Sobre a natureza e as causas do colapso da riqueza das nações:
O fim da chamada globalização

por Erinç Yeldan [*]

RESUMO
Este documento investiga a crise de 2007/2008, a qual tem sido considerada como a mais devastadora (e complexa) crise do capitalismo desde a grande depressão de 1929. Além disso discute as tendências futuras do capitalismo global com ênfase especial quanto aos desenvolvimentos futuros expectáveis que provavelmente ocorrerão no conjunto da economia mundial. O principal argumento do documento é que a crise de 2007/2008 não foi o resultado final de uma série de erros técnicos ou desenvolvimentos ad hoc que se verificaram por si próprios, mas deveria ser encarada como o resultado dos desequilíbrios sistémicos do capitalismo nas últimas três décadas. Portanto, a fim de avaliar as condições da crise global mais claramente, considera-se pertinente que as causas estruturais subjacentes da crise actual precisem ser estudadas. O documento segue os passos da literatura marxiana sobre crises, particularmente de Rosa Luxemburgo, indicando a necessidade de uma "guerra correctiva" a fim romper com as "velhas" instituições, "velhas" tecnologias e "velhos" métodos de acumulação.

Palavras-chave: Crise do capitalismo, sistema de Bretton Woods, era dourada do capital, financiarização, guerra correctiva.

INTRODUÇÃO

A economia capitalista global está a experimentar a sua pior crise desde a Grande Depressão de 1929. Inicialmente descartada como sendo sobretudo uma turbulência financeira de rotina, nos meses do Verão de 2007, as condições da crise aceleraram-se, vagarosa mas inexoravelmente, para atingir uma recessão completa oficialmente declarada nos EUA e no Reino Unido no último trimestre de 2008. Ao longo de 2008, o Fundo Monetário Internacional (FMI) reviu três vezes as suas projecções de crescimento do mundo para o ano seguinte, baixando-as de uns celebrados 4,4% iniciais para 2,4% em Novembro e a seguir uns meros 0,5% no fim de Janeiro de 2009. Muitas instituições financeiras internacionais (IFI) seguiram o exemplo. Considerando a noção bem aceite de que para a economia mundial uma taxa de crescimento abaixo dos 2,5% é considerada por muitos economistas como o patamar para a "recessão global", a realidade sombria por trás destes números torna-se clara.

Espera-se que a crise global cobre um preço pesado às massas trabalhadoras e àquelas economias pesadamente endividadas e dependentes de finanças estrangeiras. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) advertiu no princípio de 2009 que os claramente desempregados aumentarão em até 50 milhões de indivíduos em 2010, elevando o total desempregado para 230 milhões, ou 7,1% da força de trabalho global.

O que é mais revelador na nossa conjuntura é que a crise actual não foi iniciada nos chamados mercados emergentes da periferia global, mas irrompeu directamente nos centros hegemónicos do mundo capitalista. O que jaz na raiz da crise não são as habituais acusações comuns de governos "corruptos" de capitalismo com compadrio oficial (crony capitalism), com a sua interferência excessiva para a racionalidade do mercado, mas a franca exuberância irracional dos mercados "livres", com o seu funcionamento guiado sem restrições pela motivação do lucro privado.

Portanto, sejam quais forem os meios pelos quais o episódio da crise actual venha a definhar numa nova espécie de austeridade, uma lição permanece clara:   já não é mais possível para o capital global retornar aos padrões de comércio e finanças construídos na era pós 1980. A economia mundial esgotou os contos fantasistas de comércio "livre", finanças "liberalizadas" e mercados de trabalho "flexíveis" em que a motivação para a busca do lucro privado era tomada como a regra única permanente para a distribuição eficiente de recursos levando a altos rendimentos, direitos humanos, civilização, prosperidade e foi aí afora. A fase pós 1980 do capitalismo, a qual é frequentemente caracterizada como globalização neoliberal, identificou-se por uma vasta reestruturação abrangente tanto no âmbito económico, consolidando o âmbito dos mercados, como nos aspectos políticos deste âmbito – os estados.

O que jazia no cerne desta reestruturação era a ascendência das finanças sobre a indústria, um processo global de financiarização sujeitando à sua lógica de curto-prazismo, liquidez, flexibilidade e imensa mobilidade objectivos de industrialização a longo prazo, desenvolvimento sustentável e alívio da pobreza com programas de bem estar social conduzidos pelos estado. Financiarização, como se apresenta, é uma palavra vaga e ainda não existe consenso entre economistas quanto à sua definição. Contudo, a partir da observação seminal de David Harvey de que "alguma coisa significativa mudou no modo como o capitalismo tem estado a funcionar desde cerca de 1970" (Harvey, 1989:192), um conjunto de características distintivas do conceito pode ser revelado. Krippner (2005:174), de acordo com O longo século vinte de Arrighi, define-a como um padrão de acumulação na qual os lucros aumentam primariamente através de canais financeiros ao invés do comércio e da produção de mercadorias. Segundo Epstein (2005:3) "financiarização significa o papel crescente de motivos financeiros, mercados financeiros, actos financeiros e instituições financeiras na operação de economias internas e internacional". No que se segue, de um modo mais vasto, podemos considerar financiarização como um fenómeno que pode ser descrito pelo crescimento dos motivos financeiros, do volume e do impacto de actividades financeiras dentro e entre países. Como sublinham Duménil e Lévy (2004ª), "o que está em causa aqui não são mercados e estados em si, mas a sujeição mais estrita destas instituições ao capital: por um lado, a liberdade do capital para actuar de acordo com os seus próprios interesses com pouca consideração pelos trabalhadores assalariados e as grandes massas da população mundial e, por outro lado, um estado dedicado à aplicação desta nova ordem social e a confrontação com outros estados".

