Crise de oferta, crise de procura e crise da política económica
A Comissão Europeia decidiu flexibilizar as regras orçamentais
para que os Estados-membros possam gastar mais (aumentar os défices que,
por efeito da recessão, serão de qualquer modo maiores), e foi
buscar aos restos dos fundos comunitários algum financiamento para
investimento. Com muitos outros economistas, entendo que não é a
intervenção, em escala e qualidade, que esta crise exige.
Antes de mais, é preciso dizer que política monetária
é ineficaz para esta crise, tal como já o foi para retirar a zona
euro do marasmo da crise financeira anterior. O foco da política
não pode ser nas empresas (custos, financiamento); tem de ser na procura
que as sustenta. E de nada serve sustentar temporariamente empresas que
já estavam mal a pretexto de evitar o desemprego. O foco tem de ser na
criação de emprego através de um Serviço Nacional
de Emprego que identifique as necessidades dos territórios e financie
(com salário digno e descontos para a SS) os postos de trabalho que
vão acolher os desempregados.
O que os Estados-membros vão fazer é gastar o dinheiro
apressadamente em obras que vão ser adjudicadas de forma duvidosa (para
ser rápido, como na Parque Escolar com Sócrates) e cujos
orçamentos vão ser empolados e gerar lucros que não
estimulam o consumo e o emprego. Noutro dia falarei sobre o que deve ser uma
política de pleno emprego verdadeiramente Keynesiana, bem diferente de
gastar dinheiro apressadamente.
O gráfico mostra a interdependência entre a crise da oferta que
estamos a viver e a crise da procura que dela decorre. Mostra como esta
última vai agravar a primeira, gerando-se um círculo vicioso que,
para ser rompido, exige uma intervenção forte, em larga escala,
direccionada para o emprego porque é aí que está a procura
que sustenta as empresas no mercado interno.
Para não sobrecarregar a figura, a vertente externa não foi
considerada. Se a pandemia tiver proporções dramáticas nos
EUA, e se a estratégia da Rússia de rebentar com a
indústria do petróleo de xisto, fazendo baixar os preços,
tudo isso vier a produzir uma grave crise nesse país, então
haverá repercussões importantes sobre a Europa, com efeitos
negativos sobre as nossas exportações que agravarão os
efeitos da crise do vírus.
As intervenções previstas pela CE e Estados-membros terão
seguramente algum efeito amortecedor mas, a meu ver, vão ficar muito
aquém do que é necessário e não serão
dirigidas à fonte da procura, os trabalhadores. Ainda por cima,
há uma herança muito negativa da crise financeira e da
intervenção desastrosa da troika.
Nota: nem todas as setas significam agravamento da crise; as relacionadas com a
baixa do preço dos combustíveis e com a intervenção
da CE, são factores de atenuação da crise.
11/Março/2020
[*]
Economista
O original encontra-se em
ladroesdebicicletas.blogspot.com/2020/03/crise-de-oferta-crise-de-procura-e.html
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
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