Depressão económica nos EUA:
A evidência da economia a definhar está por toda a parte

por Mike Whitney [*]

Olhem à vossa volta. Por toda a parte vemos uma economia debilitada. Nos "bons tempos" os consumidores fugiam das prateleiras da carne enlatada, e pouco mais. Hoje em dia as vendas de conservas subiram em flecha; as mercearias têm dificuldade em manter as prateleiras cheias. Toda a gente procura a maneira mais barata de alimentar a família. O Departamento do Trabalho garante que a inflação é de apenas 4 por cento, mas todos sabemos que isso é uma treta. O preço dos alimentos está para além do imaginável. O pão branco subiu 13 por cento, o bacon subiu 7 por cento e a manteiga de amendoim mais de 9 por cento. A inflação entrou em derrapagem e não se sabe onde vai parar. O dólar está quase ao nível do peso e os trabalhadores lutam para sobreviver. O que acontece é que há cada vez mais pessoas "no mais rico país do mundo" a sobreviver à custa da carne de porco enlatada. Isto diz tudo.

. Em Santa Bárbara os parques de estacionamento estão a ser transformados em dormitórios para que as famílias que perderam as suas casas no escândalo do subprime possam dormir nos seus carros sem serem incomodadas pela polícia. O mesmo acontece em Los Angeles onde nasceram cidades de tendas nos terrenos dos caminhos-de-ferro para acomodar o número crescente de pessoas que perderam os seus empregos ou não têm hipótese de alugar um quarto com os seus salários ganhos na indústria ou nos serviços. Por todo o lado as pessoas sentem o cinto a apertar; é por isso que 9 em cada 10 americanos acham agora que o país caminha na direcção errada e é por isso que a confiança dos consumidores se encontra no ponto mais baixo desde a Grande Depressão. É este o grande triunfo da economia vudu do "gotejamento" ("trickle down") [1] do mercado livre de Reagan; famílias completas a viverem dentro dos seus automóveis à espera que abra a loja de penhores.

A economia vive a balões de oxigénio. O resto do mundo far-nos-ia um grande favor se decidisse dar um pontapé no dólar e boicotasse os produtos financeiros americanos. Era uma forma de acabar com a vigarice de Wall Street de uma vez por todas. Os investidores estrangeiros deviam exigir a devolução confiscando o património americano como compensação para os milhões de milhões de dólares que perderam na fraude do subprime e da titularização. A única maneira de fazer com que os culpados paguem pelos seus crimes é processá-los, processá-los, processá-los. Ou então erguer uma forca em Wall Street e dar atenção aos negócios.

Os gurus do canal empresarial andam a dizer-nos que o "pior já passou"; que o furacão de Grau 5 nos mercados financeiros já esmoreceu e não passa agora de uma ventania. Não acreditem. O mercado de acções continua congelado, a habitação está em queda livre, e o sistema bancário está refém da sobrecarga dos maus investimentos. O FDIC [Federal Deposit Insurance Corporation] está mesmo a tentar atrair antigos empregados reformados para gerir o tsunami de falências bancárias que se prevêem até ao fim de 2008. Aumentam os incumprimentos empresariais e o imobiliário comercial está pelas ruas da amargura.

"Em Fevereiro os preços comerciais do imobiliário nos EUA sofreram a queda mais acentuada desde que começaram os registos há quase 15 anos, já que secaram as fontes de financiamento para os negócios, segundo dados da Standard & Poor's de ontem. As vendas de imobiliário comercial caíram 71 por cento no primeiro trimestre em comparação com o ano anterior" (Financial Times). Os bens imobiliários comerciais estão a seguir a mesma trajectória descendente da habitação residencial. Ambos se encontram em queda livre. Qualquer baixa do imobiliário comercial fará disparar o desemprego e contribuirá para os problemas de solvência que os bancos enfrentam.

Estamos muito longe da saída do labirinto e assim continuaremos por muitos anos. Segundo o Bloomberg News, os aumentos do custo das matérias-primas provocaram uma forte subida dos custos nos produtores que não conseguirão fazê-los repercutir nos seus clientes que estão sem dinheiro. Isto significa que os lucros empresariais vão diminuir e os valores das acções vão cair a pique.

