"Nosso lixo pelo seu dinheiro"

Banqueiros extorquem o Congresso e o G-20

por Michael Hudson [*]

A imprensa financeira estava distraída ao relatar as duas principais notícias da semana passada: ignorou que estavam ligadas entre si. A primeira, o testemunho do secretário do Tesouro Henry Paulson e seu evasivo secretário assistente Neel Kashkari a defenderem o facto de terem seguido um plano de dádiva para os bancos (a sua própria clientela da Wall Street) completamente diferente daquele que o Congresso autorizara; a segunda, o impasse no G-20 entre os ministros das Finanças dos principais países do mundo neste fim de semana.

A fartura de dólares foi um dos factores chave que agravou problema das hipotecas-lixo nestes últimos anos. Agora aguardamos ansiosamente: se os países estrangeiros não investirem mais os seus influxos de dólares na Fannie Mae, no Freddie Mas e nos pacotes tóxicos de derivativos de hipotecas, o que será que farão eles com estes dólares? O governo dos EUA recusa-se a deixar que fundos de governos estrangeiros adquiram qualquer coisa excepto lixo financeiro, tal como as acções em baixa do Citibank compradas por sheiks árabes do petróleo.

Aqui está o problema que confrontou os ministros das finanças globais neste fim de semana. O défice de pagamentos estado-unidense fez entrar muito rapidamente dólares a mais nas economias de outros países. Os que recebem estes dólares passam-nos aos seus bancos centrais. Mas estes últimos impediram as suas respectivas divisas de subir (e portanto perderem mercados externos ao encarecer as suas exportações) através compra de títulos do Tesouro de forma a apoiar a taxa de câmbio do dólar pela reciclagem dos seus influxos de dólares de volta aos Estados Unidos – o suficiente para financiar a maior parte do nosso défice do orçamento federal, e na verdade grande parte dos empréstimos hipotecários da Fannie Mae também.

O sr. Bush por sua vez gostaria de moldar o sistema financeiro global de modo a que economias estrangeiras continuassem a dar um almoço gratuito aos Estados Unidos. Responsáveis dos EUA controlam o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial e utilizam estas instituições para impor políticas de privatização neoliberais aos países estrangeiros, destruindo com isso as economias pós-soviética, a Austrália e a Nova Zelândia a partir da década de 1990, assim como destruíram economias do Terceiro Mundo desde os anos 1960 até os anos 1980. Eis porque, até o mês passado, o FMI perdeu os seus clientes e tornou-se quase universalmente evitado. O presidente francês Nicolas Sarkozy liderou apelos estrangeiros a uma "nova Bretton Woods", com o que ele queria dizer não apenas um aprimoramento da hegemonia do dólar americano mas uma ordem mundial diferente – mas regulamentadas com contrapartidas mais justas. O o Financial Times relatou assim : o partido socialista que governa a Espanha resumiu o estado de espírito estonteante em algumas partes da Europa num documento interno, visto por El Mundo, que identificou a cimeira como um momento de mudança histórica. 'As origens desta crise repousam na ideologia neoliberal e neoconservadora', afirmava".

O sr. Paulson e outros responsáveis estado-unidenses tem estado a prometer aos ministros das Finanças estrangeiros que os títulos da Fannie Mae e do Freddie Mac são tão bons quanto os títulos do Tesouro, se bem que rendendo juros mais elevados. O investimento resultante nestas duas agências de empacotamento de hipotecas foi um factor de peso no seu salvamento de US$200 mil milhões. Permitir que os seus títulos fossem abaixo teria finalizado a Hegemonia do Dólar para sempre. Assim, obter a anuência estrangeira em financiar futuros défices da balança de pagamentos dos EUA está inextricavelmente ligado à resolução da bolha financeira e imobiliária dos EUA.

