As ameaças dos negócios e o negócio das ameaças
Ouvimos cada vez mais que nada pode ser feito para tributar as grandes
corporações devido à ameaça de como responderiam.
Da mesma forma, não poderíamos travar suas burlas nos
preços ou mesmo os subsídios governamentais e os
alçapões fiscais de que desfrutam. Por exemplo: como as grandes
companhias de petróleo colhem lucros espantosos com os altos
preços do óleo e do gás, dizem-nos ser impossível
tributar os seus lucros inesperadas ou travar os milhares de milhões que
elas obtêm em subsídios do governo e em alçapões
fiscais. Parece não haver meio para que o governo assegure preços
de energia mais baixos ou imponha e aplique seriamente leis de
protecção ambiental. Analogamente, apesar da alta e rápida
ascensão nos preços dos medicamentos, dizem-nos que é
impossível aumentar impostos sobre companhias farmacêuticas ou
fazer com que o governo assegure preços de farmacêuticos mais
baixos. E assim por diante.
Dizem que tais passos do "nosso" governo são
impossíveis ou não aconselháveis. A razão: as
corporações então relocalizariam a produção
no exterior ou reduziriam suas actividades nos EUA ou ambos. E isso privaria os
EUA de impostos e empregos. Em bom inglês, as grandes
corporações estão a ameaçar-nos. Temos de
ajoelhar-nos e cortar programas sociais que beneficiam milhões de
pessoas (programas de empréstimos à educação
superior, Medicaid, Medicare, segurança social, programas nutricionais e
assim por diante). Não podemos pedir impostos mais altos ou
subsídios mais baixos ou menos alçapões fiscais para as
corporações. Não podemos pedir acção
governamental para reduzir seus preços em ascensão. E se o
fizermos, as corporações nos punirão.
Há três grupos que nos fazem essas ameaças dos
negócios. Primeiro, porta-vozes das corporações, os seus
servis relações-públicas pagos, transmissores das palavras
do alto (as salas dos concelhos de administração das
corporações). Segundo, políticos receosos de ofenderem
seus patrocinadores corporativos repetem publicamente o que os porta-vozes das
corporações lhes enviaram por email. Finalmente, vários
comentadores explicam as ameaças para nós. Isto inclui os
jornalistas perdidos naquele nevoeiro ideológico que sempre traduzem o
que as corporações querem no "senso comum". Os
comentadores também incluem os professores que traduzem o que querem as
corporações em "ciência económica".
Como se sabe, há sempre duas respostas possíveis a toda e
qualquer ameaça. Uma é dobrar-se, ser intimidado. É a que
mais frequentemente tem sido a "escolha política" dominante do
governo dos EUA. Esta é a razão porque existem tantos
alçapões fiscais, porque o governo faz tão pouco para
limitar aumentos de preços, porque o governo não constrange
decisões corporativas de relocalização, etc. Não
há surpresa aqui, uma vez que as corporações gastaram
generosamente no apoio às carreiras políticas de tantos
líderes actuais. Elas esperam que estes políticos façam o
que os seus patrocinadores corporativos desejam. Tão importante quanto
isso, elas também esperam que estes políticos persuadam o povo de
que é "melhor para todos nós" ceder quando
corporações nos ameaçam.
E quanto à outra resposta possível às ameaças? O
governo podia fazer uma escolha política diferente, definir de outra
maneira o que é "melhor para todos nós". Em bom
inglês, podia aguentar-se face a ameaças e, ao assim fazer, podia
contra-ameaçar as corporações. Quando grandes
corporações ameaçam cortar ou relocalizar
produção no estrangeiro em resposta a ameaças nos seus
impostos e subsídios ou pedidos de cortes nos seus preços ou
aplicação a sério de regras de protecção
ambiental, o governo dos EUA podia prometer retaliação. Aqui
está uma lista breve e parcial de como pode fazer isso (com exemplos
ilustrativos para as indústrias da energia e farmacêuticas):
-
Informar tais negócios que ameaçam que o governo dos EUA
comutará as suas compras para outras empresas.