A estes vastos contornos de expansão capitalista acrescentaremos duas hipóteses a fim de formular uma análise coerente da actual derrocada global: (i) as crise, muitas vezes seguidas por períodos de expansão e euforia selvagens, são parte das características anárquicas do modo de produção capitalista, através das quais o capital, falando historicamente, não tem hesitado em impor transformações custos que muitas vezes culminam naquilo que Rosa Luxemburgo denominou como guerras correctivas; e (ii) desde que o principal propulsor do capital é a sua busca do lucro, é de importância fundamental que entendamos o caminho real da taxa de lucro a sinalizar a aceleração e o fim dos episódios de acumulação capitalista com crises recorrentes.

Este documento agregará estes dois princípios na sua tentativa de inquirir acerca da natureza e das causas do actual colapso da riqueza das nações. No que se segue, começo com uma investigação das causas estruturas da crise global na próxima secção. Então, apresento e elaboro algumas das estatísticas chave da história global do capitalismo, tanto no seu centro como na periferia. O documento prolonga-se com a taxonomia das crises de pós financiarização e conclui com uma visão geral das lições destiladas até aqui, complementadas com prognósticos quanto ao futuro.

SOBRE AS RAÍZES ESTRUTURAIS DA CRISE GLOBAL

Não há dúvida de que um episódio de expansão seguido por uma crise à escala global não é o primeiro experimentado pelos humanos na sua história económica. Temos testemunhado, ao longo de uns 600 anos de capitalismo [NR1] , muitos de tais episódios envolvendo expansão maciça de riqueza conduzida pela acumulação de capital à escala global, mas seguidas por crises severas com ajustamentos onerosos e muito frequentemente por guerra devastadoras. É importante notar, contudo, que tais processos de expansão global e crise nunca foram na forma de simples reprodução e recorrência cíclica. Sob cada expansão cíclica – episódio de crise tem havido um elemento de direccionalidade com a emancipação de padrões mais vastos de acumulação expandida, expansão tecnológica e profundidade financeira.

As noções de ondas de longa duração já foram notadas pelo modernos sistema de referência marxiano, muitas vezes consideradas sinónimas dos trabalhos de Nikolai Kondratieff. Seria esclarecedor em primeiro lugar buscar a conceptualização apresentada por Giovanni Arrighi na sua obra de 1994 The Long Twentieth Century . Baseando o seu sistema de referência teórico na noção marxista de produção expandida através do circuito M – C – M', Arrighi argumenta que a expansão capitalista em acumulação material pode ser descrita primeiro por investimentos de capital líquido , M, a serem transformados a seguir em capital constante, C. Conduzido por novos avanços tecnológicos, os investimentos em novas indústrias precisam que o capital seja atado a investimentos fixos irreversíveis. É o aumento dos retornos desta irreversibilidade de C que estabelece as condições para uma elevação nos lucros e para a expansão global. Quando este processo se aprofunda, entretanto, inicia-se a rivalidade inter-capitalista; a competição feroz estrangula oportunidades de lucro; as inovações tecnológicas perdem força e esgotam-se; as taxas de lucro sobre o capital constante caem. Neste caso indústrias velhas precisam ser desmanteladas; novos turnos de liquidação tornam-se necessários. O capital procura liquidez, mobilidade e maleabilidade. É nessa altura que um novo turno de financiarização é revigorado quando o capital constante é dilacerado em novo capital líquido, M'.

Este processo de destruição criativa schumpeteriana é muitas vezes acompanhado – e tornado possível – por uma "guerra correctiva" e a substituição da antiga hegemonia por uma nova. Assim, Arrighi sustenta que a ascendência das finanças sobre a indústria não é uma nova etapa do capitalismo, mas sim um fenómeno recorrente, uma fase dos ciclos mais longos do desenvolvimento capitalista que começou no final da Idade Média e princípio da Europa moderna (Arrighi, ibid, p. xi).

Com base nesta visão Arrighi esboça quatro ciclos sistémicos de acumulação – maturidade – crise, cada um deles dominado e administrado sob os auspícios de um estado hegemónico: um ciclo genovês (do século XV ao princípio do XVII); um ciclo holandês (do fim do século XVI ao fim do XVIII); um ciclo britânico (do fim do século XVIII ao princípio do XX); e um ciclo estado-unidense (princípio do século XX até esta data). Mas, como foi notado acima, nenhum destes ciclos foi constituído por movimentos recorrentes regulares. Arrighi argumentou que cada novo ciclo era mais curto; cada nova hegemonia mais poderosa e agressiva; e cada nova financiarização mais complexa. A isto devemos acrescentar uma característica distintiva da crise actual que é muito significante: a actual crise global é o primeiro de tais episódios na história humana na qual o "dinheiro" (e por extensão todos os activos financeiros) não têm uma unidade de valor padrão, tal como o ouro, contra a qual o seu valor possa ser medido objectivamente. A crise irrompeu sob condições em que as divisas têm apenas valores "fiduciários" ("fiat") e a financiariação avançou sob um sistema de "fé" em valores virtuais independentes de um padrão ouro – ou de qualquer outro metal.