O seu rebentamento estimulou o Congresso a autorizar US$700 mil milhões, supostamente para reflacionar o mercado da propriedade. O Programa de alívio a activos em perturbação (Troubled Asset Relief Program, TARP) dá dinheiro à Wall Street na esperança de que esta emprestará o suficiente para começar a inflacionar outra vez os preços dos activos, permite aos mutuários ficarem ricos entrando em dívida outra vez – "criação de riqueza" estilo Alan Greenspan. É como se a bolha neoliberal dos anos 2002-2207 fossem uma era dourada a ser recuperada e não o caminho para a perdição financeira. Ao fazer isto, o sr. Paulson está a utilizar teoria económica lixo para tratar do problema das hipotecas lixo que por sua vez foram baseadas em modelos matemáticos lixo. O seu problema é manter a fantasia em andamento.

O Congresso foi apanhado neste jogo. Agora que o salvamento parece como uma dádiva de última hora a iniciados no jogo, o Congresso efectuou audições na semana passada a fim de perguntar a razão porque o Tesouro abandonou o seu plano de comprar os "activos perturbados" (hipotecas lixo) que o sr. Paulson dizia antes ser o problema. Por que terá o Tesouro comprado a bancos US$250 mil milhões de sucedâneos de "acções preferenciais" a preços muito acima daqueles que pagam investidores privados como Warren Buffett?

Desenhando um quadro de um mundo faz-de-conta para racionalizar o almoço gratuito da Wall Street, o sr. Paulson procurou desviar a questão colocando uma série de "ses". Os US$250 mil milhões do Tesouro em acções da banca dariam aos prestamistas dinheiro que poderia ser utilizado para reflacionar a oferta de crédito se os bancos optassem por entrar novamente no mercado de papel comercial e proporcionar hipotecas em condições mais facilitadas. Esta tagarelice do gotejamento (trickle-down) é o que passa por teoria económica neoliberal nos dias de hoje. A fantasia é os bancos restaurarem o "equilíbrio" através da concessão de mais crédito, aumentando o endividamento dos clientes do banco de modo a restaurar o mercado habitacional no seu grau anterior de não administrabilidade.

Durante as audições, congressistas apresentaram perguntas a destacarem que os bancos não estavam a emprestar mais dinheiro. As taxas de juros das hipotecas subiram, não caíram, apesar de o Fed estar a fornecer crédito aos bancos a apenas 0,25 por cento (uma média de cerca de 0,30 por cento na semana passada). Os padrões de crédito (compreensivelmente) foram endurecidos para exigir aos compradores em perspectiva que pusessem mais do seu próprio dinheiro. Os arrestos e despejos estão altos e os preços imobiliários continuam a mergulhar. Também a mergulhar quase a prumo tem estado a Média Industrial Dow Jones, afundando abaixo da marca dos 8000 na semana passada, os mais baixos níveis em muitos anos. Nada está a funcionar da forma que o sr. Paulson prometeu.

A palavra que mais esta a ser utilizada pelos responsáveis do Tesouro nestes dias é "inesperado". Na audiência do seu subcomité, na sexta-feira 14 de Novembro, Dennis Kucinich perguntou ao auxiliar de Paulson, Neel Kashkari, se a falta de previsão realista do Tesouro era um erro inocente ou um caso de publicidade enganosa (bait and switch). O sr. Kashkari jogou à defesa recitando uma cassete repetitiva do "tema em discussão" a afirmar que as dádivas era o meio de fazer com que a economia "andasse" outra vez. Os bancos utilizariam o seu poder recente a fim de ajudar os clientes a voltarem a correr para endividar-se ainda mais profundamente, presumivelmente às taxas exponenciais necessárias para re-inflacionar a propriedade e os preços das acções.

O congressista republicano Darrill Issa perguntou simplesmente quando o Tesouro decidira descartar-se do texto da lei e prosseguir com uma dádiva alternativa à Wall Street ao invés de ajudar proprietários de casas em incumprimento. Por que não havia feito como determinava a lei que o próprio sr. Paulson insistira que o Congresso aprovasse – arranjar ordenadamente cancelamentos de dívida através da utilização dos prometidos US$50 mil milhões de dinheiro público para comprar hipotecas em vias de arresto, e reajustar hipotecas irrealistamente altas para que reflectissem os actuais níveis de preços? Renegociar hipotecas podres reduzindo o seu preço para os proprietários-ocupantes existentes – ou vender a propriedade a um comprador que pudesse permitir-se termos razoáveis – evitaria as vendas ao desbarato que estão a envenenar os mercados de propriedade local. Não era a isto que o plano do Congresso apelava, afinal de contas?

