Enquanto Roma ardia, o imperador tocava violino
No momento em que o castelo de cartas das finanças globais implode, Bush
e o Congresso tocam violino e Bernanke "Fedles"
[1]
. Quando as
hipotecas subprime entraram em incumprimento, os títulos apoiados por
dívida quebraram e o crédito contraiu-se por toda a parte. O
investimento nos negócios contraiu-se então, assim como os gastos
do consumidor. A recessão agora assoma nos EUA, se é que
já não está aqui. Aprofunda-se a
preocupação de que ela possa tornar-se muito má e perdurar
por um longo tempo. Uma aterrorizada economia privada apela ao Estado, a
própria instituição que durante décadas ela
denunciara como uma intrometida inútil na economia. Líderes de
empresas privadas e seus porta-vozes nos media e na academia começam a
voltar atrás. Subitamente eles querem que o Estado aquela
esbanjadora, corrupta e inepta intrusão na eficiência da empresa
privada e nos mercados ("livres") desregulamentados intervenha
maciçamente na economia a fim de consertar a confusão feita pela
empresa privada.
O que eles quiseram e obtiveram de Bush e Bernanke foram passos muito limitados
que provavelmente irão fracassar. Eles não podem livrar-se na
noção neoliberal mesmo na crise económica de hoje
de que o melhor governo mesmo quando dele precisam com
urgência é aquele que faz o mínimo possível.
Assim, o Fed de Bernanke reduziu as taxas de juros para uma encolhida e chocada
comunidade de negócios e consumidores que já estão com
dívidas para além das suas capacidades e procuram reduzir o seu
endividamento quando se dirigem para maus tempos económicos. Taxas de
juro mais baixas provavelmente não estimularão a tomada de
empréstimos e os gastos do modo como o fizeram antes em muito diferentes
e melhores circunstâncias.
Enquanto isso, Bush e o Congresso estão a colaborar num plano de
"estímulo" cujos maiores componentes são
devoluções
(rebate)
de pagamentos de impostos passados a empresas e indivíduos. Mais uma
vez, as empresas provavelmente não se apressarão a investir
(gastar) os impostos devolvidos pela mesma razão porque têm estado
a reduzir os seus investimentos ao longo dos últimos meses:
nomeadamente, porque as perspectivas de fazer lucros agora são algo
entre fracas e não existentes. Se os negócios não
gastarem os seus impostos devolvidos em mais bens e serviços, mais
não será produzido, de modo que mais pessoas não
serão contratadas e os maus tempos económicos actuais não
serão revertidos.
Os consumidores a cambalear sob dívidas inadministráveis
estão também mais propensos do que nunca a utilizarem os impostos
devolvidos para reduzirem as suas dívidas. Um recente inquérito
de opinião da Associated Press-Ipos perguntava o que os americanos
planeavam fazer com os impostos devolvidos: 45 por cento disseram que
repagariam dívidas; 32 por cento pouparia ou investiria em
títulos, e apenas 19 por cento planeava gastar em bens e
serviços. Aqueles poucos consumidores que gastariam as
devoluções fiscais em bens iriam gastá-las, mais do que
nunca, em bens de consumo importados. Portanto o iminente consumo acrescido
que ocorra irá estimular desproporcionadamente não os EUA mas sim
a economia chinesa bem como as economias de outras fontes de bens de consumo
importados pelos EUA.
Assim, o quadro emergente é o sector privado da economia americana a
organizar-se para que o governo faça uma intervenção
minimalista, hesitante. Em parte isto é motivado pelo consenso
neoliberal, ferido mas ainda vivo, contra intervenções
governamentais no "mercado livre". A esperança é que
tais pequenos passos, de alguma forma, serão magicamente suficientes, de
modo que a dependência não desejada numa muito maior
intervenção maciça do Estado não venha a ser
necessária.
