por Nafeez Ahmed e Andrew Markell
[*]
Quando um sistema entra na sua fase final de degradação
quer seja um sistema institucional, um Estado, um império ou o corpo
humano todos os importantes fluxos de informação, suportes
de uma comunicação coerente, começam a falhar. Nesta
derradeira fase, se a situação não for corrigida o sistema
entra em colapso e morre.
Tornou-se óbvio para quase todas as pessoas que se atingiu esta
situação no planeta e nas nossas instituições
democráticas. Vemos a absoluta disfuncionalidade de como está
arquitectada a informação a nível global
representada na intersecção dos principais media de grande
público, plataformas de tecnologia social e mega processadores internet
gerar apatia generalizada, desespero, insanidade e loucura numa escala
aterradora.
E temos razão para estar aterrorizados, porque esta
situação está a impedir-nos de tomar as necessárias
acções para resolver os desafios locais e globais. Enquanto os
liberais lutam com conservadores e os conservadores com os liberais, perdemos
um tempo precioso.
Enquanto os progressistas lutam contra o governo, as grandes empresas e os
super-ricos, nós afundamo-nos em desespero. Enquanto os filantropos,
alimentados pela sua própria segurança e riqueza, lutam por
justiça, por igualdade ou por alguma pobre aldeia em África
tornamo-nos apáticos e distraídos da verdadeira origem do
problema. E enquanto o presidente luta contra todos e todos contra o
presidente, as comunidades enlouquecem.
No fundo, no entanto, o jogo de acumular recursos e não os redistribuir
acelera; absorvendo a soma total de nossas acções e compromissos
colectivos, num futuro singularmente inaceitável. Há apenas uma
maneira de evitar este destino; descobrir a origem da doença e cura-la
mobilizando as soluções.
Vamos desvendar a origem desta doença da informação que
nos está a acelerar o colapso ecológico e institucional, porque
uma vez identificada, estaremos livres para agir e construir uma alternativa.
O colapso das instituições democráticas
A civilização industrial está em vias de uma grande
transformação, uma transição sistémica que
nos pode levar à regressão, à crise e ao colapso; ou a uma
nova forma de trabalhar e viver, um novo modo de prosperidade, uma nova
noção de sucesso.
O complexo dos media globais não está preparado para lidar com
esta grande perturbação da civilização tal como a
conhecemos. Pelo contrário, é literalmente incapaz de processar a
informação de forma consistente e produzir para uma percentagem
significativa da população mundial
conhecimentos reais que possa tornar a humanidade capaz de efectuar com
êxito a transição para uma nova era.
Actualmente o complexo dos media globais
agrava
os problemas que enfrentamos.
Fá-lo ao não fornecer, apesar das aparências, absolutamente
nenhum conhecimento. O modelo predominante dos media é monopolizar e
manipular fluxos de informação para produzir crenças e
emoções que permitirão aos mega processadores internet
maximizar "cliques", maximizar receitas de publicidade, maximizar
lucros ? para uns poucos.
Portanto, ao invés de criar conhecimento, o complexo dos media globais
está concebido para gerar
narrativas em competição, polarizadas
para diferentes públicos aglutinados em comunidades segregadas e
irreconciliáveis; reforçando as crenças sem ensinar o
pensamento crítico; atenuando atitudes de abertura e promovendo uma
dicotomia esquerda-direita banalizada que alimenta uma cultura global de
consumismo insensato.
Esta estrutura, predominante nos media restringe a capacidade do público
para tomar decisões inteligentes. E permite que os desafios globais em
termos ecológicos, energéticos, económicos e sociais,
entre outros, acelerem, enquanto discutimos entre nós sobre ideologia.
A consequência é que esses fluxos de informação
estão inexoravelmente ligados aos processos dominantes de
maximização do lucro para uma escassa minoria; tanto é
assim, que a relação das pessoas com a informação
é gerida como um mecanismo de controlo sobre a atenção e a
persuasão ideológica.
A monopolização dos meios de comunicação e do
jornalismo
No âmago das nossas instituições democráticas em
vias de colapso situa-se o complexo dos media globais. Se se for
suficientemente corajoso para o olhar de perto veremos que quer a
"imprensa livre" quer as "notícias falsas" funcionam
como uma extensão estrutural de uma forma extrema de capitalismo
predatório, usando informações para capturar riqueza para
uns poucos em detrimento de muitos, através da captura das nossas
mentes. São duas faces da mesma moeda que fabrica para as mesmas pessoas
somas de dinheiro obscenas.
Só temos de perscrutar para além das aparências para nos
depararmos com este factp.
