Olhem à vossa volta. Por toda a parte vemos uma economia debilitada. Nos
"bons tempos" os consumidores fugiam das prateleiras da carne
enlatada, e pouco mais. Hoje em dia as vendas de conservas subiram em flecha;
as mercearias têm dificuldade em manter as prateleiras cheias. Toda a
gente procura a maneira mais barata de alimentar a família. O
Departamento do Trabalho garante que a inflação é de
apenas 4 por cento, mas todos sabemos que isso é uma treta. O
preço dos alimentos está para além do imaginável. O
pão branco subiu 13 por cento, o bacon subiu 7 por cento e a manteiga de
amendoim mais de 9 por cento. A inflação entrou em derrapagem e
não se sabe onde vai parar. O dólar está quase ao
nível do peso e os trabalhadores lutam para sobreviver. O que acontece
é que há cada vez mais pessoas "no mais rico país do
mundo" a sobreviver à custa da carne de porco enlatada. Isto diz
tudo.
Em Santa Bárbara os parques de estacionamento estão a ser
transformados em dormitórios para que as famílias que perderam as
suas casas no escândalo do
subprime
possam dormir nos seus carros sem serem incomodadas pela polícia. O
mesmo acontece em Los Angeles onde nasceram cidades de tendas nos terrenos dos
caminhos-de-ferro para acomodar o número crescente de pessoas que
perderam os seus empregos ou não têm hipótese de alugar um
quarto com os seus salários ganhos na indústria ou nos
serviços. Por todo o lado as pessoas sentem o cinto a apertar; é
por isso que 9 em cada 10 americanos acham agora que o país caminha na
direcção errada e é por isso que a confiança dos
consumidores se encontra no ponto mais baixo desde a Grande Depressão.
É este o grande triunfo da economia vudu do "gotejamento"
("trickle down")
[1]
do mercado livre de Reagan; famílias completas a viverem dentro dos
seus automóveis à espera que abra a loja de penhores.
A economia vive a balões de oxigénio. O resto do mundo far-nos-ia
um grande favor se decidisse dar um pontapé no dólar e boicotasse
os produtos financeiros americanos. Era uma forma de acabar com a vigarice de
Wall Street de uma vez por todas. Os investidores estrangeiros deviam exigir a
devolução confiscando o património americano como
compensação para os milhões de milhões de
dólares que perderam na fraude do
subprime
e da titularização. A única maneira de fazer com que os
culpados paguem pelos seus crimes é processá-los,
processá-los, processá-los. Ou então erguer uma forca em
Wall Street e dar atenção aos negócios.
Os gurus do canal empresarial andam a dizer-nos que o "pior já
passou"; que o furacão de Grau 5 nos mercados financeiros já
esmoreceu e não passa agora de uma ventania. Não acreditem. O
mercado de acções continua congelado, a habitação
está em queda livre, e o sistema bancário está
refém da sobrecarga dos maus investimentos. O FDIC [Federal Deposit
Insurance Corporation] está mesmo a tentar atrair antigos empregados
reformados para gerir o tsunami de falências bancárias que se
prevêem até ao fim de 2008. Aumentam os incumprimentos
empresariais e o imobiliário comercial está pelas ruas da
amargura.
"Em Fevereiro os preços comerciais do imobiliário nos EUA
sofreram a queda mais acentuada desde que começaram os registos
há quase 15 anos, já que secaram as fontes de financiamento para
os negócios, segundo dados da Standard & Poor's de ontem. As vendas de
imobiliário comercial caíram 71 por cento no primeiro trimestre
em comparação com o ano anterior"
(Financial Times).
Os bens imobiliários comerciais estão a seguir a mesma
trajectória descendente da habitação residencial. Ambos se
encontram em queda livre. Qualquer baixa do imobiliário comercial
fará disparar o desemprego e contribuirá para os problemas de
solvência que os bancos enfrentam.
Estamos muito longe da saída do labirinto e assim continuaremos por
muitos anos. Segundo o Bloomberg News, os aumentos do custo das
matérias-primas provocaram uma forte subida dos custos nos produtores
que não conseguirão fazê-los repercutir nos seus clientes
que estão sem dinheiro. Isto significa que os lucros empresariais
vão diminuir e os valores das acções vão cair a
pique.