O sr. Kashkeri continuou a tentar esgotar o tempo explicando a rotina dos procedimentos do Tesouro. Ele asseverou ao comité que se preocupava todas as noites com o destino dos proprietários de casas, e disse que o sr. Paulson também estava a apertar as suas mãos por simpatia, mas que haviam considerado muito melhor dar o dinheiro aos bancos na esperança de que eles mostrariam uma preocupação semelhante para com os seus clientes. Os membros do comité simplesmente desistiram quando se tornou evidente que os responsáveis do Tesouro estavam a obstruir, assim como o Fed também obstruiu o Congresso ao recusar-se a dar quaisquer pormenores dos US$850 mil milhões de dádivas que tem estado a efectuar sob o seu próprio programa dinheiro-por-lixo (cash-for-trash). Em 12 de Novembro o sr. Paulson apresentou a sua desculpa: "Nós mudámos a nossa estratégia quando os factos mudaram".

O que foram este factos? Para começar, o Federal Reserve descobriu que era capaz de bombear uma quantia ainda maior dentro do programa cash-for-trash do que o Tesouro originalmente deveria ter providenciado. O plano do Tesouro teria obrigado os bancos a assumirem uma perda através da venda dos seus "activos perturbados" (hipotecas lixo) aos preços pós-bolha de hoje. Os banqueiros não gostam de assumir perdas. É isto que o governo é suposto fazer. O Fed pode fazer qualquer coisa que queiram a fim de "estabilizar mercados", sob uma cláusula abrangente (umbrella) inserida na lei exactamente para tais finalidades. Aplicando a lógica "privatizar os lucros, socializar as perdas" que os lobbyistas dos bancos aperfeiçoaram ao longo do século passado, ele decidiu que o melhor meio para "estabilizar a economia" é permutar títulos do Tesouro por activos lixo de alto risco ao valor facial, salvando os bancos de terem de assumir uma perda.

Quanto mais a riqueza estiver concentrada no topo da pirâmide económica e quanto mais os bancos puderem ser consolidados em apenas uma pequena configuração de mercado, mas "estáveis" estarão os mercados. Isto é a doutrina económica neoliberal utilizada para justificar a compra pelo Fed de hipotecas lixo, de títulos lixos e das más apostas em derivativos de seguros que a AIG concebeu. Pode-se apenas concluir que o sr. Paulson foi conscientemente fraudulento quando em 12 de Novembro contou ao Congresso que o governo descobrira um caminho melhor para a dádiva gotejar dos bancos para os mercados de crédito do que comprar os seus maus empréstimos. Ele na verdade tem estado a fazer exactamente isso, mas através do Fed a preço integral e em segredo, longe do olhar intrometido do Congresso ao invés de fazê-los através do programa do Tesouro que o Congresso autorizou em termos mais orientados para o mercado destinados a proteger os "interesses dos contribuintes". O Fed avalia as hipotecas lixo aos altos preços de fantasia que os bancos, a AIG e outras companhias os compraram a fim de evitar-lhes terem de assumir uma perda. Os hedge funds e os especuladores que compraram seguros lixo da AIG foram considerados perfeitos, e os accionistas da AIG foram salvos pela injecção de capital do governo de modo a que aqueles actores não tivessem de assumir perdas no casino da Wall Street.

Agora que o Fed está a fazer isto, o Tesouro por sua vez pode voltar-se para a sua própria forma de dádiva: comprar acções de bancos a um preço muito acima do mercado (isto é, o preço pago por investidores tais como Warren Buffett pelas acções da Goldman Sachs), em termos que permitem aos bancos darem meia volta e utilizarem o dinheiro para comprar outros bancos, distribuir dividendos a accionistas ou pagar altos salários aos seus executivos ao invés de ajudar devedores hipotecários. "Não penso que o governo deveria colocar dinheiro em instituições insolventes", asseverou o sr. Kashkari ao Congresso, explicando que o salvmento da AIG, Fannie Mae e Freddie Mac seria em vão sem ainda outros salvamentos governamentais. A observação final do deputado Kucinich foi: "Esta declaração que acabou de fazer, você ouvirá falar durante o resto da sua carreira".

