Quando a Grécia substituiu o dracma pelo euro, em 2000, a maior parte
dos eleitores era pela adesão à eurozona. A sua esperança
era que a mesma garantisse estabilidade e que isto promoveria a
elevação dos salários e dos padrões de vida. Poucos
viram que o grande obstáculo era a política fiscal. A
Grécia fora excluída da eurozona no ano anterior devido ao
incumprimento do critério do Tratado de Maastricht (1992) para a entrada
na UE, de limitar os défices fiscais a 3 por cento do PIB e a
dívida governamental a 60 por cento.
O euro também tem outros problemas fiscais e monetários graves,
desde o princípio. Há pouca consideração sobre as
economias mais ricas da UE ajudarem a trazer aquelas menos produtivas ao mesmo
nível, tal como fizeram os Estados Unidos com suas áreas
deprimidas (como no resgate da indústria automobilística em 2010)
ou quando o governo federal declara um estado de emergência devido a
inundações, tornados ou outras perturbações. Em
comparação com os Estados Unidos e na verdade quase todos os
países, a "ajuda" da UE é em grande medida
egoísta uma combinação de promoção de
exportações e salvamentos para economias devedores pagarem a
bancos dos principais países credores da Europa: Alemanha, França
e Holanda. A carta da UE proíbe o Banco Central Europeu (BCE) de
financiar défices governamentais e impede (na verdade,
"salva") os membros de terem de pagar pela "irresponsabilidade
fiscal" de países que incidem em défices governamentais.
Esta política fiscal "dura" foi o preço que os
países de rendimento mais baixo tiveram de subscrever quando aderiram
à União Europeia.
Ao contrário também dos Estados Unidos (ou quase qualquer
país), o parlamento da Europa é meramente cerimonial. Ele
não tem poder para estabelecer e administrar impostos à escala da
UE. Politicamente, o continente permanece uma federação à
deriva. Espera-se que cada membro descubra o seu próprio caminho. O
banco central não monetiza défices e há uma partilha
federal mínima com os estados membros. Os gastos deficitários
públicos mesmo para investimento de capital em infraestrutura
devem ser financiados incorrendo em dívida, taxas de juro
crescentes à medida em que os défices incorridos se tornam mais
arriscados.
Isto significa que despesas com transportes, energia e outras infraestruturas
básicas que eram financiados publicamente na América do Norte e
nas principais economias europeias (proporcionando serviços a taxas
subsidiadas) devem ser privatizados. Os preços para estes
serviços devem ser estabelecidos suficientemente alto para cobrir juros
e outros encargos de financiamento, altos salários e bónus e
serem administrados para o lucro na verdade, para a
extracção de renda pois a autoridade regulamentar pública
é desactivada.
Isto torna menos competitivos países que vão por este caminho.
Também significa que eles incorrerão em dívida para com a
Alemanha, França e Holanda, causando as tensões financeiras que
agora estão levando a confrontações com governos
democraticamente eleitos. Está em causa se a Europa deveria sucumbir ao
planeamento centralizado na ala direita do espectro político, sob
a bandeira dos "mercados livres" definidos como economias livres de
regulamentação pública de preços e de
supervisão, livre da protecção ao consumidor e livre de
impostos sobre os ricos.
A crise para a Grécia assim como para a Islândia, Irlanda e
economias praguejadas por dívidas impostas pelos Estados Unidos
verifica-se quando lobbystas dos bancos pedem que os "contribuintes"
paguem os salvamentos de más especulações e dívidas
do governo que decorrem em grande medida de cortes fiscais para os ricos e para
o imobiliário, comutando o fardo fiscal bem como o fardo da
dívida para o trabalho e a indústria. O pode crescente do sector
financeiro em alcançar este favoritismo fiscal está a paralisar
economias, conduzindo-as outra vez a depender ainda mais do financiamento da
dívida para permanecerem solventes. A ajuda é condicionada a que
os países receptores reduzam seus níveis salariais
("desvalorização interna") e liquidem suas empresas
públicas.
A visão em túnel que guia estas políticas é
auto-reforçadora. A Europa, a América e o Japão retiram
seus administradores económicos das fileiras de profissionais que
deslizam para trás e para a frente entre os bancos e os
ministérios das finanças o que os japoneses chamam
"descer do céu" para o sector privado onde os prémios
materiais são maiores. Não se trata simplesmente de pagamento
atrasado por serviços passados. A sua experiência de governo e os
seus contactos ajudam-nos a influenciar a burocracia pública restante e
fazer lobby das suas substituições oportunistas para promover
políticas fiscais e monetárias favoráveis ao sector
financeiro isto, para algemar o governo e desviar a
regulamentação e a tributação do sector financeiro,
do imobiliário e dos monopólios clientes, além de utilizar
o poder tributário e de criação de dinheiro para
proporcionar salvamentos quando ocorre o inevitável colapso financeiro
no momento em que a economia contrai-se abaixo dos níveis de ruptura, no
terreno da situação líquida negativa.
Políticas fiscais regressivas comutando impostos sobre os ricos e
a propriedade para o trabalho provocam défices orçamentais
financiados pela dívida pública. Quando possuidores de
títulos puxam a tomada, a pressão resultante força
governos a liquidarem dívidas com a venda de terra e de outros activos
públicos para compradores privados (a menos que governos repudiem a
dívida ou recuperem-se restaurando a tributação
progressiva). A maior parte de tais vendas é feita a crédito.
Isto beneficia os bancos com a criação de um mercado de
empréstimos para a compra de umas empresas pelas outras
(buyouts).
Enquanto isso, os juros absorvem os rendimentos, privam o governo de receita
fiscal que anteriormente podiam receber. A prenda fiscal para os financeiros
baseia-se na má política de tratar o financiamento da
dívida como um custo necessário de fazer negócio,
não como uma opção política uma
opção que na verdade é induzida pela
distorção fiscal de fazer com que os pagamentos de juros sejam
fiscalmente dedutíveis.
