Crise financeira ou... de superprodução?
por Paulo Nakatani
[*]
Rémy Herrera
[**]
Consideramos que um dos equívocos nas interpretações
correntes da crise capitalista atual é que ela seria uma crise
financeira que contaminaria o setor real da economia. Ao contrário,
defendemos que ela é uma crise do capital cujo surgimento e
manifestação ocorreu na esfera financeira, devido à
gigantesca financeirização da sociedade capitalista nas
últimas décadas. Nós apresentamos alguns elementos para
sua análise em um artigo recente
[1]
. Ao longo da história do capitalismo, os conhecimentos acumulados pelas
ciências sociais em geral, e pelos economistas em particular, foram
forjando formas, mecanismos, instituições e instrumentos de
intervenção estatal que permitiram uma gestão estatal da
crise, principalmente após a grande depressão dos anos 1930,
estendendo-a no tempo, distribuindo-a no espaço entre diferentes
países e amenizando os seus efeitos mais destrutivos no centro do
sistema mundial, de onde partiu a crise atual. Mas, quais são
efetivamente os fundamentos, as medidas e o alcance das políticas
anti-crise adotadas atualmente? Quais as perspectivas que se colocam para a
sociedade contemporânea?
Uma crise de superprodução
Sabe-se, a partir de Marx, que as crises fazem parte integrante da
dinâmica contraditória da reprodução ampliada do
capital, concebido como uma relação social de
produção. Durante os períodos de crise, os capitais mais
frágeis ou tecnologicamente ultrapassados são desvalorizados, uma
parte é desvalorizada e desaparece e outra parte é concentrada e
centralizada nas frações mais poderosas e desenvolvidas do
capital. Dessa forma, a "solução" das crises
capitalistas renova as condições da acumulação em
um novo patamar de desenvolvimento das forças produtivas e, ao mesmo
tempo, em novas bases de produção e expropriação da
mais-valia dos trabalhadores, assim como abre novas contradições
que irão exigir novas crises para sua solução. Ao
contrário do que defende a ideologia teórica dominante, chamada
de neoclássica, o sistema capitalista em mutação
permanente não tende e jamais poderá atingir, evidentemente, um
equilíbrio estável. Assim, a instabilidade que é inerente
ao sistema não pode ser explicada por fatores externos, como os erros ou
falcatruas dos agentes econômicos ou pelos equívocos da
política macroeconômica, como pretende a teoria dominante; assim
como as explicações a partir da forma ou insuficiência de
regulação, não chegam ao cerne da questão.
As razões mais profundas que permitem explicar a crise que se desdobra
por todo o planeta encontra-se na própria dinâmica da
acumulação que produz periodicamente uma
superprodução de capital, decorrente da anarquia da
produção capitalista, que conduz à uma pressão para
a queda na taxa de lucro quando se esgotam as contra-tendências à
queda dessa taxa. A superprodução de capital pode se manifestar
através do excesso de produção vendável, não
porque não hajam pessoas necessitadas ou desejosas de consumirem, mas
porque a concentração da riqueza vai excluindo uma parcela cada
vez mais importante da população da possibilidade de comprar
mercadorias. O desenvolvimento do sistema de crédito permite que, ao
invés da superprodução de mercadorias, o capital se
acumule sob a forma de capital dinheiro, o qual pode se apresentar seja como
capital portador de juros seja de maneira ainda mais "irreal", sem
deixar de ser real, de capital fictício
[2]
. Nós consideramos que este é um conceito chave para a
análise da crise atual e das mutações precedentes sofridas
pelo sistema de crédito. Seu princípio geral é a
capitalização de uma renda futura a uma dada taxa de juros. Entre
os principais teóricos da economia, somente Marx trata do capital
fictício.
Mas, a categoria capital fictício está pouco elaborada no livro
III d´O Capital de Marx
[3]
, que foi organizado e editado por Friedrich Engels. Não há, no
livro III, uma única definição de capital fictício,
o que existem são pistas e desenvolvimentos das diversas possibilidades
da evolução, ou das formas que podem ser assumidas, do capital
portador de juros. Marx desenvolve o seu estudo relacionando as formas do
capital portador de juros com o desenvolvimento do crédito na sociedade
capitalista na Seção 5 do Livro III d´O Capital,
especialmente a partir do capítulo XXV (intitulado
"Kredit und fiktives Kapital"
[crédito e capital fictício]) , depois, sobretudo no
capítulo XXIX (
"Bestandteile des Bankkapitals"
[componentes do capital bancário]), e ainda nos capítulos XXX (
"Geldkapital und wirkliches Kapital I"
[capital monetário e capital real]) até o XXXIII ("
Das Umlaufsmittel unter dem Kreditsystem"
[os meios de circulação sob o sistema de crédito])
[4]
.
As principais formas de capital fictício estudadas por Marx são:
o capital bancário, a dívida pública e o capital
acionário, todos os três expressando as formas desenvolvidas na
época em que ele escreveu
[5]
. Se a estas formas agregarmos o atual mercado de derivativos teremos,
então, quase todo o capital fictício que impulsiona a
acumulação de capital e forma o conjunto de capitais que comandam
o processo de acumulação em geral e as formas particulares de
gestão das unidades individuais de capital, nesta fase do capitalismo
financeirizado.
Assim, o espaço por excelência de criação e
expansão desse capital fictício é o sistema de
crédito, constituído pelos bancos, bolsas de valores, bolsas de
mercadorias e futuros, fundos de pensão (que gerenciam a
previdência por capitalização), fundos de investimentos
especulativos (
hedge funds
) e outras instituições similares que articulam as empresas
capitalistas ao Estado capitalista. Certas instituições efetuam a
securitização de dívidas e as convertem em ativos
financeiros denominados de derivativos. Estes últimos são
contratos que fixam os fluxos financeiros futuros em função das
variações de preço de um produto subjacente, que podem
corresponder a uma taxa de juros, taxa de câmbio, cotações
da bolsa,
commodities
e até determinados eventos futuros.
Essas ferramentas de cobertura servem frequentemente como suporte para
estratégias especulativas, permitindo a alavancagem de uma aposta
limitada, principalmente quando são combinadas entre elas e dão
lugar às vendas a descoberto (
short sell
, sem contrapartida). As operações especulativas mais arriscadas
podem conduzir, teoricamente, a perdas infinitas (sobre opções de
venda ou "
put
", por exemplo). Os montantes em jogo nessas transações,
induzindo a criação de capital fictício, atualmente,
ultrapassam de longe aquele montante destinado à
reprodução do capital diretamente produtivo. Por exemplo, em
2007, o total acumulado em 12 meses das exportações, de todos os
países do mundo, representava pouco mais de três dias do volume de
negócios dos derivativos "
over-the-counter
" (OTC, ou seja, contratos negociados fora da bolsa diretamente entre as
partes envolvidas). As exportações foram de 13.700 mil
milhões de dólares, durante, o ano e as operações
com derivativos OTC, 4.200 mil milhões por dia. Apesar de sua natureza
(em maior parte) parasitária, esse capital é beneficiário
de uma redistribuição da mais valia e vem realimentar a
criação do capital fictício adicional como meio para sua
própria remuneração
[6]
.