A contradição interna aqui é a razão porque a lógica republicana de desmanchar a Fannie Mae e Freddie Mac em companhias mais pequenas não se aplica ao sistema bancário comercial. Ao invés de consolidar o sistema bancário nas mãos de Nova York e dos bancos da Costa Leste, porque o governo não deveria desmembrar instituições financeiros "demasiado grandes"? O Tesouro, ao contrário, está simplesmente a investir em acções de bancos, deixando os accionistas existentes no lugar ao invés de varre-los para fora.

O sr. Paulson sob a administração Bush em 2008 parece-se como o equivalente de Anatoly Chubais sob a administração Boris Yeltsin em 1996. Assim como neoliberais russos liderados por Chubais foram promovidos pelo secretário do Tesouro de Clinton, Robert Rubin da Goldman Sachs, o poder arrebatado pela Wall Street de hoje para substituir o governo como planeador central da economia está a ser orquestrado por outro secretário do Tesouro da Goldman Sachs, autorizado a decidir quais cleptocratas devem recebem que recursos públicos e em que termos, ajudado pelo "Helicóptero" Ben Bernanke no Federal Reserve. O famoso gracejo do sr. Bernanke acerca de helicópteros a despejarem dinheiro para fazer com que a economia se movesse parece ser limitado à Wall Street para a compra de activos financeiros, não bens e serviços reais para a população em geral.

O caminho para o G-20

Ao falar quinta-feira, 13 de Novembro, perante o Manhattan Institute, uma organização de lobbying para a finança e o imobiliário, o presidente Bush repetiu o mito de que países estrangeiros reciclam demasiados dólares para a América por causa da nossa "economia forte" e dos nossos mercados livres.

A realidade é bastante diferente. Não existe uma tal coisa como "mercado livre". Durante uns poucos dias após o anúncio da dádiva de US$700 mil milhões, por reflexo automático alguns oponentes a gastos do governo denunciaram que isto de ser "socialismo", mas eles rapidamente descobriram que nem todo gasto do governo é socialista. Sem considerar que sistema económico é seguido, todos os mercados são planeados, e sempre foram desde que os calendários foram inventados após a Era do Gelo. A maior parte das estruturas de mercado ao longo da história foram organizadas de modo a proporcionar um almoço gratuito a determinados interesses. Isto permanece a essência do capitalismo pós-feudal – ou, como formularam alguns, do corporativismo.

O que acontece na prática é que bancos centrais estrangeiros reciclam os dólares que os seus exportadores e vendedores de activos recebem porque (como observado acima) as suas divisas subiriam se deixassem de fazer isto. Isso poria o preço das suas exportações fora dos mercados mundiais, levando ao desemprego. Os países estrangeiros portanto estão numa armadilha do dólar. Eles remetem as suas poupanças para financiar o défice do orçamento interno do governo dos EUA ao invés de ajudarem as suas próprias economias internas, porque não foram capazes de criar uma alternativa ao dólar. Logo a seguir à dívida do Tesouro, as hipotecas imobiliárias são a única categoria suficientemente grande para absorver o excesso de dólares jogado fora pelo défice de pagamentos estado-unidense – jogado fora, isto é, com gastos dos militares estado-unidenses no exterior, com gastos do consumidor para inchar o défice comercial e com fluxos de investimentos quando investidores aqui e no exterior diversificam seus haveres fora dos Estados Unidos. O resultado é que as reservas monetárias mundiais acabam por consistir de empréstimos de bancos centrais para financiar a bolha da economia dos EUA. Mas a filosofia da desregulamentação automática das eras Clinton e Bush matou o mercado estado-unidense de investimento.