Compradores contraem empréstimo para se apropriarem de "bens
públicos"
("the commons")
do mesmo modo como licitam pelo imobiliário comercial. O vencedor
é quem quer que seja que consiga o maior empréstimo para
buyout
prometendo a maior parte da receita como pagamento ao banco sob a forma
de juros. Assim o sector financeiro acaba no fim por ficar com a receita
até então paga a governos como impostos ou taxas de
utilização. Isto é eufemizado como um mercado livre.
Promover o sector financeiro a expensas da economia
A resultante alavancagem da dívida não é um problema
solúvel. É uma quadratura da qual as economias só podem
escapar pela concentração na produção e no consumo
ao invés de meramente subsidiar o sistema financeiro ao permitir que os
actores façam dinheiro a partir de dinheiro através do
inflacionamento de preços de activos nos teclados electrónicos do
crédito livre. A austeridade causa desemprego, o qual reduz
salários e impede o trabalho de participar no excedente
(surplus).
Isto permite às companhias forçar os seus empregados a trabalhar
horas extras e mais arduamente a fim de obter ou manter um emprego, mas
não eleva realmente nem a produtividade nem os padrões de vida do
modo idealizado um século atrás. Aumentar os preços da
habitação a crédito exigindo maiores dívidas
para o acesso à propriedade da casa não é
prosperidade real.
Contrastar a economia "real" com a do sector financeiro exige
estabelecer distinções entre o crédito e o investimento
produtivo e aquele não produtivo. É necessário entender o
conceito de renda
(rent)
económica como um retorno institucional e político ao
privilégio sem um custo de produção correspondente. A
economia política clássica era toda voltada para a
distinção entre o rendimento ganho do rendimento não
ganho, entre o valor do custo e o preço de mercado. Mas os lobistas
pró-financeiros negam que qualquer rendimento ou riqueza rentista seja
não ganha ou parasitária. As contas do rendimento e do produto
nacional
(national income and product accounts, NIPA)
não estabelecem tal distinção. Este ponto cego não
é acidental. Ele é a essência da teoria económica
pós-clássica. E ele explica porque a Europa está
tão paralisada.
O modo pelo qual foi criado o euro, em 1999, reflecte esta visão
superficial. As regras fiscais e financeiras de Maastricht maximizam o mercado
do empréstimo comercial ao impedir bancos centrais de fornecerem a
governos (e portanto à economia) créditos para crescerem. Os
bancos comerciais são a única fonte de financiamento de
défices orçamentais definidos de modo a incluir
investimento de infraestrutura em transportes, comunicações,
energia e água. A privatização destes serviços
básicos impede governos de os fornecerem a taxas subsidiadas ou
gratuitamente. Assim a estradas são transformadas em estradas
portajadas, cobrando taxas de utilização que são
prontamente monopolizadas. As economias são transformadas em conjuntos
de portagens, pagando seus encargos de acesso como juros a credores. Estas
rendas extractivas tornam de alto custo as economias privatizadas. Mas para o
sector financeiro isto é "criação de riqueza".
Ele é avançado ao desagravar fiscalmente pagamentos de juros a
bancos e possuidores de títulos ainda que agravando nesse
processo os défices fiscais.
A crise orçamental grega em perspectiva
Um dos legados fiscais da junta de coronéis (1967-74) foi a
evasão fiscal por parte dos ricos. Os partidos "amistosos para com
os negócios" que se seguiram foram relutantes em tributar a
riqueza. Um relatório de 2010 declarava que aproximadamente um
terço do rendimento grego não era declarado, com "menos de
15 mil gregos declarando rendimentos superiores a 100 mil, apesar de
dezenas de milhares viverem em opulenta riqueza nos arredores da capital. Uma
nova iniciativa dos socialistas para identificar proprietários de
piscinas através do Google Earth recebeu uma resposta virulenta quando
gregos investiram em relva falsa, camuflagem e asfalto a fim de esconder os
passivos fiscais dos espiões no espaço". (Helena Smith,
The Greek spirit of resistance turns its guns on the IMF,
The Observer,
May 9, 2010.)
Como a ditadura militar comprimiu a despesa pública para níveis
mais baixos do que a norma europeia, a infraestrutura precisava ser
reconstruída e isto exigiu défices orçamentais. O
único meio de evitar incorrer em défices teria sido fazer com que
os ricos pagassem os impostos que deveriam. Mas pressionar a
extracção da despesa pública até o nível que
os gregos ricos estavam dispostos a pagar em impostos não parecia
politicamente factível. (Desde a década de 1980 quase nenhum
país pôs em vigor as políticas fiscais da Era
Progressista). O limite de Maastricht de 3 por cento dos défices
orçamentais recusa contabilizar despesas de capital dos governo como
formação de capital, com base na suposição
ideológica de que todos os gastos de governo são uma sobrecarga
ruinosa e de que só o investimento privado é produtivo.
O caminho de menor resistência era entrar no engano fiscal. Banqueiros da
Wall Street ajudaram os partidos "conservadores" (isto é,
fiscalmente regressivos e financeiramente perdulários) a esconder a
extensão da dívida pública com a espécie de
contabilidade lixo de que engenheiros financeiros fizeram trabalho pioneiro
para a Enron. E como é habitual quando está envolvida a fraude
financeira na busca de taxas e lucros, a Goldman Sachs estava no meio. Em
Fevereiro de 2010 a revista alemã
Der Spiegel
revelou como a firma havia ajudado a Grécia a esconder a subida da
dívida pública, hipotecando activos num negócio intrincado
de derivativos legal mas com a intenção encoberta de
contornar a limitação de Maastricht quanto a défice.