A exacerbação da crise
O conjunto de contradições que desencadeou a crise atual
começou a se acumular a partir do esgotamento das forças que
geraram o longo período de expansão, após a Segunda Guerra
mundial, com o fim do acordo de Bretton Woods e o desenvolvimento dos novos
mercados financeiros, em particular a formação e posterior
desenvolvimento do mercado interbancário de Londres. Paralelamente, na
esfera produtiva, a forma de organização da
produção e de extração da mais-valia, baseada no
fordismo e no taylorismo, também havia chegado aos seus limites e
começaram a surgir novas formas de organização da
produção e novos métodos como o toyotismo ou kanban.
Durante a guerra fria, o desenvolvimento das forças produtivas foi
impulsionado, em parte, pelo aumento das despesas estatais, induzidos
principalmente pela rivalidade e pela competição entre os
complexos industrial-militar dos EUA e da URSS, que se converteu em uma
acelerada corrida armamentista. Esse desenvolvimento foi fundamental para a
consolidação dos sistemas computadorizados na
substituição do trabalho por máquinas, das novas
invenções e da produção baseada nos sistemas de
máquinas ferramentas comandadas por computadores, pela
criação da internet e dos microcomputadores, revolucionando as
bases da produção e dando um novo fôlego ao capital.
Após um longo período de superacumulação de
capital, que se concentrou cada vez mais na esfera financeira sob a forma de
capital-dinheiro, esse excesso de oferta acentuou a pressão sobre a
tendência à queda na taxa de lucro. Nos Estados Unidos, a
principal medida para superar a crise foi a aceleração no aumento
da taxa básica de juros (a
prime rate
), a partir do início de 1979. Em abril de 1980 ela chegou a 20% ao ano
e atingiu 21,5%, em dezembro do mesmo ano. Essa política conduziu
à crise da dívida que explodiu nos anos 1980, mas não foi
suficiente para desvalorizar a totalidade do capital fictício excedente
acumulado no sistema de crédito internacional, decorrente da
criação secundária de moeda e capital conhecida como
eurodólares e petrodólares. Na seqüência, ocorreram as
explosões sucessivas das "bolhas financeiras", em 1987, nos
Estados Unidos, em 1994, no México, em 1997, nos países
"emergentes" da Ásia, em 1998, na Rússia e no Brasil,
em 2000, novamente nos Estados Unidos com a explosão da
"bolha" da "nova economia" e em 2001, na Argentina, que
ainda foram insuficientes para a desvalorização necessária
do capital fictício. As desvalorizações decorrentes dos
múltiplos escândalos decorrente das fraudes contábeis das
grandes corporações internacionais (a Enron, por exemplo),
também não foram suficientes.
A crise atual surgiu no contexto de mudanças da política
monetária estadunidense devido à agravação dos
gigantescos déficits internos e externos, o primeiro devido à
necessidade de financiamento associada às guerras no Afeganistão
e no Iraque; o segundo devido, em grande parte, à
deslocalização das empresas para o México e para a China.
Como resposta à redução no crescimento econômico nos
anos 2000/2001, o
Federal Reserve
(FED) foi reduzindo a taxa básica de juros (
prime rate
) de 6,5%, em dezembro de 2000, até 1,75%, em dezembro de 2001, e em
seguida até 1%, em junho de 2003, e a manteve neste nível
até maio de 2004. Em termos reais, descontando a inflação,
essa taxa tornou-se negativa. É durante esse período, de taxas
negativas, que os mecanismos da crise dos
sub-primes
[7]
foram sendo desenvolvidos e ampliados no setor imobiliário, no qual os
riscos assumidos foram crescentes. Em seguida, em parte devido aos
déficits decorrentes do esforço com as guerras imperialistas, o
FED retoma um movimento de elevação da
prime rate,
a partir de julho de 2004, que foi fortemente elevada para 5,25%, em junho de
2006. Assim, a partir do final de 2006, os devedores mais frágeis
começaram a interromper, em massa, o pagamento das parcelas de seus
empréstimos hipotecários. O crescimento no número de
inadimplentes foi acelerado pela retração econômica
agravada pela elevação das taxas de juros e pela
pressão contínua à redução dos
salários reais. A
prime rate
foi mantida acima dos 5% até junho de 2007, apesar dos sinais cada vez
mais evidentes da exacerbação da crise.
Em agosto de 2007, após uma série de quedas nos índices
das principais bolsas de valores das principais economias, os Bancos Centrais
dos países mais desenvolvidos intervieram maciçamente no mercado
injetando centenas de mil milhões de dólares em linhas especiais
de crédito para o sistema bancário
[8]
. Mesmo com todo esse volume de novos recursos, os mercados financeiros
continuaram extremamente voláteis no segundo semestre do ano, afundando
a cada anúncio das perdas registradas pelos maiores estabelecimentos
bancários estadunidenses, do
Citigroup
ao
Morgan Stanley.
Em um artigo intitulado "Roleta russa financeira", publicado em 15
de setembro de 2008 no
New York Times,
o premio Nobel de economia, Paul Krugman escreveu "E, quando as
incógnitas desconhecidas se tornaram incógnitas conhecidas, o
sistema experimentou corridas bancárias pós-modernas. Estas
não se parecem com sua versão antiga: com poucas
exceções, não estamos falando de multidões de
poupadores desesperados batendo furiosos nas portas fechadas dos bancos.
Estamos falando de chamadas telefônicas frenéticas e cliques de
mouses, enquanto os operadores do mercado financeiro tentam conseguir linhas de
crédito e procuram se prevenir contra os riscos de sua contraparte. Mas
os efeitos econômicos congelamento dos créditos, queda
abrupta do valor dos ativos são os mesmos das grandes corridas
bancárias dos anos 1930".
[9]
21 de janeiro de 2008 foi outro dia de pânico para a finança
mundial, o FED reduziu agressivamente sua taxa básica de juros de 4,25%
para 3,5% e para 3,0%, em apenas dez dias, e continuou reduzindo até
chegar a quase zero (0,25%), em dezembro de 2008. Após a
implementação das medidas anti-crise pela
administração do governo de G.W. Bush, no primeiro semestre de
2008, as tendências ao colapso do sistema financeiro, decorrente da crise
dos
subprime,
foram amenizadas e evitaram a aceleração na queda da demanda
das famílias por bens de consumo. Mas, não resolveu as
contradições decorrentes da crise desencadeada no primeiro
semestre de 2007, que continuou fustigando os mercados financeiros
internacionais com a elevada instabilidade e alta volatilidade de seus
indicadores. Em julho de 2008, foi a vez de outro dos maiores emprestadores do
mercado imobiliário norte-americano, o
IndyMac
(banco cujos ativos estavam na ordem de 32 mil milhões de
dólares), sofrer a intervenção do
Federal Deposit Insurance Corporation
(FDIC), agência encarregada de garantir os depósitos
bancários. Esta foi a mais grave falência de um banco em mais de
um quarto de século. Ela foi seguida por um programa urgente de socorro
para salvar as maiores instituições financeiras do mercado
imobiliário,
Fannie Mae
e
Freddie Mac
, este programa foi destinado ao socorro de um a dois milhões de
devedores cujas dívidas podiam ultrapassar o montante total de 300 mil
milhões de dólares
[10]
. Em setembro de 2008, os bancos de investimento,
Lehman Brothers
e
Merryl Lynch
praticamente foram à falência tendo sido comprados pelos
Citigroup
e pelo
Bank of América,
respectivamente. Ao mesmo tempo, a seguradora AIG
(American International Group),
a maior do mundo na época, teve que buscar recursos junto ao FED de
Nova Iorque, tendo sido, posteriormente, estatizado ao custo de 85 mil
milhões de dólares. O socorro total ao AIG ultrapassou os 140 mil
milhões de dólares.
