A crise em curso e a cegueira liberal
O "W"
[1]
desta crise está em cima de nós. Os dados mais recentes
corroboram: o
mercado habitacional esteve em pleno modo W durante cinco meses pois os
preços das casas continuaram a declinar. O desastre dos arrestos
continua a agravar a combinação de famílias sem lar com
casas vazias. Pense na eficiência capitalista. A taxa de desemprego subiu
outra vez acima dos 9%. A duração média do desemprego
é agora de 39,7 semanas, a mais longa desde que estes registos
começaram a ser feitos em 1948. Os investimentos das empresas
estão a desacelerar e governos continuam a despedir trabalhadores.
Mais de 20 milhões de trabalhadores estão desempregados ou
subempregados. Mais de um quarto da capacidade produtiva do país
permanece inutilizada, ganhando ferrugem e pó. A produção
anual perdida com este desperdício de recursos é de US$1
milhão de milhões
(trillion).
Pense outra vez na eficiência capitalista.
A chamada "recuperação" beneficiou bancos
estado-unidenses, grandes corporações e o mercado de
acções. Ela ultrapassou toda a gente e agora está acabada.
É notável que os atingidos, vítimas da crise a
massa de trabalhadores agora se defrontem com o pagamento daquela
recuperação. O "seu" governo emprestou
maciçamente para salvar as corporações. Isso promoveu o
aumento da dívida nacional. E isso agora "exige" cortes nos
gastos governamentais através de reduções
"absolutamente necessárias" em empregos no governo,
serviços, segurança social, Medicaid e Medicare. Aquilo que o
governo poupa ao cortar serviços públicos pode entregar às
corporações, aos ricos, e a governos estrangeiros (a
começar pela China) que emprestaram os fundos para produzir aquela
recuperação (para eles) de vida curta.
Paul Krugman é melhor do que a maior parte dos economistas da corrente
dominante. Ele promove as suas visões liberais
[2]
contra a maior parte daqueles da corrente dominante. Mas Krugman partilha a
cegueira liberal clássica. A responsabilidade pela ruína
económica de hoje, aflige-se ele, cabe ao
"fatalismo"
. O problema para ele é subjectivo. As pessoas Krugman gosta de
apagar diferenças com essa palavra aceitam que "a
recuperação da crise financeira habitualmente é
lenta". Krugman admite que governos anteriores analogamente responderam a
crises vagarosamente devido ao seu "fatalismo e sensação de
impotência". O que ele propõe em contrapartida é o
habitual conjunto liberal de soluções económicas
"óbvias": política fiscal agressiva (défices
maiores), redução agressiva da dívida hipotecária
(mecanismo não especificado) e assim por diante. As pessoas deveriam
fazer estas coisas porque não fazê-las é "simplesmente
louco" e porque "o fatalismo ... é o principal inimigo da
prosperidade".
Krugman argumenta que a grotesca injustiça da resposta do governo
à crise é causada por uma disposição
psicológica fatalismo das pessoas. Isso é como
atribuir a culpa das crises capitalistas de Keynes ao problema de tomar
decisões de investimentos quando confrontados com incerteza acerca do
futuro todos nós enfrentamos a incerteza, não é?
Liberais como Krugman evitam localizar problemas económicos no cerne da
estrutura de produção capitalista nas lutas entre
patrões e empregados.
Krugman não se preocupa em explicar porque o "fatalismo"
mantém crises sucessivas. Ele não pergunta, e muito menos
responde, que factores estruturais podem explicar tal fenómeno. Ao
invés disso ele quer que pessoas inteligentes corrijam o erro do
fatalismo que aflige mentes de menor envergadura. Os ares superiores em
relação àqueles de que discorda reforçam a sua tese
de que a falta de talento explica o fatalismo. Respostas vagarosas de governos
a crises capitalistas revelam estupidez.
Eis a explicação que falta a Krugman. O capitalismo sempre foi
instável. Os governos nunca impediram os ciclos de ascensão e
queda apesar de quase todo líder o ter prometido, quando a cada baixa do
ciclo não só [promete] atravessá-la "como
também assegura impedir a seguinte". Naturalmente, os governos
podiam antecipar-se e compensar ciclos com programas maciços de emprego
público, investimento público, etc. Os liberais muitas vezes
pressionam nesse sentido. Mas os governos recusam a menos que pressões
maciças de sindicatos de trabalhadores e partidos socialista e comunista
a partir de baixo forcem passos parciais e temporários naquela
direcção (como aconteceu com FDR após 1933).