Na semana passada, Meredith Whitney, analista do Oppenheimer, anunciou que:

"Ainda estão para chegar os dias verdadeiramente angustiantes da crise do crédito e terão efeitos muito mais alargados do que jamais se viu. Tal como a falta de liquidez empurrou tantas pequenas e médias empresas exclusivamente financeiras para a beira do abismo, acreditamos que o mesmo vai acontecer com o consumidor americano. Acreditamos que os prejuízos vão ocorrer mais rapidamente e serão muito piores do que as previsões mais draconianas".

"Whitney tem sido um dos poucos analistas consistentemente precisos do actual afundamento do mercado.

"O destino dos maiores bancos de investimentos é tão incerto quanto o dos bancos "de depósitos" mais pequenos. Na semana passada David Rubenstein, presidente do Grupo Carlyle, resumiu assim a situação, "Os bancos e as instituições financeiras americanas e europeias têm prejuízos enormes por causa de empréstimos incobráveis que ainda não são totalmente conhecidos e podem vir a ter grande dificuldade em encontrar os necessários financiamentos salvadores. Segundo as informações de que disponho, vai ser preciso no mínimo um ano até que se contabilizem todos os prejuízos, e há instituições financeiras que podem falir. Muitas das instituições financeiras não vão conseguir sobreviver como instituições independentes".

Isso significa que vai haver uma maior concentração e monopólios bancários mais perigosos, o que no seu conjunto é mau para o consumidor.

Os bancos e as instituições financeiras nunca estiveram tão mal. Já contabilizaram 344 mil milhões de dólares de prejuízos desde que começou a crise do crédito em Agosto passado e vão contabilizar mais 200 mil milhões no próximo ano. Quando a crise acabar, terão acumulado cerca de um milhão de milhões de dólares de prejuízos. Isso representa uma contracção de 3 milhões de milhões de dólares nos empréstimos a consumidores e a negócios. Estas estimativas não tomam em consideração as perdas de receitas pelo abrandamento nas despesas de consumo, um PIB em contracção, e as imensas falências comerciais; tudo isto em conjunto reforçará ainda mais o caos no sector financeiro.

O nível de pressão sobre o sistema bancário não tem precedentes. O Fed está a emprestar dinheiro de mão beijada só para manter os cordelinhos presos. Reparem no que se está a passar com os chamados "leilões" do Fed em que este está a fornecer empréstimos e títulos do tesouro americanos para sucata "invendível" suportada por hipotecas e outras acções tóxicas. Os números são incríveis.

Segundo o Seattle Times:

"Os empréstimos de emergência da Reserva Federal aos bancos atingiram um nível nunca visto quando as companhias de investimento de Wall Street reformularam os seus pedidos de empréstimos… Os Bancos aumentaram os seus pedidos de empréstimos, segundo o relatório do Fed… A média de pedidos de empréstimo diários durante a semana que terminou em 28 de Maio foi de 15,95 mil milhões de dólares em comparação com 13,5 mil milhões de dólares na semana anterior, o que constituiu um recorde absoluto. O pico anterior de 14,4 mil milhões de dólares ocorreu na semana que terminou em 14 de Maio... Na maior operação de concessão de empréstimos do banco central desde os anos 30, o Fed esforçou-se em Março para evitar uma dissolução do mercado, dando às casas de investimentos um sítio onde se dirigirem para empréstimos de emergência de um dia para o outro… O Fed também anunciou na quinta-feira que porá à disposição dos bancos um lote fresco de empréstimos de dinheiro a curto-prazo numa tentativa de aliviar os mercados de crédito asfixiados… O Fed disse que irá realizar três leilões em Junho; cada um deles oferecerá 75 mil milhões de dólares em empréstimos de dinheiro a curto prazo. Será a última fase dum programa que o Fed lançou em Dezembro para ajudar os bancos a ultrapassar os problemas de crédito para que possam continuar a fazer empréstimos aos clientes". ("Banks step up Fed loans, investment firms scale back", Seattle Times )

Mais 225 mil milhões de dólares?!?!