As políticas anti-crise.
A destruição de capital fictício foi brutal. Durante o ano
de 2008, a capitalização total das bolsas mundiais caiu de 48,3
para 26,1 milhão de milhões de dólares
[11]
. Entre primeiro de janeiro e 31 de dezembro de 2008, os principais
índices da Bolsa de Nova Iorque, o Dow Jones Indus, o S&P 500 e o
Nasdaq, caíram -33,8%, -39,8% e -40,5%, respectivamente. O índice
Nikkei de Tóquio sofreu uma queda semelhante de -42,1%, assim como o ASX
200 de Sydnei (-44,1%). Na zona do Euro, a degringolada foi mais dura em
algumas bolsas: -40,8% em Frankfurt (DAX 30), -42,7% em Paris (CAC 40), -48,4%
em Milão (MIB 30), -52,3% em Amsterdam (AEX 25), -53,8% em Bruxelas (BEL
20), por seu lado o Euro Stoxx 50 perdeu -44,3%. Em outras áreas da
Europa a tendência foi a mesma: -31,3% em Londres (FTSE 100), -34,8% para
o Zurique SMI (Suiça) até -52,8% para o Oslo AS (Noruega). Na
periferia européia, foi até mesmo pior: -52% em Telaviv (TA 100),
-52,5% em Istambul (ISE Nat. 100). A pior queda foi em Moscou (RST), uma queda
de 72,7%. Na Ásia "emergente", as quedas foram de -45,4% para
o índice TSE em Taipei, -48,6% para o STI em Cingapura, -51,9% para o
SENSEX em Bombaim. Na China as quedas foram mais graves: -61,9% para Shenzhen
beta e -65,4% para o SSE de Xangai. Nas outras bolsas do Sul, salvo algumas
exceções como a Bovespa-BMF (-42,2%), as quedas foram bem
menores, -24,5% no México (MXSE IPC), -24,0% em Santiago do Chile (IGPA)
ou -28,0% em Joanesburgo (FTSE JSE). De janeiro a março de 2009, a
evolução dos índices bursáteis ainda estavam
fortemente negativos na maior parte dos mercados acionários, -15,9% para
o CAC 40, -16,3% para o DJindus, -19,7% para o Euro Stoxx 50...
Os principais bancos centrais esforçaram-se na coordenação
das suas intervenções, oferecendo linhas de crédito
privilegiadas aos bancos e reduzindo continuamente suas taxas básicas de
juros. O secretário do Tesouro dos EUA, Henry Paulson, e o presidente do
FED, Ben Bernanke, organizaram um gigantesco pacote para o socorro do sistema
financeiro e mobilizaram um montante superior a 700 mil milhões de
dólares para a compra dos títulos podres dos ativos
bancários. De início, o projeto foi rejeitado na Câmara,
mas foi aprovado no Senado após várias alterações,
as principais foram, a forma de ajuda aos bancos, que passou a ser
através da compra de ações, e a extensão da ajuda
para outras empresas, o projeto passou de duas páginas para mais de 400
páginas, e sofreu um aumento para US$ 850 mil milhões. Desse
total, foram aplicados cerca de US$ 500 mil milhões até o final
do mandato de George W. Bush, inclusive com os empréstimos para salvar
da falência a General Motors e a Chrysler, duas das maiores empresas
automobilísticas do mundo.
Após a eleição e a posse de Barack Obama, um outro plano
foi submetido ao Congresso dos EUA. Ele foi elaborado por um grupo de
economistas que assessoram ou assessoravam o novo Presidente, grupo este que
é constituído por alguns dos principais responsáveis pela
expansão do capital fictício especulativo, pela
desregulamentação dos mercados dos mercados financeiros e pela
mundialização das políticas neoliberais. Entre eles
estão Larry Summers, ex-Secretário do Tesouro na
administração Clinton e ex-economista-chefe do Banco Mundial,
atualmente é Conselheiro econômico da Casa Branca; Timothy
Geitner, ex-presidente do FED de Nova Yorque e ex-diretor de política de
desenvolvimento do FMI, atualmente é secretário do Tesouro; e,
sobretudo, o próprio Paul Volcker, que presidiu o FED entre 1979 e 1987
e encaminhou as principais mudanças de estratégia estadunidense
na adoção do monetarismo, atualmente é diretor do
President´s Economic Recovery Advisory Board
(Conselho Consultivo para a Recuperação Econômica).
O esperado plano de salvamento foi sancionado pelo presidente Obama em 18 de
fevereiro de 2009. Ele acrescentava ao plano anterior, aprovado ainda durante o
mandato de George W. Bush, cerca de 780 mil milhões de dólares,
que elevou o total acumulado para mais de 1,6 milhão de milhão de
dólares. Apesar da dimensão desse pacote, o presidente Obama
não descartou, em caso de necessidade, a possibilidade de estender ainda
mais a amplitude desse pacote ou de um novo plano para a próxima
década. Sobre o total aprovado, "38% irão para ajuda a
governos estaduais e locais e programas de assistência à
população de baixa renda ou desempregada; 38% responderão
por cortes nos impostos pagos principalmente pela classe média; e 24%
serão gastos em obras públicas" (FSP, 14/02/2009), com o
objetivo de criar quatro milhões de empregos. Isso não impediu as
quedas nos principais mercados financeiros que continuaram sua degringolada em
Nova Iorque, Londres, Frankfurt ou Paris, demonstrando não somente a
insatisfação dos grandes proprietários do capital
fictício frente ao plano, mas também uma aparente
insuficiência de recursos injetados para salvar o sistema bancário.