Em suma, sob o actual episódio de crise não existe qualquer âncora para o valor nominal do dinheiro.

Esta característica leva o mundo capitalista a um problema fundamental. Sob condições de indeterminação do "verdadeiro" valor objectivo do dinheiro no sistema global torna-se virtualmente impossível determinar os valor de todos os restantes activos financeiros – quer sejam confiáveis ou "tóxicos" – nos mercados financeiros globais. Sob condições de moeda fiduciária (fiat monies), a avaliação de um activo financeiro repousa unicamente em expectativas, um mundo de fazer fé em esperados retornos positivos. Assim, expressões neste mundo tais como "gestão de expectativas", ou "governação crível" vêm para o primeiro plano em todas as tentativas de puxar o sistema para fora da crise. Em última análise isto é devido a esta impossibilidade de que os "verdadeiros" custos da crise possam ser medidos e que a magnitude dos planos de resgate possa ser computada.

Em contraste, na arquitectura financeira concebida no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, em Bretton Woods, aldeia de New Hampshire, os EUA tiveram êxito em manter uma tal âncora nominal: o US dólar estava ligado ao padrão ouro e todas as divisas principais estavam ligadas ao US dólar através de taxas de câmbio fixadas. Além disso, foi estabelecido um Fundo Monetário Internacional (FMI) para superintender as taxas de câmbio correntes e fornecer crédito barato (e aconselhamento!) a fim de ultrapassar quaisquer problemas individuais de balança de pagamentos. Assim, sob o sistema de Bretton Woods a âncora nominal que em última análise determinava o valor objectivo do dinheiro foi o primeiro sistema de taxa de câmbio ligado indirectamente ao ouro sob a dominância do US dólar. Desta maneira a especulação com divisas, e assim a incerteza e o risco, foram extirpados do sistema financeiro global. Nas palavras do arquitecto, o próprio John Maynard Keynes, "as finanças tornaram-se, e devem ser, um assunto nacional".

O sistema Bretton Woods pós 1950 também coincidiu com uma visão relativamente tolerante em relação aos rendimentos dos assalariados e a um período de paz relativa entre o capital e o trabalho assalariado. Conduzido e supervisionado pela filosofia de um estado previdência, o período pós 1950 testemunhou a emergência do liberalismo entranhado, em que cada nação estado havia assumido a tarefa primária de combater o desemprego e proporcionar serviços públicos baratos e de âmbito vasto tais como saúde e educação gratuitas para os seus cidadãos – mas tudo sob o âmbito do "sistema de mercado". O modelo de industrialização do período em última análise era fordista, repousando sobre a noção de "produção em massa para consumo em massa". Este modelo basicamente encarava os salários não apenas como um ítem de custo mas também – e talvez mais ainda – como um ítem de rendimento, abrindo caminho para atitudes mais tolerantes em relação às exigências salariais de poderosos sindicatos de trabalhadores.

De 1950 a 1974 o mundo capitalista viveu um período de taxas de crescimento sem precedentes. Conduzido por uma estrutura fiscal e monetária expansionista nas metrópoles, a economia mundial expandiu-se à taxa de 2,9% ao ano durante este período. Além disso, os países pobres da Ásia, África e América Latina experimentaram, pela primeira vez na história, uma ascensão global nos seus rendimentos per capita. Com base principalmente nestas características, o episódio 1950-974 do capitalismo veio a ser mencionado como a "idade de ouro".

Contudo, em simultâneo a estes desenvolvimentos, as leis de ferro do capitalismo estavam a funcionar. A intensa acumulação de capital fortaleceu quedas inevitáveis na taxa de lucro. Além disso, como a produção era executada numa escala maciça com base nas tecnologias padrão da linha de montagem fordista, novos competidores do Japão e de partes da periferia, como a Coreia, Taiwan, Tailândia, Brasil e Espanha emergiram como novos centros de competição fez. A partir de meados dos anos 60 quando a taxa de lucro começou a minguar por todo o mundo ocidental, estava claro que o fim da era dourada estava próximo. A expansão da acumulação de capital precisava de taxas de retorno sempre mais elevadas; mas o capital ainda era mantido relativamente imóvel dentro das fronteiras nacionais sob o sistema de Bretton Woods.