O Fed está a dar cabo do seu balanço – em cerca de 225 mil milhões de dólares – quando esse dinheiro podia ser utilizado para pagar ensino gratuito e cuidados de saúde. Que desperdício! Mas, em vez disso, o dinheiro está a ser utilizado para lançar uma bóia de salvação aos especuladores trapaceiros que estão a tentar ludibriar investidores estrangeiros com títulos de crédito sem qualquer valor. Ao mesmo tempo, as medidas de emergência do Fed nada contribuíram para repor a confiança entre os bancos individuais que se mostram mais relutantes do que nunca em fazer empréstimos uns aos outros. O escândalo em curso em torno da Libor (a taxa de juro que os bancos cobram uns aos outros e que determina os juros sobre 3 milhões de milhões de dólares de produtos financeiros incluindo hipotecas) sugere fortemente que os bancos estão a mentir quanto à verdadeira taxa que estão a pagar para que o público não desconfie até que ponto eles se encontram de rastos.

Bloomberg News: "Os bancos adulteram sistematicamente os custos dos empréstimos na informação à Associação dos Banqueiros Britânicos para evitar a percepção de que têm dificuldade em arranjar fundos na medida em que os mercados de crédito estão parados".

Os gastos dos consumidores também estão em queda, já que as regras para empréstimos estão mais apertadas e o financiamento para habitação continua a desaparecer. Os problemas do subprime passaram de Wall Street para Main Street enquanto as tendências do crédito segundo parece estão a piorar. Os consumidores estão no limite dos seus cartões de crédito, dos empréstimos para estudos, das hipotecas e dos empréstimos para carros. A falta de poupanças pessoais não é o resultado dum estilo de vida gastador (como os meios de comunicação de direita gostam de opinar) mas de 30 anos de salários estagnados e de luta de classes travada através dos grandes negócios e do código de impostos federais. As pessoas da geração da explosão demográfica não estão a contar com a Segurança Social para pagamento das contas quando se reformarem mas, no entanto, isso não impede que lhes seja sacado dinheiro dos seus ordenados todas as semanas, dinheiro que é desviado para o fundo geral e utilizado para pavimentar estradas e comprar bombas múltiplas. A segurança social não passa de um imposto uniforme sobre os indigentes. (Os ricos andam à boleia depois dos primeiros 87 000 dólares de receitas). Estes são alguns dos factores que afectam a economia americana como um Daisy Cutter [2] . O ano de 2009 cada vez se parece mais com um capítulo do Livro da Revelação.

Um artigo em The Economist desta semana resume o mal-estar na habitação em termos particularmente apocalípticos:

"Os preços das casas na América estão a cair ainda mais depressa do que durante a Grande Depressão. Enquanto os preços das casas na América continuam a sua rápida descida, os observadores do mercado têm que procurar cada vez mais longe as comparações sombrias. O último índice de preços de habitação nacionais da S&P/Case-Shiller, publicado esta semana, mostrava uma queda de 14,1 % para o primeiro trimestre do ano, o pior desde que este índice se iniciou há 20 anos. Agora Robert Shiller, um economista da Universidade de Yale e co-inventor do índice, compilou uma versão que abrange um século. Esta mostra que a última queda nos preços nominais já é muito maior do que a queda de 10,5 % em 1932, o pior ponto da Depressão. E as coisas ainda estão piores do que parecem. Nos deflacionários anos 30 os preços das casas diminuíram menos em termos reais. Actualmente a inflação desenvolve-se a ritmo acelerado, por isso os preços das propriedades caíram uns terríveis 18% em termos reais em relação ao ano passado". ("The Economist")

O país está a atravessar um colapso do mercado imobiliário que ultrapassa a Grande Depressão e o livro de Alan Greenspan, antigo director do Fed, continua na lista dos Best Seller do New York Times. Que tal como ironia?

Lamentavelmente, ainda não há luz ao fundo do túnel quanto à habitação. Alguns mercados já caíram 30%, custando aos estados (como na Califórnia e na Florida) a perda de milhares de milhões de receitas de impostos e originando um forte aumento de penhoras. Na Califórnia, não só as vendas baixaram em cerca de 50 por cento, como 40 por cento das novas vendas são vendas de casas penhoradas. A bolsa de compradores potenciais esvaziou. Agora rondam os abutres que se apoderam das casas por apenas 50 cêntimos por dólar. Os prejuízos são enormes. Se a tendência para a descida continuar (como acha muita gente) e os preços da habitação caírem 30 por cento a nível nacional, o mercado perderá 6,5 milhões de milhões de dólares em valor agregado e as despesas com a habitação baixarão em 300 mil milhões de dólares. Assim o PIB diminuirá um ponto percentual no mínimo.