"As regras de relatar do Eurostat não registam exaustivamente
transacções envolvendo derivativos financeiros", de modo que
a obrigação da Grécia aparecia como um swap cruzado de
divisa
(cross-currency swap)
ao invés de uma dívida. O governo utilizou entidades fora do
balanço e derivativos semelhantes aos que bancos islandeses e irlandeses
utilizariam posteriormente para se permitirem desaparecimentos fictícios
de dívidas e uma ilusão de solvência financeira.
A realidade, naturalmente, era uma dívida virtual. O governo foi
obrigado a pagar à Wall Street milhares de milhões de euros com
base em futuras taxas de aterragem no aeroporto e futuras taxas da lotaria
nacional pois "os chamados swaps cruzados de divisas ... vencem e incham o
défice já inflado do país". (Beat Balzli, How
Goldman Sachs Helped Greece to Mask its True Debt,
Der Spiegel,
February 8, 2010. O relatório acrescenta: "Um vez, despesas
militares gigantescas foram deixadas de fora e em outra vez milhares de
milhões em dívidas de hospitais". Traduzido em linguagem
directa, o negócio deixou o défice do sector público da
Grécia a 12 por cento do PIB, quatro vezes o limite de Maastricht.
A utilização de derivativos para engendrar uma contabilidade
estilo Enron permitiu à Grécia mascarar uma dívida como um
swap de mercado baseado em opções de divisas estrangeiras, a
serem concluídas num prazo de dez 15 anos. À Goldman foram pagos
US$300 milhões em taxas e comissões pela sua ajuda na
orquestração do esquema de 2001. "Um negócio
semelhante em 2000, chamado Ariadne, devorou a receita que o governo arrecadou
com a sua lotaria nacional. A Grécia, contudo, classificou aquelas
transacções como vendas, não como
empréstimos". O JPMorgan Chase e outros bancos ajudaram a
orquestrar negócios semelhantes por toda a Europa, proporcionando
"cash adiantado em retorno de pagamentos do governo no futuro, com tais
passivos sendo mantidos fora da contabilidade".
O sector financeiro tem interesse em subestimar o fardo fiscal primeiro,
pela utilização da contabilidade lixo "mark to model"
[1]
e, segundo, pela pretensão de que o fardo da dívida pode ser pago
sem desestabilizar a vida económica. Porta-vozes financeiros, desde Tim
Geithner a Dominique Strauss-Kahn no FMI, afirmaram que a crise de
dívida pós 2008 é meramente um "problema de
liquidez" a curto prazo (falta de "confiança"),
não de insolvência que reflecte uma incapacidade subjacente de
pagar. Bancos prometem que tudo ficará certo quando a economia
"retornar ao normal" desde que o governo compre suas hipotecas
lixos e maus empréstimos ("investimentos saudáveis a longo
prazo") por dinheiro efectivo.
A fraude intelectual em acção
Os lobistas financeiros procuram desviar a atenção de eleitores e
decisores políticos da percepção de que a
"normalidade" não pode ser restaurada sem liquidar as
dívidas que tornaram a economia anormal. Quanto mais o fardo da
dívida crescer, mais austeridade ampla na economia será exigida
para pagar dívidas a bancos e possuidores de títulos ao
invés de investir em formação de capital e crescimento
real.
A austeridade agrava o problema, ao intensificar a deflação da
dívida. Ao pretenderem que austeridade ajuda economias ao invés
de destruí-las, lobistas da banca afirmam que mercados em
contracção reduzirão taxas salariais e
"tornarão a economia mais competitiva" através da
"extracção da gordura". Mas a "gordura" real
é o sobrecusto da dívida os juros,
amortizações, comissões e penalidades financeiras
embutidas dentro do custo de fazer negócio, do custo de vida e do custo
do governo.
Quando surgem dificuldades no pagamento de dívida, o caminho da menor
resistência é proporcionar mais crédito a fim de
permitir aos devedores que paguem. Isto mantém o sistema solvente
aumentando os encargos gerais da dívida aparentemente um
paradoxo. Quando instituições financeiras vêem aproximar-se
o ponto em que as dívidas já não podem ser pagas, elas
tentam conseguir que "credores sénior" o BCE e o FMI
emprestem aos governos bastante dinheiro para pagar e, idealmente,
transferir dívidas em risco para o governo ("contribuintes").
Isto retira-as da contabilidade dos bancos e de outras grandes
instituições financeiras que do contrário teriam de
assumir perdas sobre títulos do governo grego, obrigações
de bancos irlandeses, etc, assim como estas instituições perdem
sobre os seus haveres de hipotecas lixo. Os bancos utilizam o resultante
espaço para respirar para tentar despejar os seus títulos com
haveres e apostas más sobre o proverbial "louco maior".
No fim as dívidas não podem ser pagas. Para os administradores da
alta finança o problema é como adiar incumprimentos por tanto
tempo quanto possível e então salvarem-se, deixando
governos ("contribuintes") a segurar o saco, assumindo as
obrigações de devedores insolventes (tais como a AIG nos Estados
Unidos). Mas para fazer isso em face da oposição popular é
necessário suprimir a política democrática. Assim o
desinvestimento pelos que eram antes perdedores financeiros exige que a
política económica seja retirada das mãos de corpos
governamentais eleitos e transferida para as dos planeadores financeiros.
É assim que a oligarquia financeira substitui a democracia.
A pagar juros mais alto por risco mais elevado, enquanto se protegem bancos de
perdas
O papel do BCE, FMI e outras agências de supervisão financeira tem
sido assegurar que os banqueiros sejam pagos. Quando a passada década de
laxismo fiscal e contabilidade fraudulenta veio à luz, banqueiros e
especuladores fizeram fortunas elevando a taxa de juro que a Grécia
tinha de pagar pelo seu risco acrescido de incumprimento. Para garantir que
não perderiam, banqueiros comutaram o risco para a "troika"
europeia à qual foram dados poderes para exigir pagamento dos
contribuintes gregos.