O FIM DA "ERA DOURADA", RE-FINANCIARIZAÇÃO DO CAPITAL

A história recente revela os conflitos internos da produção/acumulação fordista que promovia "a produção em massa para o consumo em massa" e o seu acompanhamento financeiro – o sistema de Bretton Woods, que tratava "as finanças como uma questão nacional", emergira no princípio da década de 1970. Os limites políticos e económicos da era dourada foram atingidos. Até então o mundo capitalista estivera à procura de novos meios de expansão a fim de ultrapassar a ameaça do subconsumo e da superprodução. Mas estava num impasse entre as exigências de manter altos rendimentos reais para a classe trabalhadora, por um lado, e manter a lucratividade, por outro. A agravar este dilema, o sistema financeiro não era capaz de diversificar as suas carteiras sob um regime de taxas de câmbio fixas e mercados financeiros regulamentados. O capital financeiro era cativado pelos sonhos de plena mobilidade como existira nas últimas décadas do século XIX, a belle epoque.

Foi ainda durante este período que os bancos ocidentais arrecadaram enormes somas de petrodólares originários das receitas da OPEP decorrentes dos choques nos preços do petróleo. Uma segunda fonte de acumulação de fundos ociosos eram os fundos de aposentadoria em expansão da geração baby boom. Todos estes fundos estavam em busca de taxas de retorno excelentes, as quais, aliás, não eram formidáveis sob o sistema Bretton Woods estritamente regulamentado. Não demorou para que fossem ouvidas as trombetas do "Fim da repressão financeira!", através das obras de McKinnon (1973) e Shaw (1973), que apelavam à desregulamentação, liberalização e flexibilidade.

Vários indicadores e níveis de manifestação haviam sido avançados na literatura para explicar estes factos. Orhangazi (2008), por exemplo, baseou as suas teorias da financiarização da economia dos EUA nos seus cálculos da taxa de lucro das corporações não financeiras ao longo do pós-guerra. Como se revela na Figura 1, Orhangazi relata um declínio secular das taxas de lucro de corporações não financeiras que começavam após a segunda metade da década de 1980. Após um extenso período de reestruturação ao longo da década de 80 sob a teoria económica do lado da oferta de Ronald Reagan e Paul Volcker, verificou-se que a lucratividade ascendeu.

Figura 1.

As descobertas de Orhangazi também se reflectiram em Duménil e Lévy (2006, 2004a e 2004b). Na sua análise da lucratividade do capital nos EUA e na Europa, Duménil e Lévy (2006) relatou acerca do comportamento da taxa de lucro quando medida pelo rácio do produto líquido menos custo do trabalho com o valor do stock de capital físico. Os dados de Duménil e Lévy também corroboram os de Orhangazi, com uma tendência ainda mais pronunciada. Os padrões de lucratividade pós 1980 revelam claramente um grande progresso para o capital.

Figura 2.

O que se esconde por trás da trajectória da lucratividade agregada na Figura 2 é a ascendência das finanças sobre a indústria. Para explicar plenamente os padrões divergentes da lucratividade das finanças sobre os da indústria, Duménil e Lévy (2006) apresentam uma análise mais pormenorizada. Nas Figuras 3a e 3b, somos agora confrontados com um outro quadro: é realmente a ascensão dos retornos financeiros que puxa a lucratividade agregada. Quando a estagnação das taxas de lucro industrial se aprofunda, a ascensão das oportunidades de lucro financeiro compensa tais perdas. A financiarização foi, então, a principal resposta do capital na sua busca de expansão, de lucros e mais uma vez de expansão.

Figura 3a.

Figura 3b.

Com o colapso do keynesianismo, começou o arranque da reestruturação neoliberal. Conceitos tais como "credibilidade", "governação", "transparência" entraram no jargão da teoria económica, assim como as expressão "economias em desenvolvimento" foi substituída por "novas economias de mercado emergentes" e de classe tais como "burguesia industrial" ou "capital financeiro" foram postas de lado para serem substituídas pelo conceito neutro de "actores".

Nesse meio tempo, com o advento da financiarização, o curto-prazismo e a natureza altamente volátil das finanças em alta estavam presentes de forma viva. Como Petras e Weltmeyer (2001:17) relataram, nos mercados globais durante o final da década de 1990, para cada US$1 de transacção verificada no sector real, observava-se o sector financeiro utilizar um volume de transacção que atingia os 25-30 dólares. Como principal actor das finanças internacionais, o sector bancário havia diversificado as suas operações internacionais rapidamente e aumentara os seus créditos internacionais ao mundo em desenvolvimento de US$32 mil milhões em 1972 para US$90 mil milhões em 1981 (Strange, 1994. 112).

Contudo, quando as finanças não regulamentadas levaram a ciclos de bolha insustentáveis, isto pôs em evidência a natureza anárquica do capitalismo. Como sublinhei nos parágrafos de introdução deste ensaio, depois de 1971 a história humana entrou numa fase inteiramente nova de um sistema monetário no qual não existe qualquer padrão objectivo de valor para determinar o preço do dinheiro e de outros activos financeiros. Desde 1971 o US dólar saiu do padrão ouro e todas as divisas no mundo capitalista estão a operar com valores fiduciários. Como tais, os valores são na base da confiança; a serem governados por "expectativas" e pelos "jogos especulativos" efectuados nos casinos financeiros do capitalismo. Num tal mundo, é inevitável que as bolhas sejam conduzidas pelas corridas de touros para alturas sem precedentes com base em expectativas positivas, para explodirem dentro das veias com as sombrias visões dos ursos. Talvez seja a primeira vez na história humana em que o capitalismo teve êxito em criar ganhos monetários de valor sem qualquer discurso sobre produção; isto é, o circuito M – M' aparentemente substituiu o esquema tortuoso do M – C – M'. Em termos comuns, o génio estava fora da garrafa.