Na semana passada, Meredith Whitney, analista do Oppenheimer, anunciou que:
"Ainda estão para chegar os dias verdadeiramente angustiantes da
crise do crédito e terão efeitos muito mais alargados do que
jamais se viu. Tal como a falta de liquidez empurrou tantas pequenas e
médias empresas exclusivamente financeiras para a beira do abismo,
acreditamos que o mesmo vai acontecer com o consumidor americano. Acreditamos
que os prejuízos vão ocorrer mais rapidamente e serão
muito piores do que as previsões mais draconianas".
"Whitney tem sido um dos poucos analistas consistentemente precisos do
actual afundamento do mercado.
"O destino dos maiores bancos de investimentos é tão incerto
quanto o dos bancos "de depósitos" mais pequenos. Na semana
passada David Rubenstein, presidente do Grupo Carlyle, resumiu assim a
situação, "Os bancos e as instituições
financeiras americanas e europeias têm prejuízos enormes por causa
de empréstimos incobráveis que ainda não são
totalmente conhecidos e podem vir a ter grande dificuldade em encontrar os
necessários financiamentos salvadores. Segundo as
informações de que disponho, vai ser preciso no mínimo um
ano até que se contabilizem todos os prejuízos, e há
instituições financeiras que podem falir. Muitas das
instituições financeiras não vão conseguir
sobreviver como instituições independentes".
Isso significa que vai haver uma maior concentração e
monopólios bancários mais perigosos, o que no seu conjunto
é mau para o consumidor.
Os bancos e as instituições financeiras nunca estiveram
tão mal. Já contabilizaram 344 mil milhões de
dólares de prejuízos desde que começou a crise do
crédito em Agosto passado e vão contabilizar mais 200 mil
milhões no próximo ano. Quando a crise acabar, terão
acumulado cerca de um milhão de milhões de dólares de
prejuízos. Isso representa uma contracção de 3
milhões de milhões de dólares nos empréstimos a
consumidores e a negócios. Estas estimativas não tomam em
consideração as perdas de receitas pelo abrandamento nas despesas
de consumo, um PIB em contracção, e as imensas falências
comerciais; tudo isto em conjunto reforçará ainda mais o caos no
sector financeiro.
O nível de pressão sobre o sistema bancário não tem
precedentes. O Fed está a emprestar dinheiro de mão beijada
só para manter os cordelinhos presos. Reparem no que se está a
passar com os chamados "leilões" do Fed em que este
está a
fornecer empréstimos e títulos do tesouro americanos para sucata
"invendível" suportada por hipotecas e outras
acções tóxicas. Os números são
incríveis.
Segundo o
Seattle Times:
"Os empréstimos de emergência da Reserva Federal aos bancos
atingiram um nível nunca visto quando as companhias de investimento de
Wall Street reformularam os seus pedidos de empréstimos
Os Bancos
aumentaram os seus pedidos de empréstimos, segundo o relatório do
Fed
A média de pedidos de empréstimo diários durante
a semana que terminou em 28 de Maio foi de 15,95 mil milhões de
dólares em comparação com 13,5 mil milhões de
dólares na semana anterior, o que constituiu um recorde absoluto. O pico
anterior de 14,4 mil milhões de dólares ocorreu na semana que
terminou em 14 de Maio... Na maior operação de concessão
de empréstimos do banco central desde os anos 30, o Fed
esforçou-se em Março para evitar uma dissolução do
mercado, dando às casas de investimentos um sítio onde se
dirigirem para empréstimos de emergência de um dia para o
outro
O Fed também anunciou na quinta-feira que porá
à disposição dos bancos um lote fresco de
empréstimos de dinheiro a curto-prazo numa tentativa de aliviar os
mercados de crédito asfixiados
O Fed disse que irá realizar
três leilões em Junho; cada um deles oferecerá 75 mil
milhões de dólares em empréstimos de dinheiro a curto
prazo. Será a última fase dum programa que o Fed lançou em
Dezembro para ajudar os bancos a ultrapassar os problemas de crédito
para que possam continuar a fazer empréstimos aos clientes".
("Banks step up Fed loans, investment firms scale back",
Seattle Times
)
Mais 225 mil milhões de dólares?!?!