Bancos que concederam empréstimos ao sector público (a taxas
acima do mercado reflectindo o risco), ... estavam a ser salvos a expensas
públicas. Exigindo que a Grécia não impusesse um
"haircut"
a credores, o BCE e a burocracia relacionada da UE pediu para possuidores
europeus de títulos um melhor acordo do que os credores tiveram com os
títulos Brady que resolveram dívidas latino-americanas e do
Terceiro Mundo na década de 1980. Numa entrevista ao
Financial Times,
Lorenzo Bini Smaghi, membro do conselho executivo do BCE, insistiu em que:
Primeiro, a solução dos títulos Brady foi uma
solução para bancos americanos, aos quais basicamente foi
permitido não "mark to market" os títulos
reestruturados. Houve tolerância regulamentar, o que foi possível
nos anos 1980 mas não seria possível hoje
Segundo, a crise latino-americana foi uma crise de dívida externa. O
principal problema na crise grega é a Grécia, seus bancos e o seu
próprio sistema financeiro. A América Latina contraiu
empréstimos em dólares e as linhas de crédito eram
principalmente para com estrangeiros. Aqui, uma grande parte das dívidas
é para com gregos. Se a Grécia incumprisse, o sistema
bancário grego entraria em colapso. Seria então necessária
uma enorme recapitalização mas de onde viria o dinheiro?
Terceiro, após o incumprimento os países latino-americanos ainda
tinham bancos centrais que podiam imprimir dinheiro para pagar salários
de funcionários públicos e pensões. Eles fizeram isso e
criaram inflação. Assim eles livraram-se [da crise]
através da inflação, depreciação e assim por
diante. Na Grécia não haveria um banco central que pudesse
financiar o governo e ele teria de encerrar parcialmente algumas das suas
operações, como o sistema de saúde.
Bini Smaghi ameaçou que a Europa destruiria a economia grega se esta
tentasse reduzir
(scale back)
suas dívidas ou mesmo estender para maturidades a fim de reflectir a
sua capacidade de pagar. A opção da Grécia era entre isso
ou a anarquia. A reestruturação não beneficiaria "o
povo grego. Ela implicaria um grande desastre económico, social e mesmo
humanitário, dentro da Europa. A disciplina implica que as coisas
caminhem suavemente, mas se você liquida o sistema bancário, como
podem elas ir suavemente?" A posição do BCE "é
baseada no princípio de que dívidas na área euro têm
de ser reembolsadas e países têm de ser solventes. Isso tem de ser
o princípio de uma economia baseada no mercado". (Ralph Atkins,
Transcript: Lorenzo Bini Smaghi,
Financial Times,
May 30, 2011. A entrevista ocorreu em 27 de Maio.)
É claro que uma economia orientada para o credor não está
realmente baseada no mercado. Os bancos destruíram o mercado
através do seu próprio planeamento financeiro central
utilizando alavancagem de dívida para deixar a Grécia com uma
opção nua: Ou ela permitiria que responsáveis da UE
viessem e trinchassem a sua economia, vendendo os seus principais sítios
turísticos e oportunidades de extracção de renda
monopolista a credores estrangeiros num gigantesco movimento de arresto
nacional, ou ela aguentaria uma situação duríssima e
retirar-se-ia da eurozona. Foi este o acordo que Bini Smaghi ofereceu: "se
houver privatizações suficientes e assim por diante
então o FMI pode desembolsar e os europeus farão a sua parte. Mas
a chave jaz em Atenas, não alhures. O elemento chave para o retorno da
Grécia ao mercado é travar discussões acerca de
reestruturação".
De uma forma ou de outra a Grécia perderia explicou ele:
"incumprimento ou reestruturação não ajudariam a
resolver os problemas da economia grega, problemas que podem ser resolvidos
só pela adopção das reformas estruturais e medidas de
ajustamento fiscal incluídas no programa. Do contrário, isso
empurraria a Grécia para uma grande depressão económica e
social". Este poder de exigirem ser pagos ou destruírem as
poupanças da economia e o sistema monetário é o que os
banqueiros centrais chamam de "resgate", ou "restaurar
forças de mercado". Banqueiros afirmam que a austeridade
ressuscitará o crescimento. Mas aceitar isso como alternativa
democrática realista seria auto-imolação.
A menos que a Grécia assinasse esta insensatez, nem o BCE nem o FMI
concederiam empréstimos para salvar o seu sistema bancário da
insolvência. Em 31 de Maio de 2011, a Europa concordou em proporcionar
86 mil milhões se a Grécia "adiar por enquanto uma
reestruturação, suave ou dura, do enorme fardo que é a
dívida grega". A pretensão constituía a
"esperança de que num par de anos a Grécia estará em
melhor posição para reembolsar plenamente suas
dívidas". A antecipação do falso resgate levou o euro
a recuperar-se em relação a divisas estrangeiras e as
acções europeias saltaram 2 por cento. Os rendimentos de
títulos gregos a 10 anos caíram "apenas" um
nível aflitivo de 15,7 por cento, um ponto percentual abaixo da altura
da semana anterior de 16,8 por cento quando um responsável grego fez o
anúncio ameaçador de que "Reestruturação
está fora de discussão. Por agora trata-se só de
crescimento, crescimento, crescimento".
Como pode austeridade consistir em crescimento? Esta ideia nunca funcionou, mas
a pretensão está em andamento. A UE proporcionaria bastante
dinheiro para o governo grego salvar possuidores de títulos de terem de
sofrer perdas. O sector financeiro suporta pesadas despesas de contribuintes
enquanto o fardo não cair sobre si próprio ou seus principais
clientes no sector imobiliário ou a infraestrutura de monopólios
a ser privatizada.