Nos EUA, seis enormes conglomerados transnacionais possuem a totalidade dos
meios de comunicação, incluindo jornais, revistas, editoras,
redes de TV, canais por cabo, estúdios de Hollywood, etiquetas de
gravação e websites populares: Time Warner, Walt Disney, Viacom,
News Corp., CBS Corporation e NBC Universal.
No Reino Unido, 71% dos jornais nacionais são possuídos por
apenas três mega empresas, enquanto 80% dos jornais locais são
propriedade de meras
cinco
empresas.
Hoje, o maior proprietário mundial de media é o Google, seguido
de perto pela Walt Disney, Comcast, 21st Century Fox e Facebook. Juntos, Google
e Facebook monopolizam um quinto da receita publicitária global. E todas
essas corporações controlam a maior parte do que se lê,
vê e ouve, incluindo on-line. Eles definem a nossa compreensão do
mundo e de nós próprios.
Porém, representam um pequeno número de pessoas que têm uma
visão muito estreita do mundo.
Isto porque essas estruturas de poder fazem parte do que um
estudo
publicado na revista
PLoS One,
descreveu como uma "rede global de controlo de empresas". Os autores
do estudo, uma equipa de teóricos de sistemas do Instituto Federal
Suíço de Tecnologia,
descobriu
que as 43 mil transnacionais mais poderosas do mundo são dominadas por
1318 empresas, por sua vez dominadas por uma "super entidade" de
apenas 147 empresas.
Portanto, a maioria do que se lê, vê ou ouve através dos
media é estruturalmente condicionado por uma rede de interesses
particulares auto-suficientes e autónomos. É por isso que a
distinção entre notícias falsas e verdadeiras é
ilusória e desonesta.
Devido a essa estrutura, praticamente tudo o que encontramos como
"notícias" funciona como um pedaço de subtil ou
ostensiva propaganda para nos distrair da verdadeira actividade que dirige
estes maquinismos. Pouco importa se provêm da
Mother Jones,
do
New York Times,
do Breitbart ou da Fox News tudo o que chega até nós
dentro desta estrutura produz o efeito debilitante de confundir as nossas
mentes e estimular as nossas emoções numa mistura complexa de
raiva, resignação, apatia e preguiça.
A Google por trás do espelho
Para entender o poder desses interesses particulares em monopolizar a
informação ao serviço dos seus próprios objectivos,
não precisamos olhar mais longe do que para a história do
proprietário do maior de todos os media do mundo. Em janeiro de 2015,
INSURGE revelou a
história exclusiva
de como a Google foi fundada e
evoluiu
sob a asa dos serviços secretos dos EUA.
O
relatório
revelou como, durante o desenvolvimento do código do núcleo do
motor de busca Google, um estudante de pós-graduação da
Universidade de Stanford, Sergey Brin, recebeu financiamento através de
um programa de pesquisa da CIA e da NSA, o Massive Digital Data Systems (MDDS).
A confirmação veio de um ex-dirigente do MDDS, Dr. Bhavani
Thuraisingham, que é agora o distinto professor Louis A. Beecherl
diretor executivo do Cyber Security Research Institute da Universidade do
Texas, em Dallas.
Isso não foi necessariamente incomum a comunidade dos
serviços secretos tem estado envolvida em Silicon Valley por todas as
espécies de razões óbvias. O interessante é que
provavelmente nunca se soube como isto funcionou em relação ao
Google. E isto diz muito sobre a forma como opera o complexo dos media globais.
Suas afirmações são corroboradas por uma referência
ao programa MDDS num
documento
de co-autoria de Brin e Larry Page co-fundador Google, seu companheiro quando
estava em Stanford.
Como os media todos os media lidam com a verdade
Esta história foi totalmente ocultada na imprensa de língua
inglesa, exceto o site de informações tecnológicas dos EUA
Gigaom,
que
recomendou
a nossa investigação da seguinte maneira:
"Um relato interessante, ainda que extremamente denso, das
interacções de longa data do Google com os serviços
militares e secretos dos EUA, foi publicado nos media na semana passada."
Isto tem implicações muito importantes que merecem análise
cuidadosa: em suma, a história do Google, do seu financiamento inicial e
parceria com a CIA e NSA [National Security Agency] são revelados,
mas nem um único jornal de língua inglesa quis dar cobertura ou
reconhecer a história.
No entanto, que notícia poderia ser mais importante, do que um dos
maior "facilitadores de informação" do mundo estar
tão estreitamente alinhado com os serviços secretos dos EUA desde
a sua origem?
A falta de interesse não é o resultado de uma
conspiração. É o resultado previsível do facto de o
complexo dos media globais representarem uma estrutura institucional altamente
centralizada que perpetua uma cultura de obediência servil ao poder.