O que torna esta dinâmica instável é que as exportações dos EUA tornam-se cada vez menos competitivas quando custos mais elevados de habitação e encargos de serviço da dívida empurram para cima o custo de vida e o custo de fazer negócios. Quanto mais dólares os países estrangeiros reciclam, menos a economia dos EUA será capaz de livrar-se das suas dívidas exportando mais. Assim, a dinâmica é garantidamente um jogo perdedor para os governos estrangeiros – a menos que alguém possa explicar como os Estados Unidos poderia gerar os US$4 milhões de milhões (trillion) para reembolsar a sua dívida aos bancos centrais do mundo. Para tornar as coisas piores, a deriva declinante do dólar em relação ao euro e à libra esterlina obriga credores estrangeiros a assumirem uma perda sobre os seus haveres em dólares quando denominados nas suas próprias divisas.

Ninguém descobriu uma solução "orientado pelo mercado" para este problema. Foi isto o que condenou as reuniões do G-20 a fracassarem, assim como não podia haver acordo nas reuniões do G-7 umas poucas semanas atrás. Em face dos sonhos do Tesouro dos EUA de reinflacionar o mercado hipotecário, a Europa está a tentar estipular o limite quanto a financiar uma proposta perdedora. Mas agora que o ouro já não é mais o meio de ajustar défices de balanças de pagamentos, aos bancos centrais estrangeiros falta uma alternativa ao US dólar para manter as suas reservas monetárias. Isto deixa-os com: (1) Títulos do Tesouro dos EUA; e (2) Títulos de hipotecas dos EUA. Nos últimos anos viu-se uma nova diversificação via "fundos de riqueza soberanos" na (3) propriedade directa de recursos minerais, companhias industriais, infraestrutura nacional privatizada e outras participações em investimentos, ao invés de dívida. Mas ainda que saudando este último, o governo dos EUA procura limitar os bancos centrais estrangeiros a comprarem hipotecas lixo, títulos lixo e outros resíduos financeiros. Chamar a isto "equilíbrio do mercado" é afundar no jargão complacente que hoje obscurece o diálogo financeiro internacional.

Para colocar as coisas de forma directa, a questão nas reuniões do G-20 é a desconfiança no sistema bancário não regulamentado dos EUA e, por trás disto, nos "regulares" do governo que se recusam a regular. A China e outros receptores estrangeiros de dólares tem estado a tratar o dólar como uma batata quente, a tentar gastá-lo na compra de minerais estrangeiros, combustíveis e outros activos de qualquer país que aceite pagamento em dólares. A maior parte dos tomadores são países do terceiro mundo ainda comprometidos com o pagamento de pesadas dívidas dolarizadas junto ao Banco Mundial e outros credores globais. O preço da sua permanência no sistema de Bretton Woods é sacrificar o seu domínio público numa espécie de venda pré-bancarrota ao invés de repudiar as suas dívidas sob as válvulas de escape da "dívida odiosa" e da "transmissão fraudulenta". O que é necessário é não "reformar" o Banco Mundial e o FMI e sim substituí-los. Mas isso é uma outra história, uma história que outros países nem mesmo ousaram trazer para as reuniões de 15-16 de Novembro.

A Eurolandia está oficialmente numa recessão pela primeira vez desde o nascimento da divisa única. Parte da razão é que os seus países membros sentiram-se obrigados a utilizar os seus excedentes monetários para apoiar o dólar – e portanto o défice orçamental do US Treasury – ao invés de apoiarem as suas próprias economias internas. Poucos antes de viajar para os EUA este fim de semana, o presidente francês Nicolas Sarkozy anunciou a sua posição: "O dólar, que no fim da II Guerra Mundial era a única divisa mundial, já não pode mais pretender ser a única divisa mundial ... O que era verdade em 1945 já não é mais verdade hoje". Declarar este facto não era uma questão de 'coragem" e sim de 'bom senso'. O primeiro-ministro italiano Sílvio Berlusconi insistiu em defender a Rússia, criticando os EUA por "provocar" Moscovo com seu escudo de defesa de mísseis. Mas o sr. Paulson insistiu em que a crise da finança global não "falha do país".