O que poderia ser uma tal intervenção mais forte? O Estado podia
efectuar os seus próprios gastos digamos em
habitação, escolas, centros de cuidados de dia,
instalações de saúde, etc Isto é, ao invés
de devolver impostos a empresas e pessoas que podem muito bem não gastar
esse dinheiro ou gastá-lo na importações de produtos de
outras economias, o governo podia gastá-lo directamente em bens e
serviços produzidos aqui. O Estado poderia também entrar na
própria produção, contratando trabalhadores e comprando as
ferramentas, equipamentos e matérias-primas necessárias para
aquela produção. Isto geraria rendimento para trabalhadores e
empresas assim como produziria bens socialmente necessários agora em
oferta escassa (habitação para os sem abrigo, boas novas escolas,
clínicas, etc). Ao fazer isto, o Estado não mais deixaria o
negócio do investimento à "livre escolha" de empresas
privadas. A "liberdade" das empresas para não investir
resultou em consequências sociais inaceitáveis (aprofundamento da
recessão). Com efeito, o Estado diria às empresas privadas:
vocês fizeram a confusão, de modo que agora ou investem o
suficiente para corrigi-la ou do contrário nós o governo
substituiremos ou complementaremos o investimento privado com investimento
público.
Todos estes passos e mais já foram adoptados anteriormente
na história americana em outras ocasiões em que a livre empresa
privada provocou desastrosos maus tempos económicos. O New Deal de
Roosevelt foi forçado à empresa privada por americanos que
não queriam mais esperar quando os passos hesitantes do governo,
demasiado poucos e demasiado tardios, demonstraram-se inadequados para reverter
a Grande Depressão no princípio da década de 1930. Em
2008, os fracassos de Bush e Bernanke concentrarão a
indignação de americanos sobre o próximo que venha a
seguir, seja McCain, Clinton ou Obama.
Naturalmente, neste tempo a história não certamente
não se repetirá da mesma forma. Muitos americanos já
entenderam o que deu errado no New Deal. Todas as suas conquistas
(segurança social,
regulação pelo Estado da indústria privada, obras
públicas e emprego público, seguro de desemprego, etc) sempre
foram interrompidas imediatamente antes de retirar aos conselhos de
administração das corporações privadas o seu
controle e utilização dos lucros. Aqueles conselhos de
administração portanto utilizaram os lucros ao longo das
últimas décadas primeiro para evadirem-se e depois para atacarem,
enfraquecerem e finalmente derrubarem a maior parte do que foi conquistado no
New Deal.
Assim, desta vez a maciça intervenção estatal
poderá muito bem expandir-se a fim de impedir os conselhos de
administração corporativos de mais uma vez utilizaram os lucros
para minar as regulamentações e intervenções do
governo. Tal expansão tanto pode ser de iniciativa do próprio
Estado como dos trabalhadores em cada empresa, que podem exigir o controle
sobre os lucros que, afinal de contas, foram gerados pelo seu trabalho.
Imagine isto: trabalhadores a insistirem em que, uma vez que os seus empregos,
comunidades e famílias dependem do que as corporações
fazem com os seus lucros e uma vez que o seu trabalho produz aqueles lucros,
eles querem que metade dos assentos no conselho de administração
de cada empresa sejam para trabalhadores democraticamente eleitos. Isto,
dirão eles, garantirá que os lucros sejam utilizados no
benefício de todos os dependentes da corporação:
não apenas dos administradores, directores e accionistas, mas
também dos trabalhadores que são, afinal de contas, a maioria.
Imagine isso.
[1] Fedles: Jogo de palavras intraduzível. Bernanke é o
presidente do Fed (banco central) e
fiddles
significa tocar violino.
[*]
Professor de Ciências Económica na Universidade de Massachusetts -
Amherst. Autor de
numerosos livros e artigos
, incluindo (com Stephen Resnick)
Class Theory and History: Capitalism and Communism in the USSR
(Routledge, 2002) e (com Stephen Resnick)
New Departures in Marxian Theory
(Routledge, 2006).
O original encontra-se em
http://mrzine.monthlyreview.org/wolff130208.html
. Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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