A hipótese mais provável, na época, era de uma
insolvência, confirmada pela sucessão de anúncios das
perdas registradas pelos grandes oligopólios financeiros estadunidenses
depois do último trimestre de 2008 (por exemplo, 58,7 mil milhões
de dólares de prejuízos da
Fannie Mae
em 2009)
[12]
. No primeiro trimestre de 2009, o
Federal Deposit Insurance Corporation
(FDIC), classificava 305 estabelecimentos bancários norte-americanos,
com ativos de 220 mil milhões de dólares, como
problemáticos
[13]
. É, durante essa turbulência que o presidente Obama afirmava
perceber "o início do fim da crise"
[the beginning of the end of the crisis]
[14]
. Naquele momento, o projeto de orçamento apresentado pelo governo ao
Congresso, para o ano fiscal de 2010, enfatizava o aumento dos gastos sociais,
uma redução dos gastos militares e o aumento nos impostos sobre
as famílias mais ricas. O orçamento que alguns qualificaram como
"socialista" ou "Robin Hood", que cobra dos ricos e
distribui para os pobres, não esqueceu dos ricos banqueiros,
investidores e especuladores do mercado financeiro. Mesmo assim, esse projeto
não acalmou o mercado e sofreu profundas críticas. O
déficit fiscal previsto para o ano de 2009 era de 12,3% do PIB
norte-americano, ou US$ 1,75 trilhão e previsão de US$ 1,17
trilhão, em 2010
[15]
.
Além das mais diversas tentativas de reativação da oferta
de crédito pelos bancos centrais, desde 2007, as medidas de
política econômica dos diversos planos dos governos do G7
(disfarçados em G20, na falta do G192) produziram poucos impactos em
termos de recuperação da economia mundial. Entretanto, os
gigantescos programas de salvamento dos grandes bancos (grandes demais para
falirem) propiciaram uma enorme transferência de capital fictício
que deveria ser desvalorizado para os Tesouros nacionais agravando fortemente
as dívidas públicas dos Estados. A transmissão dos efeitos
da crise que explodiu na esfera financeira para a esfera real acelerou os
impactos sobre os níveis de produção, do emprego e do
comércio internacional. A maior parte das grandes
instituições internacionais, do FMI à OCDE, revisou
continuamente para baixo suas previsões para o crescimento
econômico para 2009-2010. A Organização Internacional do
Trabalho (OIT) estima que a desaceleração econômica atual
nos principais países do sistema capitalista mundial deverá
ocasionar um aumento do número de desempregados na ordem de 20
milhões em 2009, enquanto que o total dos desempregados em todo o mundo
deverá ultrapassar os 210 milhões neste mesmo ano. Os dados do
US Bureau of Labour Statistics
de outubro de 2009, revelam uma retomada da aceleração do
desemprego nos Estados Unidos, quando a taxa de desemprego aberto ultrapassou
10%
[16]
, com quase 16 milhões de desempregados.
Das interpretações às soluções.
A grande depressão dos anos 1930 colocou em evidência os limites
da teoria neoclássica dominante na época. Sua
explicação sobre o funcionamento do capitalismo se fundamenta na
lei de Say, duramente criticada por Keynes
[17]
na Teoria Geral, e sobre o equilíbrio dos mercados através de um
ajuste automático dos preços, impedindo teoricamente o surgimento
espontâneo de uma crise. Como esta última crise que muitos
insistem em classificá-la de financeira uma realidade que
é difícil de negar. A maior parte dos autores neoclássicos
(e dos comentaristas econômicos que a vulgarizaram na grande imprensa)
interpreta a crise a partir de fatores externos aos mercados, em particular a
intervenção do Estado ou a influência dos sindicatos dos
trabalhadores, ou pelos excessos no comportamento dos agentes econômicos,
que vai da cobiça desmesurada às fraudes, passando pela
governança corporativa, que perturbam o livre jogo das forças do
mercado. A lógica da concentração da propriedade e da
riqueza privada assim como a da maximização, não
são problemáticas, somente os casos de incompetência ou de
corrupção são questionados.
As políticas neoliberais estão, portanto, em declínio, mas
ainda exibem muita força e vigor. A gravidade da crise recolocou em cena
as teses de John Maynard Keynes, crítico agudo da visão
neoclássica de um ajustamento autoregulado do capitalismo. Há
alguns anos, uma parte dos teóricos neoclássicos começou a
abandonar certas posições mais duras da teoria, não para
converterem-se ao keynesianismo, mas para relançarem a
ambição da absorção dele pelo paradigma walrasiano,
através da chamada segunda síntese neoclássica, realizada
desde os anos 1940 por Sir John R. Hicks e Paul A. Samuelson. Encontramos,
atualmente, entre os seus herdeiros mais eminentes, que permanecem fiéis
à teoria neoclássica padrão, mesmo ao preço de
algumas adaptações (sobre os ajustamentos de preços, as
antecipações ou à concorrência imperfeita) Joseph
Stiglitz, Paul Krugman e Olivier Blanchard. O primeiro, prêmio Nobel de
economia em 2008, foi vice-presidente do Banco Mundial e não precisa de
maiores apresentações. Krugman, prêmio Nobel em 2008,
encerra seu livro, "A crise de 2008 e o retorno da depressão
econômica", escrevendo que "Keynes que compreendeu a
Grande Depressão [dos anos 1930] está atualmente, mais do que
nunca, na ordem do dia".
[18]
O terceiro, durante muito tempo professor no MIT, assessora
ao mesmo tempo o diretor gerente socialista do FMI, Dominique Strauss-Kahn,
como economista-chefe dessa instituição, e o prêmio Nobel
da Paz de 2009, Barack Obama, como conselheiro dos
Federal Reserve Banks
de Nova Iorque e de Boston.
Todavia, é forçoso reconhecer que, apesar deles frequentemente
divergirem quanto às proposições relativas ao grau de
intervenção do Estado, as interpretações desses
"novos keynesianos" e dos neoclássicos
"tradicionais" fazem parte da mesma matriz
político-ideológica da teoria econômica. Para os mais
avançados dentre eles, apesar das nuances, variantes e sutilezas que os
diferenciam, as propostas que eles apresentam são apenas a
introdução de pequenas modificações no
funcionamento do capitalismo, para que esse sobreviva o maior tempo
possível (esse foi também o objetivo de Keynes). Quase todos
aceitaram, temporariamente, uma intervenção direta e
maciça do Estado através da compra de ações dos
bancos, de companhias de seguros e de caixas de poupança à beira
da falência, isso sem mesmo reivindicar direito de voto e muito menos de
controle das empresas estatizadas. Pode-se perceber algumas medidas keynesianas
nos pacotes anti-crise aprovados pelos governos dos Estados Unidos, desde o
primeiro plano proposto pela equipe de George W. Bush no primeiro semestre de
2008 (como a devolução de uma parte do imposto de renda que havia
sido pago, como tentativa de estimular a demanda de consumo) até,
sobretudo, no programa do presidente Barack Obama (obras de
renovação de infra-estruturas). Entretanto, a predominância
é, claramente, de medidas de políticas neoliberais visando salvar
o máximo de riqueza financeira, quer dizer, do capital fictício
acumulado pelos oligopólios da alta finança
[19]
.