A Figura 4 ilustra estes pontos resumidamente. Adaptado de Duménil e Lévy (2006 e 2004a) a figura traça o valor líquido das corporações financeiras nos EUA em comparação com o das corporações não financeiras. Os meados da década de 1980 revelam-se mais uma vez como o ponto de viragem em que os valores das corporações financeiras ultrapassam os valores das não financeiras.

Figura .

A ASCENÇÃO E A QUEDA DA GLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL

O termo "globalização" ergue-se como o conceito hegemónico da ideologia neoliberal, reflectindo um dos principais ítens da actual agenda da economia política. Esta palavra da moda parece ter um poder espiritual em si própria pois proporciona uma concentração de força que dirige o nosso discurso diário sobre relações económicas, sociais, políticas e culturais.

O conceito é revelado sobretudo como parte de um moderno projecto de "cidadania" juntamente com referências a slogans como "ser um cidadão da aldeia globalizada" e "ajustar às necessidades dos mercados globais". Neste sentido, o próprio termo tem um significado conceptual dual: uma definição e uma receita política. Como definição, a palavra refere-se à integração acrescida dos mercados de commodities e financeiros do mundo e aos seus valores culturais e sociais. Dentro do contexto desta definição, liberalização do comércio de mercadorias e dos fluxos financeiros resulta nas mais estreitas implicações económicas do processo de globalização. A um nível mais geral, este processo implica "... um programa para destruir estruturas colectivas, as quais podem impedir a pura lógica do mercado" (Bourdieu, 1998). A fim de santificar o poder dos mercados em nome da eficiência económica, esta "máquina infernal" exige a eliminação de barreiras administrativas ou políticas as quais limitam os proprietários de capital na sua busca pela maximização do lucro individual, o qual, por sua vez, tem sido afirmado como o supremo indicador da racionalidade" (ibid.).

Assim, o conceito também cobre uma lista de acções de política económica e social que são consideradas necessárias para um país "abraçar" a globalização. Apresentada sob a expressão "Consenso de Washington", estas condicionalidades frequentemente são impostas como parte dos programas de austeridade concebidos pelo FMI e pelo Banco Mundial.

Em consequência, numa economia de mercado sob competição capitalista, a taxa de lucro (ou, mais geralmente, a taxa de retorno para o capital) é apregoada como o objectivo supremo e o aparelho de estado deve ser reorganizado para assegurar a mais alta lucratividade do capital. Esta reorganização destina-se a reduzir o papel do sector público na regulação da economia e é vestida com a retórica de expressões como "governação" e "governos críveis, orientados para o mercado".

A afirmação principal da retórica da globalização repousa no seu argumento de que "a globalização é o produto natural da história humana e como tal é inevitável". Portanto, todos os países deveriam seguir as políticas necessárias (muitas vezes denominadas como reformas estruturais) para aproveitarem-se deste processo mágico. Só então os prémios da globalização se seguiriam para aqueles países que tivessem êxito em implementar tais reformas. Dada esta lógica, a principal responsabilidade dos países em desenvolvimento é abrir as suas economias ao capital internacional e implementar as reformas necessárias permitidas pelas companhias transnacionais e pelas instituições financeiras internacionais.

Podemos então deduzir três aspectos interligados do capitalismo global na actual conjuntura: reestruturação neoliberal, globalização neoliberal e financiarização. A reestruturação neoliberal tem sido propagada com os contra ataques do monetarismo e da economia do lado da oferta nas mãos de Ronald Reagan nos EUA, Kohl na Alemanha, Margaret Thatcher no Reino Unido e Özal na Turquia. O assalto atingiu o seu auge na década de 1990 com a retórica do "fim da história" quando todas as questões foram declaradas estarem respondidas, todas as incógnitas estarem para trás e de que o mundo estava numa caminho sustentado rumo à felicidade global.

Com a ascensão da globalização, a mobilidade do capital foi potenciada a uma escala mundial. Estima-se que a abertura da China e da Índia aos mercados globais e o colapso do sistema soviético em conjunto acrescentaram 1,5 mil milhões de novos trabalhadores à população do mundo economicamente activa (Freeman, 2004, Akyuz, 2008). Isto significa quase uma duplicação da força de trabalho global e uma redução do rácio capital-trabalho global à metade. Em concomitância com a emergência dos países em desenvolvimento no comércio manufactureiro global, cerca de 90% do trabalho empregado no comércio mundial de mercadorias é de baixa qualificação e não qualificada, sofrendo com a marginalização e também com demasiado frequentes violações de direitos básicos do trabalhador em mercados informalizados (ver, por exemplo, Akyuz, 2008 e 2003, Akyuz, Flassbakc e Kozul-Wright (2006)).