O compromisso empréstimo-por-privatização foi chamado de
"ajuda à Grécia" ao invés de ajuda a possuidores
de títulos alemães, franceses e outros. Mas os investidores
financeiros sabiam melhor. "Desde que começou a crise, 60 mil
milhões de euros em depósitos foram retirados de bancos gregos,
cerca de um quarto do produto do país" (Atkins,
FT
). Estas retiradas, que foram ganhando ímpeto, foram da dimensão
precisa do empréstimo que estava a ser oferecido!
Enquanto isso, a transferência de 60 mil milhões de euros para
fora dos balanços dos bancos e para dentro do sector privado
ameaçava elevar o ráci da dívida pública em
relação ao PIB em mais de 150 por cento. Houve a conversa de que
outros 100 mil milhões de euros seriam necessários para
"socializar as perdas" que de outra forma seriam sofridas por
banqueiros alemães, franceses e outros da Europa que tinham os olhos
fitos num ganho inesperado se títulos gregos fortemente descontados
fossem tornados livres de risco pelo retalhamento da Grécia de forma
muito semelhante àquela que o Tratado de Versalhes fez à Alemanha
após a I Guerra Mundial.
A população grega certamente viu que o mundo estava em guerra
financeira. Multidões cada vez maiores reuniram-se a cada dia para
protestar na Praça Sintagma, em frente ao Parlamento, tal como
multidões de islandeses haviam feito antes sob ameaças
semelhantes dos seus sociais-democratas de liquidarem a nação
junto a credores europeus. E assim como o primeiro-ministro da Islândia,
Sigurdardottir, resistiu arrogantemente contra a opinião pública,
da mesma forma comportou-se o primeiro-ministro socialista grego, George
Papandreu. Isto levou a Comissária das Pescas da UE, Maria Damanaki,
"a 'falar abertamente' acerca do dilema enfrentado pelo seu
país", advertindo: "O cenário da saída da
Grécia do euro está agora em cima da mesa, assim como os caminhos
para fazer isso. Quer concordemos com os nossos credores sobre um programa de
árduos sacrifícios e resultados ... ou quer retornemos ao dracma.
Tudo o mais é de importância secundária". E o antigo
ministro das Finanças holandês Wiem Vermeend escreveu em
De Telegraaf
que "A Grécia deveria deixar o euro", uma vez que nunca
será capaz de reembolsar a sua dívida".
Tal como na Islândia, as medidas de austeridade gregas deveriam ser
postas em referendo nacional com pesquisas relatando que cerca de 85 por
cento dos gregos rejeitam o salvamento bancário com plano de
austeridade. O seu governo está a pagar pelo crédito o dobro dos
alemães, apesar de aparentemente não haver risco cambial externo
(utilizando o euro). O resultado pode ser impulsionar a Grécia para fora
da eurozona, não só ao forçá-la ao incumprimento (a
receita não está lá para pagar) como pela Terceira Lei do
Movimento Político de Newton: Toda acção cria uma
acção igual e oposta. A tentativa do BCE de fazer com que o
trabalho grego ("contribuintes") paguem possuidores estrangeiros de
títulos está a levar à pressão pelo repúdio
total e ao movimento interno "Não pagarei". O movimento
trabalhista grego sempre foi forte e a crise da dívida está a
radicalizá-lo mais.
O objectivo de bancos comerciais é substituir governos na
criação de moeda, tornando a economia inteiramente dependente
deles, com a tomada de empréstimos pelo sector público criando um
enorme "mercado" livre de risco para empréstimos geradores de
juros. Foi para ultrapassar esta situação que foi criado o Banco
da Inglaterra em 1694 para libertar o país da dependência
do crédito italiano e holandês. De modo análogo a Reserva
Federal dos EUA, com todas as suas limitações, foi fundada para
permitir ao governo criar a sua própria moeda. Mas os bancos europeus
manietaram os seus governos, substituindo a democracia parlamentar pela
ditadura do BCE, o qual está impedido constitucionalmente de criar
crédito para governos até que bancos da Alemanha e da
França considerem do seu próprio interesse fazer isso. Tal como o
professor Bill Black, da Universidade do Missouri-Kansas City resume a
situação:
"Um país que abandona a sua divisa soberana aderindo ao euro
abandona os três principais meios efectivos de responder a uma
recessão. Ele não pode desvalorizar a sua divisa para tornar as
suas exportações mais competitivas. Ele não pode
empreender uma política monetária expansionista. Ele não
tem qualquer política monetária e os países da periferia
da UE não têm influência significativa sobre as
políticas monetárias do BCE. Ele não pode montar uma
política fiscal adequadamente expansionista devido às
restrições do pacto de crescimento e estabilidade da UE. O pacto
é um duplo paradoxo ao impedir políticas fiscais
contra-cíclicas prejudica o crescimento e a estabilidade por toda a
Eurozona".
As políticas financeiras agora são dominadas pelo impulso para
substituir incumprimentos de dívida por contínuos excedentes
fiscais para pagar banqueiros e possuidores de títulos. O sistema
financeiro quer ser pago. Mas matematicamente isto é impossível,
devido à "mágica do juro composto" ultrapassar a
capacidade da economia para pagar a menos que bancos centrais inundem
mercados de activos com nova bolha de crédito, como tem feito a
política estado-unidense desde 2008. Quando devedores não podem
pagar e quando os bancos por sua vez não podem os seus depositantes e
outras contrapartes, o sistema financeiro vira-se para o governo a fim de
extrair a receita dos "contribuintes" (não do próprio
sector financeiro). A política salva bancos insolventes através
do afundamento de economias internas na deflação da
dívida, fazendo os contribuintes arcarem com o custo dos bancos em
más condições.