A conversão dos planos emergenciais de salvamento do capitalismo em um
intervencionismo do Estado através dos Bancos Centrais, acionados de
forma muito pouco democráticas pelos dirigentes dos governos neoliberais
do Norte, não deve trazer ilusões. A combinação de
fortes reduções nas taxas de juros com a abertura de gigantescas
linhas de crédito e de compra de ativos bancários permanecem
dentro das concepções ortodoxas e seus idealizadores estão
muito longe de escaparem dos dogmas da teoria dominante. O
"Relatório da Comissão Stiglitz"
[20]
fornece uma boa ilustração. Redigido entre 2008 e 2009 a pedido
do presidente da Assembléia Geral das Nações Unidas,
Miguel d´Escoto, o documento final não questiona verdadeiramente os
fundamentos da ideologia neoliberal, apesar dela estar debilitada pela crise.
Segundo este relatório, as antigas certezas do neoliberalismo devem ser
revistas, mas certamente não devem ser abandonadas. Os regimes cambiais
devem permanecer flutuantes, as virtudes do livre comércio são
reafirmadas frente ao perigo do protecionismo, as falhas da governança
corporativa devem ser corrigidas, a gestão dos riscos financeiros
continua a ser confiada aos próprios oligopólios privados e a
regulação do sistema mundial continua submetido ao imperialismo
estadunidense. Assim, estamos cada vez mais longe das
manifestações de rejeição expressas cada vez mais
pelos países do Sul, da China à Venezuela, contra a
liberalização financeira mundial claro que dentro de certos
limites, dificuldades e contradições, é verdade.
Por outro lado, uma parte dos economistas liberais, minoritária mas
significativa, continua a se radicalizar e se aproximam das teses
ultra-liberais austríacas inspiradas em Ludwig Von Mises e Friedrich
August Von Hayek. Tendo como fundamento a reafirmação sobre o
caráter do equilíbrio automático dos mercados essas
análises da crise, das quais encontramos uma bela amostra na
página internet do Instituto Von Mises
[21]
, são embaraçosas para nossos neoliberais "novos
keynesianos" na medida em que elas defendem, desde o início, que a
crise é o resultado do excesso de intervenção do Estado e
que o Estado não deveria, de forma alguma, salvar os bancos e empresas
problemáticas
[22]
. O que deveria ser feito, segundo eles, seria acabar com todas as
regulamentações estatais que limitam a livre ação
dos agentes econômicos nos mercados. As políticas públicas
de habitação, financiadas por
Fannie Mae
e
Freddie Mac
, pretendiam, de maneira populista, que todos os cidadãos tivessem
acesso ao mercado imobiliário. O mercado demonstrou que é
impossível, nem todos podem ter sua casa própria. Os
ultra-liberais desenvolvem seus argumentos contra os planos anti-crise e, em
particular, contra a regulamentação externa das taxas de juros
pelo Banco Central. Os mais radicais dentre eles chegam a defender a
supressão pura e simples das instituições estatais,
instituições públicas, do banco central e da moeda estatal
[23]
. Eles estão conscientes de que tais medidas conduziriam o sistema
capitalista ao caos, mas sua confiança nos mecanismos de mercado os
conduzem à defesa de que esse caos será benéfico para o
capitalismo e que o capital se reconstituirá muito mais rapidamente e
mais vigorosamente do que se for apoiado pelas intervenções
estatais artificiais, que tomam a forma de diferentes auxílios
públicos às empresas condenadas à falência.
Nenhuma dessas correntes de pensamento sugere uma reflexão sobre as
condições de um processo que permita a superação do
capital enquanto relação social de exploração e
opressão inclusive as propostas da esquerda que demandam a
reforma do FMI, do Banco Mundial ou a criação de uma nova
"moeda mundial". Entretanto, existem vários defensores de que
a crise atual conduzirá, provavelmente, ao colapso do capitalismo.
No início dos anos 1990, Robert Kurz
[24]
, em diversas obras, já defendia que o modo de produção
capitalista estava em vias de extinção e que o século XXI
abriria um período de transição para uma nova forma de
sociedade. Immanuel Wallerstein, que estuda as tendências longas do
capitalismo a partir das teorias do sistema mundo, declarou em uma entrevista
ao
Le Monde
em outubro de 2008: "Eu penso que há 30 anos entramos na fase
terminal do sistema capitalista. A situação torna-se
caótica, incontrolável pelas forças que a dominavam
até agora, e vemos a emergência de uma luta, não entre os
detentores e os adversários do sistema, mas entre todos os agentes para
determinar o que vai substituí-lo. Eu reservo a palavra 'crise' à
esse tipo de período. Bem, estamos em crise. O capitalismo atinge o seu
fim."
[25]
Ele acrescentou, em outra entrevista, ao jornal
Público
de Madri: "Nós podemos estar seguros que em 30 anos não
viveremos mais sob o sistema-mundo capitalista."
[26]
Essas interpretações alinham-se com certas análises da
conjuntura mundial do capitalismo, principalmente a equipe do
Global Europe Anticipation Bulletin
(GEAB LEAP), cujas previsões sobre a crise continuam cada vez
mais pessimistas. "Desde fevereiro de 2006, o LEAP/E2020 tinha avaliado
que a crise sistêmica global se desenrolaria segundo quatro grandes fases
estruturantes, a saber as fases de eclosão, de aceleração,
de impacto e de decantação. Esse processo descreveu bem os
acontecimentos até hoje [15/02/2009]. Mas, [...] a incapacidade dos
dirigentes mundiais em medir a crise, caracterizada principalmente pela sua
obstinação há mais de um ano em tratar das
conseqüências da crise ao invés de atacar radicalmente suas
causas, fará com que a crise sistêmica global entre em uma 5ª
fase a partir do 4º trimestre de 2009: a fase chamada de deslocamento
geopolítico mundial."
[27]
Em seu boletim mais recente, GEAB 39 de 15/11/2009, avaliam que: "Para o
ano de 2010, tendo como pano de fundo uma depressão econômica e
social, e de um maior protecionismo, essa evolução vai condenar
um grande número de Estados à escolher entre três
opções brutais, a saber: a inflação, a forte alta
da pressão fiscal ou a cessação de pagamentos. Um
crescente número de países (USA, Reino Unido, Eurolândia,
Japão, China...), tendo gasto todos seus cartuchos
orçamentários e monetários na crise financeira de
2008/2009, com efeito não podem mais ter outra alternativa."
[28]
O aprofundamento das contradições
As medidas adotadas pelos Bancos Centrais para enfrentar a eclosão da
crise, em 2007, aguçou as contradições econômicas
conseguindo, somente, evitar um colapso global do sistema financeiro. As
estatizações dos bancos e as linhas de crédito abertas
produziram como efeito a aceleração do endividamento dos
principais Estados capitalistas, por um lado, e, por outro, evitaram uma maior
desvalorização do capital fictício transferindo parte dele
ao Estado e aos Bancos Centrais.
