Da crise de distribuição à distribuição dos
custos da crise:
O que podemos aprender com as crises anteriores acerca dos efeitos da crise
financeira sobre o emprego e os salários?
O objectivo deste documento é analisar os canais através dos
quais a crise financeira está a afectar a economia real e, em
particular, o emprego e os salários. Quando a política
pública nos países avançados se concentra em deter o crash
do crédito, os efeitos da crise sobre o sector real apenas
começam a atrair a atenção dos decisores políticos.
Embora haja alguma preocupação acerca dos possíveis
efeitos sobre o emprego, as consequências distribucionais e os efeitos
dos pacotes de resgate sobre futuras despesas do governo não
estão muito na agenda.
Desde a década de 1980, a economia mundial está a ser guiada por
políticas económicas neoliberais tais como abertura ao
comércio, ao investimento directo estrangeiro e aos fluxos de capital
financeiro, assim como o desmantelamento de regulações
governamentais nos mercados financeiros, de mercadorias e de trabalho. Estas
políticas reduzem o papel das intervenções
políticas macroeconómicas com a pretensão de que o
capitalismo de livre mercado aumentaria a eficiência, o crescimento e
proporcionaria uma distribuição razoável. Contudo,
após duas décadas de dominação de políticas
neoliberais, o crescimento em média é mais baixo, o problema do
desemprego persiste e a distribuição do rendimento está a
mudar a expensas do trabalho tanto no Norte como no Sul. O aumento na
mobilidade do capital e a estagnação da procura agregada tem sido
as forças centrais por trás deste desenvolvimento sincronizado. A
estagnação da procura levou a desemprego mais alto e desgastou o
poder de negociação do trabalho em relação ao
capital. Nesse meio tempo, o aumentou na mobilidade do capital não
só contribuiu para este desgaste do poder de negociação do
trabalho como também aumentou a fragilidade inerente ao sistema
capitalista através da financiarização e
especulação agravadas. Isto, a par de duras políticas
fiscais e monetárias, e uma diminuição da fatia do
trabalho no rendimento, estabeleceu as condições para o
círculo vicioso da procura agregada deficiente, baixo crescimento, baixo
emprego e uma tendência de crise da economia global. A fragilidade
financeira numa economia global desregulamentada e este círculo vicioso
têm sido as causas estruturais da actual crise financeira global.
QUEM ARCARÁ COM O FARDO
Este documento analisa os efeitos de crises financeiras sobre a
distribuição do rendimento e o equilíbrio das
relações de força. Experiências de crises passadas
mostram que os episódios de crise intensificam a luta distribucional e a
questão de quem arcará com o fardo do ajustamento torna-se parte
da luta. A primeira parte do documento será elaborada na base das
experiências acerca da influência que antigas crises financeiras
tiveram sobre o mercado de trabalho. Quanto a isso, concentrar-nos-emos nas
experiências de países em desenvolvimento Extremo Oriente,
Turquia e América Latina. Como caso de país desenvolvido,
será discutida também a recessão japonesa da década
de 1990.
Analisaremos os efeitos dos choques gerados pelas crises sobre o crescimento, o
desemprego, o emprego, salários e fatia do trabalho no rendimento.
Apesar de antigas diferenças de políticas, muitos países
em desenvolvimento no passado experimentaram resultados semelhantes em
consequência de crises financeiras que se seguiram à
liberalização de fluxos de capital. Os efeitos das crises nos
países em desenvolvimento verificaram-se através de três
vias: 1) o declínio no crescimento e portanto na procura de trabalho,
2) o aumento no desemprego e portanto o declínio no poder negocial dos
trabalhadores, 3) choques inflacionários durante crises de divisas.
Devido à dependência de importações destes
países, as crises de divisas, isto é, a
depreciação, tem um efeito de transmissão sobre os
preços, gerando aumentos dramáticos na inflação.
Estes choques são não só inesperados como também
são difíceis de os trabalhadores fazerem reflectir nos seus
salários devido à sua magnitude.
A resultante nos países em desenvolvimento foi uma
deterioração radical no salário real e, consequentemente,
na participação do trabalho, o que tem perdurado após as
crises. Analogamente, as taxas de desemprego, as quais sobem durante as crises,
não têm retornado aos níveis anteriores após as
crises. O documento decomporá as origens do declínio da
participação dos salários: isto é, mudanças
nos salários reais e na produtividade do trabalho, esta última
decomposta também em mudanças no valor acrescentado e no emprego.
