo duas gerações de crises
financeiras. A primeira destas irrompeu tipicamente nas economias de mercado
emergentes do México em 1994, Turquia em 1994 e outra vez em 2001,
Brasil em 1998, Argentina em 2001 e naturalmente a epidemia asiática de
1997. Quase todas elas foram explicadas, de um modo ou de outro, por uma forma
de
risco moral (moral hazard)
falta de regulação "prudente" e incentivos
enviesados originados da expectativa de que os tomadores de risco eram
demasiado grandes para fracassar.
Portanto, nesta
primeira geração de crises
de financiarização elas irrompiam devido principalmente à
liberalização financeira prematura; a falta de
governação; a falta da regra da lei; etc. Tipicamente,
países que haviam sido atraídos pelos chamados das trombetas do
"fim da repressão financeira; saudar os livres mercados
financeiros"
(a la McKinnon, 1973, e Shaw, 1973), liberalizaram os seus sectores financeiros
demasiado prematuramente e demasiado às pressas sem qualquer respeito
pelos seus fundamentos macroeconómicos. Nestas economias a
consequência da desregulamentação da conta capital muitas
vezes levou a taxas de juros acrescidas. Com base na motivação de
combater o "medo da fuga de capital", este compromisso estimulou
novos influxos estrangeiros e a divisa interna valorizou-se convidando a um
ainda mais nível de capital a curto prazo e influxos de
hot money
para dentro de mercados financeiros internos fracos. Sob estas
condições de prosperidade inicial da dívida, financiada
publicamente (exemplo: Turquia) ou privadamente (exemplo: México,
Coreia), os gastos escalam rapidamente e desfazem a fragilidade dos fracos
mercados financeiros do país hospedeiro. Finalmente a bolha explode e
uma série de severos e onerosos macro ajustamentos são decretados
através de taxas de juros reais muito altas,
desvalorizações consideráveis e um duro entrincheiramento
da procura agregada acompanhado pelas saídas do "hot money" a
curto prazo. Elementos deste círculo vicioso são pormenorizados
em Adelmann e Yeldan (2000), Calvo e Vegh (1999), Dornbusch, Goldfain e
Valdés (1995), Diaz-Alejandro (1985) e mais recentemente referido como o
Ciclo Dias-Alejandro-Taylor
em Köse, Senses e Yeldan (2008) (a seguir a Diaz-Alejandro (1985) e
Taylor (1998). Um esquema de tais eventos é retratado na Figura 6.
As características da variedade de crises da primeira
geração tipicamente envolvem o seguinte: (i) O mercado de
capitais internacional foi a principal fonte de choques; (ii) Os fluxos
originaram-se em grande medida do sector privado e por ele foram recebidos;
(iii) As crises financeiras atingiram principalmente economias de mercado
emergentes que eram consideradas altamente confiáveis e com êxito;
(iv) A ascensão de influxos de capital foi caracterizada por uma falta
de regulamentação, tanto do lado da oferta como da procura.
Não é grande coisa as pistas que se podem destilar do texto acima
para prognosticar [o desenvolvimento] da actual crise global. A crise actual
ultrapassou claramente as estreitas geografias dos mercados emergentes do
Terceiro Mundo e as suas origens radicam não nas
anedotas do risco moral, mas vão muito mais fundo: à
própria estrutura do sistema financeiro global. Embora as esferas de
produção, comércio e finanças estejam obviamente
inter-conectadas, as origens da crise financeira de hoje não têm
raízes nas taxas cadentes de lucratividade como foi o caso das crises
dos fins da década de 1970, nem nos padrões de comércio
que emergiram desde então. É uma amálgama de todas estas
esferas em operação; é a mistura de todos os elementos do
sistema; é, em suma, a própria lógica capitalista!
Para realçar o significado tanto da profundidade como da complexidade do
episódio da crise actual, forjarei a expressão
"segunda geração de crises de
financiarização".
Em acréscimo aos muitos aspectos que foram destacados nas
páginas acima deste documento, uma diferença chave nos modos de
ajustamento está clara: a primeira geração de crises
reflectiu principalmente o comportamento de tomada de risco excessivo com base
em oportunidades de
risco moral
e levou a um colapso
espectacular
dos mercados financeiros com uma forte dose de depreciação de
divisa, disparo de taxas de juro e uma contracção abrupta do
produto. As guinadas da crise foram muito profundas mas estreitas, as
contracções foram agudas mas a sua duração foi
relativamente curta. O que observamos acerca da fase actual da segunda
geração de crises, contudo, é que o seu impacto é
prolongado e lento, ao invés de uma queda espectacular experimentamos um
longo entrincheiramento; a chegada dos ajustamentos é lenta. Para
descrever este rumo dos acontecimentos, muitos analistas apontam para a
analogia de que o modo dos ajustamento provavelmente implicará uma
viragem tipo "U", ao invés de um rápido "V",
ao passo que muitos outros estendem a analogia para um tipo "L" de
uma estagnação prolongada, com ajustamentos ainda a serem
vistos...