Nos Estados Unidos, a dívida pública passou de 9,0 milhão
de milhões de dólares, no final de agosto de 2007, para 12,1
milhões de milhões de dólares
[29]
ou mais de 90% do PIB, no final de novembro de 2009, um aumento de quase 35%
nesse período. As estimativas das dívidas estatais para
vários países elaboradas pelo FMI, para 2009, são mais
conservadoras. Mesmo considerando estas estimativas, nenhum desses
países atende mais aos critérios de convergência do Tratado
de Maastricht, que estabeleceu como meta o limite de endividamento em 60% do
PIB. Segundo o FMI, a dívida bruta do governo norte-americano é
de 84,8% do PIB, a do governo japonês é de 218,6%, a do governo
italiano é de 115,8%, a do governo alemão é de 78,7%, a do
governo francês é de 76,7%, a do governo canadense é de
78,2% e a do Reino Unido é de 68,7%. O crescimento, entre 2007 e 2009,
foi de 22,9 pontos percentuais para os Estados Unidos, 31,0 pontos para o
Japão, 12,3 pontos para a Itália, 15,3 pontos para a Alemanha,
12,9 pontos para a França, 14,0 pontos para o Canadá e 24,6
pontos para o Reino Unido
[30]
. Esse crescimento acelerado da dívida pública expressa, em
parte, a transferência de parte do capital fictício dos grandes
bancos e instituições financeiras para o Estado. Por outro lado,
alimenta e amplia as avaliações e conjecturas sobre a
possibilidade de uma nova explosão nos mercados financeiros decorrente
de uma possível insolvência desses Estados.
Entre setembro de 2008, quando o
Lehman Brothers
faliu, e setembro de 2009, a emissão de moeda, base monetária ou
passivo monetário do FED, passou de 908,0 mil milhões de
dólares para 1.800,1 mil milhões de dólares (no final de
outubro de 2009, chegou a 1.936,5 mil milhões), um aumento de mais de
100%, em pouco mais de um ano. No mesmo período, entre 2006 e 2007, o
crescimento da base monetária tinha sido de 2,1% e 9,9%,
respectivamente. Essa gigantesca criação primária de
moeda, entre 2008 e 2009, apresentou um impacto pouco significativo nos meios
de pagamentos (M
1
), que cresceu apenas 14,3%, e menos ainda no M
2
, com aumento de 6,7%
[31]
. Assim, essa injeção de moeda, associada à queda na
prime rate,
, não atingiu o objetivo esperado de elevação do
crédito bancário. Os empréstimos bancários totais
do sistema bancário estadunidense, que tinha crescido 7,4%, no
período anterior, cresceram 2,8%, entre setembro de 2007 e 2008, e
diminuíram 8,2%, entre 2008 e 2009
[32]
; entretanto, o total dos empréstimos renegociados aumentou quase 140%,
após a falência do
Lehman Brothers,
segundo os dados do
Federal Deposit Insurance Corporation.
Entretanto, os ativos dos bancos norte-americanos cresceram com essa
política do FED, de 12,7 milhões de milhões de
dólares, em setembro de 2006, para 13,3 milhões de
milhões, em setembro de 2009. O aumento nos ativos bancários
significa, igualmente, um crescimento do capital fictício, fundado na
expansão da oferta monetária do FED.
O crescimento do capital fictício se reflete no volume total de
derivativos nos balanços dos bancos norte-americanos, estimados em valor
nocional, que estão crescendo continuamente, tendo crescido mesmo
durante o período mais duro da crise. Assim, o total de derivativos
passou de 127,1 milhões de milhões de dólares, em setembro
de 2006, para 174,6 milhões de milhões de dólares, em
2007, 177,1 milhões de milhões de dólares, em 2008, e
206,4 milhões de milhões de dólares, em setembro de 2009
[33]
. A maior parte desses derivativos (99,8%, em junho de 2009) estão em
poder de apenas 25 bancos comerciais, dentre os quais os cinco maiores
são
J.P. Morgan Chase, Goldman Sachs, Bank of América, Citibank
e
Wells Fargo Bank,
com mais de 195,0 milhão de milhões de dólares ou 96,5%
do total
[34]
. Deve-se destacar que os mais de 8 mil bancos dos Estados Unidos tinham ativos
totais de 13,2 milhões de milhões de dólares, em 30 de
setembro de 2009, segundo o FDIC, os 25 maiores bancos tinham 7,7
milhões de milhões de dólares, em junho de 2009, e os
cinco maiores, apenas 5,5 milhões de milhões de dólares em
ativos totais, segundo os dados do OCC.
Na medida em que a injeção de novos recursos não foi
convertida em novos empréstimos, uma parte deles foi redirecionada ao
mercado financeiro internacional, propiciando a acelerada
recuperação dos índices das principais bolsas de valores,
em 2009, e pressionando continuamente à desvalorização do
dólar. Assim como o crescimento da dívida pública espalhou
o fantasma da insolvência dos Estados, o gigantesco crescimento na oferta
de dólares está alimentando as previsões sobre o seu
colapso como moeda mundial e o fim da hegemonia mundial dos Estados Unidos
[35]
.
À guisa de conclusão
O ano de 2009 está terminando com todas as economias do mundo retomando
um tímido crescimento. No último
World Economic Outlook,
o FMI estima que a queda da economia mundial seja de apenas 1,1%, no ano.
Muito menos do que as previsões mais pessimistas. As economias
avançadas terão um retrocesso médio de 3,4%, destacando-se
o Japão com -5,4% e os países da zona do Euro com -4,2%, os
Estados Unidos sofrerão menos, apenas -2,7%. Por outro lado, as
economias "emergentes e em desenvolvimento" crescerão 1,7%. As
previsões para 2010 são otimistas, 3,1% de crescimento para a
economia mundial, 1,3% para as economias avançadas e 5,1 para as
emergentes e em desenvolvimento
[36]
. Afinal, a crise parece ter sido superada e o sistema capitalista mundial
aparenta entrar novamente em um ritmo normal de crescimento, mesmo que ainda
timidamente. Assim, as interpretações catastrofistas parecem ter
sido refutadas e as dos defensores da intervenção estatal parecem
plenamente confirmadas.
Nós discordamos do ponto de vista de que esta crise, por mais profunda
que ela seja, conduza o sistema capitalista a um colapso imediato. Discordamos,
igualmente, que a gigantesca criação de dólares
levará ao fim o padrão dólar e do imperialismo
estadunidense no sistema mundial. Como afirmamos no início, a
intervenção estatal permite amenizar os impactos da crise
estendendo-a no tempo e distribuindo-a no espaço, dessa forma, a
aparente superação da crise não trará de volta,
imediatamente, um período longo de expansão e de estabilidade da
economia capitalista mundial. Além disso, a crise econômica
é necessária, mas não é suficiente para mudar a
correlação de forças entre as classes sociais em luta e
muito menos para a decadência da hegemonia burguesa construída
solidamente, em cada um dos países, através de uma ampla
sociedade civil, no sentido gramsciano
[37]
.