A crise nos mercados financeiros não se resolverá antes de os preços da habitação estabilizarem, e é por isso que o Fed e o Congresso se estão a esfarrapar para concertar um plano (Hope Now) que abrande o ritmo das penhoras. Milhões de milhões de dólares em acções complexas e títulos com base em hipotecas vão continuar a degradar-se até que os investidores achem que é seguro "molhar os pés" outra vez e reinvistam num mercado (actualmente) moribundo. Até aqui, o Congresso tem feito poucos avanços para evitar que os proprietários das casas faltem ao pagamento das suas hipotecas. O Credit Suisse prevê que os arrestos andarão acima dos 6,5 milhões de casas nos próximos anos. É o equivalente a um Furacão Katrina que varresse o país dum lado ao outro.

A próxima administração – seja a de McCain seja a de Obama – será forçada a repor a Resolution Trust Corp, que foi criada em 1989 para dar destino aos bens dos bancos insolventes de poupanças e empréstimos. O RTC terá que criar uma empresa gerida pelo governo para comprar aos bancos MBS [títulos suportados por hipotecas] em dificuldades e para os liquidar em hasta pública. O Estado pagará esses títulos abaixo do seu valor real (o Fed está a pagar actualmente 85 por cento do valor facial dos MBS) e depois sofrerá um prejuízo na sua liquidação. "De acordo com Joseph Stiglitz, no seu livro 'Towards a New Paradigm in Monetary Economics', a verdadeira razão por trás da necessidade desta empresa foi permitir ao governo americano subsidiar o sector bancário duma forma não muito transparente e evitar assim a possível contestação".

Portanto é assim; prenuncia-se no horizonte, possivelmente já em 2009, uma venda em hasta pública de proporções bíblicas, financiada pelos contribuintes. Feitas as contas, é a única forma segura de estabilizar o sistema bancário em desmoronamento e de pôr um travão à descida dos preços das casas. Mas os efeitos sobre o dólar serão catastróficos. Não esperem que o dólar sobreviva como a "divisa de reserva" mundial. Esses tempos estão a acabar.

Os problemas nos mercados financeiros manter-se-ão por algum tempo. A enorme expansão de crédito criou imensas bolhas de situação líquida que estão a aproximar-se do rebentamento a um ritmo imprevisível. O escritor James Howard Kunstler chama a este processo "a álgebra impiedosa duma espiral deflacionária mortal". Isto é uma descrição tão perfeita quanto se possa imaginar. É provável que haja um grande desacordo quanto às origens da bolha e quanto aos culpados. Foi a política de "juros baixos" do Fed que se seguiu ao insucesso das dot.com em 2000, ou a falta de regulamentação governamental no processo da titularização, ou foi apenas o corolário natural dum sistema político que permanentemente engraxa e dobra a espinha a Wall Street?

A verdadeira origem do problema é ideológica. Tem raízes na ortodoxia prevalecente do "gotejamento" [1] que se opõe a quaisquer aumentos de salários ou de benefícios para os trabalhadores. Henry Ford percebeu o que os capitães da indústria e da finança de hoje se recusam a aceitar; ou seja, que se os trabalhadores não forem pagos adequadamente pelo seu trabalho – e os salários não acompanharem o ritmo da produção – a economia não pode crescer porque os consumidores não terão dinheiro para comprarem as coisas que fabricam. É tão simples como isso. Greenspan e os seus iguais acharam que podiam alimentar a guerra de classes e fazer a diferença afrouxando as regras dos empréstimos, alterando as leis das falências, e criando um estendal quase infinito de produtos financeiros exóticos que expandissem o crédito. Mas transferir riqueza duma classe para outra tem o seu preço. Esmagando o trabalhador, os Friedmanitas mataram a galinha dos ovos de ouro. A sociedade consumista mais próspera do mundo está numa agonia terminal e não há nenhuma algaraviada de "mercado livre" que a impeça de explodir.

02/Junho/2008

Notas
[1] " trickle down " – expressão utilizada para dar a ideia de que o acréscimo de riqueza dos que já são ricos iria de alguma forma "gotejar" para os pobres. A teoria do gotejamento serve para justificar a pioria da repartição do rendimento nacional (N.T.)
[2] "Daisy Cutter" – bola batida de tal modo que se mantém rente ao solo (no críquete)


O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=9162 .
Tradução de Margarida Ferreira.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
16/Jun/08