-
Informá-las que altos responsáveis viajarão pelos EUA a
fim de urgir cidadãos a seguirem o exemplo do governo e comutarem
também as suas compras.
-
Informá-las que o governo passará a financiar e organizar
companhias operadas pelo estado para competirem directamente com
negócios ameaçadores.
-
De imediato e com rigor impor todas as regras aplicáveis referentes
às condições de saúde e segurança de
trabalhadores, leis de protecção ambiental,
contratação igual e oportunidade de avanço, etc.
-
Apresentar e promover a aprovação de novas leis respeitantes
à relocalização de empresas (dando a autoridades locais,
regionais e nacional poder de veto sobre decisões de corporativas de
relocalização).
-
Comprar produtos energéticos e farmacêuticos em grosso para
revenda em massa ao público estado-unidense, transferindo todas as
poupanças das compras em grande escala.
-
Tomar activos de empresas que procurem evadir-se ou frustrar aumentos de
impostos ou subsídios reduzidos.
Leis que permitem tais acções já existem nos EUA ou podiam
ser aprovadas. Actualmente em outros países existem modelos de tais leis
que fizeram bom trabalho, frequentemente por muitos anos. Elas podiam ser
utilizadas e ajustadas às condições dos EUA.
Naturalmente, é possível criar uma base muito melhor do que a
ameaça e contra-ameaça para partilhar os custos do governo entre
indivíduos e negócios. Essa base seria estabelecida por uma
transição para um sistema económico em que trabalhadores
em cada empresa funcionariam colectivamente e democraticamente como o seu
próprio conselho de administração. Tais empresas dirigidas
pelos trabalhadores eliminam a divisão e o conflito básico no
interior das corporações capitalistas entre aqueles que tomam as
decisões chave do negócio (o que, como e onde produzir, por
exemplo) e aqueles que devem viver com isso e dependem mais imediatamente dos
resultados daquelas decisões (a massa de empregados).
Um exemplo concreto pode ilustrar os benefícios desta alternativa ao
cenário ameaça-contra-ameaça. Corporações
têm efectuado ameaças reiteradas (cortar ou deslocalizar
produção) como meio de impedir aumentos de impostos e assegurar
reduções dos mesmos. Fizeram igualmente as mesmas ameaças
para assegurar os gastos desejados do governo federal (despesas militares,
estradas federais e projectos de construção de portos,
subsídios, apoios financeiros e assim por diante). Com efeito, conselhos
de administração corporativos e grandes accionistas procuram
comutar fardos fiscais para empregados. O seu êxito ao longo do
último meio século é claro. As receitas fiscais do governo
estado-unidense têm vindo cada vez mais (1) de indivíduos ao
invés de impostos sobre rendimentos corporativos e (2) do rendimento
individual dos grupos das camadas médias e baixa ao invés de
virem dos ricos. Em empresas dirigidas pelos trabalhadores, o incentivo para
tais mudanças desapareceria porque as pessoas que estariam a pagar
impostos empresariais são as mesmas pessoas que estariam a pagar
impostos sobre o rendimento individual. A tributação tornar-se-ia
finalmente genuinamente democrática. O povo decidiria colectivamente
como distribuir impostos sobre o que seriam genuinamente os seus
próprios e os próprios rendimentos individuais.
10/Maio/2011
[*]
Professor Emérito da Universidde de Massachusetts Amherst e
Professor Visitante no Programa de Graduação em Assuntos
Internacionais da New School University in New York. Autor de New Departures
in Marxian Theory (Routledge, 2006) dentre muitas outras
publicações. O seu filme documentário sobre a crise
económica actual, Capitalism Hits the Fan, encontra-se em
www.capitalismhitsthefan.com. O livro
Capitalism Hits the Fan: The Global
Economic Meltdown and What to Do about It
pode ser encomendado no seu
sítio web:
www.rdwolff.com
.
O original encontra-se em
http://mrzine.monthlyreview.org/2011/wolff100511.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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