O Fed está a dar cabo do seu balanço em cerca de 225 mil
milhões de dólares quando esse dinheiro podia ser
utilizado para pagar ensino gratuito e cuidados de saúde. Que
desperdício! Mas, em vez disso, o dinheiro está a ser utilizado
para lançar uma bóia de salvação aos especuladores
trapaceiros que estão a tentar ludibriar investidores estrangeiros com
títulos de crédito sem qualquer valor. Ao mesmo tempo, as medidas
de emergência do Fed nada contribuíram para repor a
confiança entre os bancos individuais que se mostram mais relutantes do
que nunca em fazer empréstimos uns aos outros. O escândalo em
curso em torno da Libor (a taxa de juro que os bancos cobram uns aos outros e
que determina os juros sobre 3 milhões de milhões de
dólares de produtos financeiros incluindo hipotecas) sugere fortemente
que os bancos estão a mentir quanto à verdadeira taxa que
estão a pagar para que o público não desconfie até
que ponto eles se encontram de rastos.
Bloomberg News: "Os bancos adulteram sistematicamente os custos dos
empréstimos na informação à
Associação dos Banqueiros Britânicos para evitar a
percepção de que têm dificuldade em arranjar fundos na
medida em que os mercados de crédito estão parados".
Os gastos dos consumidores também estão em queda, já que
as regras para empréstimos estão mais apertadas e o financiamento
para habitação continua a desaparecer. Os problemas do
subprime
passaram de Wall Street para Main Street enquanto as tendências do
crédito segundo parece estão a piorar. Os consumidores
estão no limite dos seus cartões de crédito, dos
empréstimos para estudos, das hipotecas e dos empréstimos para
carros. A falta de poupanças pessoais não é o resultado
dum estilo de vida gastador (como os meios de comunicação de
direita gostam de opinar) mas de 30 anos de salários estagnados e de
luta de classes travada através dos grandes negócios e do
código de impostos federais. As pessoas da geração da
explosão demográfica não estão a contar com a
Segurança Social para pagamento das contas quando se reformarem mas, no
entanto, isso não impede que lhes seja sacado dinheiro dos seus
ordenados todas as semanas, dinheiro que é desviado para o fundo geral e
utilizado para pavimentar estradas e comprar bombas múltiplas. A
segurança social não passa de um imposto uniforme sobre os
indigentes. (Os ricos andam à boleia depois dos primeiros 87 000
dólares de receitas). Estes são alguns dos factores que afectam
a economia americana como um Daisy Cutter
[2]
. O ano de 2009 cada vez se parece mais com um capítulo do
Livro da Revelação.
Um artigo em
The Economist
desta semana resume o mal-estar na habitação em termos
particularmente apocalípticos:
"Os preços das casas na América estão a cair ainda
mais depressa do que durante a Grande Depressão. Enquanto os
preços das casas na América continuam a sua rápida
descida, os observadores do mercado têm que procurar cada vez mais longe
as comparações sombrias. O último índice de
preços de habitação nacionais da S&P/Case-Shiller,
publicado esta semana, mostrava uma queda de 14,1 % para o primeiro trimestre
do ano, o pior desde que este índice se iniciou há 20 anos. Agora
Robert Shiller, um economista da Universidade de Yale e co-inventor do
índice, compilou uma versão que abrange um século. Esta
mostra que a última queda nos preços nominais já é
muito maior do que a queda de 10,5 % em 1932, o pior ponto da Depressão.
E as coisas ainda estão piores do que parecem. Nos deflacionários
anos 30 os preços das casas diminuíram menos em termos reais.
Actualmente a inflação desenvolve-se a ritmo acelerado, por isso
os preços das propriedades caíram uns terríveis 18% em
termos reais em relação ao ano passado".
("The Economist")
O país está a atravessar um colapso do mercado imobiliário
que ultrapassa a Grande Depressão e o livro de Alan Greenspan, antigo
director do Fed, continua na lista dos Best Seller do
New York Times.
Que tal como ironia?
Lamentavelmente, ainda não há luz ao fundo do túnel quanto
à habitação. Alguns mercados já caíram 30%,
custando aos estados (como na Califórnia e na Florida) a perda de
milhares de milhões de receitas de impostos e originando um forte
aumento de penhoras. Na Califórnia, não só as vendas
baixaram em cerca de 50 por cento, como 40 por cento das novas vendas
são vendas de casas penhoradas. A bolsa de compradores potenciais
esvaziou. Agora rondam os abutres que se apoderam das casas por apenas 50
cêntimos por dólar. Os prejuízos são enormes. Se a
tendência para a descida continuar (como acha muita gente) e os
preços da habitação caírem 30 por cento a
nível nacional, o mercado perderá 6,5 milhões de
milhões de dólares em valor agregado e as despesas com a
habitação baixarão em 300 mil milhões de
dólares. Assim o PIB diminuirá um ponto percentual no
mínimo.