Estas obrigações financeiras são virtualmente uma
exigência de tributos. E desde 2010 elas têm sido aplicadas aos
países PIIGS. O problema é que receita utilizada para pagar
credores não fica disponível para gastar dentro da economia. De
modo que o investimento e o emprego se contraem e os incumprimentos
propagam-se. Alguma coisa deve ceder, politicamente assim como economicamente,
quando a sociedade é recuada ao "problema de
Copérnico". Será que a economia "real" da
produção e do consumo gira em torno das finanças ou, em
alternativa, as exigências financeiras de juros devorarão o
excedente económico e começarão a comer a própria
economia?
Deterministas tecnológicos acreditam que a tecnologia conduz tudo. Se
assim fosse, o aumento da produtividade teria feito toda a gente rica na Europa
e nos Estados Unidos, bastante rica para não ficar em dívida. Mas
há um brutal questionamento da Escola de Chicago insistindo em que o
sofrimento desnecessário de hoje é perfeitamente natural e mesmo
necessário para resgatar economias através do salvamento dos seus
bancos e do encargo da dívida como se tudo isto fosse o
núcleo económico, não o envoltório em torno do
núcleo.
Enquanto isso, economias estão a cair mais profundamente na
dívida, apesar das medidas de aumento da produtividade. O enigma
aparente foi explicado muitas vezes, mas é tão contra-intuitivo
que produz uma parede de dissonância cognitiva. A visão natural
é pensar que o mundo não deveria estar neste caminho, deixar a
criação de crédito sobrecarregar economias com
dívidas sem financiar os meios de pagá-las. Mas este
desequilíbrio é a dinâmica chave que define se as economias
crescerão ou contrair-se-ão.
John Kenneth Galbraith explicou que a banca e a criação de
crédito é um princípio tão simples que a mente o
rejeita porque é alguma coisa em troca de nada, o proverbial
almoço gratuito que tem origem no princípio de bancos criarem
depósitos ao fazerem empréstimos. Assim como a natureza odeia o
vácuo, do mesmo modo a maior parte das pessoas odeia a ideia de que
existe uma coisa tal como um almoço gratuito. Mas os adeptos financeiros
do almoço gratuito assumiram o comando do sistema político.
Eles podem manter-se no seu privilégio e impedir uma
amortização da dívida apenas na medida em que possam
impedir a generalização de uma objecção moral
à ideia de que a economia é só para salvar os direitos dos
credores de serem reduzidos à capacidade de pagar da economia
pela afirmação de que o travão financeiro é
realmente a chave para o crescimento, não um pagamento de livre
transferência.
O iminente referendo grego coloca esta questão assim como o fez no
princípio desta Primavera o da Islândia. Como comentou Yves Smith
recentemente quanto ao
jogo da galinha
de se o governo da Grécia aceitaria ou rejeitaria seus árduos
termos.
"Isto é ao que se assemelha a escravidão da dívida a
um nível nacional. ... A Grécia parece estar no seu caminho para
ficar sob a bota de banqueiros assim como antigamente pequenos agricultores
livres sulistas foram transformados em "colhedores de dívidas"
após a Guerra Civil dos EUA. Políticas deflacionárias
deixaram muita gente com pagamentos de hipotecas cujo serviço era cada
vez mais difícil. Muitos caem na servidão do 'empenhamento da
plantação'. Agricultores estavam famélicos por dinheiro e
empenharam suas plantações a mercadores os quais então
actuaram de um modo parental abusivo, sendo dadas listas de bens
necessários para operar a terra e manter a família do agricultor
e repartindo-os como consideravam adequado. Os mercadores não só
aplicavam juros aos empréstimos como também vendiam os bens aos
agricultores com margens de 30 por cento ou maiores sobre os preços
à vista. O sistema era operado, intencionalmente, de modo a que a
colheita do agricultor nunca o livrasse das suas dívidas. (o mercador
como comprador contratado podia pagar o que quisesse pela colheita; o
agricultor não podia comercializá-la junto a terceiros). Esta
servidão da dívida finalmente levou à rebelião na
forma do movimento populista. (Yves Smith, Will Greeks Defy Rape and
Pillage By Barbarians Bankers? An E-Mail from Athens, Naked Capitalism,
May 30, 2011.)
Poder-se-ia esperar um movimento político semelhante nos dias de hoje. E
tal como no fim do século XIX, serão mobilizados economistas
académicos para rejeitá-lo. Subsidiados pelo sector financeiro, a
ortodoxia económica de hoje considera natural canalizar ganhos de
produtividade para o sector das finanças, seguros e imobiliário
(finance, insurance and real estate. FIRE)
e os monopólios ao invés de elevar salários e
padrões de vida. Lobistas neoliberais e seus mascotes académicos
rejeitam a partilha dos ganhos de produtividade com o trabalho como sendo
improdutiva e não conducente à "criação de
riqueza" em estilo financeiro.
Fazendo governos pagarem credores quando bancos encalham
Está em debate não só se dívidas à banca
deveriam ser pagas pela transferência para o balanço
público a expensas do contribuinte, mas também se elas podem
razoavelmente ser pagas. Se elas não puderem ser, então tentar
pagá-las contrairá as economias ainda mais, tornando-as assim
menos viáveis. Muitos países já ultrapassaram este limite
financeiro. O que está agora em causa é um passo político
se há um limite de quanto mais juros credores podem pressionar
populações nacionais à dependência da dívida.
Gerações futuras podem recordar a nossa época como um
grande Experimento Social de quão longe o ponto pode ser diferido no
qual o governo ou parlamentos traçarão uma linha
contra a imposição ao passivo público de dívidas
para além de qualquer capacidade razoável de pagar sem cortar
drasticamente despesas públicas com educação, cuidados de
saúde e outros serviços básicos?
