Chegou a tempestade financeira prevista

por Gabriel Kolko [*]

As contradições agora arruínam o sistema financeiro mundial, e existe um consenso crescente tanto entre os seus apoiantes como entre aqueles que contestam o status quo de que ele é simultaneamente propenso a crises como imoral. Se quisermos acreditar nas instituições e personalidades que têm estado na linha de frente da defesa do capitalismo, estamos à beira de uma crise séria – se não for já, será então no futuro próximo.

O Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco de Pagamentos Internacionais (BIS), a British Financial Services Authority, o Financial Times, e inumeráveis comentadores dos media dominantes manifestam-se cada vez mais preocupados e advertiram publicamente contra muitas das inovações financeiras que agora implodiram. Warren Buffett, que a revista Forbes classifica como o segundo homem mais rico do mundo, no ano passado chamou aos créditos derivativos – apenas uma das muitas novas invenções da banca – "armas financeiras de destruição maciça". Instituições e pessoas muito conservadoras previram o cataclismo nas finanças globais que estamos agora a experimentar.

O FMI tomou a dianteira na crítica à nova estrutura financeira internacional, e ao longo dos últimos três anos publicou numerosas razões pormenorizadas a explicar porque esta se tornou tão perigosa para a estabilidade económica mundial. Os acontecimentos confirmaram o seu prognóstico de que a complexidade e a falta de transparência, a obscuridade dos riscos e a incerteza universal, especialmente quanto à dívida colaterizada e obrigações de empréstimo, provocarão uma fuga para a segurança que secará grande parte da liquidez bancária. "...a própria inovação financeira", como disse um colunista do Financial Times, "é o problema". O sistema ultra-criativo está preso porque ninguém entende onde se localizam os riscos e como ele funciona. O pânico começou este Verão e o conserto não é muito provável.

É impossível medir a extensão das perdas. Os resultados finais deste dilúvio têm ainda de ser calculados. Até mesmo muitos dos jogadores que têm apostas nos misteriosos instrumentos de investimento são absolutamente ignorantes. As somas são enormes.

Apenas umas poucas das muitas medidas dão-nos uma estimativa grosseira.

A crise actual começou – e ali ainda não acabou – com os empréstimos hipotecários subprime nos EUA, os quais foram avaliados em mais de US$ 1,3 milhão de milhões (trillion) no princípio de 2007 mas que, para fins práticos, valem hoje muito menos. Podemos ignorar o impacto desta crise sobre os preços da habitação nos EUA, mas algumas projecções são de um declínio de uns 10%. Indirectamente, naturalmente, a crise hipotecária também introduziu muitos milhões de pessoas dentro do mundo financeiro mais amplo e elas saem seriamente feridas.

O que o mercado subprime fez foi desencadear um turbilhão geral muito maior que envolve bancos na Alemanha, França, Ásia e por todo o mundo, pondo em causa grande parte do sistema financeiro mundial tal como ele foi desenvolvido ao longo da última década.

Os bancos de investimento detêm cerca de US$ 300 mil milhões em dívidas private equity que planeavam colocar sobretudo em leveraged buy-outs. Eles serão forçados a vendê-los com descontos ou a mantê-los nos seus balanços – em qualquer dos casos perderão.

A quase falência do banco alemão Sachsen LB, que teve de ser salvo da bancarrota através de um crédito de €17,3 mil milhões, revelou que bancos europeus possuem mais de US$500 milhões de milhões (trillions) nos chamados activos suportados por papel comercial, grande parte disto nos EUA e em hipotecas subprime. O fracasso nos EUA levou a que a Europa também enfrentasse uma crise. O problema está mal isolado.

A principal vítima deste cataclismo são os hedge funds. O que são eles? Existem cerca de 10 mil e, dizem todos, eles fazem tudo. Alguns hedge funds, contudo, fornecem capital às companhias e competem com êxito com bancos comerciais porque assumem riscos muito maiores. Uma proporção substancial é de simples jogadores, alguns apostam mesmo nas previsões de clima. Muitos olham para os seus computadores e para as matemáticas dos modelos a fim de conduzir os seus investimentos, e estes foram os que perderam mais dinheiro, mas fundos com base em outras estratégias também perderam durante o mês de Agosto. O fracasso espectacular do Long-term Capital Management, em 1998, deveu-se também à sua confiança em engenhosas proposições matemáticas, mas ninguém aprendeu as lições disto – o que prova que apelos à razão bem como a experiência caem em ouvidos moucos se houver dinheiro a fazer.