A crise nos mercados financeiros não se resolverá antes de os
preços da habitação estabilizarem, e é por isso que
o Fed e o Congresso se estão a esfarrapar para concertar um plano (Hope
Now) que abrande o ritmo das penhoras. Milhões de milhões de
dólares em acções complexas e títulos com base em
hipotecas vão continuar a degradar-se até que os investidores
achem que é seguro "molhar os pés" outra vez e
reinvistam num mercado (actualmente) moribundo. Até aqui, o Congresso
tem feito poucos avanços para evitar que os proprietários das
casas faltem ao pagamento das suas hipotecas. O Credit Suisse prevê que
os arrestos andarão acima dos 6,5 milhões de casas nos
próximos anos. É o equivalente a um Furacão Katrina que
varresse o país dum lado ao outro.
A próxima administração seja a de McCain seja a de
Obama será forçada a repor a Resolution Trust Corp, que
foi criada em 1989 para dar destino aos bens dos bancos insolventes de
poupanças e empréstimos. O RTC terá que criar uma empresa
gerida pelo governo para comprar aos bancos MBS [títulos suportados por
hipotecas] em dificuldades e para os liquidar em hasta pública. O Estado
pagará esses títulos abaixo do seu valor real (o Fed está
a pagar actualmente 85 por cento do valor facial dos MBS) e depois
sofrerá um prejuízo na sua liquidação. "De
acordo com Joseph Stiglitz, no seu livro 'Towards a New Paradigm in Monetary
Economics', a verdadeira razão por trás da necessidade desta
empresa foi permitir ao governo americano subsidiar o sector bancário
duma forma não muito transparente e evitar assim a possível
contestação".
Portanto é assim; prenuncia-se no horizonte, possivelmente já em
2009, uma venda em hasta pública de proporções
bíblicas, financiada pelos contribuintes. Feitas as contas, é a
única forma segura de estabilizar o sistema bancário em
desmoronamento e de pôr um travão à descida dos
preços das casas. Mas os efeitos sobre o dólar serão
catastróficos. Não esperem que o dólar sobreviva como a
"divisa de reserva" mundial. Esses tempos estão a acabar.
Os problemas nos mercados financeiros manter-se-ão por algum tempo. A
enorme expansão de crédito criou imensas bolhas de
situação líquida que estão a aproximar-se do
rebentamento a um ritmo imprevisível. O escritor James Howard Kunstler
chama a este processo "a álgebra impiedosa duma espiral
deflacionária mortal". Isto é uma descrição
tão perfeita quanto se possa imaginar. É provável que haja
um grande desacordo quanto às origens da bolha e quanto aos culpados.
Foi a política de "juros baixos" do Fed que se seguiu ao
insucesso das
dot.com
em 2000, ou a falta de regulamentação governamental no processo
da titularização, ou foi apenas o corolário natural dum
sistema político que permanentemente engraxa e dobra a espinha a Wall
Street?
A verdadeira origem do problema é ideológica. Tem raízes
na ortodoxia prevalecente do "gotejamento"
[1]
que se opõe a quaisquer aumentos de salários ou de
benefícios para os trabalhadores. Henry Ford percebeu o que os
capitães da indústria e da finança de hoje se recusam a
aceitar; ou seja, que se os trabalhadores não forem pagos adequadamente
pelo seu trabalho e os salários não acompanharem o ritmo
da produção a economia não pode crescer porque os
consumidores não terão dinheiro para comprarem as coisas que
fabricam. É tão simples como isso. Greenspan e os seus iguais
acharam que podiam alimentar a guerra de classes e fazer a diferença
afrouxando as regras dos empréstimos, alterando as leis das
falências, e criando um estendal quase infinito de produtos financeiros
exóticos que expandissem o crédito. Mas transferir riqueza duma
classe para outra tem o seu preço. Esmagando o trabalhador, os
Friedmanitas mataram a galinha dos ovos de ouro. A sociedade consumista mais
próspera do mundo está numa agonia terminal e não
há nenhuma algaraviada de "mercado livre" que a impeça
de explodir.
02/Junho/2008
Notas
[1] "
trickle down
" expressão utilizada para dar a ideia
de que o acréscimo de riqueza dos que já são ricos iria de
alguma forma "gotejar" para os pobres. A teoria do gotejamento serve
para justificar a pioria da repartição do rendimento nacional
(N.T.)
[2] "Daisy Cutter" bola batida de tal modo que se mantém
rente ao solo (no críquete)
O original encontra-se em
http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=9162
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Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.