Os responsáveis estado-unidenses optaram por serem insolentes, incluindo uma nova onda de proteccionismo americano para a indústria automobilística no que pode ser um antegosto do nacionalismo económico que está para vir. "Banqueiros queixam-se de que os planos de resgate financeiro colocados em muitos países distorcem a competição porque eles operam em termos muito diferentes ao passo que outros dizem que os salvamentos a serem considerados para os fabricantes de carros dos EUA representam um esforço clássico para proteger campeões nacionais que poderiam inspiram esforços de imitação alhures". Assim escreveu Krishna Goha no Financial Times, descrevendo porque, quando ministros das Finanças do G-20 reafirmaram o seu apoio ao livre comércio, estavam em grande parte a falar com objectivos contrários.

Os últimos oito anos demonstraram a loucura de imaginar que o mercado de acções e o imobiliário pode proporcionar taxa de retorno firmes que se capitalizam em aumentos exponenciais nas poupanças suficientes para pagar o rendimento de pensões e tornar ricos os proprietários de casas e pequenos investidores sem realmente terem de trabalhar. Os administradores de dinheiro anunciam "Deixe o seu dinheiro trabalhar para si", mas só pessoas é que realmente trabalham. Os retornos financeiros são pagos na forma de comando sobre a força de trabalho – trabalhadores a "fazerem tempo". O que os bancos proporcionam é dívida, e esta permanece em vigor depois de a força da inflação dos preços dos activos ser gasta e os preços do mercado caírem abaixo dos passivos provocando Situação Líquida Negativa. É assim que operam as bolhas económicas. Mas ao ouvir os neoliberais da Wall Street contar a história, não é necessário pagar aposentados depois do que eles produziram. O capitalismo da finança pode substituir o capitalismo industrial sem uma base económica "real".

Quem realmente obtém o "almoço gratuito"?

Basta de condições materiais de produção! Todos nós podemos viver livres quando a engenharia financeira substitui a engenharia industrial. O Tesouro agora está a ser relatado a discutir salvamentos para os emissores de cartões de crédito pela assunção das suas dívidas podres. Os bancos presumivelmente seriam igualmente capazes de cobrar ao governo pela acumulação de exorbitantes taxas de penalidade.

Os bancos e a Wall Street estão a ameaçar arruinar a economia com a "entrada em greve" e a criação de um esmagamento do crédito forçando arrestos e colapso económico, se o Congresso e a Reserva Federal não os salvarem de assumir uma perda sobre os seus maus empréstimos e derivativos financeiros. Os estrangeiros também devem desempenhar um papel subordinado neste jogo, ou o próprio sistema financeiro internacional entrará em colapso. Os clientes financeiros devem absorver a perda.

A resposta mais razoável a esta postura descarada pode ser um retorno das funções monetárias do Federal Reserve para o Tesouro dos EUA. É assim que aconteceria, com grande êxito, antes de 1913. Na década de 1930 o "Plano Chicago", germinado no naufrágio do sistema bancário e do mau comportamento da Wall Street que agravou a Grande Depressão, propunha voltar a banca comercial para os bancos de poupança estilo clássico com 100 por cento de reservas. Uma versão modernizada germinou no proposto Acto de Reforma de Monetária do American Monetary Institute, que é uma alternativa à alta finança disfuncional que os lobbyistas da Wall Street criaram como uma máquina Frankestein de venda de dívida. A economia dos EUA tem estado a viver sobre uma combinação de reciclagem de dólar externo e crédito bancário que tem sido utilizada simplesmente para "criar riqueza" pela inflação de preços de activos, não pelo financiamento de nova formação de capital.

Quando o assunto acabar, os bancos ter-se-ão tornados insolventes ao fazerem isto. O Tesouro deu-lhes milhões de milhões de dólares de ajuda, e ainda mais como favoritismo fiscal especial, garantias de seguro de empréstimo e de depósito. Isto pode continuar só enquanto os bancos puderem fazer com que o colapso inevitável dos esquemas de juros compostos parecerem impensáveis. Tal tentativa foi o que condenou as reuniões do G-20 neste fim de semana, e condenará qualquer futura administração dos EUA que tente seguir as suas pisadas.

17/Novembro/2008

[*] mh@michael-hudson.com

O original encontra-se em http://www.counterpunch.org/hudson11172008.html


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
19/Nov/08