Crise sistémica global / Deslocamento geopolítico mundial
Fim de 2011: Queda do "Muro dos petro-dólares"
e choque monetário-petrolífero maior para os EUA
Com este número 52 do GEAB, nossa equipe celebra dois
aniversários importantes em termos de antecipação. Foi com
efeito em Fevereiro de 2006, portanto há exactamente cinco anos, que o
GEAB Nº 2
teve um êxito mundial brusco ao anunciar o próximo
"Desencadeamento de uma grande crise mundial" caracterizada
nomeadamente pelo "fim do Ocidente tal como se conhece desde 1945". E
foi exactamente há dois anos, em Fevereiro de 2009, que com o
GEAB Nº 32
o LEAP/E2020 antecipava o arranque da fase de deslocamento
geopolítico mundial para o fim daquele mesmo ano. Em ambos os casos,
é importante notar que o interesse inegável provocado por estas
antecipações a nível internacional, mensurável
nomeadamente nos milhões de leitores dos comunicados públicos
respectivos, não teve como equivalente senão o silêncio dos
media principais acerca destas mesmas análises e a
oposição feroz (na Internet) da grande maioria dos peritos e
especialistas económicos, financeiros ou geopolíticos.
Entretanto, neste principio de 2011, a maior parte do mundo não duvida
que estamos bem comprometidos num processo de amplitude histórica que
vê o mundo pós 1945 afundar-se sob os nossos olhos, com os Estados
Unidos à cabeça, enquanto a comunidade internacional desloca-se a
cada dia um pouco mais, assim como o tecido social e económico da maior
parte dos países do planeta
[1]
. Mas esta evidência actual naturalmente não impediu
"decisores e peritos"
[2]
, em 2006, de estarem certos de que não havia no horizonte qualquer
risco de crise importante; e, em 2009, que era absurdo imaginar o menor risco
de deslocamento da ordem mundial estabelecida e ainda menos da ordem social.
Infelizmente, hoje, a capacidade intelectual destas elites para enfrentar as
mudanças em curso não parece haver melhorado uma vez que os
mesmos "decisores e peritos" há apenas dois meses não
imaginavam possível que a Tunísia e depois o Egipto pudessem ver
os seus regimes derrubados proximamente. Governos e instituições
internacionais cegas
[3]
, peritos e medias ultrapassados
[4]
, ... as elites ocidentais, e os seus clones das diferentes regiões do
mundo, continuam a afundar nos
"holzweg"
(caminhos errados da História), caminhos florestais que não
levam a parte nenhuma, ou mais exactamente como sublinhava Heidegger, que
não levam a qualquer parte senão se se tiver a humildade de estar
constantemente à escuta da floresta e dos seus sinais
[5]
.
Contudo, quando os sinais se tornam verdadeiras sirenes de alerta, nossas
elites parecem decidir tudo fazer para ignorá-los. Tomemos um exemplo
muito recente: a comparação dos acontecimentos afectando o mundo
árabe com a queda do Muro de Berlim. Nossa equipe ficou muito
interessada ao verificar que esta imagem que utilizamos desde 2006 para ajudar
a compreender o processo em curso de desintegração da
potência dos Estados Unidos, é doravante retomada alegremente por
dirigentes políticos (Angela Merkel à cabeça
[6]
) e peritos de toda espécie. Entretanto, hoje, aqueles mesmos que fazem
esta comparação parecem proibir-se de seguir o seu caminho
intelectual até o fim, até o momento em que ele desemboca numa
compreensão da dinâmica dos acontecimentos. Contentam-se em
descrever, sem analisar.
Ora, este "muro" que rui foi bem construído por alguém,
ou alguma coisa, e com um fim preciso. O "Muro de Berlim" havia sido
construído pelo regime da Alemanha do Leste, no contexto mais geral da
"Cortina de ferro", desejada pela URSS
[NR]
, para separar o mais hermeticamente possível o bloco comunista do
Ocidente. E isso visava no essencial evitar toda colocação em
causa do poder detido pelo partido único em cada país comunista a
fim de perpetuar o controle por Moscovo dos países europeus do Leste; em
contrapartida, Moscovo assegurava apoio sem falha e prebendas de todo
género aos dirigentes dos países da Europa do Leste. O derrube do
"Muro de Berlim", pondo em causa estes monopólios de poder e
portanto os objectivos que serviam, provocou assim em alguns meses a queda
sucessiva de todos os regimes comunistas da Europa do Leste para terminar dois
anos mais tarde pela dissolução da URSS e o fim de 70 anos de
poder absoluto do partido comunista russo.
Então, se é também um "muro" que está em
vias de cair sob os nossos olhos no mundo árabe, para poder antecipar a
sequência dos acontecimentos é essencial poder responder a estas
questões: que o construiu? Com que fim? E as respostas não
são tão difíceis de encontrar para aqueles que não
olham a actualidade com viseiras ideológicas:
-
este "muro" foi construído por cada um dos ditadores (ou
regimes) árabes da região a fim de assegurar a
manutenção do seu monopólio sobre o poder e as riquezas do
país, evitando todo risco de questionamento do seu partido único
ou da sua legitimidade dinástica (para os reinos). Neste sentido,
há muito pouca diferença entre as cliques no poder nos
países árabes e aquelas que dirigiam os países comunistas.