Sob estas condições, um grande número de países em desenvolvimento sofreu desindustrialização, séria informalização e consequente pioria da posição do trabalho assalariado, resultando numa deterioração da distribuição do rendimento e na pobreza acrescida. Muitos destes fenómenos verificaram-se em tandem com o despontar de condicionalidades neoliberais impondo rápida liberalização do comércio e desregulamentação prematura dos mercados financeiros indígenas. Porto, por todas as economias, industrializadas ou periféricas, os rendimentos salariais entraram em colapso; a fatia do rendimento do trabalho assalariado no produto agregado interno caiu e os excedentes assim apropriados alimentaram a ascensão dos lucros corporativos. A financiarização mais uma vez significou a inflação desta bolha dentro de valores impostos como matéria de fé.

O assalto do capital aos rendimentos do trabalho tem sido uma observação comum a todas as economias do globo. Mas é talvez o aspecto mais visível da economia estado-unidense. Historicamente os Estados Unidos sempre foram reconhecidos como uma economia com fortes camadas médias, graças à força dos seus rendimentos salariais. Mas tudo isso mudou abruptamente sob a reestruturação neoliberal. Testemunho disso são, por exemplo, os dados retratados na Figura 5. Adaptada de dados do Economic Policy Institute (EPI) e com cálculos apresentados por Wolf e Resnick (2006), a Figura 5 descreve a evolução das taxas de salário semanal na economia estado-unidense como médias de dez anos desde 1820.

Os dados retratados na Figura 5 são espantosos. Após uma ascensão secular sustentada nos salários reais durante 150 anos, o trabalho nos EUA foi, pela primeira vez na sua história, confrontado por uma contracção nas suas remunerações. O trabalho estado-unidense manteve aumentos salariais positivos mesmo sob as condições da Grande Depressão da década de 1930, ou sob os dias turbulentos da era da revolução – a década de 1950. O colapso dos rendimentos do trabalho sob a reestruturação neoliberal foi executado num escala maciça e sem precedentes ao logo do fim da década de 1970 e de toda a década de 1980.

Figura 5.

Contudo, a questão candente acaba por ressurgir: uma vez que os rendimentos do trabalho foram contraídos em tamanha escala, como seria possível assegurar suficiente procura para os produtos produzidos? Dada a lógica do capitalismo, o trabalho assalariado é tanto um componente da procura final como é também um ítem de custo. Portanto, a busca de lucros sempre mais altos por meio do esmagamento do excedente retirado de custos salariais suprimidos leva necessariamente a períodos de insuficiência de procura, culminando finalmente na queda de receitas brutas. Este dilema da insuficiência da procura e da superprodução é uma manifestação directa do carácter anárquico do capitalismo.

Foi nesta conjuntura que a introdução de instrumentos de dívida sob a financiarização pós 1980 permitiu às camadas médias manterem as suas posições como um dos componentes da procura final. Durante um período de rendimentos correntes em queda, instrumentos de dívida recém-criados com várias opções de endividamento ajudaram a classe trabalhadora americana – e de outros lugares – a fazer parte da cultura consumista. Quando poupanças privadas caíram para rácios negativos em relação ao produto interno bruto, as dívidas familiares acumularam-se rapidamente. A financiarização, portanto, não foi um momento oportuno só para os capitalistas como classe compensarem a perda de lucratividade industrial, mas significou também poder de consumo expandido para a classe trabalhadora a qual de resto experimentava perdas de rendimento significativas.

A fim de estudar os desequilíbrios estruturais deste novo episódio, temos de notar que a financiarização se refere de facto a um processo em que valores criados previamente são re-valorizados. Por outras palavras, as actividades financeiras não criam novos valores, mas admitem uma revalorização dos valores criados alhures nos sectores reais da agricultura, manufactura ou construção. Não há dúvida de que este processo de revalorização cria lucros financeiros positivos; mas tais lucros não correspondem de modo algum a valores recém criados no mundo material. É esta revalorização que é designada por bolhas financeiras.

Esta prosperidade continuou enquanto a fachada de torres de papel pôde ser sustentada. Foi finalmente o crash de 2007/2008 no mercado habitacional dos EUA que disparou o seu colapso [1] . Para apreciar as formas que actuavam, vamos recordar as propriedades no fio da navalha da produção e dos fluxos comerciais do mundo em 2006. Na Tabela 1 a economia global é segmentada em três regiões: a América do Norte fornece US$12,4 milhões de milhões do produto interno bruto agregado do mundo (35%) e cumpre US$1,2 milhão de mihões das exportações totais (aproximadamente 15%). As economias europeias geram 31,6% do produto bruto mundial e 45,7% do comércio global. Os novos "tigres" do capitalismo, a Ásia do Leste e do Sul, produzem 20,2% do rendimento agregado mundial e sustentam 24% do seu comércio.


 
PIB total
(US$10 12 )
Em proporção
ao agregado mundial
(%)
Exportações
totais
(US$10 12 )
Em proporção
ao agregado mundial
(%)
América do Norte 12,4 34,1% 1,2 15,9%
Europa 11,5 31,6% 3,3 45,7%
Ásia do Sul e do Leste 7,4 20,2% 1,8 23,9%
Fonte: Dicken, Peter (2007) Global Shift: Mapping the Changing Contours of the World Economy, The Fifth Ed. New York: Guilford Press.