A crise atual abre um novo período para expandir a
exploração da força de trabalho para a
recuperação, ao menos parcial, da taxa de lucro. E isso tem como
fundamento objetivo as enormes massas de trabalhadores desempregados devido
à crise e o gigantesco contingente de famintos no mundo, dispostos a se
submeterem às condições mais duras do trabalho assalariado
para obterem o mínimo para atender suas necessidades básicas.
Quanto à superação do imperialismo estadunidense e a sua
substituição por outra potência no curto prazo, como
defende Wallerstein, é muito pouco provável
[38]
. Isso porque o centro do imperialismo é também o centro das
unidades de capital mais poderosas do planeta que estão disseminadas e
implantadas nas principais regiões do mundo, asseguradas pelas
forças armadas mais poderosas do planeta. Da mesma forma, as
pressões para a desvalorização do dólar decorrente
da gigantesca emissão não são suficientes para a sua
falência como dinheiro mundial. Primeiro, porque não há uma
moeda concorrente com suficiente peso na economia mundial para substituir o
dólar; segundo, porque os interesses e contradições entre
os diferentes estados nacionais dificilmente serão superados para a
criação de uma nova moeda mundial; terceiro, porque o FMI, em
particular, está sendo regenerado como um dos guardiões do
dólar, através das maciças injeções de
recursos efetuadas recentemente; enfim, porque assim como as unidades de
capital, o dólar também é respaldado pela força
bélica da potência mundial.
A desvalorização acelerada do dólar, ademais, beneficia os
EUA por dois motivos: primeiro porque desvaloriza as reservas internacionais
dos países que acumularam uma gigantesca massa de dólares em suas
reservas; segundo, porque torna mais competitiva as exportações,
contribuindo na redução do déficit externo estadunidense.
A desvalorização do dólar tornou-se um dos mecanismos
através do qual uma parte dos custos da recuperação do
sistema de crédito no centro do capitalismo está sendo
transferida para os países periféricos. Por outro lado, os
países que acumularam alguns milhões de milhões de
dólares em reservas, em particular a China e o Japão,
encontram-se em uma armadilha da qual é difícil escapar e acabam
sendo obrigados a apoiarem e evitarem o colapso do dólar.
Essa nova manifestação da crise do capital colocou em
evidência as contradições do próprio modo de
produção capitalista e que o seu desenvolvimento não
só não atende como é contrário às
necessidades básicas e gerais da maioria da população
mundial. A solução de suas contradições pode
recolocar em marcha o ritmo da acumulação de capital, até
a explosão de nova crise. A gravidade da crise atual e as
contradições recolocadas em outro nível recomendam que
é necessário repensar o desenvolvimento e colocar em pauta a
urgência da necessidade de superação do modo de
produção capitalista e a construção de uma nova
sociedade.
NOTAS
1. HERRERA,
Rémy;
NAKATANI
, P. . La crise financière: racines, raisons, perspectives. La
Pensée
(Paris), v. 353, p. 109-113, 2008.
2. Esta forma de capital torna-se cada vez mais especulativa e
parasitária. Ver: CARCANHOLO, R. e NAKATANI, P. O capital especulativo
parasitário: Uma precisão teórica sobre o capital
financeiro, característico da globalização.
Ensaios FEE,
vol. 20, no. 1, p. 284-304, 1999.
3. MARX, Karl.
O Capital.
Crítica da Economia Política.
Livro III, vol. IV e V. Os Economistas. São Paulo: Nova Cultural, 1986.
4. Para a edição em alemão:
Marx, Karl.
Das Kapital Kritik der politischen Ökonomie,
Buch III: Der Gesamtprozeß der kapitalistischen Produktion
. Band 25, Berlin: Institut für Marxismus-Leninismus, Dietz Verlag,
1964; e em português MARX, Karl.
O Capital. Crítica da Economia Política.
Livro III, vol. IV e V. Os Economistas. São Paulo: Nova Cultural, 1986.
5. Há outras formas de capital fictício que podem surgir em um
determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas e que
desaparecem quando o próprio desenvolvimento dessas forças
suprime as bases do surgimento daquela forma especifica de capital
fictício. Marx mostra como o capital empregado na compra e venda de uma
mercadoria exportada da Inglaterra para a China converte-se em capital
fictício duplicado nas duas pontas do negócio, nos dois
países, através do sistema de crédito. A existência
desse capital fictício era possível devido ao longo tempo
necessário para o transporte da mercadoria. A rapidez com que o sistema
de transporte passou a entregar as mercadorias, nos dias de hoje, acabou com
essa forma de criação do capital fictício. (MARX, 1986,
op. cit. p. 301).
6. CARCANHOLO, R. e NAKATANI, P. O capital especulativo parasitário: Uma
precisão teórica sobre o capital financeiro,
característico da globalização.
Ensaios FEE,
vol. 20, no. 1, 1999, p. 284-304 e CARCANHOLO, R e SABADINI, M. S. Capital
fictício y ganâncias fictícias.
Herramienta,
no. 37, 2008, p. 59-80.
7. As chamadas hipotecas
sub-prime
são empréstimos que foram concedidos para famílias, sem
uma fonte de renda regular e sem um bom cadastro bancário, para a
aquisição de imóveis. Em contraste com a
prime rate,
a taxa de juros cobrada nestes empréstimos era de mais de 8% ao ano,
aumentando até 14%, depois dos dois primeiros anos. Esse enorme
diferencial entre a taxa básica de juros e a taxa paga pelos devedores
hipotecários estimulou fortemente a oferta de crédito devido ao
excesso de capital dinheiro acumulado. Devido ao risco de inadimplência
foram desenvolvidos várias formas de derivativos (MBS, CMO, ABS, CBO)
que supostamente anularia o risco pela sua diluição entre os
vários participantes do mercado.
8. O Banco Central Europeu (BCE) ofereceu US$ 130,0 mil milhões, o
Federal Reserve (FED) fez o mesmo em um montante de US$ 24,0 mil
milhões, seguido pelo Banco Central do Japão, num total de US$
8,4 mil milhões. Esse conjunto de operações coordenadas e
quase simultâneas ultrapassou 350,0 mil milhões de dólares
após cinco dias de intervenção.
9. KRUGMAN, Paul. Financial Russian Roulette.
New York Times
, 14 de setembro de 2008.
www. nytimes.com/...
. Também ocorreram corridas bancárias à moda antiga, como
ao banco Northern Rock, na Inglaterra, estatizado em fevereiro de 2008. Nem o
Brasil escapou dessas corridas bancárias, conforme entrevista de
Mário Torós, diretor de política monetária do Banco
Central, ao Valor Econômico, em 13/11/2 009.
10. http://cnnmoney.printthis.clickability.com/pt/cpt?action=cpt&titl.
11. Segundo os dados estatísticos de 2008 elaborados por
Thomson Financial Datastream,
disponíveis em janeiro de 2009.