A seguir o documento apresentará estimativas econométricas sobre
os efeitos de crises financeiras sobre a fatia do trabalho em dez países
em desenvolvimento importantes. O documento discutirá também os
mecanismos institucionais do processo de negociação salarial.
Durante uma crise, os empregadores pressionam os sindicatos a aceitarem cortes
dramáticos nos salários ou afastamentos compulsórios
não pagos para evitar perdas de emprego. A crise também cria um
efeito histerese que destrói o poder negocial durante um longo
período posterior. Diwan (2001) define crises como episódios de
lutas pela distribuição, as quais deixam "cicatrizes
distribucionais". Os episódios de crise também têm
sido extremamente importantes para facilitar uma reestruturação
radical em algumas destas economias (exemplo: Coreia do Sul, Turquia), a qual
não poderia ser alcançada através de um processo
democrático sob circunstâncias económicas normais.
Quais serão os efeitos da actual crise global sobre diferentes
países? Precisamos distinguir quatro diferentes grupos de países.
1. Durante esta crise global, muitos países em desenvolvimento com um
antigo historial de crises estão mais uma vez a experimentar uma crise
conduzida por fluxos de saída do capital especulativo, apesar de
diferenças significativas na fragilidade das suas economias. Os
especuladores parecem não distinguir entre países como a Coreia
do Sul e Argentina, os quais não têm défices significativos
de transacções correntes ou têm mesmo excedentes de
transacções correntes, e países como a Turquia com um
elevado défice de transacções correntes e
dependência de fluxos de capital. Enquanto o anterior grupo de
países está a sofrer de uma crise que eles não criaram, os
países com défices de transacções correntes (como a
Turquia e a África do Sul) podem sofrer uma queda mais profunda, devido
às fragilidades acumuladas durante o ciclo de boom conduzido pela
especulação.
2. Os mercados emergentes da Europa do Leste também estão a ser
ameaçados pelo crash do crédito e por fluxos de saída de
capitais, e possíveis crises de divisas que acompanham as crises
bancárias. Após uma década de reestruturação
de elevado crescimento após o choque de transição inicial,
estes países mais uma vez enfrentarão os custos de
integração em mercados globais não regulados. Para estes
países, aprender com a experiência e os erros políticos das
crises anteriores é extremamente importante. Também é
importante aprender as técnicas de administração de crises
da Malásia através de controles de capitais. O grau de
desequilíbrios acumulados quanto a défices de
transacções correntes, apreciação da taxa de
câmbio e endividamento privado, particularmente em divisas estrangeiras,
determinará as diferenças na profundidade dos efeitos entre estes
países. A Hungria, Bulgária, Sérvia, Croácia,
países bálticos, Ucrânia e Rússia estão mais
expostos do que a Polónia, República Checa, Eslovénia e
Eslováquia. Mas mesmo este último grupo pode sofrer com efeitos
de contágio, o arrefecimento na procura global, o declínio nos
influxos de IDE e a contracção nas remessas.
3. Outros países em desenvolvimento como a China, Índia e Brasil,
embora os efeitos de contágio e o arrefecimento na procura global venham
a ser um problema importante, poderiam administrar a crise com base nos seus
grandes mercados internos, se eles pudessem elaborar uma política que se
distanciasse da pura dependência da orientação para a
exportação baseada nos baixos custos do trabalho.