[NR]
-
este "muro" integrava-se no dispositivo mais geral estabelecido por
Washington para preservar o seu acesso preferencial (e em dólares dos
EUA) aos recursos petrolíferos da região e preservar os
interesses de Israel. A integração avançada do aparelho
militar e de segurança destes países (salvo a Síria e o
Líbano) com o dispositivo de defesa dos Estados assegura(va) um apoio
americano sem falha e permite(ia) aos respectivos dirigentes árabes
beneficiarem de prebendas de toda espécie sem risco de serem postos em
causa por forças internas ou externas.
Assim, reflectindo um pouco mais na sua comparação com a queda do
Muro de Berlim aquando da
Conferência sobre a Segurança de Munique
, a chanceler alemã teria podido voltar-se para a sua vizinha de
debate, a secretária de Estado americana Hillary Clinton, e
perguntar-lhe: "Não pensa que os acontecimentos actuais na
Tunísia e no Egipto são os primeiros sinais da queda de todos os
regimes que dependem de Washington para a sua sobrevivência? E que eles
podem em particular conduzir a um afundamento rápido do sistema de
aprovisionamento de petróleo dos Estados Unidos tal como foi montado
há décadas? E portanto do sistema global de
facturação do petróleo e do papel central do dólar
no assunto?
[7]
". Enquanto a audiência da Conferência sobre a
Segurança de Munique percebesse subitamente que finalmente debatia
alguma coisa séria
[8]
, Angela Merkel teria podido acrescentar: "E quanto a Israel, não
pensa que esta queda de "muro" vai implicar muito em breve a
necessidade de reconsiderar toda a política americano-israelense na
região?
[9]
". E eis o milagre: a Conferência sobre a Segurança de
Munique teria posto o pé no século XXI e o debate euro-americano
tratar do mundo real em vez de divagar na virtualidade transatlântica e
na luta contra o terrorismo.
Infelizmente, como sabemos todos, este diálogo não se verificou.
E as divagações dos nossos dirigentes arriscam-se portanto a
continuar tendo como consequência acentuar os choques do ano 2011 e do
seu carácter impiedoso como antecipado no
GEAB Nº 51
.
Entretanto, o LEAP/E2020 está convencido que os acontecimentos actuais
no mundo árabe, de que havíamos correctamente antecipado os
mecanismos, são antes de tudo a tradução regional das
tendências de fundo da crise sistémica global e, em particular, do
deslocamento geopolítico mundial
[10]
. Deste ponto de vista, são as premissas de choques maiores nos
próximos trimestres. Estimamos em particular que o fim de 2011
será marcado pelo que a nossa equipe chama a "Queda do muro dos
petro-dólares"
[11]
que gerará imediatamente um choque monetário-petrolífero
de grande porte para os Estados Unidos. Isto é igualmente um dos
assuntos principais deste GEAB Nº 52 com a antecipação mais
geral da evolução do mundo árabe (inclusive um indicador
preciso do risco-país na região). Por outro lado, nossa equipe
analisa a aceleração em curso do processo de emergência da
Eurolândia e suas consequências para o Euro e a
situação na Europa. Finalmente, apresentamos nossas
recomendações respeitantes a todos estes acontecimentos.
Notas:
(1) Mesmo o FMI, apesar da sua imaginação pouco desenvolvida,
doravante evoca o espectro de guerras civis por todo o planeta como informa o
Telegraph
de 01/02/2011; ao passo que
The Onion
de 24/01/2011 exercita-se com êxito no humor negro num artigo espantoso,
mas revelador do ambiente actual, que evoca a designação pela
Fundação do Património Mundial, patrocinada pelo Goldman
Sachs, do "Fosso entre ricos e pobres do planeta" como sendo a
8ª Maravilha do Mundo devido à sua amplitude até
então sem equivalente.
(2) Pomos aspas pois na nossa opinião um decisor que nada prevê e
um perito que nada sabe são de facto impostores.
(3) A CIA e o governo francês proporcionam duas ilustrações
exemplares desta tendência geral: eles nada viram vir na Tunísia e
no Egipto, mesmo quando gastavam dezenas de milhares de milhões de
dolares por ano para espionar o mundo árabe e os outros passeavam-se ao
mais altos nível (primeiro-ministro e ministro dos Negócios
Estrangeiros) no centro dos países referidos. A simples leitura das
nossas antecipações de 2008 (
GEAB Nº 26
) sobre o assunto
teria contudo podido colocá-los na pista uma vez que são
exactamente as tendências então que conduziram aos acontecimentos
tunisinos e egípcios destas últimos semanas. Como resume
brutalmente o
Spiegel
de 03/02/2011: "A revolução, isso não é bom
para os negócios" ... sobretudo quando não se viu
aproximar-se, poder-se-ia acrescentar.