O pormenor oculto nos dados apresentados na tabela 1 é este: a partir de 2006 a região norte-americana, enquanto produziu um terço do produto global, teve US$188 mil milhões de valor das exportações para a Europa e importações de US$317 mil milhões dali. As exportações da América do Norte para a Ásia do Sul e do Leste montaram a US$219 mil milhões, ao passo que as suas importações foram de US$428 mil milhões. Estes números significam, para os EUA e o Canadá em conjunto, um défice comercial de US$129 mil milhões com a Europa e US$209 mil milhões com a Ásia. Quando a América do Norte absorveu estas importações baratas no seu mercado interno ela também teve êxito em manter os salários baixos e influxos de bens intermediários baratos para os seus produtores. O que os norte-americanos tinham para oferecer em retorno eram cargas de "novos instrumentos" de finanças e uma divisa "fiduciária".

Quando a América foi transformada numa economia de finanças e serviços, a produção de manufacturas comutou para fábricas do mundo para serem comercializadas nas zonas da Ásia de processamento de exportações e nas maquiladoras da América Latina. Os produtos manufacturados nestes regiões, por outro lado, foram trocados com "papeis" criados nas mesas do casino da Wall Street. Contudo, a valorização deste papeis em última análise repousava sobre expectativas especulativas e crenças imaginárias de valores fictícios. Os eventos de 2007/2008 significou o colapso desta fábula de crença fabricada, enquanto conceitos como "activos tóxicos" e "créditos subprime" emergiram como as descrições características desta era.

DUAS GERAÇÕES DE CRISE SOB A ERA DA FINANCIARIZAÇÃO

Os economistas da corrente predominante habitualmente arrumam os episódios de crise de países individuais em termos de gerações, baseados em certos pontos em comum. Para seguir o exemplo, proporei que desde a emancipação da financiarização do capitalismo global ao longo aproximadamente do último quarto do século XX, testemunhámos grosso modo duas gerações de crises financeiras. A primeira destas irrompeu tipicamente nas economias de mercado emergentes do México em 1994, Turquia em 1994 e outra vez em 2001, Brasil em 1998, Argentina em 2001 e naturalmente a epidemia asiática de 1997. Quase todas elas foram explicadas, de um modo ou de outro, por uma forma de risco moral (moral hazard) – falta de regulação "prudente" e incentivos enviesados originados da expectativa de que os tomadores de risco eram demasiado grandes para fracassar.

Portanto, nesta primeira geração de crises de financiarização elas irrompiam devido principalmente à liberalização financeira prematura; a falta de governação; a falta da regra da lei; etc. Tipicamente, países que haviam sido atraídos pelos chamados das trombetas do "fim da repressão financeira; saudar os livres mercados financeiros" (a la McKinnon, 1973, e Shaw, 1973), liberalizaram os seus sectores financeiros demasiado prematuramente e demasiado às pressas sem qualquer respeito pelos seus fundamentos macroeconómicos. Nestas economias a consequência da desregulamentação da conta capital muitas vezes levou a taxas de juros acrescidas. Com base na motivação de combater o "medo da fuga de capital", este compromisso estimulou novos influxos estrangeiros e a divisa interna valorizou-se convidando a um ainda mais nível de capital a curto prazo e influxos de hot money para dentro de mercados financeiros internos fracos. Sob estas condições de prosperidade inicial da dívida, financiada publicamente (exemplo: Turquia) ou privadamente (exemplo: México, Coreia), os gastos escalam rapidamente e desfazem a fragilidade dos fracos mercados financeiros do país hospedeiro. Finalmente a bolha explode e uma série de severos e onerosos macro ajustamentos são decretados através de taxas de juros reais muito altas, desvalorizações consideráveis e um duro entrincheiramento da procura agregada acompanhado pelas saídas do "hot money" a curto prazo. Elementos deste círculo vicioso são pormenorizados em Adelmann e Yeldan (2000), Calvo e Vegh (1999), Dornbusch, Goldfain e Valdés (1995), Diaz-Alejandro (1985) e mais recentemente referido como o Ciclo Dias-Alejandro-Taylor em Köse, Senses e Yeldan (2008) (a seguir a Diaz-Alejandro (1985) e Taylor (1998). Um esquema de tais eventos é retratado na Figura 6.

Figura 6.

As características da variedade de crises da primeira geração tipicamente envolvem o seguinte: (i) O mercado de capitais internacional foi a principal fonte de choques; (ii) Os fluxos originaram-se em grande medida do sector privado e por ele foram recebidos; (iii) As crises financeiras atingiram principalmente economias de mercado emergentes que eram consideradas altamente confiáveis e com êxito; (iv) A ascensão de influxos de capital foi caracterizada por uma falta de regulamentação, tanto do lado da oferta como da procura.