4. Os países desenvolvidos parecem estar a experimentar a crise de um
modo diferente dos casos anterior de crises nos países em
desenvolvimento, graças à sua capacidade fiscal para se
protegerem do choque. O declínio imediato nas taxas de juro, e as linhas
de crédito a bancos internos, foram medidas anteriormente negadas pelo
FMI aos países em desenvolvimento. Além disso, nos países
em desenvolvimento a condicionalidade dos créditos do FMI utilizou as
crises para impor novas medidas de liberalização. É
interessante observar que países agora desenvolvidos estão mesmo
começando a considerar políticas fiscais contra-cíclicas
como reacção às crises nos seus próprios
países. Contudo, apesar desta administração da crise, os
efeitos do crash do crédito, particularmente em países com alto
endividamento habitacional (como EUA e Reino Unido), serão
significativos. Os efeitos multiplicadores do crash do crédito bem como
o declínio no consumo já começaram a afectar
investimentos. As expectativas pessimistas ampliarão o declínio
tanto do consumo como dos investimentos. Neste ambiente, os efeitos negativos
da crise sobre o trabalho actuarão através das vias da procura e
do poder negocial. Outras vias adicionais de efeitos negativos serão a
dívida habitacional, a qual terá fortes consequências
distribucionais para as famílias endividadas. Duas diferentes em
relação às crises nos países em desenvolvimento
podem ser esperadas: a) a dimensão da recessão inicial pode ser
mais moderada, mas uma vez que estamos a enfrentar uma recessão global,
a recuperação na actividade económica pode perdurar muito
mais tempo, provocando receios acerca de uma recessão de tipo
"L", mas muito mais forte do que a experiência japonesa da
década de 1990. Portanto os efeitos negativos sobre o mercado de
trabalho poderiam ser menos severos a princípio, mas podem persistir e
agravar-se a uma taxa crescente. b) Um choque inflacionário muito alto
não acompanhará a crise de crédito nos países
desenvolvidos, o que moderará os efeitos negativos sobre salários
reais. Aumentos dramáticos na inflação no casos dos
países em desenvolvimento deveram-se ao colapso de divisas. c) No
entanto, no caso de a recessão persistir por mais tempo, a probabilidade
do cenário de deflação pode provocr outros grandes riscos
para estas economias e o trabalho.
Finalmente, o documento extrairá as implicações
políticas. Nesse sentido, uma dimensão de alternativas
políticas refere-se a políticas internas respeitantes a: a) a
distribuição dos custos da crise, b) política fiscal,
programas de emprego e política distribucional para reverter os efeitos
negativos da crise sobre a procura, c) organização contra o
perigo da extensão dos efeitos da crise e dos pacotes de salvamento
sobre a distribuição através dos seus efeitos futuros
sobre as despesas sociais, d) o redesenho do sector financeiro, dados os custos
maciços de decisões irresponsáveis deste sector. A
segunda implicação política refere-se à
dimensão global. Os efeitos negativos da globalização
não são um destino inevitável, são antes uma
resultante das actuais políticas neoliberais. O trabalho no Norte e no
Sul (ou no Leste e no Oeste) tem mais denominadores comuns do que actualmente
considerado. Há espaço para cooperação
internacional, no caso de a falha de coordenação pode ser
ultrapassada. Portanto, redefinir as regras do jogo, coordenar o cenário
institucional da economia global é a única alternativa para
reajustar o campo de jogo ao retorno de condições mais justas
para o trabalho. No entanto, criar um consenso entre estes objectivos no Norte
bem como no Sul também exige uma política global
sistemática sobre a redistribuição internacional e o
desenvolvimento. Como ou se o Norte apoiar o Sul no aguentar da actual crise
global será também importante a fim de criar sinais positivos
para a cooperação global. Isto define novos papéis e
tarefas para os sindicatos em cada país, uma vez que eles são
agentes políticos que têm o interesse e o potencial para
pressionar por uma tal mudança de política a nível global.
[*]
Professor Assistente, PDozent Dr., Vienna University of Economics, Institute of
Labor Economics.
Wirtschaftsuniversitaet Wien UZA4 VWL9 Room no: D311 Nordbergstr. 15 1090
Vienna, Austria, Tel: +43 1 31336 5937, Fax: +43 1 31336 90 5937,
ozlem.onaran@wu-wien.ac.at
O original encontra-se em
www.global-labour-university.org
. O texto acima é o resumo do documento "From the Crisis of Distribution to the
Distribution of the Costs of the Crisis: What Can We Learn from Previous Crises
about the Effects of the Financial Crisis on Labor Share?". O documento foi
elaborado originalmente para apresentação na Global Labor University
Conference, Mumbai, 22-24/Fevereiro/2009. O texto completo está disponível (em
PDF) no sítio web do Political Economy Research Institute e da Global Labor University.
Este resumo encontra-se em
http://resistir.info/
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