Será que um governo ou economia será declarado
solvente enquanto tiver bastante terra e edifícios, estradas, ferrovias,
sistemas telefónicos e outras infraestruturas para liquidar pagamentos
de juros sobre dívidas que se acumulam exponencialmente? Ou
deveríamos nós pensar da solvência como existente sob
proporções existentes nas nossas economias mistas
público/privadas? Se populações puderem ser convencidas da
última definição como o foram aquelas da antiga
União Soviética e como o BCE, UE e FMI estão agora a
exigir então o sector financeiro prosseguirá com
buyouts
e arrestos até possuir todos os activos do mundo, todos os activos
até agora públicos, activos corporativos e aqueles de
indivíduos e sociedades.
É acerca disto a guerra financeira de hoje. E é o que os gregos
que se reúnem na Praça Sintagma estão a demonstrar. Em
causa está o relacionamento entre o sector financeiro e a economia
"real". Da perspectiva da economia "real", o papel adequado
do crédito isto é, da dívida é
financiar investimento em capital produtivo e crescimento económico.
Afinal de contas, é a partir do excedente económico que o juro
tem de ser pago.
Isto exige um sistema fiscal e um sistema regulamentar das finanças para
maximizar o crescimento. Mas é precisamente a política fiscal que
o sector financeiro de hoje está a combater. Ele exige dedutibilidade
fiscal para o juro, encorajando o financiamento por dívida ao
invés de acções. Desactivou as leis
truth-in-lending
e a regulamentação que mantinha preços (as taxas de juro e
as comissões) a par dos custos de produção. E impede
governos de terem bancos centrais para financiarem livremente suas
próprias operações e fornecerem moeda às economias.
Os bancos e seus lobistas financeiros não têm mostrado grande
interesse pelo bem-estar da economia em sentido amplo. É mais
fácil e mais rápido fazer dinheiro sendo extractivo e
predatório.
A fraude e o crime compensam, se você puder desactivar a polícia e
agências regulamentares. Assim isso tornou-se a agenda financeiro,
ansiosamente endossada por porta-vozes académicos e ideólogos dos
media os quais aplaudem administradores da banca e correctores de hipotecas
subprime, atacantes
(raiders)
corporativos e seus accionistas, e a nova ninhada de privatizadores,
utilizando a medida unidimensional de quanta receita pode ser extraída e
capitalizada em serviço da dívida. Desta perspectiva neoliberal,
a riqueza da economia é medida pela magnitude das
obrigações de dívida hipotecas, títulos e
empréstimos bancários empacotados que capitalizam
rendimento e mesmo esperançosamente ganhos de capital à taxa de
juro existente.
A Islândia tardiamente decidiu que era errado entregar sua banca a uns
poucos oligarcas internos sem qualquer supervisão ou
regulamentação real sobre as suas transacções. Do
ângulo privilegiado da teoria económica, não era loucura
imaginar que o gracejo de Adam Smith acerca de não confiar na
benemerência do talhante, cervejeiro ou padeiro pelos seus produtos, mas
sim no seu auto-interesse, será aplicável a banqueiros? O seu
"produto" não é um bem de consumo tangível, mas
dívida portadora de juros. Estas dívidas são um direito
sobre a produção, receita e riqueza, elas não constituem
riqueza real.
Isto é o que os neoliberais pró-financeiros deixam de entender.
Para eles, criação de dívida é
"criação de riqueza" (eufemismo favorito de Alan
Greenspan) quando o crédito isto é, dívida
aumenta preços de propriedade, acções e títulos e
portanto fortalece balanços financeiros. A "teoria do
equilíbrio" que está subjacente à ortodoxia
académica trata preços de activos (riqueza financiarizada) como
reflectindo uma capitalização do rendimento esperado. Mas na
Bolha Económica de hoje, preços de activos reflectem seja o que
for que banqueiros emprestem. Ao invés de serem baseados no
cálculo racional, seus empréstimos são baseados no que
banqueiros de investimento são capazes de empacotar e vender a
instituições financeiras frequentemente crédulas. Esta
lógica leva a tentativas de pagar pensões a partir de um processo
de "criação de riqueza" que dirige economias para a
dívida.
Não é difícil ilustrar isso estatisticamente. O montante
de dívida que uma economia pode pagar é limitado pela
dimensão do seu excedente, definido como lucros corporativos e
rendimento pessoal para o sector privado e a receita fiscal líquida paga
ao sector público. Mas nem a teoria financeira de hoje nem a
prática global reconhecem um constrangimento da capacidade de pagar.
Assim tem sido permitido ao serviço da dívida comer a
formação de capital e reduzir padrões de vida e
agora, exigir privatizações a preços de saldo.
Como alternativa a tais exigências financeiras, a Islândia
proporcionou um modelo do que a Grécia pode fazer. Respondendo a
exigências britânicas e holandesas de que o seu governo garantisse
o pagamento do salvamento do Icesave, o Althing [Parlamento] recentemente
afirmou o princípio da dívida soberana:
"As pré-condições para a extensão de garantia
do governo de acordo com este Acto são:
1. Que ... o cálculo será feito considerando a dificuldade e
circunstâncias sem precedentes com a qual a Islândia está
confrontada e a necessidade de decidir sobre medidas que permitam reconstruir
seu sistema financeiro e económico.
Isto implica, dentre outras coisas, que as partes contratantes
concordarão num pedido fundamentado e objectivo da Islândia para
uma revisão do acordo em conformidade com as suas
disposições.
2. Que a posição da Islândia como estado soberanos exclui
processos legais contra seus activos os quais são necessários
para desempenhar de uma maneira aceitável suas funções
como estado soberano".