COMENTÁRIOS CONCLUSIVOS: O QUE SE SEGUE PARA O CAPITALISMO?
O que se pode esperar para o mundo capitalista a seguir à actual crise
global? Dentro de uma perspectiva mais vasta pode-se conjecturar duas
possíveis trajectórias.
Primeiro,
dado o colapso global do sistema de valor financeiro, a
reconstrução dos padrões de comércio pode ser
forçada através da coerção. O
excedente económico
que tem sido constantemente criado no trabalho barato abundante das
fábricas da Ásia do Sul e do Leste pode ser
destruído.
Se a venda no mercado deste excedente em troca dos papeis agora intoxicados
finalmente fracassar, então o seu
"consumo"
apelará necessariamente a medidas coercivas
não-económicas no âmbito de uma possível guerra. Nas
conjunturas dos episódios anteriores de financiarização do
capitalismo, os ciclos de subconsumo/superprodução foram
"resolvidos" por meio de uma guerra globalmente devastadora. A
literatura marxiana sobre crises, notavelmente Rosa Luxemburgo, destaca a
necessidade de uma
"guerra correctiva"
a fim de romper com as instituições "velhas", a
tecnologias "velhas" e os métodos de acumulação
"velhos". No nosso actual contexto, as guerras locais que irromperam
no fim da década de 1990 nos Balcãs e continuaram com a
retórica da "guerra ao terror" no Iraque e no
Afeganistão, possivelmente estender-se-ão sobre o Irão e o
Paquistão, mencionados como assinalados para tais guerras correctivas.
Uma
segunda
possível mudança para a saída da crise actual pode
também envolver uma reestruturação global não
apenas dos centros de produção como também dos centros
administrativo/financeiros do capitalismo global para novas geografias. Isto
implica um processo que alguém poderia chamar a emergência do
capitalismo do terceiro mundo.
Mas, dadas as características que uma tal mudança até
agora, o capitalismo do terceiro mundo implica exploração
agressiva não só do trabalho como também dos recursos
naturais e das riquezas ambientais do nosso planeta. As ameaças
ambientais e os custos humanos de um assalto tão violento do capitalismo
demonstrar-se-á devastadora e horrenda. Além disso, uma tal
reestruturação dos centros do capitalismo global provavelmente
não será uma transição suave e poderá
disparar medidas de contra-ofensiva das actuais potências
hegemónicas os EUA, o Reino Unido e a Europa.
Sejam quais forem as opções que alguém possa considerar
dentro do capitalismo, uma reavaliação realista dos
possíveis cenários parecem esgotar todos os apelos para o
optimismo. Não se pode deixar de recordar o brado de Rosa Luxemburgo
há quase 100 anos atrás:
"ou a barbárie, ou o socialismo".
REFERÊNCIAS
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Development?"
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Components of Profitability (USA 1948-2000)",
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Edward Elgar Press. Epstein, G. and E. Yeldan (2008) "Inflation
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Freeman, R. (2004) Doubling the Global Workforce: The Challenges of Integrating
China, India, and the former Soviet Block into the World Economy. Paper
presented at the conference on 'Doubling the Global Work Force',
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Taylor, Lance (1998) "Lax Public Sector, Destabilizing Private Sector:
Origins of Capital Market Crises," Center for Policy Analysis, New School
for Social Research, Working Paper Series III No 6 July.
[1] A maior parte das descrições refere-se ao colapso do Lehman
Brothers em 15 de Setembro de 2008 como o principal ponto de viragem da crise
global; mas no nosso entender o início foi anterior, em 9 de Agosto de
2007, quando o banco francês BNA se recusou a conceder novo
crédito ao mercado habitacional dos EUA dados os sinais vacilantes.
[NR1] Parece discutível remontar 600 anos a história do
capitalismo. Muitos consideram que principiou
entre 1760-1820, quando na Grã-Bretanha se verificou a privatização de terras
até
então comunais
(enclosures).
[*]
Investigador, da Bilkent University, Ancara,
yeldane@bilkent.edu.tr
O original encontra-se em
www.peri.umass.edu/fileadmin/pdf/working_papers/working_papers_151-200/WP197.pdf
Este artigo encontra-se em
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