A instabilidade do capitalismo decorre em grande parte das lutas entre o
patronado e os empregados. As crises surgem quando os lucros da empresa
não satisfazem o patronato e os seus accionistas. Eles então
reduzem a produção, despedem trabalhadores, cortam suas compras
de matérias-primas. Estes passos reduzem lucros de outros patrões
os quais reagem da mesma forma. Segue-se a espiral na recessão. O
capitalismo desenvolveu há muito tempo um modo de administrar a sua
instabilidade inerente. Quando o desemprego cresce e perdura, os desempregados
tornam-se dispostos a trabalharem por menos do que antes, o que deita abaixo os
salários. Quando os negócios afundam, a resultante
inundação de maquinaria e equipamento em segunda mão,
fábricas e espaço de escritórios vazios, etc reduz os
custos daqueles negócios. Finalmente, quando o trabalho e os custos
materiais tiverem afundado bastante, os empregadores vêem suficientes
possibilidades de lucros. Seus investimentos retomam e com isto a fase de
declínio dá lugar à fase de ascensão.
Por que o governo deveria intervir no método do capitalismo de auto
sanar a sua interminável aflição de instabilidade? Afinal
de contas, para a maior parte dos capitalistas o declínio dos custos de
negócio constitui um método atraente de enfrentar crises. Da
mesma forma, a maior parte dos capitalistas não dá boas vindas ao
precedente de governos intervirem para resgatar as massas da
disfunção do sistema. E a maior parte dos capitalistas certamente
não quer pagar os custos de tais intervenções
governamentais.
Assim, os capitalistas têm boas razões, estruturais
fundamentadas nas suas posições dentro das empresas que dirigem
para se oporem a soluções liberais
[2]
aos imensos custos sociais de crises capitalistas. A causa do problema
não é o fatalismo. Ele é meramente a face externa,
superficial, do sistema político não desejoso de contestar a
mensagem que vem dos seus principais patrões, os empregadores
capitalistas.
Quanto o sofrimento em massa por depressões prolongadas ameaça
mover-se rumo ao ataque do próprio sistema, os empregadores capitalistas
e portanto o seu governo por vezes reconhecem a necessidade de
uma dose pequena e temporária da solução liberal
[2]
. Mesmo assim, a acção do governo tem menos a vez com o
estímulo fiscal que os liberais endossam e mais com uma tarefa
diferente: afastar o sofrimento em massa e a ira para longe do anti-capitalismo
e rumo à celebração do governo benevolente. Foi o que FDR
fez ao estabelecer a Segurança Social e o seguro de desemprego na
década de 1930.
A antipatia ultrapassada do liberalismo para com o marxismo e a
ignorância dos novos desenvolvimentos nos pensamento marxista das
últimas décadas e o problema chave, um legado debilitante
da Guerra Fria. Essa antipatia e ignorância minam a capacidade do
liberalismo para pensar as suas propostas, para fundamentá-las na teoria
económica e na história, e para explicar os "porques"
chaves necessários para escorar os seus argumentos acerca do que
está a acontecer, o que deveria estar a acontecer e porque as dois
coisas divergem.
NT
[1] Abreviadamente diz-se que as crises podem ser em "L"
(estagnação prolongada), em "V"
(recuperação rápida), em "U"
(recuperação lenta), ou em "W"
(recuperação rápida seguida de outra queda).
[2] O autor usa a palavra liberal no sentido corrente nos EUA (diferente do
europeu): de progressista.
[*]
Professor Emérito da Universidde de Massachusetts Amherst e
Professor Visitante no Programa de Graduação em Assuntos
Internacionais da New School University in New York. Autor de New Departures
in Marxian Theory (Routledge, 2006) dentre muitas outras
publicações. O seu filme documentário sobre a crise
económica actual, Capitalism Hits the Fan, encontra-se em
www.capitalismhitsthefan.com. O livro
Capitalism Hits the Fan: The Global
Economic Meltdown and What to Do about It
pode ser encomendado no seu
sítio web:
www.rdwolff.com
.
O original encontra-se em
http://mrzine.monthlyreview.org/2011/wolff060611.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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