Alguns ganharam durante a crise de Agosto, mas a maior parte perdeu. No conjunto, os hedge funds perderam um grande negócio – sua fascinação com a riqueza rápida foi-se. Entre eles tem havido algumas bancarrotas e resgates (bailouts) espectaculares, incluindo algumas das maiores firmas de investimento. Investidores que ficaram com medo descobriam que retirar dinheiro de hedge funds era quase impossível. O valor real dos seus haveres é contestado com irritação e a avaliações variam loucamente. Na realidade, não há meio de avaliá-los com realismo – todos eles dependem em grande medida do que as pessoas querem acreditar e assumirão, ou do mercado.

Estamos no fim de uma era, a viver o pior pânico financeiro em muitas décadas. Neste momento principia a instabilidade financeira global. É impossível especular por quanto perdurará a confusão de hoje – mas agora existe uma incerteza e falta de confiança que não tem paralelo desde a década de 1930 – e esta ignorância e medo são por si próprios factores cruciais. Chegou o momento da contagem para banqueiros e patrões. Aquilo que é muito claro é que as perdas são maciças e todo o mundo desenvolvido está agora a experimentar a pior crise económica desde 1945, uma crise na qual as perturbações de um país agravam as dos outros.

Todos os bancos centrais estão confrontados com dilemas. Eles não têm nem os recursos nem o conhecimento, incluindo poderes legais, para remediar o presente turbilhão geral. Embora haja clamores de financeiros e operadores variados a pedir socorro, o Federal Reserve também deve pesar as consequências dos seus movimentos, acima de tudo quanto à inflação. E há então a questão dos "azares morais". Será da responsabilidade do Federal Reserve salvar aventureiros financeiros das suas próprias loucuras? Durante todo o mês de Agosto os bancos centrais americano e europeus despejaram cerca de 500 milhões de milhões de dólares dentro do sistema bancário numa tentativa de descongelar créditos e empréstimos bloqueados a seguir à crise subprime – um acontecimento que disparou uma "fuga para a segurança", a qual reduziu em muito a disposição dos bancos para emprestar. Com efeito, o Federal Reserve fiou-se nos bancos para restaurar a confiança no sistema financeiro, subsidiando os seus esforços.

Apenas muito parcialmente tiveram êxito os esforços dos bancos centrais, mas no conjunto eles fracassaram: bancos e investidores agora procuram segurança ao invés de risco, e eles ainda sentam em cima do dinheiro. O Federal Reserve reconhece em privado a sua incapacidade para estar à altura de uma estrutura financeira desordenadamente complexa. Os banqueiros centrais europeus têm exactamente o mesmo dilema: eles simplesmente não sabem o que fazer.

Mas isto mal aflora o problema real, que é estrutural e invade tudo no modo como evoluiu a estrutura financeira mundial ao longo das últimas duas décadas. Tal como no passado, há uma divisão crítica na banca e na finança mundial e cada uma tem alavancagens política bem como choques de interesses. O mais importante: os bancos centrais não foram concebidos para enfrentar as realidades de hoje e não têm nem os poderes legais nem o conhecimento para controlá-los.

Neste contexto, os bancos centrais terão problemas crescentes e as soluções que propõem, tal como no passado, serão absolutamente inadequadas, não porque as suas intenções sejam erradas e sim porque é impossível regular um complexo económico tão vasto – ainda menos hoje do que no passado porque não há mecanismo internacional para isso. A internacionalização das finanças significou menos regulamentação do que nunca, e a regulamentação era muito pouco efectiva mesmo ao nível nacional.

Não só os de esquerda são ingénuos como também aqueles conservadores que pensam poder falar a verdade ao poder e assim mudar o curso dos acontecimentos. A única limitação daqueles que ganham dinheiro é a cobiça. As instituições internacionais existentes – das quais o FMI é a mais importante – ou os conselhos bem intencionados não mudarão esta realidade.

01/Setembro/2007

[*] Historiador .

O original encontra-se em http://www.countercurrents.org/kolko010907.htm . Tradução de JF.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
04/Set/07