(4) Neste assunto, os investidores e os actores económicos que se
contentaram com estas análises encontram-se hoje em sérias
dificuldades uma vez que os "El Dorado" promovidos a golpes de
reportagens e comentários "esclarecidos" se transformaram
brutalmente em armadilha para capitais, em zonas instáveis, em
previsões incertas. As "fantásticas vantagens
competitivas" para eles tornaram-se numa noite ou quase "riscos
país insuportáveis". Deslocalização,
sub-contratação, turismo, construção de
infraestruturas, ... para o conjunto destas actividade é com efeito todo
o contexto social, legal, económico, monetário e financeiro dos
países referidos que é projectado no desconhecido.
(5) Pequena observação filosófica e metodológica:
sem nenhuma premeditação, aqui nossa equipe inscreve-se novamente
numa abordagem muito franco-alemã uma vez que nosso trabalho de
antecipação apoia-se não só sobre esta
noção de "escuta" e de desvendamento da realidade cara
a Heidegger, mas igualmente sobre a abordagem defendida por Descartes, a saber,
a definição de um método racional. Aqui está
igualmente uma síntese que deveria inspirar aqueles que actualmente
trabalham para definir as futuras características da
governação da Eurolândia. Para saber mais sobre esta
questão do "caminho" de Heidegger e Descartes, pode-se ler
utilmente esta página do sítio
Digressions
. E para melhor compreender o método utilizado pelo LEAP/E2020 e tentar
aplicá-lo directamente por si próprio, recomendamos o Manuel
d'Anticipation Politique publicado pelas edições
Anticipolis
.
(6) Fonte:
Bundeskanzlerin
, 10/02/2011
(7) Já se assistem a movimentos de amplitude em torno do petróleo
uma vez que os Estados preparam-se para abandonar o seu próprio
índice
WTI
da cotação do petróleo para alinhar-se
ao índice europeu
Brent
) ao qual a Arábia Saudita já se
convertera em 2009 abandonando o WTI. A divergência das
cotações entre os dois índices culminou com a crise
egípcia. Retornamos à questão petrolífera num outro
capítulo deste número do GEAB. Fonte:
Bloomberg
10/02/2011
(8) Esta conferência, a exemplo do
Fórum de Davos
, tem um ar
deliciosamente retro. Os organizadores e os participantes parecem não
ter percebido que o mundo ao qual pertencem desapareceu, que os seus debates de
facto não interessam a mais ninguém no mundo "real" e
que as numerosas horas de emissões que lhes são consagradas nas
cadeias de televisão internacionais estão na medida inversa do
número muito pequeno de espectadores que as vêem. Com mais de 1500
participantes americanos e britânicos contra 58 latino-americanos e menos
de 500 asiáticos, Davos encarna inegavelmente o fórum
típico do "mundo de antes da crise", confirmado pela sua
assinatura linguística, o monolinguismo anglófono (mesmo no seu
sítio web). Monoliguismo ou multilinguismo constitui igualmente segundo
LEAP/E2020 um primeiro critério muito simples de avaliação
para saber se um pr9jecto ou uma organização de
vocação internacional pertence mais ao mundo de antes da crise ou
ao contrário já está adaptada em parte ao mundo do depois
da crise.
(9) Sobre este assunto, há que ler o notável editorial de Larry
Derfner no
Jerusalem Post
de 09/02/2011.
(10) Washington fez assim prova de uma despreparação absoluta,
depois de uma indecisão evidente, confirmando não só o fim
de toda liderança americana a nível internacional como
também a aceleração de um processo de paralisia do poder
central americano. Para compreender a importância do fenómeno,
há que ter em memória que o Egipto é um dos países
do mundo mais directamente financiado e enquadrado pelos Estados Unidos desde o
fim dos anos 1970. O
New York Times
de 12/02/2011 resume muito bem a situação, ainda que tentando
apresentá-la como uma estratégia quando não é
senão uma ausência de estratégia, descrevendo a
gestão da crise por Barack Obama como
"straddle"
("ficar
em cima do muro"), uma técnica bolsista consistente em tentar
cobrir-se dos dois lados quando se sente que um acontecimento importante vai
acontecer mas não se tem nenhuma ideia do sentido que vai tomar. De
passagem, o artigo ilustra a clivagem entre "antigos"
"modernos" que esta fez emergir no núcleo do poder
estado-unidense. Mas revemos mais em pormenor todos estes aspectos e suas
consequências em outra parte deste GEAB.
(11) Que é um segmento estrategicamente essencial do "Muro
Dólar", como o "Muro de Berlim" também era para o
conjunto da "Cortina de Ferro".
[NR 1] Resistir.info publica os artigos tais quais estão no original,
mesmo quando os autores dizem enormidades e fazem analogias absurdas.
15/Fevereiro/2011
[*]
Global Europe Anticipation Bulletin.
O original encontra-se em
www.leap2020.eu/...
Este comunicado encontra-se em
http://resistir.info/
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