O complexo dos media globais oculta em grande parte conhecimentos importantes
sobre a própria estrutura e natureza do poder. É por isso que
esta é provavelmente a primeira vez que se viu a evidência directa
de que o mais poderoso media do mundo, a Google, foi concebido com o apoio dos
serviços secretos dos EUA.
Poder e controlo sobre a nossa mente e os nossos recursos
Isto não é sobre saber se o Google é singularmente
"má". É sobre um paradigma mais amplo de padrões
de propriedade inaceitáveis e redes sociais por toda a paisagem
mediática.
Considere-se William Kennard. Ele pertenceu à
administração do
New York Times,
em seguida, tornou-se presidente da Comissão Federal de
Comunicações. Depois entrou no grupo de Carlyle como diretor. A
maioria do Carlyle pertence à Booz Allen Hamilton, empresa que gere a
vigilância da NSA. Depois Kennard juntou-se à
administração Obama como embaixador dos EUA para a UE, fazendo
pressão pelo TTIP (Tratado Transatlântico de Parceria para o
Comércio e Investimento) uma parceria secreta e
favorável às corporações
.
Considere-se John Bryson, secretário de Comércio de Obama
até 2012. Na década anterior, fez parte da
administração da Walt Disney Company, que é dona da
American Broadcasting Corporation (ABC). Porém, simultaneamente estava
na administração da Boeing, com contratos com a defesa dos EUA.
Apesar de se demitir destas posições depois de entrar para o
governo,
manteve
lucrativa carteira de ações, opção de ativos e
planos de remuneração diferida com a Disney e a Boeing.
Considere-se Aylwin Lewis, outro diretor da Walt Disney Company, e
simultaneamente director de longa data na Halliburton, uma das maiores
transnacionais de serviços petrolíferos, empresa anteriormente
dirigida por Dick Cheney. Uma subsidiária da Halliburton, baseada em
Houston a KBR Inc.,
recebeu
39,5 mil milhões de dólares na última década por
contratos no Iraque muitos dos quais negócios sem concurso.
Considere-se Douglas McCorkindale, diretor do conglomerado mediático
gigante Gannett durante décadas e patrão de várias
subsidiárias. Gannett é a maior editora de jornais dos EUA,
avaliado pela circulação diária e possui importantes
estações de TV, redes regionais de notícias por cabo e
estações de rádio. Ainda durante cerca de uma
década, McCorkindale foi também diretor no gigante da defesa dos
EUA, Lockhead Martin, saindo em abril de 2014.
Considere-se que estes indivíduos, através dos seus interesses
nas indústrias de meios de comunicação e da defesa,
lucraram directamente em guerras devastadoras que foram efectivamente tornadas
possíveis também pela sua própria propaganda.
Note-se que se trata de um jogo bipartidário, beneficiando largamente de
forma idêntica liberais e conservadores.
Portanto, a crise global da informação e a
crise da civilização
em que vemos uma crescente convergência de extremismo
político, destruição ecológica e volatilidade
económica, destroçando as nossas sociedades e famílias,
frustrando as esperanças da nossa juventude fazem claramente
parte da mesma realidade.
A mercantilização da informação é parte
integrante da mercantilização do planeta. Este é um jogo
onde a nossa mente, a nossa atenção e futuro são reduzidos
a um activo sem valor, negociado através dos mercados, até que
nada reste. Mas não há nenhuma necessidade de aceitar este
destino. Tudo o que é necessário é que se veja como ele
é.
Uma vez visto, ideias e novas informações podem fluir nas nossas
mentes, novas emoções podem fluir no nosso corpo e estaremos
habilitados a agir. Se o percebermos podemos agir. Torna-se óbvio que a
única solução é redesenhar o formato
jornalístico de tal forma que informações e novas ideias
conduzam a uma acção construtiva. Torna-se evidente que para
reanimar a esfera pública e restaurar as nossas
instituições democráticas devemos fazer com que o fluxo de
dinheiro dos media volte para onde pertence: para as mãos dos
jornalistas e dos leitores-participantes, comprometidos com a
criação de um futuro justo e sensato.
Ver também:
O modelo da propaganda revisitado
, Edward S. Herman
[*]
Nafeez Ahmed e Andrew Markell são dois dos co-fundadores da PressCoin e
Insurge.
PressCoin
e
Insurge
são a próxima geração de plataformas de meios de
comunicação e jornalismo baseados em inovações
blockchain e cripto-moeda e no formato de investigação Open
Inquiry para substituir o atual inadaptado e destrutivo ecossistema de
informação, que conduz tudo no nosso planeta ao caos e à
confusão, por um sistema de informação pública
inteligente e coerente.
O original encontra-se em
www.counterpunch.org/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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