Ao invés de impor a espécie de programas de austeridade que
devastaram países do Terceiro Mundo desde a década de 1970
à de 1990 e levá-los a evitar o FMI como uma praga, o Althing
está a mudar as regras do sistema financeiro. Ele está a
subordinar o reembolso da Islândia à Grã-Bretanha e Holanda
à capacidade da economia islandesa de pagar:
"Ao avaliar as pré-condições para uma revisão
dos acordos, também serão tomadas em conta a
posição da economia nacional e das finanças do governo em
qualquer dado momento e as perspectivas a este respeito, com especial
atenção sendo dadas a questões de câmbio
estrangeiro, desenvolvimentos da taxa de câmbio e a balança de
transacções correntes, crescimento económico e
alterações no produto interno bruto bem como desenvolvimentos
quanto à dimensão da população e da
participação no mercado de trabalho".
Esta é a proposta do Althing para regularizar reclamações
sobre o banco Icesave que a Grã-Bretanha e a Holanda rejeitam tão
apaixonadmente como "impensável". Assim, a Islândia
disse: "Não, leve-nos ao tribunal". E é neste ponto que
as coisas estão agora.
A Grécia não está em tribunal. Mas fala-se de uma
"lei superior", tal como foi discutidos nos Estados Unidos antes da
Guerra Civil quanto à escravidão. Em causa está hoje o seu
análogo financeiro, a servidão da dívida.
Será suficiente mudar o ambiente financeiro do mundo? Pela primeira vez
desde a década de 1920 (tanto quanto sei), a Islândia fez do
princípio capacidade-para-pagar a base legal explícita para o
serviço internacional de dívida. O montante a ser pago deve ser
limitado a uma proporção específica do crescimento do seu
PIB (com base na admitidamente ténue suposição de que este
possa ser convertido em rendimentos de exportação). Após a
recuperação da Islância, a Tesouro ofereceu como garantia
de pagamento à Grã-Bretanha no período 2017-2023
até 4 por cento do crescimento do PIB após 2008, mais outros 2
por cento para os holandeses. Se não houver crescimento no PIB,
não haverá serviço da dívida. Isto significa que se
credores tomassem acções punitivas cujo efeito seja estrangular a
economia da Islândia, eles não obteriam pagamento.
Não é de admirar que a burocracia da UE reagisse com tamanha
raiva. Era quase uma rebelião de escravos. Retornando à Terceiro
Lei do Movimento, de Newton, aplicável à política e
à ciência económica, era bastante natural para a
Islândia, como para a maior parte dos países por toda a
área do desastre neoliberalizado, ser a primeira economia a recuar.
Nos últimos dois anos viu o seu status afundar dos mais altos
padrões de vida do Ocidente (financiados pela dívida, como se
verificou) para o mais profundamente endividado. Em tais circunstâncias
é natural para uma população e seus representantes eleitos
experimentarem um choque cultural neste caso, uma
consciencialização da ideologia destrutiva dos eufemismos do
"mercado livre" neoliberal que levaram à
privatização dos bancos do país e a decorrente bacanal de
dívida.
Os gregos reunidos na Praça Sintagma não parecem precisar de
qualquer choque cultural para rejeitarem a genuflexão do seu governo
socialista a banqueiros europeus. Aparentemente podem seguir a Islândia e
levar o pêndulo ideológico outra vez rumo à
consciência clássica de que na prática esta retórica
revela-se ser uma teoria económica lixo favorável a bancos e
credores globais. Dívida portadora de juros é o
"produto" que os bancos vendem, afinal de contas. O que parecia
à primeira vista ser "criação de riqueza" era
mais precisamente criação de dívida, na qual os bancos
não assumiam qualquer responsabilidade pela capacidade de pagar. O crash
resultante levou o sector financeiro a acreditar subitamente que amava o
controle centralizado do governo na medida dos pedidos ao sector
público por salvamentos que reduzissem economias endividadas a uma
geração de servidão fiscal para pagar a dívida com
a resultante contracção económica.
Tanto quanto sei, este acordo é o primeiro desde o Plano Young para
reparações devidas pela Alemanha de subordinar
obrigações internacionais de dívida ao princípio da
capacidade de pagar. A proposta do Althing explicita isso em termos claros,
como uma alternativa à ideia neoliberal de que economias devem pagar
quer queiram quer não (como diria Keynes), sacrificando seu futuro e
conduzindo a sua população a emigrar numa vã tentativa de
pagar dívidas que, no fim, não podem ser pagas mas simplesmente
deixam economias devedoras irremediavelmente dependentes dos seus credores. No
fim, países democráticos não estão desejosos de
entregar a autoridade do planeamento político a uma oligarquia
financeira emergente.
Não há dúvida de que países
pós-soviéticos estão a observar, bem como os
latino-americanos, africanos e outros devedores soberanos cujo crescimento tem
sido atrofiado pelos programas de austeridade predatórios impostos pelo
FMI, Banco Mundial e neoliberais da UE nas últimas décadas. Todos
nós deveríamos desejar que a era pós Bretton Woods esteja
ultrapassada. Mas não estará até que a
população grega siga a da Islândia dizendo não
e a da Irlanda finalmente acorde.
[1]
Mark-to-Model
: a prática de estabelecer os preços de uma carteira com base nos
preços determinados por modelos financeiros, ao
invés de permitir que o mercado determine o preço.
[*]
Professor da Universidade de Missouri-Kansas City, autor de numerosos livros,
incluindo
Super Imperialism: The Economic Strategy of American Empire
(new ed.,
Pluto Press, 2002) e
Trade, Development and Foreign Debt: A History of Theories
of Polarization v. Convergence in the World Economy
.
mh@michael-hudson.com
O original encontra-se em
http://www.counterpunch.org/hudson06062011.html
. Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.