Não é grande coisa as pistas que se podem destilar do texto acima para prognosticar [o desenvolvimento] da actual crise global. A crise actual ultrapassou claramente as estreitas geografias dos mercados emergentes do Terceiro Mundo e as suas origens radicam não nas anedotas do risco moral, mas vão muito mais fundo: à própria estrutura do sistema financeiro global. Embora as esferas de produção, comércio e finanças estejam obviamente inter-conectadas, as origens da crise financeira de hoje não têm raízes nas taxas cadentes de lucratividade como foi o caso das crises dos fins da década de 1970, nem nos padrões de comércio que emergiram desde então. É uma amálgama de todas estas esferas em operação; é a mistura de todos os elementos do sistema; é, em suma, a própria lógica capitalista!

Para realçar o significado tanto da profundidade como da complexidade do episódio da crise actual, forjarei a expressão "segunda geração de crises de financiarização". Em acréscimo aos muitos aspectos que foram destacados nas páginas acima deste documento, uma diferença chave nos modos de ajustamento está clara: a primeira geração de crises reflectiu principalmente o comportamento de tomada de risco excessivo com base em oportunidades de risco moral e levou a um colapso espectacular dos mercados financeiros com uma forte dose de depreciação de divisa, disparo de taxas de juro e uma contracção abrupta do produto. As guinadas da crise foram muito profundas mas estreitas, as contracções foram agudas mas a sua duração foi relativamente curta. O que observamos acerca da fase actual da segunda geração de crises, contudo, é que o seu impacto é prolongado e lento, ao invés de uma queda espectacular experimentamos um longo entrincheiramento; a chegada dos ajustamentos é lenta. Para descrever este rumo dos acontecimentos, muitos analistas apontam para a analogia de que o modo dos ajustamento provavelmente implicará uma viragem tipo "U", ao invés de um rápido "V", ao passo que muitos outros estendem a analogia para um tipo "L" de uma estagnação prolongada, com ajustamentos ainda a serem vistos...

COMENTÁRIOS CONCLUSIVOS:   O QUE SE SEGUE PARA O CAPITALISMO?

O que se pode esperar para o mundo capitalista a seguir à actual crise global? Dentro de uma perspectiva mais vasta pode-se conjecturar duas possíveis trajectórias. Primeiro, dado o colapso global do sistema de valor financeiro, a reconstrução dos padrões de comércio pode ser forçada através da coerção. O excedente económico que tem sido constantemente criado no trabalho barato abundante das fábricas da Ásia do Sul e do Leste pode ser destruído. Se a venda no mercado deste excedente em troca dos papeis agora intoxicados finalmente fracassar, então o seu "consumo" apelará necessariamente a medidas coercivas não-económicas no âmbito de uma possível guerra. Nas conjunturas dos episódios anteriores de financiarização do capitalismo, os ciclos de subconsumo/superprodução foram "resolvidos" por meio de uma guerra globalmente devastadora. A literatura marxiana sobre crises, notavelmente Rosa Luxemburgo, destaca a necessidade de uma "guerra correctiva" a fim de romper com as instituições "velhas", a tecnologias "velhas" e os métodos de acumulação "velhos". No nosso actual contexto, as guerras locais que irromperam no fim da década de 1990 nos Balcãs e continuaram com a retórica da "guerra ao terror" no Iraque e no Afeganistão, possivelmente estender-se-ão sobre o Irão e o Paquistão, mencionados como assinalados para tais guerras correctivas.

Uma segunda possível mudança para a saída da crise actual pode também envolver uma reestruturação global não apenas dos centros de produção como também dos centros administrativo/financeiros do capitalismo global para novas geografias. Isto implica um processo que alguém poderia chamar a emergência do capitalismo do terceiro mundo. Mas, dadas as características que uma tal mudança até agora, o capitalismo do terceiro mundo implica exploração agressiva não só do trabalho como também dos recursos naturais e das riquezas ambientais do nosso planeta. As ameaças ambientais e os custos humanos de um assalto tão violento do capitalismo demonstrar-se-á devastadora e horrenda. Além disso, uma tal reestruturação dos centros do capitalismo global provavelmente não será uma transição suave e poderá disparar medidas de contra-ofensiva das actuais potências hegemónicas – os EUA, o Reino Unido e a Europa.

Sejam quais forem as opções que alguém possa considerar dentro do capitalismo, uma reavaliação realista dos possíveis cenários parecem esgotar todos os apelos para o optimismo. Não se pode deixar de recordar o brado de Rosa Luxemburgo há quase 100 anos atrás: "ou a barbárie, ou o socialismo".

REFERÊNCIAS

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[1] A maior parte das descrições refere-se ao colapso do Lehman Brothers em 15 de Setembro de 2008 como o principal ponto de viragem da crise global; mas no nosso entender o início foi anterior, em 9 de Agosto de 2007, quando o banco francês BNA se recusou a conceder novo crédito ao mercado habitacional dos EUA dados os sinais vacilantes.

[NR1] Parece discutível remontar 600 anos a história do capitalismo. Muitos consideram que principiou entre 1760-1820, quando na Grã-Bretanha se verificou a privatização de terras até então comunais (enclosures).


[*] Investigador, da Bilkent University, Ancara, yeldane@bilkent.edu.tr

O original encontra-se em www.peri.umass.edu/fileadmin/pdf/working_papers/working_papers_151-200/WP197.pdf

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
23/Jul/09