12. Segundo o jornalista britânico Martin Wolf, principal comentarista
econômico do Financial Times: "uma proporção
considerável de bancos está insolvente, seus ativos valem menos
do que seus passivos. O FMI estima que as perdas potenciais de créditos
pode chegar a 2,2 milhão de milhões de dólares nos Estados
Unidos. Outros cálculos sugerem que elas ultrapassariam 3,6
milhão de milhões de dólares".
Why Obama´s new tarpp will fail to rescue banks.
http://news.ft.com/comment/columnist/martinwolf
. Acesso em 10/02/2009.
13. Esse número subiu para 552, com ativos de 346 mil milhões de
dólares, no terceiro trimestre de 2009, num total de 8.099
instituições. FDIC. Quartely Banking Profile.
http://www2.fdic.gov/qbp/2009sep/qbp.pdf
.
14.
The Washington Post,
17 de fevereiro de 2009. "
Economy Watch: Coverage of the Financial Crisis
". In:
voices.washingtonpost.com/...
. Acesso em 18 de fevereiro de 2009.
15. O déficit efetivamente verificado, divulgado em 16/10/2009, foi de
US$ 1,4 milhão de milhões, ou 10% do PIB.
16.
data.bls.gov/...
. Acesso em 17/11/2009.
17. KEYNES, John M.
A Teoria Geral do Emprego do Juro e do dinheiro.
Col. Os Economistas. 2ed. São Paulo: Abril Cultural, 1985. p. 25-26.
18. Extraído da edição francesa: KRUGMAN, Paul.
Pourquoi les crises reviennent toujours?
Paris: Seuil, 2009.
19. O governo americano injetou mais de 140 mil milhões de
dólares para o salvamento da
American International Group
(AIG) que utilizou 62,1 mil milhões de dólares para o pagamento
de Credit Default Swaps, ao preço nominal, para 16 grandes
corporações financeiras, entre elas a Société
Gènérale (16,5 mil milhões), Goldman Sachs (14 mil
milhões), Merril Lynch (6,2 mil milhões), Deutsche Bank (8,5 mil
milhões), UBS (3,8 mil milhões) e Calyon (4,3 mil
milhões), essas seis instituições receberam mais de 85% do
total. (SIGTARP, novembro 2009, p. 20).
Special Inspector General (SIGTARP) for the Troubled Asset Relief Program.
www.sigtarp.gov/...
. Acesso em 23/11/2009.
20. ONU.
Report of the Commission of Experts of the President of the United Nations
General Assembly on Reforms of the International Monetary and Financial System
. ONU: Nova Iorque, 2009. Disponível em:
http://www.un.org/ga/econcrisissummit/docs/FinalReport_CoE.pdf
. Acesso 23/11/2009.
21. Ver, por exemplo, os artigos publicados de Frank Shostak, Lew Rockwell,
Hans-Hermann Hope, entre outros em:
www.mises.org.br
.
22. BLUMEN, Robert. Salvar ou deixar falir? 2009,
www.mises.org.br/Article.aspx?id=414
. Acesso em 20/11/2009. Ver também SHOSTAK, Frank. O problema do
crédito: o que fazer para recuperar os mercados? 2008,
www.mises.org.br /Article.aspx?id=182
. Acesso em 24/11/2009.
23. ROTHBARD, Murray N. O setor público: desestatizando a
segurança, as ruas e as estradas. 2008.
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=174
. RON, Paul. Um Banco Central é incompatível com uma economia
livre. 2009.
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=223
. MURPHY, Robert P. O
plano de Hayek para a adoção de moedas privadas. 2009.
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=232
. Acesso em 24/11/2009.
24. Kurz, Robert.
O colapso da modernização. Da derrocada do socialismo de caserna
à crise da economia mundial.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
25. Le Monde, 11/10/2008. Disponível em:
www.lemonde.fr/...
. Acesso em 31/01/2009.
26. Público, 31/01/2009. Disponível em:
http://www.publico.es/dinero/196245/capitalismo/existira/anos
. Acesso em 31/01/2009.
27. GEAB 32, Sumário. Disponível em:
http://www.leap2020.eu/GEAB-N-32-Sommaire_a2797.html
. Acesso em 02/03/2009.
28. GEAB 39, Sumário. Disponível em:
www.leap2020.eu/...
. Acesso em: 25/11/2009.
29. Dados disponíveis em:
http://www.treasurydirect.gov/NP/BPDLogin?application=np
. Acesso em 01/12/2009.
30. Para os dados do FMI:
http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2009/02/weodata/weorept. aspx
. Acesso em 28/11/2009.
31. Dados disponíveis em:
http://www.federalreserve.gov/releases/h3/hist/h3hist2.pdf
. Acesso em 27/11/2009.
32. A queda foi de 7,8 milhão de milhões de dólares, em 30
de setembro de 2008, para 7,1 milhão de milhões, em setembro de
2009.
http:www2.fdic.gov/sdi/main.asp
. Acesso em 01/12/2009
33.
http:www2.fdic.gov/sdi/main.asp
. Acesso em 01/12/2009.
34.
Office of the Comptroller of the Currency
(OCC).
http://www.occ.treas.gov/ftp/release/2009-114a.pdf
. Segundo o
Bank for International Settlements
(BIS), o montante total de derivativos no sistema financeiro internacional
caiu de 683,8 milhão de milhões de dólares, em junho de
2008, para 547,4 milhão de milhões, em dezembro de 2008, e
aumentou para 604,6 milhão de milhões de dólares, em junho
de 2009. BIS. Quartely Review, December 2009. Disponível em:
http://www.bis.org/statistics/otcder/dt1920a.pdf
. Acesso em 01/12/2009.
35. Este ponto de vista era defendido por Arrighi antes mesmo da eclosão
da crise em seu livro publicado originalmente em 2007. ARRIGHI, Giovanni.
Adam Smith em Pequim. Origens e fundamentos do século XXI.
São Paulo: Boitempo, 2008. Nós preferimos utilizar a categoria
de imperialismo para tratar das relações entre países e
utilizamos o conceito de hegemonia na relação entre classes
sociais.
36. FMI. Perspectivas de la Economia Mundial. Outubro de 2009, p 185.
http://www.imf.org/external/spanish/ index.htm
. Acesso em 30/11/2009.
37. Para Gramsci, a sociedade civil é parte integrante do Estado
capitalista em sentido amplo, não são duas esferas ou
instâncias da sociedade capitalista que se opõem, como se usa
habitualmente.
38. Não é o caso de Robert Kurz, que defende que a
transição deverá durar todo o século XXI.
Esta é uma versão modificada e atualizada do artigo
"Crise financière ou crise de surproduction? Éléments
pour
une critique marxiste des mesures anti-crise",
elaborado para publicação na revista
La Pensée
(no prelo).
[*] Professor do Departamento de Economia e do Programa de
Pós-Graduação em Política Social da UFES.
Presidente da
Sociedade Brasileira de Economia Política
.
[**] Pesquisador do CNRS (UMR 8174 Centro de Economia da Sorbonne,
Universidade de Paris 1, Panthéon-Sorbonne) e Coordenador do
Fórum Mundial das Alternativas
.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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